15 de dezembro de 2014

Amor platónico, amor encarnado

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Ai flores, ai flores do verde pino,
sesabedes novas do meu amigo!
ai Deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo,
sesabedes novas do meu amado!
ai Deus, e u é?
Cantiga de amigo da autoria de El rei D. Dinis

Quando Portugal ainda estava no seio do reino de Leão a língua que se falava, em todo o Noroeste da Península Ibérica, era o Galaico-Português. Uma língua nascida no mundo artístico, pelo que os primeiros escritos nesta língua são as cantigas de amigo e de amor, que cantavam os trovadores vindos de França a caminho de Santiago de Compostela.

“Absense makes the heart grow fonder”- A distância faz o amor mais profundo, diz o proverbio inglês. O que de facto caracterizava estas cantigas de amor e de amigo era o facto de os amantes estarem distantes um do outro. Escasseavam os encontros pelo que, consumidos pela saudade, os amantes viviam o seu amor platonicamente na imaginação e na fantasia, alimentadas pelas poucas notícias e cartas. Quando depois de muito tempo, anos até, os amantes se encontravam a alegria era indescritível….

Assim foi também, durante muito tempo, o amor entre Deus e os homens, os homens e Deus. Um amor platónico que era alimentado pelos mensageiros, os profetas que Deus ia enviando ao mundo. Até que um dia… Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, João 3,16. Em Jesus de Nazaré nascido em Belém encontram-se finalmente a humanidade e Deus, Deus e a humanidade. Este encontro está simbolizado na parábola dos convidados à boda (Mateus 22, 1-14); a boda na qual Deus casa o seu filho com a humanidade.

Religião e revelação
Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos Profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho. Hebreus 1,1-2

Esta frase, da carta aos Hebreus, pode resumir todas as religiões para além da cristã. Religião, do latim “religare”, significa relação com Deus e com o proximo. Desde que a especie humana é consciente de si mesma acredita na possível existencia de um ser superior, transcendente a tudo e a todos porque criador de tudo e de todos. Em todo o tempo e em todo o lugar o homem procurou comunicar-se com este ser superior, Deus, para obter o seu beneplacito.

As ondas de telemóvel, da televisão e da radio cruzam o nosso espaço e nós não as ouvimos nem as vemos, mas sabemos que é assim porque quando temos os instrumentos adequados nós captamo-las. Analogicamente Deus também buscou comunicar-se com o homem e o homem com Deus; mas também esta comunicação não é acessível a todos, é preciso ter uma sensibiliade especial para entrar nesta comunicação.

Sempre houve pessoas com uma sensibilidade especial para comunicar-se com Deus. Na tradição bíblica, os profetas eram os catalisadores dos desígnios de Deus para o povo e das petições do povo a Deus. A comunicação, no entanto, não se fazia sem dificuldades; tal como no campo das telecomunicações, havia muitas “interferências”; a persoanlidade e caracter do profeta, defeitos e preconceitos, filtravam a mensagem que não chegava ao destinatário tal como tinha saído do emissor. Por outro lado e muitas vezes estes profetas entendiam que o Céu estava fechado e Deus envolto em silêncio.

Meu Deus, clamo por ti durante o dia e não me respondes; durante a noite, e não tenho sossego. Salmo 22, 3. O povo de Israel nunca se contentou com esta comunicação, tão deficitária, e vivia num contínuo desassossego.

O meu coração murmura por ti, os meus olhos te procuram; é a tua face que eu procuro, Senhor. Salmo 27, 8. O verdadeiro amor nunca se acostuma à ausência.

O cristianismo não é uma religião, pois não consta do esforço ou tentativas do homem em chegar a Deus, ao contrário; o cristianismo é uma revelação porque é Deus que busca o homem e se revela a ele.    Como diz Jesus no evangelho, não fostes vós que me escolhestes; fui Eu que vos escolhi a vós e vos destinei a ir e a dar fruto, e fruto que permaneça; e assim, tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome Ele vo-lo concederá. João 15, 16

Natal, o dia do encontro
Tudo me foi entregue por meu Pai; e ninguém conhece o Filho senão o Pai, como ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.» Mateus 11, 27

O homem por mais que tentasse nunca chegaria por si só a Deus; por isso, ao contrário de todas as religiões, no entender do cristianismo, por ser um Revelação, Deus não manda recado vem Ele mesmo.

No Natal celebramos a grande verdade, que Deus não está envolto em silêncio, mas sim em panos e depositado numa manjedoura. Com o nascimento de Jesus, Deus rompe o silêncio, elimina a distância e desfaz a inacessibilidade. Jesus é o Emanuel, Deus connosco, à nossa beira; companheiro de viagem na nossa vida como o foi com os discípulos de Emaús.

Em Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, dá-se finalmente o tão esperado encontro da humanidade com Deus e de Deus com a humanidade; uma comunicação plena sem interferências nem intermediários. O amor que foi platónico, durante tanto tempo, é agora um amor real.
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de dezembro de 2014

A Imaculada Conceição da Virgem Maria

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Origem do pecado e pecado original
Deus criou o homem à sua imagem e semelhança; com o pecado perdemos a semelhança de Deus, mas mantemos ainda a sua imagem. Já não somos como Deus nos criou; o pecado dos nossos pais alastrou-se no espaço e no tempo alterando profundamente a natureza humana. O homem construiu o seu próprio inferno, tipificado nas cidades de Sodoma e Gomorra. O dilúvio destruir tudo e começar de novo, com a família de Noé, foi o primeiro plano para salvar a espécie humana. A descendência de Noé depressa voltou ao pecado dos seus antepassados.

Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que ficaram embotados. (Jeremias 31, 29) Sem conhecer as leis da hereditariedade de Mendel os hebreus eram conscientes que certos males passavam de pais para filhos. De facto o pecado de Adão e Eva corrompeu-os, não só a nível existencial como pessoas mas também a nível genético, pelo que as consequências seriam sofridas por toda a espécie humana.

Usurpação do critério do bem e do mal
A pseudo emancipação do homem, o querer ser como deus, o ter usurpado a Deus a prerrogativa do bem e do mal, foi a origem do pecado ou pecado original que vai passando de geração em geração, pois modificou o ADN da espécie humana. O mal instalou-se dentro da espécie humana de tal forma que como dizia Jesus, em Mateus 15, 11, “Não é aquilo que entra pela boca que torna o homem impuro; o que sai da boca é que torna o homem impuro”. Não é portanto a má educação que leva o homem a ser mau; a maldade já está no interior.

Enquanto o critério do bem e do mal estava no centro do jardim do Éden, e pertencia exclusivamente a Deus, a terra era o Reino de Deus; havia paz, união, consenso, pois todos se submetiam a um critério único. Quando o Homem querendo ser como Deus se colocou no centro, roubando a prerrogativa do bem e do mal, instalou-se a divisão, a guerra, a subjectividade, a arbitrariedade, o relativismo, a divisão, a discórdia. Todos os indivíduos querem o centro. Não pode haver dois centros, se eu tenho o critério do bem e do mal tu não o tens ou eu não to reconheço.

Ninguém faz o mal pensando que está afazer o mal; Hitler ao matar 5 milhões de Judeus pensava que estava a fazer um serviço à humanidade; as bombas suicidas que se matam, matando pessoas inocentes, dizem que se estão sacrificando por um bem maior; os extremistas muçulmanos matam em nome de Deus….

Somos maçãs com bicho
Os pais que se esmeram na educação dos seus filhos ficam admirados quando estes começam a mentir, a roubar e a fazer outras travessuras que eles nunca ensinaram aos filhos. O mal está dentro de nós e não precisa de ser aprendido. Como diria o psicólogo Jung o mal pertence ao inconsciente colectivo da humanidade. Cada acto malvado, que um individuo leva a cabo, instala-se nesse coeficiente colectivo de tal forma que os indivíduos que nascem depois nascem com a capacidade de o voltar a realizar sem precisarem de nenhuma aprendizagem.

Muita gente ao ver uma maçã com um buraquinho pensa que o buraquinho foi feito pelo bicho, ao entrar na maçã, quando o contraio é que é verdade, foi feito pelo bicho ao sair da maçã. O bicho é um ovo que um insecto depositou na maçã, no momento da sua concepção, ou seja quando era ainda uma flor. Todos nós somos maçãs com bicho, o mal está dentro de nós e só precisa de uma determinada circunstancia para se revelar.

Não é portanto como diz o proverbio “A situação faz o ladrão”. Todos, tarde ou cedo, são confrontados com situações onde podem roubar; à partida todos somos capazes de roubar. Roubar ou não roubar vai depender do grau de educação, em valores humanos, que temos no momento da tentação. Só esse grau de educação, em valores humanos, pode contrariar a tendência inata em todos.

De Eva a Avé
Duas são as razões pelas quais Deus veio até nós em forma humana; a primeira para nos dizer, de uma forma definitiva, como é Deus, a segunda para nos dizer como é o ser humano e como deve ser. Cristo é de facto a medida do humano, o metro padrão da humanidade, aquele com quem todos os indivíduos se devem medir, pois Ele é a norma, ele é o modelo, o paradigma. Cristo é o homem que Deus criou em Adão, antes de este ter desobedecido, de facto Jesus mostra, pelas palavras e pelas obras que se mantem, toda a sua vida, obediente a Deus.

Como Cristo é o segundo Adão, Maria é a segunda Eva. Avé é de facto Eva ao contrário. Cristo, o filho de Deus altíssimo, não podia ter como mãe Eva, depois do pecado; por isso no momento da sua conceição, no momento em que meia célula de Joaquim se uniu à meia célula de Ana sua esposa, Deus actuou, evitando que os genes que desde o pecado de Adão e Eva tinham passado de geração em geração passassem também para Maria. Maria foi concebida sem pecado original, por ter sido destinada a ser a mãe do filho de Deus. Não faz sentido que Deus encarnasse na natureza humana que Adão e Eva modificaram com o pecado. Por isso Maria que ia a ser a mãe do Senhor foi preservada desta herança negativa comum a todos os mortais.

Na Etiópia não existe a figura negativa de madrasta. Muitas vezes uma é a mãe biológica e outra é a mãe que cria e educa. Chama-se a “Ingera enat” ou seja, mãe do pão. Quando estudava teologia tinha um colega que à sua tia biológica chamava mãe e à sua mãe biológica chamava tia. O meu colega tinha sido rejeitado pela sua mãe biológica e acolhida pela irmã desta que o criou, era tanto o amor que tinham um pelo outro que estando ela já doente, terminal de cancro, não faleceu enquanto não viu o seu filho (biologicamente sobrinho) ordenado sacerdote.

Eva é a mãe biológica de todos os viventes; Maria é a nossa mãe de pão, desse pão eucarístico que é o seu filho que nasceu num cidade chamada Belém, que literalmente significa casa de pão, e que ela depositou numa manjedoura, recipiente onde se come, para que nós nos alimentássemos dele.

Eva é a nossa progenitora, mas abandonou-nos à nossa sorte, Maria é aquela que provê às nossas necessidades quando em Caná diz “Não têm vinho” João 2, 2

Eva é a que nos ensinou a fazer o mal, Maria é a que nos educa e ensina a fazer o bem ao apontar para o seu filho e dizer “fazei o que ele vos disser” João 2, 5.
Pe. Jorge Amaro, IMC

15 de novembro de 2014

Bullying

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O ano passado, mesmo aqui na escola de Palmeira (Braga), um jovem suicidou-se porque não aguentava mais o gozo sistemático e persistente ao qual os seus colegas o tinham submetido. Porque o silêncio é parte do problema, quero no princípio deste novo ano lectivo, com estas linhas, ser parte da solução. Como visito com regularidade as escolas, para falar da Missão, quero contribuir para que estas cumpram melhor a sua função de formar não só intelectualmente mas também humanamente as pessoas, que amanhã vão tomar as rédeas do nosso mundo.

O bullying nas galinhas e nos porcos
Durante os meus anos de especialização, em Teologia Moral ou Ética, tinha uma admiração especial pelo trabalho de Konrad Lorenz, fundador da Etologia, o estudo comparativo do comportamento humano e animal. Sem pretender atentar contra a dignidade humana, Lorenz, concluiu que muitos dos nossos comportamentos são também exibidos por animais sobretudo os mais próximos de nós na evolução.

Os 5 milhões de anos que nos separam do primata mais próximo, para bem ou para mal, não foram suficientes para transformar ou acabar com a animalidade, que é parte integrante do nosso ser. Apesar de sermos auto conscientes, exercermos, mais ou menos, controlo sobre nós próprios, sentimentos e pensamentos, o que temos em comum com os outros seres vivos, o nosso instinto animal, é de longe o que mais motiva e determina o nosso comportamento do dia-a-dia.

No tempo em que cuidava de galinhas poedeiras, frangos de aviário e porcos observei que sempre que algum destes animais, por qualquer razão, ficava ferido os outros iam morder ou picar na ferida até o matarem. Sabendo disto, a miúdo procurávamos dentro do curral algum frango ou porco que tivesse uma ferida aberta e sangrante para o poder retirar a tempo e coloca-lo noutro local até a ferida sarar, antes que os outros o matassem.

“Al perro flaco todo son pulgas” diz um proverbio espanhol. Bullying é o que as hienas fazem perseguindo um cavalo ferido magro, que mal se tem em pé e está prestes a morrer. Bullying é o abutre a perseguir um bebé, que se arrasta com fome e sem energia no campo de refugiados do Darfur no Sudão para o lugar onde há alimento. Refiro-me a uma fotografia que deu a volta ao mundo e que causou a morte, por suicido, ao fotógrafo que por ela ganhou um prémio mas não ajudou a criança nem sabia se tinha sido ou não comida pelo abutre.

O bullying entre os humanos é, a meu modo de ver, decalcado deste comportamento animal. Os que o praticam buscam os colegas mais frágeis, mais tímidos e mais vulneráveis, não se metem com os fortes, com os que se podem valer por si mesmos. Se Konrad Lorenz fosse vivo talvez validasse as minhas observações e concluísse que afinal o bullying é um comportamento animal e portanto irracional.

Este tipo de comportamento não existe só nas escolas. Bullying foi o que fizeram os fariseus ao trazer a Jesus uma mulher apanhada em adultério para ser apedrejada. Bullying é o que os soldados fizeram a Jesus ajoelhando-se em troça diante dele coroado de espinhos dizendo, “Salve o rei dos judeus”; bullying é um povo cruel, sedento de sangue, sem dó nem piedade, ante um Jesus coberto de sangue gritar crucifica-o! Bullying foram todos os linchamentos da história da humanidade, quando o povo enraivecido se transforma na besta mais irracional e no animal mais monstruoso. O ser humano pode chegar a ser mais irracional que o animal, de facto, como notava Lorenz é o único animal que mata dentro da sua própria espécie.

Psicologia do agressor
A maioria dos bullies são fisicamente mais fortes e mais altos que as outras crianças, procuram especificamente os mais fracos, os mais tímidos e os menos equipados para se defender. Ignorados e abusados em casa, na escola desquitam-se ou buscam o respeito e o amor que não têm em casa.

Quem não é amado incondicionalmente em casa busca na rua ou na escola esse amor de formas inadequadas, metendo-se com os outros para dar nas vistas, ganhar popularidade e amizade, e tudo o que ganham é um falso amor baseado no medo.

Quando chegam à idade adulta são anti-sociais e mais propensos a cometer crimes, a bater nas esposas e nos filhos produzindo assim uma nova geração de bullies.

Psicologia da vítima
Geralmente as vítimas são mais sensíveis, cautelosas e calmas do que outras crianças; socialmente pouco competentes, nunca iniciam uma conversa e isolam-se da convivência com os colegas. Como têm uma visão negativa da violência, fogem dos confrontos e conflitos e irradiam ansiedade, medo e vulnerabilidade, que são farejadas pelos agressores, da mesma maneira que um cão fareja o nosso medo e ansiedade antes de nos atacar.

O seu temor e fraqueza física, tom de voz baixo e submisso, são parte de uma linguagem corporal que os denuncia e atraindo sobre si mesmos os bullies. Frequentemente estas crianças são rejeitadas, não só pelos bullies mas também pelos outros colegas; acabam por desenvolver uma atitude negativa em relação à escola e quando começam a ser agredidos ficam ainda mais ansiosos e amedrontados, o que aumenta a sua vulnerabilidade e a possibilidade de serem mais vitimizados, entrando assim num círculo vicioso e espiral de stress que leva a muitos ao suicídio.

Tão ladrão é o que vai à vinha como o que fica à porta
Frequentemente a vítima está tão fragilizada que, por medo ou por vergonha, nem denuncia nem busca ajuda, sofre sozinha… por isso quem sabe do caso ou contempla um episódio de bullying e nada faz tem uma responsabilidade acrescida; o silêncio e a passividade faz dele um cúmplice.

Portanto o contrário de bullying, não é não bullying mas sim, ser bom samaritano, ajudar e denunciar. Se não és parte da solução então és parte do problema; o teu silêncio faz de ti um cúmplice e homicida no caso da vítima se suicidar, como fez aquele jovem da escola de Palmeira.

O silêncio da maior parte do povo alemão, ante o genocídio de 5 milhões de judeus, fez deles cúmplices. Os mafiosos contam com o silêncio dos que até por simples casualidade são testemunhas dos seus actos. Sem silêncio não haveria mafia. Sem silêncio não haveria bullying. O nosso silêncio é por tanto culpável, e parte do problema pois, sempre leva à impunidade dos agressores e à fatalidade das vítimas.
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de novembro de 2014

Todo santo teve um passado, todo pecador tem um futuro

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Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério. Moisés, na Lei, mandou-nos matar à pedrada tais mulheres. E Tu que dizes?» (…) Jesus, inclinando-se para o chão, pôs-se a escrever com o dedo na terra. Como insistissem em interrogá-lo, ergueu-se e disse-lhes: «Quem de vós estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra!» (…) Ao ouvirem isto, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos, e ficou só Jesus e a mulher que estava no meio deles. Então, Jesus ergueu-se e perguntou-lhe: «Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?» Ela respondeu: «Ninguém, Senhor.» Disse-lhe Jesus: «Também Eu, não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar. João 8 1-11

“Quem não tem pecado que atire a primeira pedra”. Porque todos, de uma forma ou de outra, somos pecadores, a nossa miséria comum, deveria despertar compaixão de uns pelos outros. Pelo contrário, a maior parte das vezes suscita a crítica; uma critica mordaz e hipócrita, porque ninguém está livre de culpa. Jesus aconselha-nos a não julgar para não sermos julgados; adverte ainda que a medida que usarmos com os outros será usada connosco; e também, sobre esta mania nossa de apontar o dedo, diz em tom de repreensão: porque reparas no argueiro que está na vista do teu irmão, e não vês a trave que está na tua vista? Mateus 7, 3.

O olho humano não pode ao mesmo tempo focar ao longe e ao perto; por isso quem abunda na crítica aos outros, ou seja, quem foca ao longe e coloca a sua atenção nos defeitos dos outros, muito provavelmente é deficiente em autocrítica, ou seja, não foca ao perto para os seus próprios defeitos.

Mas porque focamos melhor ao longe que ao perto? E porque sentimos prazer expondo os pecados dos outros para os humilhar? Porque toda humilhação é uma forma indirecta e solapada de auto-exaltação; ao apontar o dedo a alguém, estou a atrair as atenções dos outros sobre mim, e subliminarmente dizendo: “Eu não sou assim” “eu sou melhor”…

Ao contrário do homem, Deus, não quer a morte do pecador mas que se converta e viva (Ezequiel 18,23). Deus, que perdoa e esquece, está mais interessado no nosso presente e no nosso futuro que no nosso passado; acredita nas nossas potencialidades e conhece, melhor do que nós, os nossos talentos pois foi ele que no-los deu e é com base nisso que nos perdoa e nos convida a mudar; o que Deus operou em pecadores como Pedro, Paulo, Agostinho e tantos outros pode operar em nós também. Todos eles tinham um passado de pecado, mas para Deus, o que contava era o seu futuro de santidade.

São Pedro, o covarde
São Pedro, o que chegou a dizer ao seu amigo e mestre, “Eu daria a vida por ti” (Lucas 22,33), quando, confrontado por uma criada, como sendo da companhia de Jesus, negou-o por três vezes chegando a afirmar que nem sequer o conhecia.

São Paulo o cúmplice em assassínios
São Paulo é o exemplo clássico de conversão, que em grego se diz metanóia e que significa mudança de mente ou como dizemos popularmente, “mudar de ideias”. A nossa vida é governada pelos nossos pensamentos ou ideias; muitos destes são preconceituosos e irracionais tornando consequentemente inadequado também o nosso comportamento.

A conversão como metanóia supõe confrontar os pensamentos para os modificar. Há uma teoria de psicoterapia que parte deste princípio. A REBT Terapia racional emotiva e comportamentalista baseia-se no conceito de que as emoções e comportamentos resultam de processos cognitivos; e que é possível para os seres humanos modificar tais processos para atingir diferentes maneiras de sentir e de comportar-se.

No encontro com Cristo, a caminho de Damasco, Saulo mudou de mente, mudou de ideia acerca de Jesus, e se antes perseguia os cristãos, e tinha sido até conivente na execução de muitos (Actos 7, 54-60), agora com a mesma convicção e furor anunciava a Cristo acabando por ser, de entre os apóstolos, quem mais viajou, quem mais sofreu pelo evangelho e quem mais se preocupou em educar e guiar as pequenas comunidades nascentes da sua pregação com cartas que continham as suas meditações e reflexões sobre o mistério de Cristo.

Santo Agostinho, o bom vivant
O grande Santo Agostinho, Bispo de Hipona, que juntamente com Santo Tomás de Aquino são respectivamente o “Platão” e o “Aristóteles” da Teologia católica, não nasceu santo mas sim pecador, como todos nós. Aos 15 e 16 anos levava uma vida de valdevinos; aos 17 entrou em união de facto com uma moça que durou 14 anos; dessa união, que nunca resultou casamento, nasceu um filho que viveu até à adolescência. As incessantes preces e lágrimas da sua mãe, Santa Mónica, levaram um dia o marido e o filho Agostinho à graça da conversão.

Miséria e Misericórdia
Voltando à mulher pecadora; depois de todos abandonarem a sua pretensa autoridade para julgar, ficou só com Jesus; como diz o próprio Sto. Agostinho, ficaram a miséria e a misericórdia: a miséria humana representada pela mulher pecadora a misericórdia divina representada por Jesus.

A resposta de Deus, à miséria humana, é a sua misericórdia divina. Há pessoas aprisionadas no seu passado que desconhecem que não há pecado ou miséria humana superior à misericórdia divina, e que os mais santos dos santos foram também fortes pecadores e se eles, apesar da sua miséria, tiveram futuro nós também o temos, todos o têm.
Pe. Jorge Amaro, IMC

15 de outubro de 2014

Halloween

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Origen de "All Hallows Eve"
Todos os anos no dia 31 de Outubro, nos Estados Unidos e no Canadá, festeja-se o Halloween. Mas não foi nestes países, tradicionalmente protestantes, onde nasceu esta festividade, cujo nome deriva do termo "All Hallows Eve", que significa Véspera de Todos os Santos. Com efeito, a véspera e o dia de todos os santos, assim como o dia a seguir, o dia dos fiéis defuntos, são a cristianização de festas que os Celtas celebravam, sobretudo na Escócia e na Irlanda, muitos anos antes de o cristianismo chegar a essas terras.

Halloween tem a sua origem num antigo festival Celta chamado Samhain, que em Gaelic significa Summer’s end, o fim do Verão. Os celtas, que viveram há 2000 anos no norte da França e da Península Ibérica, na Escócia e na Irlanda, comemoravam o novo ano no dia 1 de Novembro. Este dia marcava o fim do verão e as colheitas, a queda das folhas e o início do inverno escuro e frio; uma época do ano que não podia deixar de ser associada ao fim da vida humana, à morte.

Os Celtas acreditavam que na noite do dia 31 de Outubro, véspera do ano novo, a fronteira entre os mundos dos vivos e dos mortos difuminava-se e quase desaparecia; os fantasmas, dos mortos, voltavam à terra e vagueavam à procura de corpos para habitar. Como os vivos não queriam ser possuídos por espíritos, vestiam-se com trajes e desfilavam pelas ruas, fazendo barulhos para confundir, assustar e afugentar os espíritos.

O desfile passava pelas ruas da aldeia até chegar a uma grande fogueira, criada por um sacerdote druida, fora da aldeia. A fogueira era acesa primordialmente para honrar o deus sol e agradecer-lhe pela colheita de verão, mas era também um meio para afastar os espíritos furtivos. Se alguma pessoa manifestasse sinais de já estar possuída por um espírito, era sacrificada como exemplo para dissuadir os espíritos de possuir um corpo humano.

Pelo ano 43 D.C., o Império Romano conquistou a maioria do território celta. No decurso dos quatrocentos anos que governaram as terras celtas, o festival romano chamado Feralia, que comemorava a passagem dos mortos, foi combinado com a tradicional celebração Celta de Samhain.

No século VIII, o Papa Gregorio III designou o dia 1 de novembro para homenagear todos os Santos e mártires. E o dia 2 para homenagear e rezar pelo eterno descanso de todos os fieis defuntos. Estas duas festividades incorporaram algumas das tradições do Samhain. A Igreja não conseguiu cristianizar todas as tradições e costumes dos Celtas, pelo que algumas destas sobreviveram até serem levadas para a América pelos imigrantes irlandeses, que fugiram da fome da batata no ano 1846.

Halloween hoje
O iluminismo, o racionalismo, as grandes descobertas científicas do século XIX e os avanços da técnica do século XX, fizeram uma autêntica caça às bruxas ou seja à superstição. Podemos dizer que os povos ocidentais são, regra geral, hoje menos supersticiosos do que foram há séculos. Neste contexto Halloween é o dia em que nos rimos das superstições; e quando nos rimos delas quebramos o seu feitiço, elas deixam de ter qualquer poder sobre nós.

De facto ninguém tem medo dos trajes e máscaras, que desfilam neste dia e sim teríamos medo das mesmas num contexto diferente. O humor desfaz o medo, o poder e o efeito placebo e sugestivo que a superstição tem sobre as pessoas; enquanto nos rimos das superstições não as levamos a sério; enquanto nos divertimos com elas, não têm qualquer poder ou efeito sobre nós; quando temos medo delas então sim elas são poderosas como um cão, que nos ataca depois de farejar o nosso medo.

Superstição e fé
Desconsolados pela frieza de décadas de ateísmo e racionalismo teórico e prático, que combateu a fé como se fosse superstição e a superstição como se fosse fé, muitos refugiaram-se numa nova religião chamada New Age, Nova Era. A Nova Era é um sincretismo, ou salada russa, das religiões maioritárias do nosso planeta, associada a todo tipo de superstição, bruxaria e feitiçaria. Bem perto de nós, como exponente desse tipo de pensamento está o escritor brasileiro Paulo Coelho. Os êxitos de bilheteira, de filmes como Harry Potter e series sobre o oculto e vampiros, pode ser visto como uma reação ao ateísmo e materialismo que marcou a segunda metade do século passado.

A diferença entre a fé e a superstição é que a fé é razoável e plausível; há sempre razões que auxiliam e assistem a nossa fé em Deus e nos homens; todos os que acreditam têm razões para tal; ao contrário, a superstição é de todo irracional, é uma fé cega. Que um gato preto dê azar, e que um cornito e uma ferradura dêem sorte, é pressupor que esses objetos, materiais, têm poderes espirituais, ocultos em si mesmos; isto é uma crença irracional, porque o que é material não pode ter poder espiritual; só um ser espiritual pode ter poderes espirituais; a matéria é sempre matéria. Deus e o nosso próximo são o único objeto da nossa fé. A superstição, pelo contrário, tem como objeto realidades materiais, coisas, animais e artefactos.

Isto leva-nos a refletir sobre a diferença entre ícone e ídolo. Para os supersticiosos, o gato preto, a ferradura e o cornito, são ídolos, pois esses objetos valem por si mesmos, têm, segundo reza a crença, um poder espiritual oculto neles. Ao contrário, um ícone é como o ídolo, um objeto material, mas não tem valor em si mesmo, de facto a sua função é invocar uma realidade que está para além de si mesmo e transportar-nos para essa realidade; a madeira, esculpida em figura de Jesus, não tem valor nenhum em si mesma mas evoca e transporta-nos para Aquele que sim tem muito valor para nós; a imagem não é Cristo mas representa-o. Os iconoclastas protestantes acusam os católicos de adorarem ídolos (Imagens de Jesus de Maria e dos santos), porque não sabem a diferença entre um ídolo e um ícone.
Pe. Jorge Amaro, IMC


1 de outubro de 2014

Ter ou não ter Passaporte...

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Nova evangelização versus missão ad gentes
Ide, pois, fazei discípulos de todas as nações, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Mateus 28, 19

No envio missionário, Jesus mandou os seus apóstolos pelo mundo inteiro para fazerem discípulos, de todas as nações e povos e não de um só povo ou nação, a própria nação. Hoje, porém, obcecada pelo decréscimo de fiéis e pela “Nova Evangelização”, como única solução para o problema, a Igreja, sobretudo a europeia, voltou-se para dentro de si mesma e colocou a “Missão Ad Gentes”, o objectivo para o qual Cristo a constituiu, em segundo plano.

Provando esta tendência a própria conferência episcopal portuguesa, que em toda a sua história só há bem pouco produziu um documento sobre a Missão, até colocou na mesma comissão Nova Evangelização e Missão Ad Gentes.

Antigamente havia sacerdotes diocesanos que se queriam fazer missionários, hoje o movimento é inverso; são cada vez mais os missionários que se fazem diocesanos. Depois de terem possuído a vocação mais perfeita da igreja, como dizia o nosso fundador José Allamano, dão agora as costas à Missão; depois de serem pescadores de homens, contentam-se em serem pastores; depois de serem águias contentam-se agora em serem galinhas de capoeira. Por outro lado, talvez para justificar “teologicamente” o ficar por cá, foi diluído o conceito “Ad gentes”; hoje toda e qualquer actividade pastoral é considerada “Ad Gentes”. Quando tudo é “Ad Gentes” nada é “Ad Gentes” O que é de todos, não é de ninguém; o sal e o açúcar desapressem da vista quando são diluídos; o “Ad gentes” torna-se em “Ad Nientes”.

Se os 12 apóstolos tivessem como objectivo converter todo o povo de Israel, e se para tal tivessem permanecido no seu país, o cristianismo não teria a dimensão universal que hoje tem e os judeus também não se teriam convertido.

A tese do livro “A terceira Igreja às portas” de Otto Kuss defende que serão os evangelizados, de outros países, que voltarão a evangelizar o velho continente. A nova evangelização portanto não vai ser feita por nós, mas por aqueles a quem, há muitas gerações atrás, fomos evangelizar; de facto já há entre nós, missionários, clero e movimentos laicais desses países a tentar talvez não uma “Nova Evangelização”, no entender de João Paulo II, ou seja evangelizar outra vez, mas sim uma “Evangelização Nova”, no entender do cardeal Martini, ou seja uma nova forma de evangelizar.

Houve um tempo em que a Europa dava, desde a sua abundância, à igreja universal; hoje, ante a escassez, é natural pensar mais em si e fechar-se em si mesma; pode ser natural, mas não é evangélico. Não é isso que aprendemos no Antigo Testamento, no episódio da viúva de Sarepta que fez um pão para o profeta Eliseu da última farinha que tinha reservado para ela mesma e para o seu filho, antes de ambos morrerem de fome. A mesma ideia vem vincada no Novo Testamento, como no episódio da viúva pobre que deu do que lhe era preciso para sobreviver. Do ponto de vista do evangelho não tem quem retém, mas sim quem dá.

Pastoral de manutenção
Que vos parece? Se um homem tiver cem ovelhas e uma delas se tresmalhar, não deixará as noventa e nove no monte, para ir à procura da tresmalhada? Mt 18, 12

A triste realidade é que as paróquias não saem fora da sua rotina de “business as usual” traduzindo-se numa pastoral de manutenção que graficamente pode ser representada na inversão da parábola da ovelha perdida: tudo o que o pastor faz é manter e entreter uma ovelha dentro do redil e não se importa com as 99 que andam tresmalhadas. De facto, ir à procura delas é trabalho de um “bom pastor” e o bom pastor é mais parecido com o pescador, pois deixa a sua zona de conforto para ir em busca. Como não vejo, na nossa igreja, grandes iniciativas de “Nova Evangelização” não será que esta foi inventada para contra restar, tirar força à Missão Ad Gentes? E portanto um pretexto para não fazer nem uma nem outra?

Cartão do cidadão ou passaporte?
Quando nascemos o nosso nome é escrito no registo civil e mais tarde é-nos dado um DNI (documento nacional de identidade), que nos define juridicamente à semelhança do nosso DNA, ou ADN, que nos define biologicamente. Mais tarde é-nos dada uma cédula de Baptismo, quando o nosso nome é registado no livro da comunidade cristã.

O cartão do cidadão só nos define como Portugueses em Portugal, enquanto o passaporte, apesar de não ser mais que um duplicado do cartão do cidadão, define-nos como Portugueses no mundo; abre-nos as portas de todos os países que constituem este planeta. Todos os portugueses têm um cartão de cidadão, mas nem todos têm um passaporte; analogamente todos os registados no livro do baptismo são cristãos, mas nem todos são missionários.

“Todo cristão é missionário” dizia-se aqui há uns tempos, e teoricamente é verdade mas na pratica não é assim; há cristãos que o são de portas para dentro, são cristãos evidentemente, tal como uma vela não precisa de estar acesa para ser vela, mas não são missionários, ou seja são velas apagadas. Como todos os talentos, a fé cresce quando se partilha e decresce quando não se partilha; ou se apega ou se apaga; o cristão que não é missionário, que não partilha a sua fé, tarde ou cedo, como todo talento que não se exercita, perde o que não dá deixando de ser cristão.

O missionário é aquele que para além do cartão do cidadão, que o define para dentro do país, tem também um passaporte, que o define para fora do país e o capacita para responder à chamada de Cristo, de deixar a sua terra e os seus, e ir pelo mundo inteiro anunciando a Boa Nova. O cristão é membro da Igreja, o missionário é membro do Reino de Deus, que é o objectivo da missão. Cristo fundou a Igreja para alastrar o Reino de Deus no mundo, e não para ser um castelo, no meio de um mundo sem Deus como Rei.

A Alegria de ser missionário
Os setenta e dois discípulos voltaram cheios de alegria, dizendo: «Senhor, até os demónios se sujeitaram a nós, em teu nome!» Disse-lhes Ele: (…) não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem; alegrai-vos, antes, por estarem os vossos nomes escritos no Céu.» Lc. 10, 17,18,20

Como cristãos os nossos nomes estão escritos no livro da paróquia; se queremos que estejam também escritos no céu temos que ser mais que isso, temos que ser missionários. Nem todo cristão é missionário, como nem todo discípulo é apóstolo. Cristo chamou os doze como discípulos e enviou-os como apóstolos, é como apóstolos, que têm os nomes escrito no céu, e não como discípulos.

A salvação é para todos, salvamo-nos na medida em que contribuímos para que outros se salvem; da mesma maneira que só somos felizes quando contribuímos para a felicidade dos outros. A Missão é coisa de todos os cristãos; Cristo disse estas coisas não no contexto da missão dos 12, mas sim no contexto da missão dos 72, que significa os membros do sinédrio, que eram os  representantes do povo judeu. Analogamente todo povo cristão está chamado a ser missionário, de longe ou de perto.
Pe. Jorge Amaro, IMC

15 de setembro de 2014

Só não perdi o que dei

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O facto
Com vista a criar espaço, no meu disco exterior, para as inúmeras fotos e vídeos que tirei recentemente na Etiópia apaguei a cópia de segurança, de tudo o que tinha no computador, pensando que seria só provisoriamente. Infelizmente, depois de dias de uso do programa Photoshop, para o tratamento das fotografias, o computador avariou; ante a avaria, para não perder nenhuma informação, quis copiar, outra vez, todos os documentos do computador para o disco exterior mas já não fui a tempo, pois o que estava danificado era precisamente o disco duro do computador. 

O significado
Catástrofe… perdi tudo… perdi largos e longos anos de trabalho; como me foi acontecer isto a mim, que uso computador desde que este se começou a vulgarizar e que tinha sido sempre tão cuidadoso em guardar uma copia de segurança e às vezes até duas… Estou perdido, pensei… isto é como morrer, ou pior, como ter Alzheimer, perder a memoria; muito do material que tenho no computador preciso dele aqui e agora e no futuro.

Digital e espiritual
Foi em 1989,quando cheguei à Etiópia, que conheci o meu amigo americano, Pe. George Cotter de feliz memoria, recentemente falecido. Ele fazia um trabalho de investigação na área da antropologia cultural e recolhia provérbios etíopes. A coleção destes provérbios estava contida num pequeno computador portátil, de ecrã monocolor verde, com menos de um megabite de memória ram e 20 megabytes de disco duro.

Para evitar andar com baús cheios de livros, como muitos missionários fazem, deixei todos os livros em Portugal, e apenas levei para a Etiópia um arquivo/ficheiro com milhares de fichas, era a forma, na época, de guardar informação de forma ordenada. Ao ver aquela maquineta, de George, pensei que seria a solução para o meu problema.Como missionário, já tinha viajado muito, nunca tinha estado mais de 3 ou 4 anos no mesmo sítio, desde a idade dos 10 anos, e ainda teria muito que viajar o computador permitia-me andar com a casa às costas como o caracol; bem mais leve que carregar livros.

Foi então que começou a surgir em mim a filosofia do digital. Como hoje estou aqui, amanhã estou além, só posso levar comigo o essencial; e tudo o que para mim tem valor é digitalizável. Se pensarmos bem, o digital é sinónimo de espiritual; tanto um como o outro são realidades imateriais e intangíveis que precisam de um, cada vez mais pequeno, substrato material para existirem e subsistirem. Hoje, se imprimíssemos a informação contida num pequeno disco externo, enchíamos uma casa de livros, de discos de música, de albuns de fotografias e de grandes rodas de filmes de película. Não sei se seria possível “imprimir”, ou de alguma forma materializar, a mente e o espírito contidos no nosso cérebro…

A magnitude da perda
Tudo o que possuo atualmente é digital e está no meu computador: o meu diário; os livros que preciso e me são caros digitalizei-os e coloquei-os lá, foi um trabalho faraónico de muitos anos; os meus sermões; artigos já publicados e por publicar; só em documentos de puro texto tenho 8 gigas, mais de 3000 documentos, tudo muito bem organizado por temas e pastas; PowerPoints que fiz sobre inúmeros temas; palestras; encontros formativos; retiros;as minhas músicas preferidas, algumas adquiridas já em digital, outras digitalizei-as eu; as fotografias dos lugares onde estive e das atividades ali desenvolvidas: Espanha, Etiópia, Canada, Inglaterra, Estados Unidos e Portugal, que levei semanas a digitalizar dos antigos slides ou negativos; todas elas são mais de 12.000 devidamente catalogadas por tema lugar e ano;e por fim cerca de 100 filmes de mensagem, muitos dos quais comprei em CD e passei para a drive por comodidade. Um total de 120 gigas, que num momento se esfumaram em nada…

“Só não perdi o que dei”
Depois de duas noites, de mal dormir e maus sonhos, comecei a pensar que alguns documentos estariam no email; outros teria dado a amigos e pessoas que me pediram. Veio-me à memória, especificamente, uma pasta intitulada diaporamas, onde eu tinha colocado o trabalho de um verão. Digitalizei os antigos diaporamas, feitos de slides sincronizados com uma banda sonora em cassete. Fabulosos diaporamas com muitas histórias e mensagens que ninguém se tinha lembrado de transformar em powerpoints. Eu digitalizei o som e a imagem e manualmente sincronizei os dois; foi um trabalho que durou um verão inteiro e resultou numa pasta de uns 15 diaporamas. Como notei que seria material valioso dei depois a um catequista,assim como muitos livros no âmbito da psicologia e espiritualidade.

Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perder a sua vida por minha causa, há-de encontrá-la (Mateus 16, 25). Eis aqui a prova de como o digital e o espiritual se parecem e de que o evangelho é a verdade e o caminho a seguir, em todas as realidades e situações da vida humana.

Tudo o que eu dei, do meu trabalho digital, não ficou perdido; tudo o que retive só para mim, perdeu-se. Se é verdade que só damos o que temos, também é verdade que só temos o que damos. Recordemos aqui a parábola dos talentos: aquele que não “deu”, que não fez render o seu talento perdeu-o; os que os “deram”, ou seja puseram em risco de perder os seus talentos negociando com eles, esses ganharam.

Se durante alguns anos, um futebolista, um cantor, ou um pintor deixarem de praticar a sua arte, ou seja de a “dar”, de a pôr ao serviço da comunidade, ao fim de um tempo perdem talento em relação a essa mesma arte e ofício: Porque não deram, perderam…

Um final feliz…
Pensava em recorrer àqueles a quem dei, para recuperar algo do perdido, quando o técnico informático me liga para me informar que, depois de três dias a trabalhar sobre o disco danificado, conseguiu recuperar tudo menos três vídeos da Etiópia feitos recentemente. Deo Gracias…
P. Jorge Amaro, IMC


1 de agosto de 2014

Ateus ou Politeístas?

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“As aparências iludem”… Muitos ateus, ou seja, os que argumentam contra a existência de Deus, e também os agnósticos, que nem sequer argumentam, muitas vezes são-no de fachada para os outros e para si mesmos, na prática, simplesmente substituíram o Deus “cristão” por uma infinidade de pequenos deuses, aos que consciente ou inconscientemente prestam culto.

Percepção natural do divino
A criança, desde o seu nascimento, percebe o mundo à sua volta como “uma terra inóspita, um ermo de solidão e horrendos uivos” (Deuteronómio 32,10) tem medo de tudo e de todos, pelo que necessita de se agarrar a algo ou alguém em quem possa confiar e quando o encontra sorri-lhe, dá-lhe a mão e desenvolve uma relação.

A filogénese repete ou recapitula a ontogénese: ou seja no desenvolvimento e evolução de um bebé até à maturidade, vemos repetida ou recapitulada a evolução e desenvolvimento do homem primitivo até aos nossos dias. A experiencia de extrema solidão e insegurança, que o bebé percebe, é idêntica à que o homem primitivo sentiu. Também este, ante um mundo que não conhecia nem sabia controlar, buscou, para além do amparo dos da sua espécie, a protecção de um ser superior definido antropologicamente como “Tremendo e fascinante”.

Em todo o tempo e em todo o lugar, desde que ganhou conhecimento de si próprio, o homem sempre foi religioso, ou seja sempre entendeu que o sentido e a razão última do seu ser e da sua vida estava fora de si transcendia-o e por isso buscou religar-se e criar laços com esse ser superior e transcendente.

Ateísmo ou emancipação?
O ateísmo só surgiu quando o homem ganhou uma certa confiança em si mesmo, depois da ciência e a técnica lhe terem providenciado melhores meios de sustento e um maior conhecimento e controle das forças da Natureza.

Não é portanto por acaso que o ateísmo só surgiu, onde a ciência e a técnica se encontravam mais desenvolvidas, no ocidente; e também não é por acaso que os ateus são, normalmente, pessoas que detêm algum poder financeiro, social, político ou intelectual ao qual, por ironia, se agarram religiosamente.

O que então parece ateísmo se calhar é emancipação; enquanto o homem se sentia inseguro e desprotegido, em relação ao mundo circundante, buscou o amor de Deus como Pai; com o desenvolvimento da ciência e da técnica o homem, não só ganhou um certo controlo sobre o mundo que o rodeia, como também uma maior confiança em si mesmo, a ponto de poder afirmar ante a viagem inaugural do Titanic “nem Deus o pode afundar”.

Sentindo-se assim de maior idade não precisava mais de um Deus Pai, tal como a analogicamente acontece na psicologia freudiana: a criança no seu processo de emancipação antagoniza-se com o pai; Nietzsche chega mesmo a declarar Deus morto para dar as vindas à maioridade do homem, o que ele chamou super-homem. Mas Deus não desaparece por muito que o odeies nem morre por muito que o declares morto.

O Deus cristão morreu, vivam os antigos deuses do Olimpo
Abandonada a relação com Deus transcendente, que o fazia verdadeiramente livre, bem depressa começou o homem moderno a endeusar ou idolatrar realidades imanentes domésticas com as quais se religou.

Assim sendo, a maior parte dos que se declaram ateus em realidade são politeístas, ou seja negam na sua vida o verdadeiro Deus, para submeter-se a realidades humanas e mundanas às quais devotam ou mal gastam grande parte do seu tempo e energias. São raros os ateus que não estabelecem laços e vínculos “religiosos” com estas realidades.

Consciente ou inconscientemente o homem de hoje recriou os antigos deuses do olimpo. Para os romanos, como para os gregos, cada realidade era governada ou tutelada por um deus: Vénus ou Afrodite, a deusa do amor; Baco ou Dionísio, o deus do prazer; Cronos, o deus do tempo; Neptuno ou Posídon, o deus do mar etc… Júpiter ou Zeus, o chefe dos deuses.

No antigo Olimpo não havia deuses para realidades como a paz, a fraternidade, o amor (entendido como serviço ao outro), a generosidade, a misericórdia, a justiça. Estas são ao mesmo tempo valores humanos e atributos de Deus. Só havia deuses para as realidades materiais e mundanas que reflectiam a natureza caída do homem.

A bíblia alerta para a tentação de dar valor de “Deus” às realidades mundanas, absolutizando-as ou idolatrando-as; não podeis servir a Deus e ao dinheiro (Lucas 16,13); não podeis servir o poder, o prazer, a fama, a juventude, a beleza física, a ciência, a técnica e tantas muitas outras realidades.

“Amar a Deus sobre todas as coisas” (Deuteronómio 6,5) significa relativizar todas as coisas, absolutizar só Deus e cultivar valores humanos que em definitiva são, eles mesmos, atributos ou definições de Deus. Ao negar a existência de Deus, a quem devemos amar sobre todas as coisas, o amor, a relação ou religação, do Homem moderno recai sobre todas as coisas, transformando-se deste modo, em politeísta, dividido, mundanizado e materialista.

 A natureza tem horror ao vazio
«Quando um espírito maligno sai de um homem, vagueia por lugares áridos em busca de repouso; e, não o encontrando, diz: 'Vou voltar para minha casa, de onde saí.' Ao chegar, encontra-a varrida e arrumada. Vai, então, e toma consigo outros sete espíritos piores do que ele; e, entrando, instalam-se ali. E o estado final daquele homem torna-se pior do que o primeiro.» Lucas 11,24-26

Tanto teístas como ateístas podem cair na tentação da idolatria; no entanto os segundos estão mais expostos que os primeiros; por um lado porque fechados à transcendência ficam à mercê da imanência, vivendo na pura mundanidade; por outro porque pretendem de uma maneira quase artificial criar um vácuo no seu íntimo e a natureza, também a humana, tem horror ao vazio.
Pe. Jorge Amaro, IMC


19 de julho de 2014

Jovens que desperdiçam a juventude

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"You are young, so shut up and enjoy life..."
“Youth is wasted on young people”… É uma máxima popular do mundo inglês, normalmente citada pelos adultos, acerca da forma como os jovens desperdiçam a sua juventude. A juventude é o tempo em que o corpo e a mente estão ao máximo das suas potencialidades mas geralmente falta a sabedoria, a motivação e a força de vontade para o gerir. Caso para dizer “Dá Deus nozes a que não tem dentes e dentes a quem não tem nozes”; quando há energia não há sabedoria, quando a sabedoria vem a energia foi-se…

É certo que todos aprendemos com os nossos erros, mas a vida é tão curta que melhor é aprender dos erros dos outros, pois não há materialmente tempo para fazer todos os erros e tirar deles todas as lições que precisamos… Três são, a meu ver, os dilemas que a juventude tem à sua frente e das opções que tomarem, ante estes três dilemas, vai depender a sua juventude e o resto da sua vida.

Hormonas versus mente
A explosão de hormonas, de que é alvo o organismo jovem, é muito intensa e o adolescente sente que o corpo lhe pede actividade, acção. Consumidores bulímicos do audiovisual, telemóvel, videogames televisão, computadores, cinema, privilegiam a experiência sensorial e emocional em detrimento da actividade mental e racional.

O corpo, como as suas exigências, governa a mente e não o contrario; as suas identidades, pessoais e sociais, não são construídas a partir dos valores ou categorias racionais, como o dever e o compromisso, mas sim a partir das suas experiências sensoriais. Sem estímulos sensoriais, os jovens de hoje, são como brinquedos sem pilhas.

Toda a forma de regulação institucional é percebida como uma restrição intolerável da liberdade e realização pessoal. Os ideais e as normas tradicionais, assim como a sua concretização em obrigações e valores, foram substituídos pelos imperativos da felicidade, e os direitos individuais. Os jovens adotam uma moral “light”, sem obrigações nem sanções, onde tudo o que é agradável é bom, e vice-versa, sendo o bem sinónimo de bem-estar.

Ensimesmados e rodopiando à volta de si mesmos, muitos jovens, vêem a vida, não como tempo e energias dedicados a alguém ou a um valor humano mas sim, como um bem de consumo, pelo que na prática podem concluir: “Consumo, logo existo”

Prazer imediato versus prazer adiado
A satisfação ilimitada dos desejos não produz bem-estar, não é o caminho da felicidade nem sequer do máximo prazer. ERICH FROMM Ter e Ser

O segundo dilema planteia-se entre o prazer imediato e o prazer adiado; ou mesmo o trocar o prazer imediato de hoje pela alegria de amanhã. Um corpo jovem está capacitado para fruir e usufruir dos prazeres mais variados e requintados, em intensidade e qualidade, sem consequências nefastas imediatas; por outro lado, nunca como hoje, a sociedade de consumo ofereceu tantos meios para a consecução de todo tipo de prazeres e sensações.

A força da tentação, conjugada com a mentalidade de gozar enquanto é tempo, leva muitos a sucumbir e a ficar adictos a substâncias, ou comportamentos obsessivos, repetitivos e viciantes, que levam à perda da liberdade e à ruina do corpo e do futuro… Como alguém dizia, Uso – Abuso – Fora de Uso… O psicanalista Erich Fromm alertou há muito que o prazer ilimitado não conduz ao máximo prazer mas à dor.

No âmbito da capacidade para adiar prazeres, foi conduzida uma experiência com crianças de 5 anos, às quais foi dado um caramelo e dito que as que se abstivessem de o comer, durante uma hora receberiam três mais. As crianças que resistiram à tentação, de comer o caramelo esperando outros três depois de uma hora, triunfaram mais na vida que as que não resistiram à tentação de o comer.

O prazer desbocado, sem rédeas, do corpo conduz à tristeza da alma. A alegria interior requer muitas vezes o sacrifício, ou sofrimento, do corpo mas recompensa pois é mais duradoira que o prazer e mais gratificante. A memoria do bem feito, especialmente quando contribuímos para a felicidade e bem-estar dos outros, é como a água que Jesus prometeu à Samaritana, dá alegria até ao fim da vida…

Contraria a esta realidade a tendência na juventude é de buscar cada vez mais o imediato: no campo das drogas, estas estão cada vez mais puras e sintéticas, levando à adição de uma forma mais rápida; no campo do consumo do álcool, o “shot” substituiu o beber alongadamente, em quantidade e em tempo. Por isto, faltando o realismo que confere o passado, e o idealismo ou utopia que confere o futuro, o jovem de hoje não tem nada pelo que lutar, só tem uma vida para viver no sentido de consumi-la.

Não queremos dizer que ser estóico é bom e ser hedonista é mau… De facto, o prazer em si é bom, desde que não seja a motivação principal de nenhum acto humano. Gozar a vida no presente é bom, desde que não comprometa e arruíne o futuro; o prazer da bebida é bom, quando a motivação principal é a saúde e o socializar; o prazer da comida é bom, quando tem em conta a saúde como motivação principal; o prazer do sexo é bom, quando é expressão de amor no contexto de um compromisso entre duas pessoas.

 Alguém dizia que a juventude de agora é como a fruta de estufa; vai de verde a podre sem passar por madura. Trata-se de uma generalização exagerada, no entanto não são poucos os jovens que se enquadram nestes paramentos.

Mínimo esforço versus máximo esforço
A lei do mínimo esforço tem governado e inspirado o progresso, a ciência e a técnica desde o aparecimento do homo sapiens; enquanto o Neandertal se adaptava à natureza, o homo sapiens adaptava a natureza à sua mente e necessidades. Basta olhar à nossa volta para ver como as descobertas científicas do seculo XIX, e as aplicações técnicas no seculo XX e XXI, trouxeram uma melhoria de vida material. Desde a descoberta da máquina a vapor, o trabalho humano é cada vez menos físico e cada vez mais intelectual.

Consumidores numero um, de todos os avances da técnica, os jovens podem ser levados a pensar que o progresso pessoal e espiritual é também governado pela lei do mínimo esforço, e tomar a atitude da lebre, com relação à tartaruga, na corrida para a meta. Se a lei do mínimo esforço governa o progresso material, o progresso pessoal e espiritual continua a ser governado pela lei do máximo esforço.

Analogamente Freud definiu maturidade como sendo a mudança de uma vida que assenta no princípio do prazer, como é a da criança e adolescente, para uma vida que assenta no principio da realidade. Por isso se no progresso material devemos ser homo sapiens, ou seja adaptar a realidade à nossa mente, no progresso espiritual e pessoal devemos ser neandertais, ou seja, adaptarmo-nos à realidade e natureza das coisas. Se a vida matéria é descendente, e a descer todos os santos ajudam, a vida espiritual é ascendente. O jovem, quando devia adiar o prazer e não a responsabilidade, faz precisamente ao contrário, como um Peter Pan, adia a responsabilidade e frui do prazer.
Pe. Jorge Amaro, IMC

15 de junho de 2014

Santa e Sexy

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As vossas roupas ocultam muita da vossa beleza, no entanto não ocultam a fealdade. E embora procureis no vestuário a liberdade da privacidade, podereis encontrar nele grilhetas. Pudésseis vós enfrentar o sol e o vento com mais pele e menos vestuário.

(…) Alguns de vós dizeis, "Foi o vento do norte que teceu as roupas que vestimos." E eu digo, ah, sim, foi o vento do norte, mas a vergonha era o seu ofício e o amolecimento dos tendões o seu tear. E depois de acabar o seu trabalho foi-se rir para a floresta.

Não esqueçais que a modéstia é um escudo contra o olho do impuro. E quando o impuro deixar de o ser, que será a modéstia senão um entrave do espírito? E não vos esqueçais que a terra adora sentir os vossos pés nus, e os ventos anseiam por brincar com os vossos cabelos.
Khalil Gibran, O Profeta

Já lá vão, e ainda bem, os tempos em que alguns juízes, julgando casos de violação, influenciados por uma mentalidade machista chauvinista e puritana, culpavam a mulher por andar por certos lugares, a certas horas, vestida de certa maneira.

Como tudo foi criado por Deus e Deus é bom; não faz sentido o maniqueísmo que concebe a alma como boa e o corpo como mau; nem o puritanismo que olha para o sexo como algo sujo, um mal necessário e um “remédio para a concupiscência” mesmo no contexto do matrimónio. Estas nefastas formas de pensamento são consequência da influência que a filosofia de Platão teve sobre alguns prestigiados pensadores cristãos, mas não são cristianismo autêntico. Não existe portanto nenhuma incompatibilidade entre ser santo/a e sexualmente atractivo/a.

O vestir há muito que superou a função para o qual foi criado na evolução da espécie humana. A moda no vestir, tem mais que ver com a arte que com o resguardar do frio ou o pudor. O corpo humano, artisticamente bem vestido, é tão ou mais atractivo, sob todos os pontos de vista incluindo o sexual, do que um corpo nu.

Mas são certas formas de vestir só sensuais ou também deliberadamente provocativas? Provavelmente são as duas coisas; pelo que têm de sensuais sejam admiradas, pelo que têm de provocativo note-se o conselho de Buda…

Andando Buda de aldeia em aldeia seguido pelos seus discípulos era acusado pelos aldeãos de ser pervertedor da juventude; questionado pelos seus discípulos porque não se defendia das falsas acusações e insultos, ele respondeu: eles insultam-me mas eu não me sinto insultado.

 A moda provoca mas ninguém se pode sentir provocado… Seria bom que todos fossem maduros sexualmente, ou seja que que o instinto sexual estivesse subjugado à afectividade, mas sabemos que não é assim; portanto num país onde a justiça é disfuncional, onde reina a impunidade, pode-se confiar no poder, coercivo e dissuasor, da lei para conter o instinto desgovernado de alguns cidadãos? Talvez seja ainda sábio o provérbio “livra-te dos ares que eu te livrarei dos males”.

No contexto da segurança rodoviária o mundo inglês tem o conceito de “defensive driving”. O equivalente ao que me diziam na Etiópia os missionários mais antigos, ”aqui tens de conduzir o teu carro e o carro do outro”. Não é caso para falar de um “defensive dressing” em situações de risco? Obrigar as mulheres a taparem o seu corpo com burcas só justifica e eterniza a imaturidade sexual e afectiva. A maturidade afectiva e sexual dos varões devia evoluir, ao ponto de as mulheres poderem expressar a sua criatividade no vestir livremente, sem se sentirem intimidadas. Enquanto isto não é assim, toda a mulher devia ter uma inteligência prática de saber, em cada tempo e em cada lugar e circunstancia, como vestir; adequando-se ao tempo e às pessoas; expressando-se artisticamente, mas sempre tendo em conta onde, quando e com quem se está.

Em Vale Paços, no dia 28 e Janeiro de 2014, uma menina de 13 anos, ao sair da escola, foi surpreendida por um homem de 35 anos, desempregado, que apontando uma navalha, a levou para um lugar ermo e a violou; apanhado pela polícia o homem, confessando o seu crime, respondeu que ao ver a menina não conseguiu resistir à atracção.
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de junho de 2014

O Apóstolo Filipe - Santo protector da Missão Itinerante

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O Espírito disse a Filipe: «Vai e acompanha aquele carro.» Filipe, acorrendo, ouviu o etíope a ler o profeta Isaías e perguntou-lhe: «Compreendes, verdadeiramente, o que estás a ler?» Respondeu ele: «E como poderei compreender, sem alguém que me oriente?» E convidou Filipe a subir e a sentar-se junto dele.
Cfr. Actos 8, 26-40

O Apostolo Filipe caminhava por uma das estradas mais movimentadas do mundo antigo, aquela que passando por Gaza levava ao Egipto. Ali o Espírito Santo ordenou-lhe que se aproximasse de um peregrino etíope, que regressava de Jerusalém. O Etíope era um dos que, desiludidos com a moral laxa e a adoração de muitos deuses do mundo antigo, buscava o sentido da vida na moral austera e no Deus único do Judaísmo.

“Nada de novo debaixo do sol”; no que se refere à vida humana, o nosso mundo guarda muitas semelhanças com o mundo antigo. Os que se dizem ateus ou agnósticos, na verdade o que fazem é adorar muitos falsos deuses, como o poder, o dinheiro, o multifacetado prazer e a beleza física.

Depois de provarem a náusea e o vazio, que em última análise provoca a adoração de tais deuses, precisam de alguém que lhes mostre o caminho para o Deus único.

Tal como o apóstolo Filipe, o Arauto de hoje, se quiser ouvir a voz do Espírito para que lhe diga onde ir a quem encontrar e que dizer, tem de colocar-se na encruzilhada dos caminhos, por onde passa a vida dos homens e mulheres do nosso tempo.
Pe. Jorge Amaro, IMC

15 de maio de 2014

Um certo Islão de agora e o Cristianismo de há dois mil anos

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«Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério. Moisés, na Lei, mandou-nos matar à pedrada tais mulheres. E Tu que dizes?» (…) Jesus, inclinando-se para o chão, pôs-se a escrever com o dedo na terra. Como insistissem em interrogá-lo, ergueu-se e disse-lhes: «Quem de vós estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra!» (…) Ao ouvirem isto, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos, e ficou só Jesus e a mulher que estava no meio deles. Então, Jesus ergueu-se e perguntou-lhe: «Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?» Ela respondeu: «Ninguém, Senhor.» Disse-lhe Jesus: «Também Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecarJoão 8 1-11

O que era prática nos tempos de Jesus ainda é hoje, depois de 2000 anos, prática comum em alguns países muçulmanos fundamentalistas. De vez em quando os jornais falam-nos de mais um caso que horroriza a opinião pública mundial; o último foi o de Reza Aslan no Irão, mãe de dois filhos.

A net está cheia de fotografias e vídeos destas execuções barbáricas não ordenadas no Corão; de facto em todo o livro do Corão não se menciona apedrejamento prescrito para nenhum crime; segundo o Corão o adultério é punido com chicotadas. Quando comparamos esta prática, ainda hoje habitual, com a que Jesus preconizava já há dois mil anos, para o mesmo pecado, não deixa de ser surpreendente e comovente…

Por outro lado, a pena de morte é sempre uma injustiça pois as leis existem para julgar actos e não a totalidade de uma vida humana; mesmo quando o crime é homicídio, a pena de morte é pior crime que o crime que ela quer sancionar. Quem cometeu homicídio estava muito provavelmente possuído pela cólera ou pela raiva; os que condenam à morte fazem-no a sangue frio, no pleno uso das suas faculdades mentais e racionais.

Desde os primórdios da humanidade, todas as culturas e civilizações deste planeta foram, e em certa medida ainda são, sexistas patriarcais ou, como dizemos popularmente, machistas e chauvinistas. Além da Eva, na tradição judaica, e Pandora, na tradição grega, todas as culturas culpabilizam a mulher pelo aparecimento do mal no mundo, ela é o bode expiatório.

Se na Europa e no mundo ocidental em geral, América do Norte e de alguma forma América do Sul, Rússia, Austrália e Nova Zelândia, a mulher é mais respeitada é porque algo da mentalidade de Jesus, e do espirito do Cristianismo, influenciou a cultura.

Em grande parte da Africa Negra, a mulher é a única que verdadeiramente trabalha, na agricultura por ela inventada e em casa; os homens dedicam-se à guerra, quando a há, à caça, à pesca e ao governo da tribo; eu vi mulheres carregadas com um peso na cabeça, outro em cada mão, um bebé na barriga e outro nas costas, a viajarem por quilómetros, quando o marido ia de mãos a abanar. Em muitos países ainda hoje se considera normal raptar uma moça para casar; a circuncisão feminina priva a mulher de qualquer prazer no acto sexual.

Na Asia, dos tempos modernos, a mulher é igualmente objecto de vexames nos dias de hoje. A prostituição infantil está muito divulgada: tomemos como exemplo o Japão, país tão evoluído, é o único que não aceita as leis da ONU no que respeita à pornografia infantil. No Japão e na China há restaurantes onde a comida é servida no corpo nu de uma adolescente. Isto é impensável no mundo ocidental, nem mesmo nos tempos da Idade Media. Na India, e em outros países asiáticos, reina a impunidade no que respeita a violação de mulheres e a desfiguração do rosto com ácido sulfúrico. O único país onde a mulher é um pouco mais respeitada é as Filipinas, precisamente por ser uma cultura que foi de alguma forma moldada pelo cristianismo durante 500 anos, desde a colonização espanhola.

Uma leitura, por mais apressada que seja, dos evangelhos não deixa de surpreender o leitor mais desatento e imparcial pelo atitude que Jesus tem para com as mulheres; trata-as de igual para igual, defende-as e admite-as no seu grupo de discípulos coisa nunca vista. Jesus foi sem dúvida o maior defensor da mulher de todos os tempos.
Pe. Jorge Amaro



1 de maio de 2014

As visitas de Maria

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Por aqueles dias, Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se à pressa para a montanha, a uma cidade da Judeia. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. Lucas 1, 39-40

Capelinha das (des)aparições
Aqui há tempos participei em Fátima num encontro de sacerdotes e religiosos que culminou numa missa na Capelinha das Aparições. Fiquei chocado pelo facto de o presidente dessa celebração, não ter feito menção à importância do lugar onde estávamos a celebrar a Eucaristia; não ter mencionado, nem uma só vez, Nossa Senhora de Fátima nem ter feito grande menção a Maria em geral.

Ao comunicar o sucedido, a outro colega, foi-me dito: “sabes, eu também não acredito muito nessas coisas de aparições”. Devoto, como sempre fui de Nossa Senhora, e crente nas suas aparições veio-me logo à mente a acusação feita ao Papa Paulo VI, de ter imposto Fátima à Igreja. Naquele tempo o Papa defendeu-se dizendo que não foi ele que impôs Fátima à Igreja, foi Fátima que se impôs a si mesma.

“A todos los tontos se les aparece la virgen”
Com este provérbio espanhol em mente, a Igreja é consciente de que muitas aparições não são genuínas; pelo que usa todo tipo de investigação científica, o que corresponde ao “advogado do diabo” na beatificação dos santos, para as desaprovar. A Igreja, só tira o chapéu e se inclina ante algo que é genuinamente sobrenatural.

“Contra factos não há argumentos”
Um investigador científico, desapaixonado e imparcial, aplicando todos os métodos e instrumentos de investigação científica moderna a Guadalupe, Lourdes e Fátima, as três grandes aparições que a Igreja propõe aos seus fiéis, não pode não ficar estupefacto ante a auréola, de mistério e sobrenaturalidade, que envolve os factos cuja explicação é irredutível à razão e à ciência.

Ante isto cabem duas opções livres mas sempre de fé: o deificar a ciência, crendo que no futuro ela há-de explicar o que hoje não pode; ou crer que, por trás destes factos, está Deus e neste caso que Maria visita realmente o seu povo.

Daqui até ao fim do mundo o céu já não pode dizer nada de novo
A razão pela qual escrevo estas linhas não é repropor as aparições de Maria, por virtude do mistério inexplicável que as rodeia, mas reflectir sobre as razões teológicas que as justificam.

É claro que nem Guadalupe, nem Lourdes, nem Fátima são dogmas de fé. O céu, em Jesus Cristo, Palavra Eterna de Deus feita carne, já disse tudo o que tinha a dizer, não faz sentido que volte a falar depois de Deus ter enviado o seu único filho; de facto Este quando regressar é para julgar os vivos e os mortos.

As visitas de Maria
Explicamos e justificamos que Maria é mediadora e nossa intercessora no Céu com o episódio das bodas de Cana (João 2, 1-11), no qual ela apresenta as necessidades dos convidados ao seu filho, ao mesmo tempo que os exorta a fazer tudo o que ele diz; e porque não explicar e justificar as visitas de Maria com o episodio da visita à sua prima Isabel? (Lucas 1, 39-45)

Maria, nas suas visitas, não traz um evangelho novo, uma mensagem nova mas, como o Espírito Santo de quem ela é Esposa, recorda partes esquecidas da mensagem (Cf. João 14, 26) do seu filho e reinterpreta-as no “aqui e agora” da historia dos homens. De facto um dos factores importantes da genuinidade destas mensagens é a sua concordância com o evangelho.

Maria continua a visitar aqueles de quem ela é mãe, em momentos fulcrais da Historia dos seus filhos, para ajudar a encarnar nesses momentos e lugares a Palavra eterna do seu filho.

Guadalupe – Apoio à evangelização
Como iam os indígenas em 1531 aceitar de bom grado a religião dos conquistadores, exploradores e massacradores espanhóis, se Maria não tivesse aparecido a um indígena. De facto os indígenas, até aquele tempo reticentes ao cristianismo, converteram-se em massa depois das aparições

Lourdes – O Céu confirmou
Parte importante da mensagem de Lourdes é a confirmação do Céu, no ano de 1858, do dogma da Imaculada Conceição, instituído pelo papa Pio IX quatro anos antes em 1854

Fátima – “Penitência e Oração” são a solução
Entre duas guerras mundiais, Maria propôs em Fátima, entre outras coisas, a “Penitência e a Oração” como meios para fazer frente, naquele tempo e ainda hoje, ao comunismo materialista e ateu, assim como ao capitalismo materialista e consumista e portanto não menos ateu.
Pe. Jorge Amaro, IMC



15 de abril de 2014

A Lição da Borboleta

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Um dia uma pequena abertura apareceu num casulo, um homem sentado observou a borboleta por várias horas, enquanto ela estava a tentar mover o corpo através do pequeno buraco. Depois de algum tempo parecia que ela tinha deixado de fazer qualquer progresso. Parecia que já tinha feito tudo o que podia e não tinha conseguido alargar o buraco. 

Então o homem decidiu ajudar a borboleta: agarrou numa tesoura e abriu o casulo. A borboleta pôde sair facilmente. O seu corpo estava murcho, era pequeno e tinha as asas enrugadas. O homem continuava a observá-la pois esperava que em qualquer momento, as asas se abrissem e esticassem para serem capazes de suportar o corpo, e que este se fizesse rijo. Nada disto aconteceu! Ao contrário, a borboleta passou o resto da sua vida rastejando com um corpo e asas murchas e encolhidas, e nunca foi capaz de voar.

Ajudar nem sempre ajuda
O homem, em sua gentileza e vontade de ajudar, não se apercebeu que o casulo apertado e o esforço necessário para a borboleta passar através da pequena abertura, era o estratagema que Deus tinha criado para que o fluido do corpo da borboleta fosse bombeado para as asas, capacitando-a assim para voar, depois de se ter libertado do casulo.

Há ajudas e ajudas… Todos devemos ser bons samaritanos mas não devemos substituir os outros; seria paternalismo. Podemos ajudar a resolver os problemas dos outros, mas resolve-los só eles os podem resolver. Podemos levar o boi à água mas só ele pode beber… forçar um adulto a fazer o bem é sempre mal… A ajuda positiva é dar uma cana e ensinar a pescar e não dar um peixe. Dar um peixe cria dependência e faz os ajudados preguiçosos.

A psicoterapia de hoje segue o princípio da não directividade, que é uma derivação da antiga maiêutica socrática; o psicoterapeuta não faz perguntas por curiosidade ou para conhecer o cliente, mas para ajudar o cliente a conhecer-se a si mesmo e a encontrar dentro de si a solução para os seus problemas, a motivação e a força de vontade para a mudança.

Bebés da África e bebés de Europa
No campo da educação, Freud descobriu que a maturidade humana acontece quando se abandona o princípio do prazer e se abraça o princípio da realidade; Ou como diria Cristo, “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-me” (Lucas 9, 23). As crianças de Africa fazem essa transição muito antes que as crianças da europa.

Aqui quando um bebé chora é logo atendido, por isso muitos bebés já nem choram, basta fazerem uma beicinha para obterem o que desejam, e isto que outra coisa é que uma ameaça, um ultimato? O bebé cria a crença que é suficiente chorar para que as coisas apareçam feitas, por artes de magia, instalando-se no Princípio do Prazer. Ao contrário, dos superprotegidos bebés europeus, os africanos choram e choram e não são atendidos, pelo que cedo se habituam à dura realidade; se sentem frio, fome sede, ou estão molhados aguentam, pelo que depressa acordam para um mundo sem Pai Natal e fada madrinha amadurecendo mais cedo.

Muitos pais que passaram dificuldades, quando eram crianças, dizem que não querem que os seus filhos passem por onde eles passaram; por consequência são paternalistas e alcatifam a vida aos seus filhos pensando que os estão a ajudar; esquecem-se que se hoje são o que são é precisamente porque passaram por essas mesmas dificuldades.

A cruz é contra a lei do mínimo esforço
Não tinha o Messias de sofrer essas coisas para entrar na sua glória? Explica Jesus aos discípulos de Emaús (Lucas24,26). Tudo o que é bom na vida tem um preço, ou custa dinheiro, ou custa trabalho, ou custa esforço, ou as três coisas ao mesmo tempo.

A lei do mínimo esforço tem motivado o avanço científico e técnico, em todas as vertentes materiais da vida humana, mas não se aplica às vertentes psíquicas, éticas e espirituais; nestes reinos continua a prevalecer a lei do máximo esforço para obter o maior proveito; “Tristeza bem ordenhada é nata de alegria”, dizem os pastores da Serra da Estrela. Não se celebra uma vitória sem um batalha e quanto mais dura for a batalha mais alegre será a celebração da vitória.

Não há ressurreição sem morte. Cristo não podia ter entrado na sua glória sem sair deste mundo, onde tinha encarnado; a saída não seria airosa porque a vida não foi airosa. Cristo pagou o preço da sua liberdade e não submissão frente ao poder político, económico e religioso; pagou o preço da sua ousadia, em se ter enfrentado e denunciado as injustiças do establishment social e religioso do seu tempo.

Os grandes desafios fazem os grandes homens
“A situação faz o ladrão”, diz o povo, é valido também em sentido positivo. São as situações, os grandes desafios, que fazem, do que é movido por altos ideias, um herói e um covarde, e oportunista, o que é movido por interesses egoístas e mesquinhos.

Foi a escravidão do povo de Deus no Egipto que criou Moisés; foi a cicuta que enalteceu Sócrates e o desenterrou do esquecimento da história; foi a guerra de Tróia que criou o mito de Aquiles; foi a segunda Guerra Mundial que criou Winston Churchill; foi a independência da India que criou Gandhi; foi o apartheid na Africa do Sul que criou Nelson Mandela. Não é o homem que faz a situação, é a situação que faz o homem.

Eu pedi forças e Deus deu-me dificuldades para me fazer forte
Eu pedi sabedoria e Deus deu-me problemas para resolver
Pedi prosperidade, e Deus deu-me inteligência e força para trabalhar.
Pedi coragem e Deus deu-me obstáculos para superar.
Eu pedi amor e Deus deu-me pessoas para amar
Eu pedi favores e Deus deu-me oportunidades.
Deus não me deu nada do que pedi,
mas também não me faltou com nada do que eu precisava...
Autor desconhecido

Vive a vida sem medo, enfrenta todos os obstáculos que aparecerem no teu caminho pois “dá Deus o frio consoante a roupa”; tem fé, Deus não permitirá que sejas testado para além das tuas forças pois “Não há males que por bem não venham”.
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de abril de 2014

Beleza versus Simpatia

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Os de cima envelheceram bem como um bom vinho; os debaixo parecem ter avinagrado...

Todo aquele que escuta estas minhas palavras e as põe em prática é como o homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, engrossaram os rios, sopraram os ventos contra aquela casa; mas não caiu, porque estava fundada sobre a rocha.

Porém, todo aquele que escuta estas minhas palavras e não as põe em prática poderá comparar-se ao insensato que edificou a sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, engrossaram os rios, sopraram os ventos contra aquela casa; ela desmoronou-se, e grande foi a sua ruína. Mateus 7, 24-27

“Mens sanna in corpore sano” é sabido que a saúde do corpo e a da alma vão de mãos dadas e se auto implicam. O mesmo não acontece entre a beleza física de uma pessoa e a sua beleza interior.

“A cara é o espelho da alma” - Na atracção que sentimos, por uma pessoa fisicamente bonita, parece estar implícita uma crença irracional de que essa pessoa também é simpática; que a sua bela aparência não é mais que o signo e símbolo de beleza interior, firmeza de caracter, maturidade, autodomínio, generosidade etc..

Há pessoas bonitas que são antipáticas - Na realidade, em muita gente que conheci, esta correspondência entre os dois tipos de beleza, não só não se verifica como até parece que se auto-exclui. Há quem capitaliza com a sua beleza física, usando-a como cartão de crédito, na crença de que com ela tudo na sociedade são portas abertas; a admiração e o amor de todos estão garantidos. Assim pensando, estes indivíduos não se aplicam nem se esforçam por desenvolver a beleza interior, pelo que frequentemente estas pessoas são snobes, antipáticas, e orgulhosas.
  • A beleza é inata, a simpatia, ou beleza da alma e do carácter, é adquirida pelo esforço “No pain no gain” diz-se em psicoterapia, se não dói, se não custa não há ganho. Tudo o que é verdadeiramente bom na vida custa, ou dinheiro ou esforço ou as duas coisas.
  • A beleza é um bem individual, só aproveita à pessoa que a possui. Não é relacional, pois leva a pessoa a colocar-se num pedestal e dos outros só requer admiração. A simpatia é um bem social; as pessoas simpáticas saem de si mesmas e estabelecem relações de igual para igual com os outros, criam paz, harmonia e felicidade.
  • “Quem vê caras não vê corações” - A beleza física só serve para atrair as pessoas; é a beleza interior que as fixa umas com as outras em relações duradoiras de amor ou amizade. 
  • A beleza não cresce com o tempo, ao contraio, degrada-se; os cremes e as cirurgias plásticas só detêm a degradação por algum tempo; a simpatia é susceptível de crescer com o tempo; com um pouco de auto-observação, autocritica, autodisciplina e força de vontade, a pessoa coloca-se numa trajectória de contínuo crescimento, rumo à perfeição.

Envelhecem bem os que adoptam o primado da simpatia sobre a beleza; a simpatia é o melhor cosmético para as pessoas bonitas, pois mantem a sua beleza qual quer que seja a sua idade; por outro lado, com o tempo, a simpatia acaba por melhorar o aspecto das pessoas menos bonitas.

Envelhecem mal os que adoptam o primado da beleza sobre a simpatia; com o tempo a antipatia, o mau caracter, a imaturidade psíquica e afectiva, a ira e o ressentimento, acabam por degradar a beleza física, sobre a qual a pessoa construiu a sua vida; e tal como a casa construída sobre a areia, foi grande a sua ruina.
Pe. Jorge Amaro, IMC


15 de março de 2014

Migrantes & Emigrantes por causa do Evangelho

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O Senhor disse a Abrão: «Deixa a tua terra, a tua família e a casa do teu pai, e vai para a terra que Eu te indicar Génesis 12,1

Quem quiser salvar a sua vida, há-de perdê-la; mas, quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, há-de salvá-la. Marcos 8, 35

Num dos concelhos mais fustigados e desertificados pela Emigração, como é Ribeira de Pena do distrito de Vila Real, nós os Institutos Missionários Ad Gentes, fizemos uma Semana Missionária sob o lema Migrantes & Emigrantes por causa do evangelho. Desde os descobrimentos, o país que “deu novos mundos ao mundo” tem também contribuído para o seu povoamento. Há Portugueses em todos os países do mundo. Alguém dizia que os Portugueses têm um berço muito pequenino mas um cemitério muito grande.

 “Dilatar a fé e o império”
Quando começamos a ser destino de imigrantes de outros países, porque apesar de pobres pertencemos a um clube de ricos, a Comunidade Europeia, pensávamos que a sangria do nosso país tinha acabado, mas eis que nos deparamos com a crise financeira atual e somos impelidos, e até mesmo convidados pelos nossos governantes, novamente a emigrar.

Logo após ganhar a identidade geográfica a mesma de há mais de 900 anos, que ainda hoje possuímos, de costas para a Europa fizemo-nos ao mar. Para Camões, legítimo intérprete da alma do povo Português, a razão última que nos levava a aventurar e sair da nossa terra, mar adentro à procura de novas terras e novas gentes, foi sempre “Dilatar a fé e o império”.

De facto nas nossas caravelas, entre nobres e burgueses comerciantes, iam também missionários. Um dos grandes missionários de todos os tempos, São Francisco Xavier, viajou nas nossas caravelas rumo à Índia e depois até às portas da China. Somos portanto, desde sempre, um país de emigrantes e de missionários.

Migrantes por causa do Evangelho
Como muitos outros concelhos do interior, Ribeira de pena, é vítima da migração, do interior para o litoral, do campo para a cidade; aquele tipo de migração que fez nascer a expressão, “Portugal é Lisboa, o resto é paisagem”.

Usando a migração como metáfora da Nova Evangelização, o primeiro objectivo da semana missionária era fazer passar a ideia ou espevitar a consciência de que todo cristão é missionário ou seja migrante que sai fora de si pelo evangelho.

A semana iniciou com a cerimónia do envio presidida pelo bispo de Vila Real Dom Amândio, que enviou os missionários de tocha na mão, simbolizando a luz do evangelho, às diversas paróquias do concelho.

Para encerrar a semana o povo, de cada uma das paroquias e aldeias do concelho, reuniu num ponto diferente, nas aforas de Ribeira de Pena, e caminhou, rezando o Terço Missionário, até um ponto estratégico onde se encontraram todas as comunidades. A partir desse ponto todas as comunidades unidas, cerca de 300 pessoas, iniciaram uma Via-Sacra em direção à Igreja do Salvador onde, para rematar a semana missionária, foi realizada uma adoração e bênção do Santíssimo.

Ca – fé a que nos salva
Além da caminhada juvenil ao santuário de nossa Senhora da Guia, a visita aos doentes de todo o concelho, um momento alto, e diferente da semana, foi o encontro em vários cafés das várias comunidades. Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé”. Se as pessoas não vão à Igreja a Igreja vai às pessoas.

Os temas de diálogo divergiam: nos cafés mais rurais centravam-se mais na prática da religião; no café Black & White, frequentado mais por jovens, o diálogo centrou-se sobre temas mais fundamentais e filosóficos, a existência de Deus, o sentido da vida, o aborto, religião cristã versus religião muçulmana… A experiência foi positiva e é de repetir.

Emigrantes por causa do Evangelho
Para além da migração, do campo para a cidade, Ribeira de Pena foi também assolada com a emigração para o estrangeiro, sendo a França o destino mais escolhido. Hoje todo o concelho não tem mais de 6 mil habitantes. Isto não nos impediu de convidar o povo a participar na Missão sem fronteiras, a Missão Ad gentes, especialmente pela oração…

Usando a emigração como metáfora da Evangelização Ad Gentes, o segundo objectivo da semana missionária era renovar o apelo de Cristo “Ide e fazei discípulos de todas as nações” que é o lema da diocese de Vila Real para este ano.

Partir para o desconhecido é difícil tanto para emigrantes como para missionários, ambos sentem o medo e partem na esperança de que tudo irá correr bem; o emigrante parte para receber, o missionário parte para dar. Difícil é também deixar a própria terra, a família e os amigos, diferentes são as motivações, o emigrante é impelido pela necessidade, o missionário é impelido pela fé e pelo amor. Enquanto o emigrante vai ganhar a vida, o missionário vai dar a vida.

Oração da Semana Missionária
Senhor Jesus Cristo,
que disseste aos vossos apóstolos
“Ide e fazei discípulos”,
enviai sobre nós o vosso Espírito
e renovai em nossos corações
o vosso mandato missionário
para sermos mensageiros do evangelho
e profetas da esperança e do amor
e assim como Maria vossa mãe,
num sim dócil e obediente à vossa vontade,
pela palavra e pelo exemplo
façamos discípulos de todas as nações.
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de março de 2014

Carnaval sem Quaresma

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Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-me. Lucas 9, 23

Toda a gente sabe que o Carnaval nasceu em função da Quaresma. Antigamente a Quaresma era um longo tempo, mais de quarenta dias de jejum, abstinências, penitencia e sacrifícios. Algo assim como um tempo de luto; propositadamente não havia festas nem celebrações de efusão e alegria; como podia ser um casamento; durante a Quaresma não se celebram casamentos.

Neste tempo os cristãos eram exortados a fazer exercícios de introspecção que levassem a uma maior auto consciência, ou seja, ser conhecedor da sua vida e responsável pelo comportamento do dia a dia numa atitude de autocrítica com vistas a uma metanóia ou seja mudança de mente e de vida, conversão.

Os dias de Carnaval, que antecediam a Quaresma de penitência e disciplina, eram todo o contrário da Quaresma. Se na Quaresma não se come carne, no Carnaval carne-vale. O dia de Carnaval, ou seja a terça-feira de Carnaval, precede quarta-feira de cinzas, o início da Quaresma. Na tradição italiana e francesa é chamado mardi grass, terça-feira gorda, por ser o dia em que se abusava da carne a modo de despedida deste alimento até ao dia de Páscoa.

Se a Quaresma é tempo de melancolia, dolência e introspeção, o Carnaval é tempo de alegria, extroversão e folia; se a Quaresma é tempo de disciplina, o Carnaval é tempo de indisciplina; no Carnaval tu vale; “È Carnaval, ninguém leva a mal”.

Quebrando um dia muitas das regras, jejuns e dietas, dizia um monge ao seu discípulo escandalizado e boquiaberto, um arco de flechas para funcionar bem não pode estar sempre tenso. O nosso povo diz sabiamente, “um dia não são dias”.

O mal do nosso tempo é que o Carnaval já não antecede a Quaresma. Voltamos ao “pão e circo” dos romanos como único modus vivendi. Há Carnaval sim, e cada vez mais refinado, mas não há Quaresma; o Carnavale ficou a Quaresma desapareceu até mesmo na Igreja na qual hoje se vive de uma forma “light” ou descafeinada.

O diabo a que foge da cruz
O mundo habitou-se ao tabaco sem nicotina, ao café sem cafeína, à coca-cola light sem calorias, à cerveja sem álcool; este paradigma de rosas sem espinhos facilmente extrapolou para outras realidades e áreas da vida individual e social, de modo que hoje temos também o Natal, do pai Natal consumista, sem nascimento de Jesus; a Páscoa, do coelhinho e da amêndoa, sem morte e ressurreição de Jesus; Halloween, (all hallows eve) ou seja véspera de todos os santos, sem festa de todos os santos.

Extrapolando ainda mais, temos sexo sem amor (one night stand), viver juntos sem compromisso, existindo a crença de que é possível viver sem inconvenientes, e incomodidades, sofrimento, desconforto, sacrifício, trabalho, esforço em definitiva sem cruz.

Num mundo onde se contraria a realidade e a verdade das coisas; onde se quer ao mesmo tempo ter o sol na eira e a chuva no prado, onde se quer comer o bolo e tê-lo, as palavras de Jesus, que nos convida a abraçar a cruz, soam contracultura, contra corrente.

Sabemos, pelos exorcismos, que o diabo foge da cruz; como o diabo somos nós quando fugimos da cruz porque esta faz parte da vida. Não é possível a vida sem sofrimento, sem sacrifício e sem esforço. Apesar de que a maturidade humana, como diz Freud, implica abandonar o princípio do prazer para abraçar o princípio da realidade, o mundo teima em assentar arraiais no princípio do prazer. Ao contrário do mundo nós, os cristãos, somos chamados a não “fugir com o rabo à seringa” e como dizem os espanhóis, “enfrentar el toro por los cuernos”. Abraçar a cruz e o sofrimento que a vida nos depara como meios para um bem maior e um futuro melhor.

Abraçar a cruz sem ser masoquista
A cruz é o deserto que os judeus atravessaram para chegar à terra prometida; e apesar da tentação em rejeitar tal cruz, inspirada pela fome, e voltar para às panelas cheias de carne da escravidão do Egipto, os judeus entenderam que a liberdade tinha um preço e eles dispuseram-se a paga-lo seguindo em frente abraçando a cruz.

Esta história tornou-se paradigmática para o abandono de todos os vícios e comportamentos repetitivos obsessivos e aditivos. O Egipto é a substancia ou comportamento ao qual estou adito e me priva da liberdade; a terra prometida é a plena liberdade e recuperação do controle da minha vida; no meio está o deserto ou seja o preço a pagar a purga, a purificação; a tentação de arrepiar caminho e voltar à adição é causada pelo síndrome de abstinência. Sem dor nem sacrifício não se deixa a droga ou o álcool, nem se começa uma dieta e se é fiel até ao fim.

Tudo o que há de bom na vida custa e tem um preço, ou dinheiro, ou esforço ou as duas coisas. A alegria da vitória não se sente sem o ardor e o sacrifício da batalha, e quanto mais difícil foi a batalha mais intensa é a alegria da vitória e a sua celebração. Mas não há alegria de vitória sem ardor da batalha. A cruz é sempre o meio para se chegar ao fim desejado. A cruz do estudante é obrigar-se a estudar em vez de ir de farra em farra; a cruz dos que querem emagrecer é a sua dieta; a cruz do atleta é a dieta rigorosa, a forma de vida e o treino no qual investe horas para ganhar segundos ao próprio recorde

O ginásio e a ginástica da cruz
Os cristãos não andam à procura da cruz, apenas a aceitam quando se a encontram no caminho. Neste sentido, a uma primeira vista, as práticas quaresmais do jejum, abstinência, e sacrifício, podem parecer artificiais e masoquistas, mas se pensarmos bem elas servem para fortalecer a nossa força de vontade, o espírito, a liberdade e a independência com relação às coisas do mundo. Da mesma forma que o que fazemos num ginásio, exercícios sem sentido, correr e nadar sem meta, têm como objectivo fortalecer o corpo e potenciar a saúde.
Pe. Jorge Amaro, IMC