15 de outubro de 2020

3 Únicos pronomes pessoais: Eu - Tu - Nós

Sem comentários:

Há muitas formas pelas quais uma cultura ou civilização expressa a sua idiossincrasia. Algumas dessas formas são a arquitetura, a escultura, a pintura, a música. Mas a mais importante destas formas é a literatura, pois por ela ficamos a conhecer a forma de pensar, a filosofia de um povo. A literatura não existe sem a língua; por isso, a língua é a alma de uma cultura.

Podemos determinar a personalidade de um povo, o lugar onde habita, pela forma como fala. As línguas dos países quentes são mais vocálicas, enquanto que as línguas dos países frios são mais consonânticas. Alguns linguistas dizem que esta teoria carece de base científica, embora seja evidente até para um surdo que as línguas bantu subsarianas são mais vocálicas do que as línguas eslavas e escandinavas.

Numa língua vocálica, a boca abre-se mais; numa língua consonântica, abre-se menos. É certo que a razão não pode ser outra senão a diferença de temperatura. Esta mesma diferença de temperatura já é responsável pela grossura dos lábios: os povos dos trópicos têm os lábios grossos, os eslavos, por exemplo, quase não têm lábios.

Línguas “pro-drop” e línguas “non pro-drop”
As línguas “pro-drop” (ou de sujeito nulo) são aquelas como o português, o espanhol e o italiano que têm a possibilidade de omitir o uso do pronome pessoal, pois este já está identificado na forma verbal usada na frase. As línguas “non pro-drop” (de sujeito expresso ou expletivo) – por exemplo, o inglês, o francês, o alemão e outras germânicas - são as que não podem omitir o uso do pronome pessoal por empregarem formas verbais mais pobres, precisando assim obrigatoriamente do pronome para a compreensão da frase.

O personalismo de Emanuel Mounier considera o Homem como um ser subsistente e autónomo e, ao mesmo tempo, essencialmente comunitário. A pessoa só se desenvolve como pessoa no seio da comunidade e no confronto com os outros indivíduos da comunidade ou grupo. Neste sentido, podemos concluir que o individualismo ou o egoísmo não é definitivamente a melhor via para o crescimento de um indivíduo como pessoa.

Assim se conclui que o EU, o TU e o NÓS, não existem independentemente um do outro. É o confronto e a relação que o Homem estabelece com o seu semelhante, e não com as coisas, que o constitui como pessoa. O EU não existe sem o TU e vice-versa, os dois não existem sem o NÓS, pois são precisas duas pessoas para que se crie uma, e o NÓS, mais que a soma do EU e do TU, é o amor, a harmonia e a cooperação entre o EU e o TU. Todos os outros pronomes pessoais são supérfluos e discriminatórios.

Por uma gramática cristã
Vi, então, um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra tinham desaparecido e o mar já não existia. E vi descer do céu, de junto de Deus, a cidade santa, a nova Jerusalém (…) porque as primeiras coisas passaram. O que estava sentado no trono afirmou: «Eu renovo todas as coisas.  Eu sou o Alfa e o Ómega, o Princípio e o Fim. Apocalipse 21, 1-2. 5, 6

Tal como em Portugal, com a adesão ao cristianismo, mudamos o nome dos dias da semana e deixámos de ser adoradores da Lua à segunda-feira, de Marte à terça-feira, de Mercúrio, à quarta-feira, de Júpiter à quinta-feira, de Vénus à sexta-feira, de Saturno ao sábado e do Sol ao Domingo, enquanto que o resto dos povos da Europa continuam a adorar estes astros como o deus de cada dia, assim deveríamos também cristianizar outros aspetos da nossa língua e da nossa gramática.

A língua inglesa possui nove pronomes pessoais, contando com um pronome impessoal – “It” para designar as coisas ou animais; as outras línguas europeias possuem 8 pronomes pessoais: eu, tu, ele, ela - nós, vós, eles, elas. Se verdadeiramente quiséssemos adequar a gramática à fé e humanismo cristãos, deveríamos viver como se só houvesse três pronomes, eu – tu – nós. Todos os outros pronomes chamo-os eu, não de pronomes pessoais, mas sim de pronomes discriminatórios.

No Reino de Deus, na nova criação que Jesus veio inaugurar com a sua vinda ao mundo, só precisamos de três pronomes, pois só há três entidades verdadeiramente distintas entre si. EU sou diferente de ti, TU és diferente de mim, os dois formamos um NÓS. Ele ou ela é um TU para mim; não vejo razão para existirem estes pronomes ou mesmo para existirem os pronomes pessoais no plural. Os outros, sejam eles, elas ou vós, fazem sempre parte do NÓS, são também nossos irmãos.

Não vejo nenhuma diferença entre o TU e o ele/ela. A única razão para existirem estes pronomes é para discriminar as pessoas a quem os aplicamos. Para mim, só existe o pronome TU. Por outro lado, também não vejo nenhuma diferença entre o NÓS e o VÓS, eles ou elas; a única razão da sua existência é encontrar neles diferenças que os distinguem ou discriminam de nós. Viveríamos melhor se estes pronomes não existissem, pois, em vez de facilitar a nossa vida, complicam-na. Obrigam-nos a encontrar diferenças onde elas não existem ou as que encontramos são as que já percebemos entre o EU, TU e NÓS.

EU (EGO)
EU, é a unidade dinâmica que constituiu um indivíduo consciente da sua identidade, separado de tudo o que o rodeia, natureza, plantas, animais, coisas e das outras pessoas semelhantes a si, mas diferentes de si. A longa evolução da humanidade até à consciência de si mesma é recapitulada em cada ser humano, desde a sua conceção até ao dia por volta dos seis anos em que a criança se reconhece como pessoa e tem um pensamento autorreflexivo.

Evolução da inconsciência à autoconsciência
A “res cogitans” referindo-se à mente, ao pensamento, ao espírito e à alma, e a “res extensa” referindo-se ao corpo e à matéria representam um dualismo filosófico que tem a sua origem na Grécia e que atingiu o seu expoente máximo em Descartes (1637), que afirmou que a relação do corpo com a alma é como a do cavaleiro e cavalo.

Esta forma de ver a relação entre o corpo e a alma ou entre a parte física do nosso ser e a parte psíquica, espiritual e ética é pré-científica e curiosamente antibíblica também. A visão antropológica do ser humano na Bíblia está mais próxima da ciência de hoje que a filosofia grega, o pensamento de Descartes e o pensamento da religião cristã dos nossos dias que é mais cartesiano que bíblico, apesar de continuarmos a dizer que acreditamos na ressurreição do corpo.

É este mais um caso em que podemos dizer que a Bíblia tinha razão: para a ciência de hoje, como para a Bíblia, não existe corpo sem espírito nem espírito sem corpo, os dois estão intimamente unidos. A ideia de que a alma pré-existe ao corpo, encarna num corpo e o anima e depois desencarna desse corpo e continua a sua existência eterna, está dogmaticamente impregnada na teologia cristã assim como na reencarnação das religiões do Extremo Oriente. Embora poucos se arrisquem a contestá-la, acho que é mais um dos falsos mitos que fazem com que a nossa fé seja menos plausível para mentes científicas e modernas.

Entendemos que a história da evolução da inconsciência até à consciência de si mesmo se desenrola em paralelo com o desenvolvimento do cérebro reptiliano - mamífero – neocórtex, assim como a emancipação ou corte do cordão umbilical entre o Homo Sapiens e a natureza que o rodeia, etapa descrita na Bíblia no mito da expulsão do paraíso terreno (Génesis 3, 22-23) ou no mito da caixa de Pandora e no roubo do fogo aos deuses, descrito na mitologia grega. A partir deste momento, a natureza deixa de ser para o Homem uma mãe e passa a ser uma madrasta, à qual o Homem arranca o seu magro sustento, a duras penas.

A autoconsciência do Homo Sapiens foi-se desenvolvendo na relação entre o ser humano, o seu ambiente e os seus semelhantes, os outros seres humanos. Aqui entramos numa dinâmica de “o que nasce primeiro, o ovo ou a galinha”. Suponho que as relações com as coisas e os instrumentos criados para um efeito, assim como a relação com os seus semelhantes, obrigaram o cérebro a desenvolver-se. Consequentemente, um cérebro mais desenvolvido leva a novas descobertas no campo das relações com a natureza, do progresso científico. É preciso inteligência para utilizar instrumentos, mas o seu uso também contribui para o desenvolvimento da inteligência. O processo é bidirecional e ocorre uma retroalimentação positiva de um em relação ao outro.

No campo das relações humanas, a aquisição da linguagem parece ter desempenhado um papel crucial na evolução das relações humanas e da inteligência em geral. Por exemplo, houve um tempo em que a inteligência humana era tão diminuta que o ser humano não sabia de onde vinham os bebés, porque entre o efeito e a causa havia 9 meses de separação. Por este motivo, o ser humano não era capaz de estabelecer uma relação causa – efeito. Isto apenas aconteceu até o cérebro se desenvolver mais.

A ontogénese recapitula a filogénese
Durante nove meses vivemos em simbiose com a nossa mãe, à qual estamos ligados pelo cordão umbilical. Nesse tempo não há distinção entre nós e a natureza que nos envolve, somos unos com ela. Estes 9 meses podem simbolizar os milhões de anos em que o ser humano viveu em estreita relação com a natureza, como acontece ainda hoje com qualquer animal. Podemos concluir que nesse tempo o pronome EU não existia; este só passou a existir quando o Homo Sapiens se emancipou da natureza. Para o ser individual, o começo dessa emancipação é o dia do nascimento.

Até aos 3 anos, a criança fala de si mesma na terceira pessoa e, na maior parte dos casos, em vez do pronome pessoal usa o seu nome próprio. Por exemplo, em vez de dizer “eu não gosto de sopa” diz “o Pedro não gosta de sopa.” A partir desta idade, a criança consegue identificar-se a si mesma, é capaz de olhar para o espelho e ver-se a si mesma, ao contrário dos animais que parecem ver um seu semelhante. Outro sintoma de que a criança começa a desenvolver a autoconsciência é o aparecimento de emoções como o orgulho, a culpa e a vergonha. A completa autoconsciência chega entre os 5 e os 6 anos.

O TU - coisa e o TU - pessoa
Martin Buber fala do EU relacional, na relação com as coisas: EU - isso, uma relação entre um sujeito e um objeto, e na relação com as pessoas o EU - TU, a relação entre dois sujeitos, uma relação de mutualidade e reciprocidade. A mais pura relação de tipo EU - Tu, acontece entre o Homem e Deus, pois frequentemente as outras relações podem ser pervertidas e a pessoa relacionar-se com o seu semelhante em modo de EU - Isso, instrumentalizando e coisificando as pessoas. Outo tipo de perversão é a relação com as coisas em modo de EU - Tu, personalizando e espiritualizando as coisas.

As coisas foram feitas para ser usadas, essa é a verdade da nossa relação com as coisas. Por isso, qualquer desenvolvimento de afetividade com as coisas é um fetiche, é um voltar ao animismo, é reconhecê-las como pessoas. Por outro lado, é esvaziarmo-nos da nossa espiritualidade para espiritualizar as coisas, pois toda a relação afetiva é uma relação simbiótica - algo de mim passa para ti, algo de ti passa para mim. Isto está correto na relação com pessoas, mas não com coisas, já que não me dignifica e ainda me despersonaliza.

No evangelho vemos como o jovem rico (Lucas 18, 18-30) ficou triste ao não aceder ao convite de deixar tudo e seguir Jesus, pois não conseguiu desprender-se das riquezas. Contrasta com esta tristeza a felicidade de Zaqueu por ter conseguido desprender-se das suas riquezas.

Zaqueu (Lucas 19, 1-10), tal como o jovem rico, buscava Jesus porque suspeitava que a felicidade não estivesse nas riquezas. De facto, apesar de estar cada vez mais rico não estava cada vez mais feliz. Tal como no caso do jovem rico, Jesus amou incondicionalmente Zaqueu e escolheu ficar na sua casa entre tantas casas de Jericó, escolheu ficar na casa do maior pecador da cidade.

Este gesto de Jesus ajudou Zaqueu a dar o passo de partilhar, de se libertar do jugo das riquezas, ao descobrir que há mais alegria em dar que em receber (Atos dos Apóstolos, 20, 35). Ao fazer esta descoberta, Zaqueu que tinha a estatura de uma criança, cresceu para a estatura de um adulto. Pois esta é uma das diferenças entre as crianças e os adultos; as crianças encontram mais alegria em receber que em dar, enquanto que os verdadeiros adultos encontram mais alegria em dar.

São necessárias duas pessoas humanas para criar uma terceira a partir deste dado, tudo é ao mesmo tempo social e individual. São necessárias duas pessoas para que uma seja feliz: a pessoa humana é feliz ou infeliz sempre no confronto com o outro; não é possível ser feliz sozinho, mas é possível ser infeliz sozinho. A felicidade individual passa pelo outro, pelo tu.

Os prazeres procuram-se diretamente, a alegria ou a felicidade que é a alegria prolongada no tempo não se consegue diretamente. Ao começar um novo dia, posso dizer “vou ter este ou aquele prazer”, mas não posso dizer que vou estar alegre. A alegria ou felicidade é o retorno do que eu faço em prol do outro. A felicidade ou alegria é o efeito secundário de um ato em prol do bem geral ou do bem particular do outro.

TU (ALTER-EGO)
«Qual é o primeiro de todos os mandamentos?» Jesus respondeu: «O primeiro é: Escuta, Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor; amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças. O segundo é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior que estes.» Marcos 12, 28-31

Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo. Significa que devo manter uma distância em relação às coisas, devo transcendê-las porque não estão ao meu nível: o amor é devido ao Criador e não às criaturas. Só estamos livres de tudo e de todos se amarmos e nos submetermos a Deus.

Quando negamos a Deus, facilmente transferimos o amor que deveríamos ter por Ele para as criaturas, idolatrando-as, ou seja, fazendo delas pequenos deuses ou ídolos. Em meu entender, os ateus e agnósticos facilmente caem na tentação da idolatria e, como o que adoram não é uma única coisa ou realidade, acabam por ser politeístas, ou seja, negam o verdadeiro Deus.

Se com as coisas é virtude estabelecer e manter uma distância, com as pessoas é defeito manter essa distância porque o outro é o meu próximo. O outro é um alter ego, ou seja, para mim, é um TU aqui e agora. É precisamente isso que está implícito na segunda parte do mandamento do amor. Por o outro ser o meu próximo, o meu semelhante, pessoa com a mesma dignidade, de iguais direitos e deveres, o que me é devido a mim é-lhe devido a ele, nos mesmos termos, na mesma qualidade e quantidade.

O Senhor disse a Caim: «Onde está o teu irmão Abel?» Caim respondeu: «Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?» O Senhor replicou: «Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama da terra até mim.» Génesis 4, 9-10

Porque tinha eliminado o seu irmão, Caim desculpou-se dizendo que não era o guardião do seu irmão; ignorar o nosso irmão equivale a matá-lo na nossa consciência. Sempre devemos saber onde está o nosso irmão, sempre devemos preocupar-nos com ele. Um por todos, todos por um, diz o lema dos Três Mosqueteiros. Não somos ilhas. Como seres indigentes que somos, hoje é o outro que precisa de mim, amanhã serei eu a precisar.

TU ou Ele – Ela – Eles – Elas?
Mas ele, querendo justificar a pergunta feita, disse a Jesus: «E quem é o meu próximo?» Tomando a palavra, Jesus respondeu: Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores que, depois de o despojarem e encherem de pancadas, o abandonaram, deixando-o meio morto. Por coincidência, descia por aquele caminho um sacerdote que, ao vê-lo, passou ao largo. Do mesmo modo, também um levita passou por aquele lugar e, ao vê-lo, passou adiante.

Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão. (…) e cuidou dele. (…) Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele homem que caiu nas mãos dos salteadores?» Respondeu: «O que usou de misericórdia para com ele.» Jesus retorquiu: «Vai e faz tu também o mesmo.» Lucas 10, 25-37

Ao contrário do TU, os pronomes Ele, Ela, Eles, Elas, implicam ou colocam uma distância real ou irreal entre mim e o outro. Para o sacerdote e o levita da parábola, o desgraçado que caiu nas mãos dos salteadores nunca foi um TU, mesmo quando estava dentro do seu campo de visão o que lhes permitia ver as suas feridas, e do seu campo de audição, o que lhes permitia ouvir os seus gemidos e constatar que estava em sofrimento e necessitava ajuda. Para os não solidários, o outro está sempre distante, mesmo quando está perto, porque é sempre um estranho, um estrangeiro, um inimigo, um desconhecido, um ele ou ela, eles ou elas, nunca um TU.

Ele – Eles
Estes dois pronomes, assim como os seus congéneres femininos, implicam, como dissemos, uma distância de nós que é espacial e temporal. Esta distância é temporal na medida em que se trata de pessoas históricas, que já viveram ou que ainda não nasceram. Esta distância esfuma-se e eles transformam-se num TU no momento em que nos relacionamos com eles.

Há quem pense que os pronomes ele, ela ou o “it” neutro do inglês servem para expressar a objetividade. Nós, porém, cremos que as realidades, verdades e objetividades que o NÓS descobre são referidas por artigos e não por pronomes; por isso, não precisamos desses pronomes. Por exemplo, a natureza, a verdade, o amor, o ódio, etc. são entidades abstratas às quais nos referimos com artigos ou sem eles.

Se são pessoas do passado, aprendo com os seus erros e as suas virtudes e feitos históricos, estou unido a elas pelo inconsciente coletivo de Jung. Se são pessoas do futuro, penso no meu legado, no que lhes vou deixar em termos da minha atuação neste mundo, bem como no tipo de planeta que lhes deixo, mais ou menos habitável. O meu esforço por uma sociedade mais justa e um planeta mais limpo faz deles, distantes no tempo, um TU próximo, presente no meu aqui e agora.

Num mundo globalizado como é o nosso, onde sabemos dos acontecimentos não depois de acontecerem, mas quando ainda estão a acontecer, já não há distâncias espaciais. Habitamos todos a mesma casa comum, o planeta tornou-se pequeno e frágil. Neste planeta, onde 1% dos seus habitantes possuem mais de 99% dos recursos, ninguém pode dizer que a extrema riqueza de uns poucos não é inversamente proporcional à pobreza de muitos.

Como alguém disse, a pobreza existe não porque não consigamos alimentar os pobres, mas porque não conseguimos satisfazer a ganância dos ricos. O pobre distante da Etiópia ou do Bangladesh não é um ele ou ela, eles ou elas, é um TU para o qual eu faço parte da solução ou parte do problema - não há uma posição neutra.

Ela – Elas
A história da espécie humana até praticamente aos nossos dias tem sido a de uma ave que voa com uma só asa; talvez seja por isso que andamos em círculos e a história se repete, e repetimos os mesmos erros. Porque só o varão faz história, a mulher não faz parte dela; os seus dotes e talentos estão circunscritos ao mundo doméstico, não são usados na História, na política, na filosofia, na ciência, na sociedade em geral.

Apesar de tantos séculos de evolução social e histórica nas relações sociais, reproduzimos as desigualdades de género que existem nos animais que nos estão mais próximos. Ou seja, usamos o nosso cérebro mamífero e não o nosso neocórtex.

Na língua que se fala na Etiópia, a distinção entre os géneros é ainda mais marcante, pois ao contrário das línguas europeias onde existe uma só forma de TU para ambos os géneros, no amarico existe um TU masculino (Anta) e um TU feminino (Anchi). É certo que a criação desta diferença não é para exaltar as mulheres, mas sim para as dominar.

Numa escola secundária vi este slogan, “profissões baseadas no sexo não têm nexo”. No entanto, criamos trabalhos para homens e trabalhos para mulheres. Neste campo, a religião, pelo menos no que respeita ao cristianismo (e mais em relação ao Islão), em vez de seguir as pisadas do Mestre que foi o maior feminista de todos os tempos no bom sentido da palavra, seguiu o machismo e chauvinismo da sociedade. A Igreja Católica continua a negar às mulheres o acesso ao sacerdócio com desculpas de toda a ordem.

Jesus foi bem diferente, tratou a mulher e o homem da mesma maneira, com se depreende do episódio da mulher apanhada em adultério e arrastada até à sua presença, (João 8,3-8.).

Não lestes que o Criador, desde o princípio, fê-los homem e mulher, e disse: Por isso, o homem deixará o pai e a mãe e se unirá à sua mulher, e serão os dois um só? Mateus 19, 4-5. Em relação à criação do homem e da mulher e podendo citar o Génesis 2, 21-22 que diz que a mulher foi criada a partir de uma costela de Adão, Jesus prefere citar Génesis 1, 26-27; não faz, portanto, uma leitura machista da Bíblia.

É o primeiro e único rabino em Israel ou Mestre espiritual na História da humanidade que tem discípulas que o seguiram na sua itinerância, desde o princípio na Galileia até ao fim em Jerusalém (Marcos 15, 40-41, Lucas 8, 1-3). Jesus de Nazaré é o único fundador de uma religião que não discriminou a mulher, nem nunca fez nenhuma afirmação sexista ou negativa contra ela.

Tem encontros a sós, tanto com homens (Nicodemos), como com mulheres (a Samaritana) (João 4, 5-7, 25-27); come com pecadores e prostitutas; deixa-se tocar por elas como é o caso da pecadora que lhe banha os pés com lágrimas e os enxuga com os cabelos (Lucas 7, 36-38). Para Jesus, as mulheres não são motivo de contaminação nem de tentação, e elas sentem-se bem na sua companhia.

Uma mulher derrama perfume nos seus pés, outra chora e limpa-os com os seus cabelos; as mulheres de Jerusalém choram a sua Paixão, uma limpa-lhe o rosto, são testemunhas da sua morte, da sua sepultura e da sua ressurreição.

NÓS
Quando Egerton Young primeiro pregou o Evangelho aos peles-vermelhas de Saskatchewan, a ideia da paternidade de Deus fascinou de imediato estas gentes que até então tinham visto Deus apenas no trovão, no relâmpago e no estrondo de tempestade.

Ao ouvir o missionário invocar a Deus como pai, um velho chefe exclamou: "Ao falares do Grande Espírito como acabas de fazer, será que te ouvi dizer, 'Pai Nosso'?" "Sim," disse Egerton Young. "Isso é muito novo e doce para mim," continuou o chefe. "Nós, índios, nunca vimos o Grande Espírito como Pai. Ouvíamo-lo no trovão ou víamo-lo no raio, na tempestade e nos nevões, e ficávamos aterrorizados com medo.”

“A noção de que o Grande Espírito é nosso Pai, é nova, mas sublime para nós.” O velho chefe pausou, parecendo meditar… foi então, que de repente, num vislumbre da glória, a sua face se iluminou como num relâmpago e clamou. "Oh Missionário, disseste que o Grande Espírito é teu Pai?" "Sim", disse Egerton. "E," continuou o chefe, " também afirmas que Ele é Pai dos índios?" "Evidentemente", disse o missionário. "Então", exclamou o ancião, como se tivesse feito a maior descoberta, "tu e eu somos irmãos!"
William Barclay commentary of the New Testament (comentário do Novo Testamento)

O VÓS discriminativo
(...) todos quantos em Cristo fostes batizados, de Cristo vos revestistes. Não há judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. Gálatas 3, 27-29

Instintivamente, o pronome “NÓS” é música para os nossos ouvidos, soa bem; invoca em nós sentimentos de comunidade, colaboração, cooperação, aceitação, amor, harmonia, paz. Ao contrário, o pronome “vós” que invoca oposição, soa mal, invoca guerras, polémica, discussão, rivalidade diferença, discriminação, inimizade.

Alguém dizia que um camelo é um cavalo desenhado por um grupo de pessoas. O “nós” pode ser tudo o que acima está descrito, um triângulo de amor e fraternidade, mas também pode ser um triângulo das Bermudas, como referi no texto sobre o triângulo dramático de Karpman, onde as pessoas, em vez de se encontrarem, se perdem e dissolvem numa relação de mútuo abuso. O homem é sempre um ser social, não há alternativa à comunidade, ou seja, não há outra forma de vida igualmente válida. A alternativa a uma má comunidade, é uma boa comunidade, mas sempre uma comunidade.

Se todos somos irmãos, o VÓS não deve existir, pois aqueles que designamos como “vós” são, como nós, filhos do mesmo Pai, oriundos do mesmo continente - África - e as diferenças que possuímos, sejam de pele, de cor, de formato ou cor do cabelo, de formato ou cor dos olhos ou qualquer outra diferença, dependem de 25 000 anos de adaptação a diferentes meios e não mais que isso. A verdade é que todos vimos de um tronco comum. Qualquer tipo de discriminação é anticientífica, ideológica e tendenciosa e procura diferenças que não existem.

“Narcisismo das pequenas diferenças” – assim chama Freud às diferenças que artificialmente procuramos, como se, para defender a nossa idiossincrasia, tivéssemos que aniquilar a do outro... O mesmo acontece no arquétipo freudiano de ter de matar o Pai para poder afirmar a nossa individualidade. É muito mais o que nos une do que o que nos divide de facto - se houvesse uma ameaça extraterrestre, todos nós, habitantes deste planeta esqueceríamos essas pequenas diferenças e nos transformaríamos rapidamente no que sempre fomos e sempre seremos: um grande NÓS.

Quanto à discriminação religiosa, suponho que todas as religiões buscam um mundo melhor, uma sociedade mais justa e mais fraterna. A razão de ser da Igreja e do cristianismo é ser fermento do Reino de Deus que é precisamente isso: uma sociedade onde reina a justiça e a paz (Romanos 14, 17). A Igreja existe, portanto, para o reino e não para se anunciar a si mesma. Se todas as religiões procuram o mesmo, é mais o que nos une que o que nos desune, pelo que não deveria haver guerras religiosas.

A verdade e a objetividade
A polémica e a discussão são guerras linguísticas; o objetivo não é descobrir a verdade, mas ter argumentos superiores, como quem tem armas superiores para vencer o outro. É importante dar-se conta dos próprios sentimentos quando entramos em conversa com os outros, pois desses sentimentos depende o sentido da conversa, se vai ser diálogo ou discussão.

Diálogo, do grego, significa buscar o sentido ou a verdade por intermédio da palavra. A verdade é única na sua formulação, mas plural no seu descobrimento. A verdade é com um puzzle que deve ser construído e para o qual várias pessoas têm diferentes peças. O erro está em pensar que a minha visão parcial da verdade representa toda a verdade, pelo que procuro impô-la aos outros.

A atitude sine qua non para que haja diálogo entre duas pessoas é a humildade e o entender e aceitar que, se duas pessoas discutem, a verdade está dividida em dois, se três discutem, está dividida em três. A questão está em reconhecer a parte da verdade do outro antes de eu propor a minha, pois cada um tem uma peça do puzzle que é a verdade.

Se o número seis estiver gravado no chão entre duas pessoas, uma vê de facto o seis, mas a pessoa que está do lado oposto vê um 9; quem tem razão? As duas têm razão. A verdade é como um diamante. Imaginemos um diamante no meio de várias pessoas; a visão que cada uma tem é diferente, consoante a luz que penetra no diamante e reflete várias cores; as cores que cada um vê são diferentes, consoante a sua posição. A verdade é a soma de todas as visões ou cores possíveis.

O mesmo acontece com a objetividade que entendemos como sinónimo de verdade. A objetividade, tal como a verdade, é uma realidade abstrata que se deduz ou intui a partir das realidades concretas e observáveis. Tanto uma como a outra podem existir sem sujeitos, mas na sua génese envolveram sujeitos - EU e TU - funcionando como NÓS. A objetividade é um acordo de cavalheiros ao fim de um processo de diálogo.

O NÓS do matrimonio
Amai-vos um ao outro, mas não façais do amor uma prisão; deixai antes que seja um mar ondulante entre as margens das vossas almas. Enchei a taça um do outro, mas não bebais de uma só taça. Parti o vosso pão ao meio, mas não comais do mesmo pão. Cantai e dançai juntos, mas deixai que cada um de vós fique sozinho.

Como as cordas de uma lira estão sozinhas embora vibrem ao som da mesma música. Entregai os vossos corações, mas não ao cuidado um do outro. Pois só a mão da Vida pode conter os vossos corações. E ficai juntos, mas não demasiado juntos. Pois os pilares do templo estão afastados, e o carvalho e o cipreste não crescem à sombra um do outro. Kalil Gibran, O Profeta

Os dois podem até ser uma só carne, como sugere o evangelho (Marcos 10, 8) mas são sempre duas pessoas que não vivem em função uma da outra, mas em função de um objetivo comum para o qual cada uma contribui com a sua individualidade. Amor matrimonial não é os dois olhando um para o outro, isso seria um egoísmo a dois, mas os dois olhando na mesma direção, que pode ser um filho ou qualquer outro plano.

Como diz Gibran com a metáfora das cordas de uma guitarra ou das colunas de um templo, para que a união seja forte, cada um dos dois deve cultivar espaços de individualidade para poder crescer, pois como diz Gibran, o carvalho não cresce bem à sombra do cipreste nem este à sombra do carvalho; os dois precisam do sol direto nas suas folhas para poderem fazer a fotossíntese e viverem. Cada um dos cônjuges precisa de ler os seus livros, cultivar as relações com os seus familiares e os seus amigos. A união vai desaparecer se faltar a liberdade individual e cada um dos cônjuges não se sentir bem como pessoa.

O NÓS da amizade
Conta-se que um macaco e um peixe eram muito amigos um do outro e brincavam no rio todo o dia até que um dia choveu muito, o rio engrossou e o peixe tentava nadar contra a corrente para não ser levado pela água; o macaco viu a situação e foi salvar o seu amigo trazendo para terra. É claro que agora o peixe sem oxigénio debatia-se entre a vida e a morte abanando-se, o macaco ao ver isto disse, “acabo de te salvar a vida e ainda protestas?”

A melhor forma de amizade é ser empático com os nossos amigos: ver a realidade como eles a veem e não tentar impor a nossa ajuda. É chorar com quem chora, rir com quem ri, é colocar-se no lugar do outro. Longe de dar conselhos, a empatia usa mais o silêncio que a palavra, o sentimento que o pensamento.

Empatia é entrar em contacto com o que está vivo na outra pessoa, com o que está a acontecer com ela, é colocar-se no lugar dela. É calçar os seus sapatos, é ver a realidade da perspetiva do outro, vê-la como o outro a vê. Muitas vezes, quando os outros se apercebem de que não estamos a conseguir ligar-nos empaticamente a eles, dizem de forma desesperada "põe-te no meu lugar". Pensando eu que estava a ser empático ao dar conselhos ao meu pai, procurando consolá-lo nos últimos dias da sua vida, ele calou-me dizendo, “bem fala o são ao doente”.

Ao ouvir estas palavras dei-me conta de que estava bem longe de demonstrar empatia pelo meu pai e ele fez-me ver que eu não estava com ele. Ele não precisava de uma solução rápida que sabia não existir, nem de conselhos, mas só de empatia e eu fui incapaz de lha dar. Pensamos que oferecendo soluções, dando conselhos, consolando, fazemos com que o outro se sinta melhor, mas a crua realidade é que, longe de o fazer sentir-se melhor, apenas acrescentamos ao sofrimento.

Pe. Jorge Amaro, IMC.

 

1 de outubro de 2020

3 Bens essenciais: Saúde - Dinheiro - Amor

Sem comentários:


Tres cosas hay en la vida
Salud, dinero y amor
Y el que tenga estas tres cosas
Que le dé gracias a Dios

Gigliola Cinquetti

Saúde, dinheiro e amor
Por esta ordem, são bens essenciais para a vida humana. Os dois primeiros mantêm-nos vivos, o terceiro é o que dá valor e sentido à nossa vida. É certo que os dois primeiros são os menos importantes para a vida humana e poderíamos dizer que, de alguma forma, os temos em comum com os animais. Porém, para viver humanamente e com sentido, é condição sine qua non estar vivo. Como diz o provérbio, vale mais um burro vivo que um sábio morto.

Fome – peste - guerra
Se a felicidade e o bem-estar são uma tríade composta por saúde – dinheiro – amor, a infelicidade o mal-estar é composta pela tríade contaria a esta: fome – peste – guerra. A fome é a falta de dinheiro de recursos para manter a vida física para sustentar a vida; a peste é a falta de saúde a grande escala como foi a peste negar na Idade Media, como é o vírus do sida nos nossos tempos, o vírus do Ébola, o Sars e o Corona; a guerra é a falta de amor é o atuar do ódio a grande escala

SAÚDE
Jesus não veio ao mundo só para salvar o homem, no sentido de lhe abrir as portas do paraíso da vida eterna. Jesus preocupou-se na sua vida terrena pelo homem por inteiro e grande parte do seu ministério passou-o curando enfermidades graves e menos graves. Por isso, quando dizemos que Jesus é a nossa salvação, não deveríamos só pensar na salvação eterna, mas também na salvação terrena. De facto, salus em latim, mais que salvação, significa saúde. Jesus é a nossa saúde, o nosso bem-estar, a nossa felicidade.

No ocidente industrializado, 70% das mortes ocorrem por enfarte, acidentes vasculares cerebrais (AVCs) e cancro. Estas três doenças têm praticamente as mesmas causas: predisposição genética, o ar que respiramos, o que comemos, o que bebemos e o estilo de vida que levamos (ativo ou sedentário).

O cancro é a segunda causa de morte no mundo ocidental, depois dos acidentes e doenças cardiovasculares. Não há nada de misterioso nas doenças cardiovasculares; sabemos praticamente tudo acerca delas, pelo que exercemos um certo controlo sobre elas. Sabemos mais ou menos o que fazer para as evitar e para as curar.

O cancro é radicalmente diferente e complexo; não se confina a uma parte do nosso corpo, pode desenvolver-se em qualquer órgão – estômago, intestino, rins, pulmões, pâncreas, próstata, ovários, útero, etc. - ou tecido - ossos e pele - ou nos fluidos do corpo - sangue e glândulas. Depois de longos anos de pesquisa e acumulação de conhecimentos sobre esta doença, o que sabemos ainda é pouco ou, pelo menos não é o suficiente para a curar ou para a evitar.

Não há no mundo ocidental quem não viva de alguma forma assombrado pelo cancro, pois ninguém está livre dele. Não ter antecedentes na família e levar um estilo de vida saudável é uma grande ajuda, mas não é uma garantia 100% infalível de que a doença não nos visitará.

Saúde física
Colocando de lado as determinações genéticas herdadas, a saúde física é em grande medida da nossa responsabilidade. Na juventude tomamo-la como certa e o nosso corpo até aguenta uns quantos abusos; à medida que a idade avança, os abusos são cada vez menos tolerados. Só tem saúde quem faz por ela. Como alguém diz, Deus perdoa sempre, os seres humanos algumas vezes perdoam outras não, a natureza não perdoa nem esquece e, tarde ou cedo, pagamos o que fazemos contra ela: é o efeito bumerangue.

Alimentação
In medio virtus – é o princípio a observar na alimentação, ter uma alimentação equilibrada; uma vez que são muitos os nutrientes de que necessitamos e não há um alimento específico que os tenha todos, devemos comer um pouco de tudo. Não somos o que consumimos, como se diz, mas muito do que somos vem do que consumimos. Uma alimentação equilibrada tem que conter o seguinte, por esta ordem: água, carboidratos, proteínas, gorduras, vitaminas, fibras e sais minerais.

Devemos comer menos do que o nosso apetite sugere, não comer até nos sentirmos saciados ou com o estômago cheio; deveríamos levantar-nos da mesa ainda com algum apetite. Quem come até à saciedade aumenta de peso e o excesso de peso/obesidade constitui, por si só, um problema com consequências nefastas para a saúde em geral.

As refeições devem ser espaçadas para dar repouso ao estômago com períodos de jejum. Tem sentido o ditado que diz, “pequeno almoço de rei, almoço de príncipe e jantar de mendigo”. A sociedade moderna faz precisamente o contrário: muitos partem para o trabalho sem pequeno almoço porque ainda não digeriram nem assimilaram a farta ceia ou jantar. A pessoa que não toma o pequeno-almoço tem baixo nível de açúcar no sangue. Isto gera uma quantidade insuficiente de nutrientes para o cérebro, causando a sua degeneração gradual.

Beber um copo de água tépida, com ou sem limão, meia hora antes de tomar o pequeno almoço é altamente aconselhável para purificar os rins, pois a primeira urina da manhã é altamente concentrada em tóxicos. Durante o dia, fora das refeições, deve beber-se até um litro e meio de água, pois tudo no nosso organismo funciona com ela, nela e por ela.

O pequeno almoço ou o almoço devem ser as refeições mais importantes do dia. O pequeno almoço deve ser composto por cereais para fornecer energia para o resto dia. Estes cereais devem ser tão integrais quanto possível por duas razões: primeiro, porque a casca contém muitos nutrientes e, sem esta, só fica o amido; por outro lado, se o cereal for refinado, a assimilação deste pelo sangue será mais rápida, aumentando exponencialmente o nível de açúcar no sangue. Se o cereal for integral, a assimilação dos hidratos de carbono é mais lenta, mais paulatina, fornecendo energia para o resto do dia.

A fruta deve ser comida fora das refeições, pois é digerida e assimilada no intestino delgado. Se for comida depois das refeições, é desaproveitada e dificulta a digestão.  Se possível, elimine a carne, sobretudo os enchidos e carne vermelha. De preferência, deve consumir-se carne magra por conter menos colesterol e carne velha, já que contém menos purinas e acido úrico. O peixe deve ser gordo, pois contém HDL, e jovem, pois contém menos mercúrio, sendo preferível peixe de cardume.

Sono
Dormir permite ao cérebro descansar e arquivar os seus assuntos. A falta de sono por períodos prolongados acelera a perda de células do cérebro. No entanto, o sono não é só essencial para o cérebro, também o é para o resto do corpo.

21h00 – 23h00 - É o horário em que o corpo realiza atividades de eliminação de químicos desnecessários e tóxicos (desintoxicação) mediante o sistema linfático do nosso corpo. Neste horário do dia, devemos estar num estado de relaxamento, escutando música, por exemplo.

23h00 – 01h00 - O corpo realiza o processo de desintoxicação da vesícula biliar, que idealmente deve acontecer num estado de sono profundo.

00h00 – 04h00 - É o horário em que a medula óssea produz sangue.

01h00 – 03h00 - Durante as primeiras horas da manhã, acontece o processo de desintoxicação do fígado, idealmente num estado de sono profundo.

03h00 – 05h00 - De madrugada, ocorre a desintoxicação dos pulmões. É por isso que por vezes neste horário se produzem fortes acessos de tosse. Quando o processo de desintoxicação atinge o trato respiratório é melhor não tomar medicamentos para a tosse já que interferem no processo de eliminação de toxinas.

05h00 – 07h00 - Desintoxicação do cólon. É o horário de ir à casa-de-banho para esvaziar o intestino.

Dormir tarde e despertar tarde interromperá o processo de desintoxicação de químicos desnecessários ao organismo.

Exercício físico
A vida sedentária é a mãe de todas as doenças, e o exercício moderado não profissional é das poucas coisas que não tem efeitos secundários, que é bom para tudo. O músculo que mais necessita de ser exercitado é o coração; para isso, o melhor exercício é a corrida; quem não pode correr por alguma complicação nas pernas ou joelhos, pode substituí-la por natação ou bicicleta. Os benefícios do exercício regular moderado são os seguintes:

•    Ajuda a diminuir e controlar o peso.
•    Diminui o risco de doenças no coração, tensão alta, osteoporose, diabetes e obesidade.
•    Melhora os níveis de colesterol sanguíneo.
•    Aumenta as taxas colesterol (HDL), diminuindo as taxas do colesterol (LDL) e triglicéridos.
•    Aumenta a resistência muscular.
•    Tendões e ligamentos ficam mais flexíveis.
•    Traz bem-estar mental e ajuda a tratar a depressão.
•    Alivia o stress e a ansiedade e combate a insónia.
•    Ajuda a produzir serotonina, – a hormona do bem-estar.

Saúde psíquica e emocional
As doenças transmissíveis transmitem-se por contacto ou contágio. O nosso corpo e o nosso psiquismo estão intimamente ligados; por isso, é impensável que um esteja doente sem o outro não ficar doente também. Hoje sabemos, mais que nunca, que muitas doenças que começam no foro físico acabam por afetar o psíquico e vice-versa.

Transcrevo aqui uma informação que encontrei num centro de saúde; não sei até que ponto é tudo verdade, mas assenta no princípio de que o lado psíquico influencia o lado físico.

A constipação ocorre quando o corpo não chora.
A garganta entope-se quando não é possível comunicar as aflições.
O estômago arde quando a raiva não encontra expressão, não consegue sair.
A diabetes invade quando a solidão dói.
O corpo engorda quando a insatisfação emocional aperta.
A dor de cabeça deprime quando as dúvidas aumentam.
O coração desiste quando o sentido da vida parece terminar.
A alergia aparece quando o perfeccionismo se torna intolerável.
As unhas quebram quando as defesas estão ameaçadas.
O peito aperta quando o orgulho escraviza.
O coração enfarta perante a ingratidão.
A tensão sobe quando o medo aprisiona, e a ira se internaliza.
As neuroses paralisam quando a “criança interna" tiraniza.

A plantação ou sementeira é livre, mas a colheita é obrigatória, no sentido de que quem semeia ventos obrigatoriamente vai colher tempestades. Portanto, a nossa saúde depende, em grande medida, de nós.

Se é certo que a nossa psicologia afeta o corpo, o oposto também é verdade: o nosso físico afeta a nossa psicologia. Um exemplo disto é o facto de a nossa postura corporal poder estimular a produção de testosterona, hormona tão importante para a manutenção da saúde geral. Com a idade, a produção desta hormona diminui exponencialmente, complicando a saúde em geral, sobretudo no homem.

A produção desta hormona pode aumentar em 20% se assumirmos posições de poder físico: abrir e esticar os braços e as pernas, usar mais espaço, e manter uma destas posições por dois minutos. Ao mesmo tempo, o cortisol diminui em 25%.

DINHEIRO
- Rabino, que pensas acerca do dinheiro? – perguntou o discípulo a seu mestre.
- Olha pela janela, - disse o mestre - O que vês?
- Vejo uma mulher com uma criança, uma carroça puxada por dois cavalos e um homem que está a ir para o mercado.
- Bom. Agora olha para este espelho; que vês?
- O que quer que eu veja, mestre? Vejo-me a mim mesmo, obviamente.
- Considera então: a janela é feita de vidro, o espelho também. Um fino revestimento de prata atrás do vidro é suficiente para fazer com que um homem só se veja a si mesmo.


Quando a prata (dinheiro, bens materiais) se interpõe entre nós e os outros, deixamos de ver os outros e apenas nos vemos a nós. É certo que todas as atividades humanas envolvem dinheiro. Por isso, o dinheiro em si mesmo é importante, considerando que temos um corpo para alimentar e vestir. Regra geral, o dinheiro é essencial para manter a vida do corpo, ou seja, para nos manter vivos; o resto, o dinheiro não dá.

Nos tempos medievais, quando um novo aluno era entrevistado para ser admitido na velha universidade de Salamanca, eram-lhe colocadas várias perguntas, se gozava de boa saúde, se era de boas famílias, etc. A quinta destas perguntas era em latim, “Habeas pecunia?”, ou seja, “tens dinheiro?”  Daí nasceu a expressão em espanhol “estou na quinta pergunta”, ou seja, não tenho dinheiro e, sem isso, não posso estudar.

A bolsa ou a vida?
“A bolsa ou a vida” é o dilema com o qual nos confronta um ladrão. Os sensatos cedem a bolsa e retêm a vida; os néscios, por defenderem a bolsa, perdem a vida. Isto não acontece só a nível do roubo, mas também a nível existencial. A riqueza é um meio de vida, não um fim em si mesma; os que usam as riquezas para a vida são sensatos; os que sacrificam ou usam a vida para obter mais riquezas ou meios de vida são néscios. “Não é por muito madrugar que amanhece mais cedo”, não é por ter mais meios de vida que se adquire mais vida, ou seja, que se vive mais tempo e se é mais feliz.

“Poupar num ano para gastar num dia”
É uma expressão que ouvi muitas vezes ao meu pai. Ele trabalhava arduamente e, tanto ele como a minha mãe, poupavam. No entanto, quando aparecia uma ocasião em que era preciso gastar, como por exemplo, uma boda, não ficava agarrado ao dinheiro como muitos poupadores, mas gastava o que tivesse que gastar.

Esta é, no meu entender, a melhor relação que se pode estabelecer com o dinheiro, mantendo-o como servo, como algo útil para muitas coisas. No entanto, quando se poupa no momento em que devia gastar-se, elevamos o dinheiro à categoria de Senhor; o dinheiro começa a ter valor por si mesmo e poder sobre ti.

Quem ama as riquezas não possui, é possuído
Que o espírito de Deus esteja contigo para que possas ver que todas as coisas são boas, mas ai de ti se amares as criaturas, abandonando o Criador!... Francisco Benzoni

Se as vossas riquezas crescerem, não lhes entregueis o coração
. Salmo 62, 11
Porque, onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração. Lucas 12, 34

As coisas foram feitas para ser usadas e não amadas. Por outro lado, as pessoas foram feitas para ser amadas. Como não podemos servir a dois senhores, se transferimos o nosso amor para as riquezas, vemos os outros como rivais e não conseguimos amá-los; em vez disso, mas procuramos usá-los para nos tornarmos mais ricos.

Infelizmente o jovem rico, do evangelho de S. Mateus (19:16-23), decidiu ficar com as riquezas quando Jesus o confrontou e lhe deu a escolher entre riqueza material e riqueza espiritual. Diz o evangelho que ele ficou triste diante da sua própria opção; as riquezas podem dar prazer, mas não dão alegria e o prazer é quase sempre seguido pela tristeza.

O jovem rico recusou seguir o mestre porque, perante a perspetiva de perder as riquezas, a sua falsa segurança paralisou-o. Seguir o mestre foi o que o moveu a ir ter com Jesus, ele queria seguir o mestre, mas não podia. O que o impedia não era possuir muitas riquezas, mas ser possuído por elas. Não era livre, não era dono de si mesmo nem era senhor do seu destino. O que aconteceu ao jovem rico, e acontece a todos os que entregam o seu coração às riquezas, é que ele vendeu a alma ao diabo.

Onde estiver o teu tesouro, aí estará o teu coração, adverte o evangelho. Por isso, quando entregamos o coração às riquezas, vendemos a alma ao diabo; a partir desse momento, só possuímos do ponto de vista contabilístico, porque do ponto de vista psicológico e espiritual, somos nós os possuídos, como se fossemos possuídos pelo diabo.

Se os objetos de amor são bens materiais, então uma estranha simbiose acontece entre a pessoa e os bens materiais que ama. Define-se simbiose como uma relação de mútuo benefício e dependência entre dois seres vivos. Há uma troca ou partilha entre os dois: os bens materiais partilham a sua matéria, pelo qual a pessoa que os ama materializa-se; a pessoa partilha o seu espírito, através do qual os bens materiais se espiritualizam. O sujeito que antes dizia que possuía, passa a ser possuído. Não era o jovem rico que possuía os bens materiais, eram os bens materiais que possuíam o jovem rico.

O dinheiro é um bom escravo, mas um malévolo Senhor. Por isso, aquele que é seduzido pela riqueza, perde a sua liberdade. Na realidade, é a riqueza que passa a "comandar" a sua vida e não ele mesmo. Quando o único objetivo da vida é possuir, e o possuir só serve para manter as funções vitais, a pessoa vive para se manter viva, ou seja, vegeta.

Do ponto de vista material ou prático, económico ou financeiro, eu possuo as riquezas; do ponto de vista psicológico ou espiritual, elas possuem-me a mim. Ao amar as coisas, o homem perde a liberdade, materializa-se. Como o seu coração não foi feito para amar coisas, mas sim pessoas e a Deus, ao amar as coisas, transforma-se num poço sem fundo e nunca tem o suficiente. Consequentemente, mais tarde ou mais cedo vai indispor-se com os outros, já que tem tendência a acumular muito mais do que o pão nosso de cada dia. Aquilo que acumula em excesso, começa a faltar aos outros que vêem nisso uma injustiça; rapidamente a situação degenera em violência.

O dinheiro não compra o essencial para a vida
A verdade é que o dinheiro, longe de comprar tudo, não compra sequer as coisas mais importantes, as de que realmente precisamos na vida. É por isso que não é difícil encontrar pessoas deprimidas e infelizes entre os ricos, e pessoas felizes e realizadas entre os pobres.

O dinheiro pode comprar uma cama, mas não compra o sono; pode comprar comida, mas não o apetite; pode comprar livros, mas não a inteligência; pode comprar luxo, mas não beleza; pode comprar uma casa, mas não um lar; medicamentos, mas não a saúde; reuniões sociais, mas não amor; brincadeira ou diversão, mas não felicidade; um crucifixo, mas não a fé; um lugar luxuoso no cemitério, mas não no céu.

Não há nada mais valioso do que a vida e a vida é um dom de Deus; o amor, que é o princípio da vida, é livre e não pode ser vendido nem comprado. Em essência, só se compram os meios materiais, essenciais para estarmos vivos; a vida não, se compra não se vende nem se possui.

Só Deus possui
(…) guardai-vos de toda a ganância, porque, mesmo que um homem viva na abundância, a sua vida não depende dos seus bens.» Lucas 12, 13

Nus saímos do seio da nossa mãe e nus voltamos ao seio de Deus, de onde também a nossa mãe saiu. Não somos proprietários de coisa nenhuma, pois não podemos possuir nada indefinidamente; nem a nossa própria vida possuímos indefinidamente.

“Quero uma noite neste refúgio de caravanas,” disse um peregrino. Como te atreves a chamar refúgio de caravanas ao meu sumptuoso palácio?” disse o Rei. “E de quem era o palácio antes de ser teu?” perguntou o peregrino, “Era do meu pai.” E antes de ser do teu pai de quem era?” continuou o peregrino. “Do meu avô,” disse o rei. “Então,” concluiu o peregrino, “um edifício que passa de mão em mão o que é, se não refúgio de caravanas?”


Trabalhar por dinheiro é ser escravo
Ora constou-nos que alguns vivem no meio de vós desordenadamente, não se ocupando de nada, mas vagueando preocupados. A estes tais ordenamos e exortamos no Senhor Jesus Cristo a que ganhem o pão que comem, com um trabalho tranquilo. 2 Tessalonicenses 3, 11-12

É certo que devemos trabalhar pelo nosso sustento, mas se a única razão do nosso trabalho for ganhar dinheiro para nos sustentarmos, não seremos superiores ao burro que também trabalha para poder comer, ou ao escravo de antigamente que também trabalhava de sol a sol para ter o alimento assegurado.

É certo que precisamos do salário, mas a razão principal da nossa atividade laboral não deveria ser o dinheiro, mas sim a satisfação por criar coisas novas. O nosso trabalho é uma escravidão se for feito só para ganhar dinheiro, e uma arte, se gostarmos do que fazemos. Por isso, todo o passatempo é um trabalho e todo o trabalho deveria ser um passatempo.

Um médico, um professor que exerçam a sua profissão por dinheiro, nunca serão bons profissionais, e certamente ninguém quer ter um amante do dinheiro por médico ou por professor. O que na vida fazemos melhor é o que fazemos por amor: esta deve ser a motivação primeira da nossa atividade, não o dinheiro nem o dever, mas o amor.

Isto não se aplica apenas ao médico ou ao professor, mas ao carpinteiro, ao pedreiro, ao ferreiro, ao arquiteto etc. ou a qualquer outra profissão. Se o trabalhador não gostar do que faz, não o fará bem e se o dinheiro for a sua única motivação, custar-lhe-á fazer o que faz. Por outro lado, o que faz por amor, procurará sempre fazer melhor, auto superando-se sem nunca se cansar; já lá diz o provérbio, quem corre por gosto não cansa.

AMOR
Aproximou-se dele um escriba que os tinha ouvido discutir e, vendo que Jesus lhes tinha respondido bem, perguntou-lhe: «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?» Jesus respondeu: «O primeiro é: Escuta, Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor; amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças. O segundo é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior que estes.» Marcos 12, 28-31

O amor humano pode satisfazer um pouco o ser humano, mas não o satisfaz plenamente. Santo Agostinho dizia “Fizeste-nos, Senhor, para ti e o nosso coração anda inquieto enquanto não repousa em ti”. Tantos descobriram isto que até abdicaram do amor humano para ficar só com o divino.

A Princesa Diana de Gales, tinha tudo o que uma jovem poderia pedir na vida: juventude, beleza, poder, dinheiro, fama, "sangue azul" e dois filhos preciosos e, mesmo assim, não estava feliz porque lhe faltava o principal, o que o dinheiro não pode comprar: amor.

À procura deste, abandonou tudo e foi nessa busca que perdeu a vida. Outros há, que tendo o essencial, o amor, fazem o oposto da princesa, buscando com afã tudo aquilo que ela desprezou, gastando nisso as suas vidas, muitas vezes acabando por perder o que já tinham, o amor.

Tal como Diana de Gales, S. Bento de Núrsia, S. Bernardo de Claraval, S. Francisco de Assis, Santo Inácio de Loyola, S. Francisco Xavier, Santo António de Lisboa, Santa Isabel de Portugal, S. Nuno Alvares Pereira, Santa Beatriz da Silva etc., os santos da Igreja católica, na sua grande maioria, eram de classe média alta, cultos, jovens, belos, ricos, alguns de sangue azul, e todos abandonaram tudo por Cristo, tal como S. Paulo fizera: por causa Dele, tudo perdi e considero esterco, a fim de ganhar a Cristo, Fl, 3, 8.

História do João

Amar e ser amado é a primeira necessidade humana. Nascemos do amor entre o nosso pai e a nossa mãe, é o amor que eles nos têm que nos fez crescer sãos no corpo e na alma. Quem não é amado incondicionalmente enquanto criança, tarde ou nunca chegará a ser plenamente humano.

João tinha 7 anos quando foi abandonado pelo seu pai; a sua mãe ficou sozinha durante algum tempo, mas acabou por casar-se e o João foi catapultado para casa da avó. Ao sentir-se rejeitado, começou a não estudar, a comportar-se mal na escola, a ser violento com os colegas e com os professores. Como a avó não tinha mão nele e a mãe, cedendo às exigências do novo marido, não o queria em casa, a Segurança Social colocou o João num lar.

Estando no lar, vivia na esperança de passar os fins-de-semana com a família; o pai não cumpria as promessas e a mãe arranjava desculpas esfarrapadas. Ao contrário de muitos outros miúdos, o João passava até os fins-de-semana e as férias no lar.

Com isto, aos maus comportamentos anteriores, juntaram-se os assaltos a casas, o furto de carros e a entrada no mundo da venda e consumo de droga. Quando já nem o lar conseguia lidar com a situação, o João foi parar a um centro educativo como recluso.

O João tem agora à sua disposição um médico, uma enfermeira, um psiquiatra e uma assistente social. Juntos vão tentar a recuperação e reinserção social do João e de tantos que estão na mesma situação. A taxa de sucesso é muito baixa; muitos miúdos e miúdas não se recuperam nunca.

Em lares e em centros educativos, em profissionais e terapias sofisticadas, o Estado gasta, quase sem sucesso, milhões de euros quando afinal o João e outros como ele só precisavam do amor incondicional de uma mãe e de um pai, por mais ignorantes que estes fossem em matéria de educação.

O amor incondicional de dois pais teria certamente mais sucesso que todos os profissionais da educação com as suas sofisticadas terapias. Se o João tivesse tido este amor incondicional dos seus pais, não teria chegado onde chegou e não teria tido necessidade de todos aqueles profissionais.

Os profissionais poderiam até ter amado o João incondicionalmente; o mais certo é que o João rejeite este amor. Por experiência própria, num período da minha infância em que pensava que a minha mãe não me amava, era porem amado pela minha professora. Mas eu rejeitei o amor dela, lembro-me muito bem, porque não era dela que eu queria receber amor.

Com uma taxa atual de 70% de divórcios em Portugal, quantos miúdos e miúdas como o João vamos ter na nossa sociedade? Quem não é amado incondicionalmente passa depois a vida à procura de amor, quando na idade adulta a prioridade deveria ser amar.

Adultos que buscam amor
Como dissemos, amar e ser amado é a necessidade básica do ser humano. Sem amor não há vida humana, amar e viver são sinónimos. Só o amor nos preenche e satisfaz. Mais importante que saber por que vivemos, que só satisfaz a nossa mente, é saber para quem vivemos porque satisfaz o nosso coração e a nossa alma.

Como a Bíblia diz, há um tempo para tudo. Eu diria que fundamentalmente há um tempo para amar e um tempo para ser amado. Em todas as etapas da nossa vida necessitamos de amar e ser amados; porém, o tempo da infância é o tempo em que é essencial sermos amados, porque ainda não sabemos amar.

Uma criança, como dissemos, não pode passar sem amor. Porém, um adulto pode passar sem amor porque, para ele, o principal já não é (ou não deveria ser), ser amado. Se é adulto e maduro, o principal, o mais urgente, deveria ser amar.

O principal, o mais importante para um adulto é amar. Gosto de afirmar isto olhando para o mais adulto de todos os adultos, para o modelo de humanidade que é Jesus de Nazaré. Jesus não andava pela vida procurando quem o amasse, mas sim a quem amar. Podia muito bem passar sem o amor dos homens e, de facto, assim aconteceu muitas vezes. Porém, também não se sentiu autossuficiente e aceitou todo o amor que algumas pessoas lhe dedicaram, entre estas os seus discípulos e discípulas.

No entanto, não mendigou amor, não andou pelo mundo mendigando amor, como vemos hoje tantos adultos, solteiros, divorciados ou mal casados procurando quem os ame. Que triste é ver uma telenovela e as coisas que estes adultos fazem para obter ou reter o amor. O mesmo vemos nas letras da maior parte das canções românticas: poucas cantam o amor que se quer dar, a maior parte canta o amor que se quer receber.

Outros fatores do sucesso
Conta-se que uma mulher encontrou três veneráveis senhores à sua porta; ao convidá-los para entrarem, eles disseram-lhe que só um deles podia entrar e que a escolha era dela. Um disse que se chamava riqueza, o outro amor e o terceiro sucesso.

Consultando a sua família, uns diziam sucesso, outros riqueza, mas por fim todos concordaram que deveria convidar o amor. Foi até à porta e informou que convidava o amor; nesse momento, viu que os três se dispunham a entrar. Disse ela, “eu só convidei o amor, por que é que todos quereis entrar agora?” Enquanto o amor entrava em casa, os outros dois responderam à mulher dizendo “onde ele entra, nós também entramos.”

O amor é de facto a pedra filosofal que tudo transforma em ouro. Onde há amor, tudo o resto vem por acréscimo; onde não há amor, nem o sucesso nem a riqueza se mantêm por muito tempo.

Nesta paixão por encontrar realidades tridimensionais, aqui ficam outros fatores que nos ajudam a ter sucesso na vida; sobre cada um deles poderia escrever um texto, mas como não vou ter tempo nem espaço para o fazer, aqui ficam enumerados numa lista que poderia ainda aumentar:
3 coisas menos confiáveis no mundo – poder – sorte – prosperidade
3 coisas que não deves perder - paciência – esperança - dignidade
3 coisas mais valiosas - amor – princípios – confiança
3 coisas que dão valor a uma pessoa – sinceridade – esforço – coerência
3 coisas que definem uma pessoa - honestidade – trabalho – resultados
3 coisas difíceis de dizer - amo-te – perdoo-te – perdoa-me.

Conclusão: a saúde e o dinheiro só servem para nos manter vivos. O que justifica, dá sentido, cor e sabor à nossa vida é o amor. Não somos o que comemos, como alguém diz, mas somos o que amamos.

Pe. Jorge Amaro, IMC