1 de fevereiro de 2020

3 Poderes democráticos: Legislativo - Executivo - Judicial

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Pilatos disse-lhe, então: «Não me dizes nada? Não sabes que tenho o poder de te libertar e o poder de te crucificar?» Respondeu-lhe Jesus: «Não terias nenhum poder sobre mim, se não te fosse dado do Alto.» João 19, 10-11

Deus e só Deus é a sede de todo o poder, pois Ele e só Ele é omnipotente. Os antigos governantes entenderam isto muito bem e procuraram sempre legitimar o seu poder como vindo de Deus, um último exemplo dos nossos dias é o da ditadura espanhola que se seguiu à guerra civil. Francisco Franco, carecendo da legitimidade que um presidente tem por sufrágio universal, ou a de um rei por sucessão, apresentou-se ante os espanhóis como “Caudilho de Espanha pela graça de Deus” e com este moto cunhou moeda. Outros líderes foram muito mais além da legitimação do seu poder por Deus, constituindo-se eles mesmos como deuses.

Deus é uno e trino e, por coincidência ou não, os poderes que governam a democracia são também três, intimamente unidos por vias de um mútuo controlo, equilíbrio e harmonia. A omnipotência de Deus diversifica-se nas três pessoas divinas: o Pai executa, o Filho legisla o Espírito Santo julga. Estes mesmos poderes existem em democracia, separados e sem interferências quando funcionam bem, interventivos quando tal não acontece.

“O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”; não se sabe quem disse isto, mas alude a uma grande verdade. Cedo no ocidente se descobriu que não podia haver um só poder ou que este não podia estar concentrado numa só instância; daí a separação de poderes em três instâncias, ao mesmo tempo independentes e interdependentes entre si.

A democracia nasceu na civilização ocidental e, no seu estado mais puro, só aí vigora. Fora do mundo ocidental ou da esfera de influência deste, vigora ainda a autocracia ou alguma forma de ditadura, frequentemente camuflada de democracia, com eleições ditas livres que não são mais que uma farsa, para tentar legitimar que certos políticos se eternizem no poder.

Evolução do poder político
A democracia ou governo do povo, nascida na Grécia, assim como a sua congénere romana chamada República ou coisa pública, hibernaram durante toda a Idade Média europeia, durante a qual o estado era o Rei acolitado pelos nobres, senhores feudais de “pendão e caldeira”, com o beneplácito do alto clero. Todos estes, apesar do seu lugar de proeminência junto ao rei eram, porém, como o resto do povo, seus súbditos.

Assolada pelas incursões dos muçulmanos, a Europa vivia fechada sobre si mesma, os mares não eram navegados, a sociedade dividida em três classes (clero, nobreza e povo) era sobretudo uma sociedade rural à volta de um castelo. Já em fins da Idade Média, com o surgimento do burgo, um núcleo populacional mais vasto, apareceram os artesãos, a compra e venda e o comércio. Com os burgos surgiram os burgueses que não tinham o poder das armas dos nobres nem o poder da cultura e da bênção ou excomunhão do clero, mas tinham o poder do dinheiro.

Os burgueses não tinham lugar nem estatuto na sociedade medieval, por isso rejeitaram-na e foram ressuscitar a antiga sociedade greco-romana. Como tinham dinheiro constituíram-se em mecenas financiadores de tudo o que fosse ressuscitar a sociedade antiga, a arte, a ciência, a filosofia, o direito. A Europa começou assim a acordar da sua letargia medieval para a sociedade moderna. O motor desta sociedade já não era o Rei com os seus nobres e o alto clero, mas os burgueses endinheirados. 

As guerras religiosas entre católicos e protestantes, na segunda metade do século XVI, levaram a um pequeno retrocesso do sistema político, com a criação do absolutismo iluminado pelo qual o monarca voltou a possuir plenos poderes, contendo as revoltas populares e as guerras civis religiosas. O mais famoso monarca deste tempo, apelidado de rei Sol, foi o rei Luís XIV de França que chegou a afirmar: “O Estado sou eu”. Estávamos já nos alvores da Revolução Francesa.

Montesquieu e a doutrina da separação de poderes
Quando uma única pessoa, singular ou coletiva, detém o poder legislativo e o poder executivo, já deixou de haver liberdade. Montesquieu O Espírito das leis. 1748

A doutrina dos três poderes separados, mas interdependentes tem a sua origem na república romana. Na antiga Roma, existiam três poderes: os Cônsules, o Senado e as Assembleias. Os Cônsules, escolhidos entre os senadores pelo período de um ano, eram o governo da república: tudo estava sob o seu poder, inclusive o controlo do exército.

O Senado era composto pelos membros das famílias nobres e ricas, os patrícios; os membros do Senado eram eleitos vitaliciamente pelos Cônsules. Havia 300 lugares no Senado; quando um posto ficava vago, os Cônsules elegiam um substituto entres os senadores.

As assembleias eram compostas pelos plebeus, o povo de Roma; reuniam-se no fórum romano, discutiam, votavam leis e até declaravam guerras. Mas o Senado tinha o poder de bloquear as suas decisões. Aparentemente com pouco poder, era nas assembleias que se escolhiam os Cônsules entre os senadores. Por isso, o nobre senador que quisesse aceder ao lugar de Cônsul tinha de ter o apoio popular. Como eram os Cônsules que escolhiam os senadores, pouco a pouco o povo podia colocar nos lugares de poder aqueles que eram mais favoráveis à sua causa.

Apesar disto, o povo queixava-se do poder limitado que tinha, o que fez com que os senadores permitissem que o povo elegesse Tribunos. Estes eram eleitos entre os pobres de Roma, participavam nas reuniões dos senadores e tinham o poder de vetar qualquer lei que fosse contra os interesses dos pobres.

Baseado nesta separação e interdependência dos poderes em Roma, Charles Montesquieu (1689-1755), um dos ícones do iluminismo francês, criou o seu modelo de Estado de Direito Democrático, hoje seguido por todas as democracias ocidentais.

Até à Revolução Francesa, o poder concentrava-se no Rei. Depois desta, o rei foi destituído e substituído pelo povo – por isso se diz hoje em dia “O povo é soberano”. Inerentes ao Estado de Direito Democrático estão os princípios de que a lei é igual para todos, ninguém está a cima da lei e todos os cidadãos são iguais em termos de direitos, deveres e dignidade - não existem, portanto, classes sociais, ou seja, grupos de pessoas com privilégios inatos.

Sendo o povo uma vasta coletividade, era necessário que este pudesse eleger os seus representantes. Para tanto, o poder precisava de ser dividido em três instâncias:
  1. O poder legislativo – encarregado da elaboração das leis que devem governar o Estado e os cidadãos. 
  2. O poder executivo – que ficava encarregado da gestão do Estado e de fazer executar as leis que fossem aprovadas pelo poder legislativo. 
  3. O poder judicial – incumbido de apreciar e julgar segundo um ordenamento jurídico, tanto o Estado no desempenho das suas funções, como a vida e comportamento dos cidadãos.
Estes três poderes são equilibradamente interdependentes, porque um fiscaliza o outro. Todos se amparam e regulam por uma Constituição democrática – fonte de todo o poder popular.

Competências do poder legislativo
Numa república parlamentar, o parlamento formado por deputados eleitos pelo povo, é a base ou fonte do poder e, de uma forma indireta de todos os poderes, o poder judicial é nomeado pelo poder executivo e, este último, tem origem no Parlamento. Normalmente, governa o partido que ganhou as eleições ou que elegeu um maior número de deputados; porém, quando este não consegue uma maioria parlamentar, pode governar o segundo partido mais votado desde que consiga uma maioria parlamentar numa aliança com outros partidos.

Nas democracias ocidentais, os parlamentos podem ter uma ou duas câmaras. Portugal tem uma só Câmara que se chama Assembleia da República. O Brasil tem duas, a Câmara dos deputados e o Senado federal. A Espanha tem duas, as Cortes e o Senado. A Inglaterra tem duas, a Câmara baixa ou Casa dos Comuns e a Câmara Alta ou Casa dos Lordes. Os Estados Unidos têm duas, o Congresso e o Senado. Porque o povo é soberano, os deputados são eleitos por sufrágio direto universal em eleições chamadas legislativas.

Legislar – As leis são propostas pelo governo, ou seja, pelo poder executivo que são os deputados, membros do governo ou ministros, que se sentam diante do Parlamento ou nos primeiros assentos deste. Antes de serem aprovadas, as leis propostas pelo governo são discutidas e debatidas pelos deputados. Neste processo, podem ser emendadas, corrigidas e, por fim, são votadas.

Quando o governo goza de maioria parlamentar, estas leis são normalmente aprovadas; se não detém a maioria, tem de fazer alianças com outras forças parlamentares para ver as suas leis aprovadas. O governo pode ser derrotado em leis de pouca importância, mas se for derrotado na aprovação do orçamento do Estado para determinada legislatura ou ano, cai, pois sem orçamento não pode governar.

Representar – Os deputados representam o povo e devem estar sempre em comunicação com aqueles que representam. Isto é particularmente verdade no Parlamento inglês onde os habitantes de determinada circunscrição elegem o seu representante e este traz para o parlamento os problemas concretos daqueles que o elegeram.

Isto não acontece no sistema português, onde o povo não sabe concretamente quem o representa, pois apenas votaram num partido que, consoante o número de votos, tem direito a um determinado número de deputados. Neste sistema, o povo não sabe quem concretamente os representa.

Fiscalizar – O Parlamento em si, mas sobretudo os partidos da oposição, fiscalizam e inspecionam a legitimidade de todas as ações do governo do ponto de vista financeiro, relativamente ao uso adequado ou inadequado dos recursos públicos. Sempre que necessário ou quando se suspeita de delito, a oposição recorre aos Tribunais de Contas. É também função do parlamento fiscalizar os atos administrativos, ou seja, toda a ação do governo em matéria administrativa em áreas como a saúde pública, os hospitais, a educação, as escolas, a justiça, etc. Para esta fiscalização, o parlamento recorre a comissões parlamentares específicas para cada área da governação.

O parlamento, sobretudo a oposição, tem também a função de chamar a atenção do governo para áreas ou assuntos descurados, em relação aos quais nada esteja a ser feito pelo executivo.

O poder a cima da lei
«O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. O Filho do Homem até do sábado é Senhor.» Marcos 2, 27-28

O poder político num estado democrático recorda-nos que nada está a cima da lei. Mas isso não é verdade. As leis podem ser qualificadas de justas ou injustas, morais ou imorais. A dignidade da pessoa humana representada pela sua consciência moral bem formada e informada, está a cima da lei.

Parafraseando o que Jesus disse, a lei foi feita para o homem e não o homem para a lei. O Direito romano alude de alguma maneira a esta ideia na expressão “summum jus summa injuria”, extrema justiça, sem nenhum critério, equivale a extrema injustiça. Uma coisa é ser justo, outra ser justiceiro.

A objeção de consciência - “Na intimidade da consciência, o homem descobre uma lei. Ele não a dá a si mesmo. Mas a ela deve obedecer. Chamando-o sempre a amar e fazer o bem e a evitar o mal, no momento oportuno a voz desta lei ressoa no íntimo de seu coração… É uma lei inscrita por Deus no coração do homem… A consciência é o núcleo secretíssimo e o sacrário do homem, onde ele está sozinho com Deus e onde ressoa sua voz.Gaudium et Spes, 16

A consciência moral é a instância mais alta da dignidade da pessoa humana. “Se a pessoa viola a sua consciência e a esmaga, perde a dignidade”, dizia o cardeal Newman. A consciência não obedece, nem se submete a nenhuma outra instância nem a ninguém, só responde perante Deus. É o lugar, o sacrário da nossa liberdade; o governo, o executivo de toda a pessoa humana. A objeção de consciência significa que ninguém legalmente pode ser obrigado a fazer algo contra a sua consciência, especificamente contra os seus valores morais, espirituais e religiosos.

Entre os casos mais conhecidos de exercício do direito à objeção de consciência, está o caso do serviço militar obrigatório. Um jovem que professa e pratica a doutrina da não violência pode usar este direito para evitar ir para a guerra e matar em nome do que quer que seja, pois acredita que não há qualquer justificação para matar um ser humano.

Um outro caso muito conhecido é o dos médicos e enfermeiros que se recusam a participar num aborto. A lei do aborto é sem dúvida a lei mais injusta e cruel que o ser humano alguma vez inventou. Obrigar alguém a praticar um aborto seria violar a sua dignidade e forçá-lo a praticar um homicídio.

A desobediência civil – É um conceito parecido com a objeção de consciência. Talvez a única diferença seja o facto de que enquanto a objeção de consciência assume um cariz moral, pessoa e individual, a desobediência civil tem um cariz mais social e político. Trata-se, portanto, de desobedecer e não cumprir uma lei que um grupo de pessoas acha injusta. Adjacente a este conceito está o da resistência civil, pela qual a desobediência civil se estende no tempo e no espaço, através de estratégias que visam  seduzir a opinião pública e criar um movimento em crescendo que tem como objetivo obrigar o executivo e desistir de uma lei; é o que acontece atualmente em Hong Kong.

Exemplos deste tipo de ação são todas as greves que a classe operária e os sindicatos organizam. Historicamente, ficou famosa a marcha do sal organizada por Gandhi para quebrar o monopólio britânico sobre este produto.

O coeficiente moral de uma sociedade
(…) porque é que Moisés preceituou dar-lhe carta de divórcio, ao repudiá-la?» Respondeu Jesus: «Por causa da dureza do vosso coração, Moisés permitiu que repudiásseis as vossas mulheres; mas, ao princípio, não foi assim Mateus 19, 7-8

Eutanásia, pena de morte, aborto, são os exemplos mais conhecidos de como certas leis podem ser injustas e, como tal, devem ser repudiadas por quem, na sua consciência moral, as julga como iníquas e imorais.

Entre estas realidades, o aborto é sem dúvida a mais horripilante lei que existe na sociedade moderna, comparável aos campos de extermínio e às câmaras de gás dos nazis durante a II Guerra Mundial. Os interesses a favor do aborto são tão fortes que as pessoas tomam posições totalmente acientíficas sobre o assunto.

Do ponto de vista estritamente científico, a vida humana começa com a conceição, quando metade de uma célula humana, um espermatozoide, se une a outra metade de célula humana, um óvulo, formando uma célula humana completa. Esta união, uma vez consumada, é indivisível e indissolúvel. De imediato, o material genético de ambas as partes se entrecruza e mistura, de modo a formar um ADN, um código genético distinto do dos pais. Em seguida, o novo ser vai buscar à mãe o que precisa para se desenvolver, de modo que esta não tem qualquer poder sobre o novo ser e, por isso, não deve ter qualquer direito sobre o novo ser.

É cientificamente falso colocar o começo da vida humana num momento posterior à conceção; assim como é também falso pretender que o novo ser humano faz parte do corpo da mãe, justificando que ela possa decidir o que quer que seja sobre ele.

Que pode fazer o legislador cristão abdicar por 24 horas, como o rei Balduíno da Bélgica, para não ter de assinar a lei? Os legisladores num Estado de Direito legislam não de acordo com a sua consciência pois não legislam só para eles mesmos, mas sim de acordo com o coeficiente moral da sociedade para a qual legislam. Se colocam a fasquia muito alta, ou seja, se legislam de acordo com o ideal que no caso do aborto seria fazê-lo ilegal, arriscam-se a encher as prisões de mulheres e homens que praticaram ou participaram direta ou indiretamente no crime.

“Fazendo das tripas coração”, o legislador, ainda que seja contra o aborto, legisla de acordo com o coeficiente moral do povo para quem legisla, colocando a fasquia mais baixa que o ideal, mas mais alta que o coeficiente moral para apelar à consciência das pessoas para o valor e dignidade da pessoa humana.

Os grupos contra o aborto, em particular os cristãos, devem fazer campanhas de informação com vista a fazer crescer o coeficiente moral das pessoas em favor da vida, contra a morte e o extermínio de milhões de seres humanos. Eventualmente, quando este coeficiente moral tiver crescido, o legislador poderá legislar de novo ou convocar um referendo que dê origem à ilegalização do aborto. É certo que alguns continuarão a prevaricar, mas serão em menor número e haverá lugar para eles nas prisões.

Competências do poder executivo
O que o governo de um país ou o poder executivo não faz, é elaborar leis. Esta é uma competência do poder legislativo. Também não as interpreta, sendo esta uma competência do poder judicial. O poder executivo ou governo, como o nome indica, governa executando as leis que se fazem no parlamento, dentro da interpretação que dessas mesmas faz o poder judicial.

Quer nas repúblicas quer nas monarquias parlamentares, à exceção de França, as democracias europeias seguem o sistema parlamentar, pelo qual o parlamento é a única instituição legitimada democraticamente.

O governo recebe a sua autoridade e legitimidade do parlamento: o partido mais votado, se tiver maioria absoluta, indigita um primeiro ministro e forma governo; se não tiver maioria, procura aliar-se a outros partidos. Se não conseguir encontrar um partido para formar uma aliança, pode governar o segundo partido mais votado desde que, aliado a outros partidos, tenha maioria absoluta no parlamento; é este o caso da famosa geringonça portuguesa que começou em 2015 e vigorou até 2019.

Obrigatoriamente, os membros ou ministros do executivo ou do governo, são escolhidos exclusivamente entre os deputados do partido que obteve a maioria. Ou seja, antes de serem ministros do governo, são deputados do parlamento.

Nas repúblicas presidencialistas, como a dos Estados Unidos, o presidente representa o poder executivo e é eleito diretamente pelo povo. Mas também o congresso dos deputados é eleito diretamente pelo povo, facto que cria graves problemas institucionais, pois é frequente o partido do presidente eleito não ter a maioria no Congresso ou no Senado.

Em ambos os casos, a função do poder executivo é garantir o cumprimento das leis e o funcionamento das instituições. Cada ministro tem uma competência específica numa determinada área, como a educação, a saúde, as forças armadas, a polícia, as relações com outros países, etc.

Como o governo deve o seu mandato ao poder legislativo, periodicamente tem de dar satisfações a este. A maioria dos parlamentos tem um dia em que os deputados, sobretudo dos partidos da oposição, questionam o governo sobre o andamento da governação.

O amor pelo poder ou o poder do amor
As árvores puseram-se a caminho para ungirem um rei para si próprias. Disseram, então, à oliveira: “Reina sobre nós.” Disse-lhes a oliveira: “Irei eu renunciar ao meu óleo, com que se honram os deuses e os homens, para me agitar por cima das árvores?” As árvores disseram, depois, à figueira: “Vem tu, então, reinar sobre nós.” Disse-lhes a figueira: “Irei eu renunciar à minha doçura e aos meus bons frutos, para me agitar sobre as árvores?”

Disseram, então, as árvores à videira: “Vem tu reinar sobre nós.” Disse-lhes a videira: “Irei eu renunciar ao meu mosto, que alegra os deuses e os homens, para me agitar sobre as árvores?” Então, todas as árvores disseram ao espinheiro: “Vem tu, reina tu sobre nós.” Disse o espinheiro às árvores: “Se é de boa mente que me ungis rei sobre vós, vinde, abrigai-vos à minha sombra; mas, se não é assim, sairá do espinheiro um fogo que há de devorar os cedros do Líbano!” Juízes 9.7-15

A Palavra de Deus oferece-nos nesta parábola um valioso ensinamento. Frequentemente, os que aspiram aos altos cargos da nação não o fazem por terem um projeto, algum talento, ou algo para oferecer; os que têm algo para oferecer, como a Oliveira, a Figueira e a Videira, normalmente não buscam o poder.

São muitas vezes os espinheiros - um arbusto raquítico e seco que nem produz sombra nem frutos, sufoca as árvores à sua volta e causa incêndios – que buscam o poder. Ávidos de poder, seres de baixa índole moral, manipuladores corruptos e autocratas, pessoas que têm pouco poder ou controlo sobre si mesmos, querem controlar os outros.

O poder é serviço
Levantou-se entre eles uma discussão sobre qual deles devia ser considerado o maior. Jesus disse-lhes: «Os reis das nações imperam sobre elas e os que nelas exercem a autoridade são chamados benfeitores. Convosco, não deve ser assim; o que for maior entre vós seja como o menor, e aquele que mandar, como aquele que serve. (…) Ora, Eu estou no meio de vós como aquele que serve.» Lucas 22, 24-27

Quem não vive para servir não serve para viver; quem não serve o outro serve-se do outro. Para entender isto, o político deve descobrir o poder do amor para erradicar em si o amor pelo poder.

Abuso de poder ou corrupção
«Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se corromper, com que se há de salgar? Não serve para mais nada, senão para ser lançado fora e ser pisado pelos homens.» Mateus 5, 13

Uma das funções do sal é preservar, evitar a corrupção. Todos os alimentos processados contêm sal por esta razão; o sal é usado para preservar peixe e carne, de modo a poderem assim ser armazenados por algum tempo. Quando um cristão é sal, ele evita que o tecido social das instituições às quais pertence e nas quais participa se corrompa.

Segundo o povo, “A situação cria o ladrão”, ou seja, ninguém nasce ladrão. Nas instituições surge às vezes uma oportunidade para roubar ou desviar fundos; esta oportunidade é como uma ferida que se abre no tecido social. Se algum cristão faz parte desse tecido social, ou seja, dessa instituição, ele coloca-se dentro da ferida, como sal, e esta cicatriza sem que nenhum germe provoque uma infeção.

Competências do poder judicial
Em certa cidade, havia um juiz que não temia a Deus nem respeitava os homens. Naquela cidade vivia também uma viúva que ia ter com ele e lhe dizia: “Faz-me justiça contra o meu adversário.” Durante muito tempo, o juiz recusou-se a atendê-la; mas, um dia, disse consigo: “Embora eu não tema a Deus nem respeite os homens, contudo, já que esta viúva me incomoda, vou fazer-lhe justiça, para que me deixe de vez e não volte a importunar-me.Lucas 18, 1-5

É esta a instância do poder que vela pelo direito, pela justiça e pela igualdade. O símbolo deste poder, a mulher com os olhos vendados com uma balança numa mão e a espada na outra, descreve de uma forma ideal os valores que defende. A balança avalia os atos de cada um, conforme uma bitola igual para todos, busca a igualdade. Faz recordar Daniel 5, 27 que alerta o rei para o facto de as suas obras terem sido pesadas e achadas com falta de peso. A venda nos olhos significa imparcialidade: a lei está a cima de todos, não favorece ninguém.

O poder judicial, de uma forma geral, tanto na vida do Estado como na dos seus cidadãos, julga o incumprimento da lei em todas as vertentes do direito, como o civil, o penal, o tributário, dirimindo - e resolvendo nos tribunais os conflitos que surgem entre os cidadãos, as empresas e as instituições. Cabe, portanto, ao poder judicial defender os direitos individuais e promover a justiça resolvendo todos os conflitos que surgem do viver em sociedade.

Apesar de o sistema providenciar um advogado para quem não puder pagar os serviços de um, na realidade quem mais dinheiro tem, mais “bafejado” pela justiça será. Os meandros da lei permitem que advogados muitos espertos consigam ilibar o culpado, pelo que o dinheiro também pode comprar a justiça ou, neste caso, a injustiça.

A área do Direito que mais se relaciona com o poder legislativo e executivo é a do Direito Constitucional. Cabe ao Tribunal Constitucional ou ao Supremo Tribunal velar pela Constituição e pela sua correta interpretação e aplicação, tanto no parlamento, pelos deputados, como no governo, pelos ministros.

O poder judicial é aplicado nos distintos Tribunais pelos juízes que não são eleitos pelo povo, mas sim pelo poder executivo. Dos três poderes, é o único que não é diretamente democrático.

Freios e contrapesos
É a teoria idealizada por Montesquieu e Locke sobre a separação de poderes. Por um lado, os freios e os contrapesos, existem para que os poderes permaneçam separados e livres, sem a maliciosa intervenção de um nos outros.

Por outro lado, esta intervenção também pode ser requerida quando um dos três poderes, abusando da sua liberdade e autonomia, se torna disfuncional. Neste sentido, a liberdade e a autonomia de cada um dos poderes existem, na medida em que cada um desses poderes fizer o que se espera dele, respeitando o que está estabelecido na Constituição.

Enquanto isto acontecer, os poderes não se relacionam entre si, funcionam harmoniosamente como as rodas dentadas do mecanismo de um relógio. Quando, porém, um destes poderes excede as suas competências, um dos outros dois intervém, de forma a fazê-lo voltar ao funcionamento normal consagrado na Constituição do Estado.

Um exemplo recente de freios e contrapesos é o Brexit. Após o resultado do referendo, segundo o qual os ingleses decidiram sair da União Europeia, e na aplicação dos resultados do mesmo, o governo britânico achou-se no direito de poder acionar o artigo 50, sem dar nenhuma satisfação ao Parlamento. Gina Miller uma simples cidadã britânica levou o governo a tribunal, que decidiu contra o governo, referindo que a prerrogativa para acionar o artigo 50 pertence ao Parlamento e não ao governo.
P. Jorge Amaro, IMC