15 de setembro de 2018

CNV - Ecologia, uma nova relação com a Terra

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Abençoando-os, Deus disse-lhes: «Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se movem na terra.» Deus disse: «Também vos dou todas as ervas com semente que existem à superfície da terra, assim como todas as árvores de fruto com semente, para que vos sirvam de alimento. Génesis 1, 28-29

O criador e o administrador da criação
Muitos ecologistas como Lynn White, (em “A raiz histórica da nossa crise ecológica”), culpam a Bíblia e, através dela, a religião por terem sido as mentoras e as madrinhas do domínio e exploração desenfreada da Terra. Para nós, estudantes da CNV, esta acusação é inaceitável pois, no mito bíblico da criação, a violência aparece à posteriori como um problema, não foi querida nem criada por Deus.

A justificação da violência à direita e à esquerda com tudo e com todos vem do mito babilónico da criação, que é anterior ao bíblico e é a raiz daquela a que o teólogo Walter Wink chama a religião “civil” que desde sempre e ainda hoje tem mais fiéis. Como já vimos, antes no mito babilónico a mesma criação é um ato de violência. Para o mito babilónico, a violência não é um problema, mas uma faceta intrínseca da criação, da natureza e do próprio Homem.

Dominar vem do termo hebreu “Radah”, uma palavra da realeza que significa reinar - trata-se, portanto do ofício de um rei. Que nos diz a bíblia sobre a forma como deve governar um rei? Vejamos como a mesma palavra é usada no contexto da coroação do rei Salomão que, para Israel, é o símbolo da sabedoria:

Dominará de um ao outro mar, do grande rio até aos confins da terra. (…) Ele socorrerá o pobre que o invoca e o indigente que não tem quem o ajude. Terá compaixão do humilde e do pobre e salvará a vida dos oprimidos. Há-de livrá-los da opressão e da violência, porque o seu sangue é precioso a seus olhos.  Salmo 72, 8, 12-14

E qual é o tipo de reinado que Deus não quer: Ai dos pastores de Israel, que se apascentam a si mesmos! Não devem os pastores apascentar o rebanho? Vós, porém, bebestes o leite, vestistes-vos com a sua lã, matastes as rezes mais gordas e não apascentastes as ovelhas. Não tratastes das que eram fracas, não cuidastes da que estava doente, não curastes a que estava ferida; não reconduzistes a transviada; não procurastes a que se tinha perdido; mas a todas tratastes com violência e dureza. Ezequiel, 34, 3-4

À luz do mito bíblico da Criação do Mundo, da parábola dos talentos (Mateus 25, 14-30) e suas congéneres, Deus não dá ao homem o direito de propriedade nem nenhum outro direito sobre a Criação, mas sim a responsabilidade de cuidar dela de uma forma consistente com a Sua vontade.

Primeiro, temos de entender que o homem, e só ele, foi feito responsável pela Criação, pois de todas as criaturas só ele foi criado à imagem e semelhança do Criador Deus. Segundo, o domínio como sinónimo de exploração desenfreada só pode provir de uma leitura do mito bíblico da criação, à luz do mito babilónico, por ser este mito o que tem prevalecido ao longo da história da humanidade.
A exploração desenfreada e violenta do planeta só pode ter vindo da leitura do mito bíblico da criação com as lentes do mito babilónico, pois a mente humana está formatada por este mito e não pelo bíblico. Nos dias de hoje, se perguntarmos se os seres humanos são ou não naturalmente violentos, a maioria das pessoas vai dizer que sim, que a violência faz parte da natureza humana.

Portanto, originalmente, ou seja, interpretando a bíblia à luz da própria bíblia, usando outros textos da mesma, a palavra “domínio” não significa despotismo totalitário, mas adequada administração sob a alçada de Deus; pois Deus é o único proprietário, dono e Senhor da Criação e de tudo o que ela contém, incluindo nós próprios:

Ao Senhor pertence a terra e o que nela existe, o mundo inteiro e os que nele habitam.  (Salmo 24:1).

Pois Deus não entregou a criação ao homem e se desinteressou dela; ao contrário, o homem não deve esquecer-se de que ele é só o administrador da criação:

Quem mediu as águas do mar com a sua mão e quem mediu o céu a palmo, ou o pó da terra com o alqueire? Quem pesou as montanhas na báscula e as colinas na balança? (…). De quem recebeu ele conselho para julgar, para lhe indicar o caminho certo? (…) - Quem lhe ensinou a ciência (…). As nações são como uma gota de água num balde, como um grão de poeira no prato de uma balança;
Isaías 40 12, 14, 15

Quem gera as gotas de orvalho? Job 38, 28

Ele dá de comer aos animais e aos filhotes dos corvos, quando gritam. Salmo 147, 9

Subjugar a terra, portanto, não significa dominá-la e explorá-la, mas sim aprender a compreender todos os seus processos, as leis da natureza e todas as suas criaturas, em benefício da humanidade e da glória de Deus. Este mandato está em vigor ainda hoje para todos os descendentes de Adão e Eva, mas é ainda mais importante para os cristãos, porque tivemos conhecimento do Senhor não somente no seu trabalho como Criador do mundo, mas também como seu Redentor. A redenção que obtivemos de Cristo é extensiva ao planeta; o planeta precisa de ser salvo também.

Neste mesmo espírito de vida, em harmonia com a natureza, a Igreja tem um santo para propor aos ecologistas do nosso tempo: S. Francisco de Assis. Para ele não havia animais antagónicos, não havia inimigos, por isso chamava o lobo de irmão lobo; não só se irmanou com os animais da terra, as aves do céu e os peixes do mar, como com os próprios elementos, chamando à água sua irmã e ao sol seu irmão.

O “Novo Testamento” do mito babilónico
Assim, da guerra da natureza, da fome e da morte, tem origem direta o objeto mais exaltado que somos capazes de conceber, a produção dos animais superiores." A luta pela existência, com a eliminação dos fracos e incapazes, leva à sobrevivência dos mais aptos, pelo que esta guerra da natureza deve, eventualmente, levar a animais superiores, raças superiores e finalmente civilizações superiores. Charles Darwin Ultimo parágrafo do livro Origem das espécies

Pelo uso e abuso de palavras e conceitos violentos, o último parágrafo do livro de Darwin parece decalcado do violento mito babilónico da Criação. Portanto, já nos tempos modernos vemos em Darwin e nos seus seguidores mais fanáticos, um “Novo Testamento” do mito babilónico, essa religião que domina o planeta. E tal como o cristianismo depressa se fez sentir no mundo, assim os efeitos da aplicação desta filosofia, nos últimos dois séculos - XIX e XX - e fazem sentir agora no século XXI.

Entre outros, um dos resultados nocivos desta filosofia tem sido a exploração descuidada dos nossos recursos naturais – animal, mineral e humano, tudo em nome da evolução socioeconómica. Grandes recursos minerais e vegetais, sobretudo a madeira, têm sido mal-usados e desperdiçados; quebrou-se o equilíbrio de regeneração da natureza, pelo que muitas espécies de vegetais e animais se extinguiram. O ritmo desta extinção é de 1000 por ano ou 100 por dia, segundo Norman Myers.

Volta-se o feitiço contra o feiticeiro – O efeito da exploração desordenada, egoísta e arbitrária o nosso planeta resultou numa contaminação sem precedentes dos ecossistemas:

O solo está depauperado de elementos essenciais à nossa saúde, por causa do mono cultivo; está também contaminado por pesticidas e fertilizantes químicos que alteraram a sua composição química e envenenam os lençóis freáticos de onde provém a água que bebemos;

Os oceanos estão cheios de microfibras de plástico que saem das nossas máquinas de lavar roupa, desde que o plástico substituiu as fibras naturais, como a lã, algodão, linho e seda, juntamente com metais pesados, como o mercúrio e que são absorvidos pelos peixes que consumimos;

O ar está contaminado por dióxido de carbono que produz o efeito de estufa, responsável pelo aumento global da temperatura que derrete os glaciares e as calotas polares, faz subir o nível do mar, altera o curso dos ventos, modifica o ritmo das estações do ano provocando furacões, inundações e secas de uma intensidade sem precedentes;

O ambiente social também está empestado pelo facto de que hoje 1% da humanidade possui mais riqueza (54%) que os restantes 99% (46%). A brecha entre ricos e pobres não para de aumentar. Uns morrem de fome, outros morrem de fartura; se houvesse partilha, nem morriam uns nem outros. Esta situação deve-se à ideologia do senhor Adam Smith, pai do capitalismo moderno, que acreditava que se todos fossem egoístas, ou seja, se todos buscassem o seu interesse individual, uma mão invisível se encarregaria do interesse comum; tal mão invisível a fazer de Pai Natal nunca se materializou, pelo que a situação vai de mal a pior.

Não temos nada contra os fundamentos da ciência da evolução das espécies; de facto, desde o Papa Pio XII, com a sua encíclica “Humani Generis” de 1950, que a Igreja Católica aceita os postulados fundamentais da teoria da evolução das espécies, ou seja, é mais que evidente que a vida vem toda de um tronco comum, que se foi diversificando em várias espécies ao longo de milhões de anos até aos nossos dias. O que não podemos aceitar é a interpretação violenta que o mesmo Darwin e os seus discípulos apresentam da teoria acima descrita no último parágrafo do seu famoso livro.

Com base no mito bíblico da criação e na CNV, acreditamos que a violência não faz parte da natureza, nem foi e nem é ela o motor da evolução, ao contrário do que pensava Darwin e os seus seguidores; esta foi introduzida pelo homem, pela forma com que se tem relacionado com a Natureza, sobretudo nos últimos dois séculos.

O efeito borboleta e o efeito dominó
Uma borboleta move as suas asas em Hong Kong e causa uma tormenta em Nova Iorque. Por pequeno que seja o que fazemos, afeta a ecologia global do planeta. Antigamente, porque a população humana do planeta era reduzida, o mundo parecia demasiado grande, demasiado poderoso e atemporal para que pudesse ser afetado pela ação do homem. Hoje, porém, para além da população ter aumentado de uma forma catastrófica e vertiginosa, sabemos que a ação do homem sobre o planeta é acumulativa, ou seja, os erros e os crimes contra o planeta vão-se acumulando porque, como dizia alguém, Deus perdoa sempre, o homem às vezes, a natureza nem perdoa nem esquece.

Embora o conceito já venha do 1890, o efeito borboleta ganhou aceitação popular em 1961, devido ao modelo de previsão do tempo usado pelo meteorologista Edward Lorenz. Este deu-se conta de que pequenas mudanças, que deveriam ter sido estatisticamente insignificantes, levaram a cenários exponencialmente diferentes.

A analogia de borboleta começou em 1972, quando Lorenz fez um discurso intitulado “Previsibilidade: pode o bater das asas de uma borboleta no Brasil desencadear um tornado no Texas?” Bem, tendo em conta as alterações que nós seres humanos já introduzimos no ecossistema complexo, conhecido como planeta Terra, é acertado dizer que fizemos o trabalho de milhares de milhões de borboletas.

Uma área de capital importância é a biodiversidade. Além do facto de a biodiversidade proteger os humanos contra os efeitos das catástrofes agrícolas, como a fome da batata irlandesa, a perda de uma espécie resulta em alterações significativas nos habitats naturais que podem prejudicar-nos gravemente a curto, médio ou longo prazo.

Tomando as mesmas borboletas como exemplo, se elas desaparecerem não só as crianças vão sofrer por não poderem brincar com elas, muitas plantas que estão intimamente ligadas às borboletas (e vice-versa) também estarão destinadas ao desaparecimento, pois umas não podem sobreviver sem as outras.

Quando pensamos na interdependência natural dos seres vivos entre si e dos ecossistemas entre si, é assustador pensar que tudo isto pode colapsar pela extinção de uma só espécie. As abelhas estão ameaçadas e são o maior polinizador do planeta; os esquilos estão ameaçados e plantam mais árvores que os seres humanos ao se esquecerem dos frutos secos que escondem no solo para sobreviverem no inverno.

O efeito dominó é uma realidade em ecologia; a mudança climática pode levar à extinção de animais e plantas deles dependentes e provocar uma reação em cadeia de consequências imprevisíveis, dada a interdependência dos seres vivos entre si e de serem todos eles dependentes das condições climáticas dos meios em que habitam.

Enquanto escrevia estas linhas recebi a triste notícia da morte do último rinoceronte branco macho; antes da sua morte, uma porção do seu esperma foi congelado na esperança de continuar a sua espécie, mas das duas últimas fêmeas existentes, uma é estéril. Isto faz com que o prognóstico da salvação do rinoceronte-branco seja muito reservado. Sabe-se que esta espécie foi impiedosamente caçada por causa da crença chinesa nas propriedades afrodisíacas do seu chifre.

Génese da violência no mito bíblico da criação
Segundo a religião violenta do sistema de domínio, que tem como Sagrada Escritura o mito babilónico, a violência é o mandamento principal, a matriz sobre a qual assentam todas as relações - a relação do homem com o seu semelhante, a relação do homem consigo mesmo, com Deus ao qual se oferecem sacrifícios violentos para aplacar a ira ou conquistar o favor, e com a natureza por esta não ser para nós uma mãe prodigiosa, mas sim uma madrasta.

A Natureza, aos animais deu-lhes tudo, até os vestiu, a nós não nos deu nada nascemos nus, e se queremos comer temos de trabalhar. Ao contrário do Neandertal, que se adaptava à natureza, já o Homo Sapiens procurou dominar a Natureza com a sua mente e adaptá-la às suas necessidades. Entendendo-se a si mesmo, em relação aos outros animais, como o patinho feio da Criação, a relação do homem com a Natureza parece ser uma relação de vingança.

«Porque atendeste à voz da tua mulher e comeste o fruto da árvore, a respeito da qual Eu te tinha ordenado: ´Não comas dela´ maldita seja a terra por tua causa. E dela só arrancarás alimento à custa de penoso trabalho, todos os dias da tua vida. Produzir-te-á espinhos e abrolhos, e comerás a erva dos campos. Comerás o pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de onde foste tirado; porque tu és pó e ao pó voltarás.» Génesis 3, 17-19

Natural para o mito babilónico, a violência não o era para o rito bíblico. O que Deus criou era bom e houve um tempo em que o homem era como Deus o tinha criado, assim como a Natureza original, ou seja, o Jardim do Éden, Homem e Natureza viviam em simbiose e harmonia, a mesma harmonia reinava entre Deus e o homem que passeavam ao entardecer no jardim do Éden (Génesis, 3,8). Com o pecado, esta harmonia entre Deus e homem, entre este e a Natureza rompeu-se.

A filosofia “win win” e a ecologia
Cristo veio trazer a salvação não só para o homem, mas também para o ambiente em que o homem vive; esta Terra pode voltar a ser o paraíso que já foi um dia. Para isso temos de denunciar o Darwinismo exacerbado que se relaciona violentamente com a natureza; como já denunciamos a falácia do mito da violência redentora agora denunciamos o mito do domínio e da sobrevivência do mais forte sobre o mais fraco e menos capacitado, declarando que se trata de uma ideologia falsa, que trata de explicar as relações dos animais ao longos dos milhões de anos de evolução.

Não há violência entre os animais, só há satisfação das suas necessidades. Os animais não se matam porque sentem ódio uns pelos outros, mas para satisfazerem as suas necessidades dentro da cadeia alimentar. Se alimentarmos um gato com ração, ele acabará por brincar com ratos e pássaros, sem lhes fazer mal.

O objetivo da CNV é que todos satisfaçam harmoniosamente as suas necessidades. É possível voltar ao mundo que tínhamos antes da era industrial, encontrar uma forma de harmonia, de progresso que seja sustentável e amiga do meio ambiente. Em CNV, as necessidades do outro são também as minhas necessidades, não há antagonismo entre mim e o outro, mesmo quando ele diz um “não” eu ouço um “sim”.

A CNV é uma filosofia “win win” “em que todos ganham” pois estamos convencidos de que todos podem ganhar; como não existe vida humana fora deste planeta, o que é bom para o planeta é bom para o homem e vice-versa, o que é mau para o planeta a longo prazo também o é para o homem a longo prazo. As consequências dos males passados já começaram a sentir-se. Deixemos de ser inimigos do meio ambiente pois é nele que vivemos.

Se a mãe Terra sustém a vida, a nossa vida, então também ela está viva, é um organismo vivo. Relacionemo-nos com ela usando os quatro componentes da comunicação não violenta e observemos objetivamente a situação em que se encontra, peçamos aos xamãs índios da América do Norte que nos ajudem a perscrutar os seus sentimentos e as suas necessidades e, por fim, a intuir o que ela nos pede para se manter viva e para nos manter vivos.
Pe. Jorge Amaro, IMC


1 de setembro de 2018

CNV - Uma nova relação com os outros

Sem comentários:
Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Marcos 12, 31

Auto empatia e empatia pelos outros
Tanto a expressão dos nossos próprios sentimentos e necessidades, como o palpitar empático dos sentimentos e necessidades dos outros estão alicerçados num estado de consciência particular que é o coração da comunicação não violenta. Este estado de consciência nutre-se de empatia pelos outros e de empatia por nós próprios.

Tanto no Novo Testamento, acima citado, como no Antigo Testamento (Levítico 19,18), a Bíblia já se tinha dado conta de que não é possível amar o próximo sem se amar a si mesmo e vice-versa, não é possível amar-se a si mesmo (com um amor saudável, não narcisista) sem amar o próximo.

A autoestima e a estima pelo outro estão intimamente ligadas; a medida que aplicamos aos outros é a que aplicamos a nós mesmos. Empatia é estender aos outros a mesma compaixão que temos por nós mesmos ao usar os quatro componentes da CNV. Isto significa perscrutar os sentimentos e as necessidades do outro, disfarçadas e subjacentes nas interpretações, análises e julgamentos que ele faz em relação a nós, a ele mesmo ou à sociedade em geral.

A prática da CNV implica a intenção de nos ligarmos compassivamente a nós mesmos e aos outros, e uma capacidade de manter a nossa atenção no momento presente – que inclui estar ciente de que, às vezes, neste momento presente, estamos a recordar o passado ou a imaginar uma possibilidade futura, ligarmo-nos compassivamente ao que em nós e nos outros está vivo, ao que está a acontecer em nós e nos outros a nível de sentimentos e necessidades no aqui e agora.

Digo-vos, porém, a vós que me escutais: amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam,
Lucas 6, 27

Nem a empatia nem a auto empatia são fáceis de pôr em prática. As estruturas do poder ensinaram-nos a odiarmo-nos a nós mesmos como odiamos os outros. Em tempos de calma, esta prática pode ser relativamente fácil, mas em tempos de stress, conflitos internos ou externos, o ódio reptílico pode fazer-nos relutantes e dificultar-nos o acesso à empatia e à compaixão, tanto por nós como pelos outros. Só uma grande quantidade de prática - com a consciência de que algumas vezes não vamos conseguir nos pode trazer algum sucesso, que será total se nos mantivermos no caminho.

Os inimigos não existem. Os outros, os nossos rivais não são verdadeiramente nossos inimigos. Tal como nós, eles só procuram satisfazer as suas necessidades, pelo que, quando não temos medo de expressar genuína e honestamente os nossos sentimentos e necessidades, apresentando-nos diante dos outros como vulneráveis e indigentes, apelamos à sua empatia e compaixão, porque os sentimentos e as necessidades são universais. Desta forma, quando eventualmente fizermos os nossos pedidos, de uma forma não agressiva ou arrogante nem submissa, mas sim assertiva, eles vão responder positivamente. Será a compaixão e empatia que despertamos neles que irão ajudá-los a ligar-se ao seu neocórtex e assim vencer por si mesmos e sobrepor-se ao seu egoísmo reptílico.

Receber empaticamente
A CNV é uma estrada com dois sentidos; anteriormente descrevemos os quatro componentes da CNV a partir de nós próprios, ou seja, do que observamos, sentimos e necessitamos, e do que desejamos solicitar dos outros para enriquecer as nossas vidas. Agora trata-se de aplicar esses mesmos quatro componentes aos outros, para ouvir as suas observações, sentimentos, necessidades e apelos ou pedidos; a isto se chama receber empaticamente.

Na comunicação não violenta metade do processo é aprender a expressar-se usando os quatro componentes; a outra metade do processo é como ouvir e responder aos outros no molde dos quatro componentes, de forma a estabelecer uma ligação com o que no outro está a acontecer neste preciso momento a nível de sentimentos e necessidades.

A ligação empática permite-nos ultrapassar as aparências para contemplarmos e nos ligarmos à beleza intrínseca do outro, à energia divina que nele opera, vida nele presente. O objetivo da ligação empática não é compreender intelectualmente a outra pessoa. Tal como para ver e analisar a floresta necessitamos de sair dela, de nos abstrair dela, compreender intelectualmente o outro é deixar de estar empaticamente com ele. Enquanto analisamos mentalmente o outro não estamos com ele.

Empatia é estar com sentir com ser com, é a compreensão respeitosa do que os outros estão a experienciar no momento presente. É neste sentido que funciona a psicoterapia não diretiva de Carl Rogers, professor de Rosenberg. A presença silenciosamente ativa e o escutar empaticamente compassivo do psicoterapeuta, ante o desabafo do cliente, consola (do latim cum solis – estar com) e conforta (do latim cum fortis – fazer forte), fortifica e energiza o cliente, de forma a que ele mesmo encontre a solução para os seus problemas.

Frequentemente, em vez de empatia, de nos colocarmos ao lado do outro, assumimos uma posição de autoridade, como se fossemos o seu pai ou professor e damos conselhos ou manifestamos o que pensamos ou sentimos. A crença de que temos que consertar ou resolver os problemas dos outros, ou de fazê-los sentir melhor, impede-nos de estar com eles. Com o sentido de humor e ironia que lhe era característico, Rosenberg dizia que, quando se tratar de dar conselhos, nunca devemos fazê-lo, a menos que quem os requer nos faça chegar uma petição por escrito assinada por um advogado. Vejamos no seguinte exemplo o que a empatia é e não é:

- Sou mais feia que um burro - diz a filha em frente do espelho.
- Não, tu és a criatura mais bonita que Deus alguma vez criou – responde o pai com a solução rápida.
- Sentes-te desiludida com o teu aspeto hoje? – seria a resposta ou reação empática.

Normas da psicoterapia não diretiva
As normas da psicoterapia não diretiva aplicam-se perfeitamente:
Sentar-se à frente do cliente sem mesa entre os dois; manter uma postura aberta que implica não cruzar as pernas; relaxada, mas não muito, pois poderia transmitir ao cliente desinteresse; sentar-se nem muito longe nem muito perto do cliente, por virtude do instinto territorial; observar todos os movimentos corporais do cliente não só os seus olhos e dar-lhe feedback, perguntando, por exemplo, “vejo que tens o punho fechado, que significa para ti um punho fechado?”

Não deixar o cliente demasiado tempo no passado, trazê-lo de volta ao momento presente, perguntando: “como é que isso está a afetar-te agora, como te sentes agora?” Fazer perguntas abertas, explorativas, para as quais a resposta nunca possa ser um simples sim ou não; para uma maior compreensão do seu discurso, parafrasear o que o cliente diz: “tenho-te escutado dizer que…” - “dou-me conta que, de acordo contigo…” - “sentes-te irritado e desiludido porque…”.  As perguntas são feitas de forma a que o cliente se esclareça a si mesmo e não para satisfazer a curiosidade do terapeuta.

Barreiras à empatia
Há afirmações impróprias que acabam por colocar uma barreira entre quem ouve e quem fala, dificultando a comunicação. Este tipo de reações ou afirmações da nossa parte demonstram frequentemente desrespeito pelos pensamentos e sentimentos da outra pessoa. Para melhorar a capacidade de nos relacionarmos bem é importante reconhecer estas barreiras, de modo a que seja mais fácil evitá-las.
  • Aconselhar ou ensinar – “Acho que devias…” “Porque é que não fizeste…” Não façamos diagnósticos nem passemos receitas; simplesmente ajudemos a que o outro chegue às suas conclusões, ensinamentos, a tirar do processo as possíveis soluções.
  • Expressar intolerância e desaprovação – O outro vai sentir-se rejeitado.
  • Moralismos – Afirmações que julgam os atos do outro como bons ou maus, ou o que ele diz como adequado ou inadequado.
  • Descontar e rejeitar os sentimentos dos outros – “Isso não é nada, eu já passei por pior…” “Não devias sentir-te assim…” O outro pode até sentir-se aliviado por um momento, mas o sentimento volta.
  • Educar – “Olha isto até se poderia transformar numa experiência muito positiva se tu…”
  • Pseudo consolo - “Não foi culpa tua, tu fizeste o melhor que podias…”
  • Contar histórias – “Isto faz-me lembrar do tempo em que eu…”
  • Negação – “Alegra-te, não te sintas triste…”
  • Fazer demasiadas perguntas que satisfazem a nossa curiosidade – “Quando é que isto te aconteceu?”
  • Corrigir – “Não foi assim que aconteceu…”
  • Para quê falar se tu nunca escutas? - Quando o outro pede uma opinião.
  • Sentes-te infeliz comigo? – Denota um sentimento de culpa.
  • Sentes-te infeliz porque achas que eu não te compreendo? – O foco é no que ele pensa e não no que ele necessita, além do sentimento de culpa em “não te compreendo”.
  • Sentes-te infeliz porque precisas ser ouvido? – Correta do ponto de vista da CNV pois o foco é na sua necessidade e não em mim, na possibilidade de eu ter feito algo errado.

Todas estas reações não empáticas têm uma coisa em comum: retiram a atenção do outro para a centrar sobre nós mesmos, na melhor das hipóteses distraem o outro do seu problema ou anestesiam a sua dor, mas não o ajudam a resolver nada, muito pelo contrário.

Em CNV, não nos deve preocupar o que as pessoas dizem, nem a forma como o dizem, pois sabemos de antemão que tudo o que digam pode ser traduzido em observações, sentimentos, necessidades e apelos. Nos seus workshops, Rosenberg não se cansava de repetir que ao longo de milhares de anos de história, desde que o ser humano aprendeu a falar, tudo o que disse e continua ainda hoje a dizer resume-se a duas palavras:

Por favor…” ao expressar observações, sentimentos e necessidades que acabam num pedido, e, portanto, numa oportunidade ou meio para enriquecer a vida, fazê-la mais maravilhosa…

Obrigado” ao reconhecer com gratidão, e ao mesmo tempo celebrando a vida, porque as suas necessidades foram satisfeitas.

A empatia de Jesus
A empatia de Jesus e a sua capacidade para escutar ativamente, revê-se em muitos passos da Sagrada Escritura. Aqui apresentamos alguns:

Jesus não julgou Zaqueu (Lucas 19, 1-10) pelo contrário teve para com ele um olhar positivo e acolhedor, não o julgou e deixou que fosse ele mesmo a acusar-se e a encontrar a solução para o seu problema. - Também não julgou a mulher apanhada em flagrante adultério (João 8, 1-11): quando uma pessoa está magoada a última coisa que quer é ser julgada! Jesus foi compassivo, defendeu-a e desceu para ela subir. Jesus chorou lágrimas de compaixão pelo seu amigo Lázaro, mostrando empatia para com o sofrimento das irmãs dele.

O encontro de Jesus com a mulher samaritana no poço destaca-se como um relato detalhado de ação interpessoal. No relato é revelado o suficiente sobre os pensamentos e sentimentos dos dois participantes para reconstruir o encontro como um estudo de caso em psicoterapia. Do superficial e trivial ao mais profundo, este encontro revela as habilidades de Jesus como psicoterapeuta.

Jesus levou a mulher através de uma série de passos em direção à integridade psicológica e espiritual.
Primeiro, Jesus aceitou a mulher como pessoa. Além de violar todos os tabus que se interpunham entre ele e a mulher, Jesus respeitou a sua individualidade, não se deixou intimidar, nem reagiu ao velado sarcasmo dela. Jesus deixou a mulher estabelecer o nível inicial em que a conversa decorre; desta forma, dá-lhe a entender que a aceita como uma pessoa única e com o potencial de crescer como pessoa.

Em segundo lugar, Jesus deixa - a confessar (esclarece) a sua necessidade pessoal. Uma condenação logo de início, através de um olhar ou palavra, teria sido a resposta esperada de um Rabino, por uma mulher de “brandos costumes” como parece que ela era.

De facto, a primeira pergunta da mulher a Jesus deu a entender que ela duvidou do seu real motivo para pedir uma bebida. Jesus, no entanto, deixa-a escolher o seu próprio tempo para revelar a profundidade da sua necessidade. Quando eventualmente a mulher o fez, ela abriu-se por completo dando a conhecer que queria mudar de vida.

Em terceiro lugar, Jesus forneceu dicas sobre a vida íntima da mulher ao sondar o seu passado sórdido. Se ela não estivesse preparada para enfrentar a verdade, a pergunta de Jesus teria sido prematura e até prejudicial. Mas não foi assim, Jesus usou o trauma de expor a sua vida íntima, a fim de quebrar o ciclo vicioso casamento – divórcio – casamento, expondo o seu sentimento de culpa. Em quarto lugar, Jesus libertou a mulher do sentimento de culpa, coisa que já lhe tinha prometido antes: satisfazer a sua sede compulsiva de amor.

Uso de empatia para neutralizar o perigo
Rosenberg conta de como uma rapariga conseguiu neutralizar o seu potencial violador usando a CNV:
Agressor – Despe-te!
Rapariga – (Notando que o rapaz tremia) Parece-me que estás nervoso…
Agressor – Estás surda? Volto a repetir, despe-te!
Rapariga – Sinto que estás verdadeiramente irritado e queres que eu faça o que me mandas.
Agressor – Acertaste e vais-te magoar se não fazes o que te digo.
Rapariga – Gostaria que me dissesses se haverá uma forma de satisfazer as tuas necessidades sem eu ficar magoada.
Agressor – Já te disse que te despisses.
Rapariga – Entendo o que tu necessitas, mas quero que saibas o quão apavorada e horrorizada estou perante esta situação e como ficaria agradecida se te fosses embora sem me magoar.
Agressor – Passa para cá a tua carteira.

A rapariga deu-lhe a carteira aliviada por o agressor não a ter violado. Posteriormente, a rapariga reconheceu que quanto mais estabelecia empatia com o seu agressor, a intenção de a violar ia perdendo terreno. Esta é uma dessas situações na qual é muito difícil sentir empatia pelo outro. Mas é um facto que quando conseguimos descobrir e sentir empatia pelos sentimentos e necessidades do outro, já não vemos nele o monstro, mas a pessoa. 
Pe. Jorge Amaro, IMC