15 de junho de 2023

IV Mistério - Maria dá à luz a Jesus, Deus connosco - 2ª parte

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Disse-lhe Filipe: “Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta”. Respondeu Jesus: “Há tanto tempo que estou convosco e não me conheceste, Filipe! Aquele que me viu, viu também o Pai. João 14, 8-9

Gerado não criado consubstancial ao Pai
Deus só tem um Filho que, como diz o Credo, é gerado não criado. Se o Credo falasse de nós, diria criados não gerados. (Deus) nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, Efésios 1, 5 

Todos os humanos são criaturas de Deus e por Jesus Cristo resgatados a preço de sangue, tornados filhos adotivos de Deus. Unidos pela mesma natureza humana, a dignidade é devida a todos os seres humanos, sem distinção de grupos étnicos.

E, se nós somos filhos, somos logo herdeiros também, herdeiros de Deus, e co-herdeiros de Cristo: se é certo que com ele padecemos, para que também com ele sejamos glorificados. Romanos 8, 17 – Segundo o direito romano que fundamentalmente é o usado em todo o mundo, o filho adotivo tem os mesmos direitos na herança que o filho gerado.

Jesus chama a Deus Pai, mas só no núcleo dos apóstolos e nunca fora dele. O que significa que a paternidade divina está disponível só para aqueles que aceitam a Jesus como filho de Deus e irmão, nosso irmão maior, pois só em Cristo filho unigénito de Deus é que nós somos filhos adotivos.

O banquete messiânico
O Natal é a festa que une os homens com Deus, é a festa que une a Terra com o Céu. A encarnação é um matrimónio entre o Filho Unigénito de Deus e a Humanidade, o Natal é um banquete de bodas que celebra esta união indivisível e para sempre. Um matrimónio é a união de dois destinos num só destino. No Natal, Deus Pai casa o seu Filho com a Humanidade, ou seja, une a natureza da segunda pessoa da Santíssima Trindade à Natureza Humana.

A união das duas naturezas numa só pessoa deu-se no seio de Maria. Ela é, com todo o direito, a Mãe da criança que vai nascer, pois não só emprestou o seu seio, como também contribuiu com o seu material genético. Deus, por obra e graça do Espírito Santo, é o Pai tanto da segunda pessoa da Santíssima Trindade como desta mesma encarnada em Jesus de Nazaré.

Jesus de Nazaré que nasce em Belém é o resultado dessa união, é a união inseparável e indivisível das duas naturezas: humana e divina. Deus fez-se filho do Homem, único título que Jesus dá a si mesmo, para que o Homem, que é criatura de Deus, se faça também filho de Deus.

O tempo de Jesus entre nós corresponde ao banquete messiânico profetizado muitos séculos antes por Isaías 25, e declarado por Jesus numa das suas parábolas em Mateus 22, 1-14. Por ser o tempo do banquete messiânico, é um facto que a vida pública de Jesus começa com um banquete de bodas em Canaã da Galileia e termina no banquete Eucarístico na Quinta-feira Santa, em Jerusalém, no qual Ele é a comida. Entres estes dois banquetes, Jesus participou em muitos com os seus discípulos e muitos dos seus ditos foram proferidos no contexto de uma refeição.

Depois, foram ter com Ele os discípulos de João, dizendo: «Porque é que nós e os fariseus jejuamos e os teus discípulos não jejuam?» Jesus respondeu-lhes: «Porventura podem os convidados para as núpcias estar tristes, enquanto o esposo está com eles? Porém, hão-de vir dias em que lhes será tirado o esposo e, então, hão-de jejuar. Mateus 9, 14-15

Por ser o tempo de Jesus entre nós, o tempo do banquete messiânico, os seus discípulos, ou seja, os amigos do esposo, não devem jejuar, mas devem celebrar. É tempo de festa, tempo de celebração, não tempo de penitência nem de tristeza.

Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, como teria dito eu que vos vou preparar um lugar? E quando eu tiver ido e vos tiver preparado lugar, virei novamente e hei de levar-vos para junto de mim, a fim de que, onde eu estou, vós estejais também. João 14, 3

Os dias de jejum virão em que o esposo voltará para a casa do Pai, levando com Ele a nossa natureza humana redimida na sua pessoa e pela sua pessoa, sentando à direita do Pai.

E o verbo se fez homem e habitou entre nós
Depois de ter deixado a família na Igreja para a Missa do Galo, um agricultor canadiano regressava a casa, fugindo da tempestade de neve que se avizinhava. De nada tinha valido a insistência da sua mulher para participar na missa. Para ele, a encarnação de Deus não fazia sentido. Enquanto dormitava ao calor da lareira, foi sobressaltado pelo embate de gansos na porta e nas janelas. Afastados pelo temporal da sua trajetória migratória para o Sul, estavam completamente desnorteados.

Movido de compaixão, abriu os portões do grande celeiro e começou a correr, a esbracejar, a assobiar, a gritar e a enxotá-los para que se abrigassem até a tormenta passar. No entanto, os gansos esvoaçavam em círculos, sem entenderem o que significariam o celeiro aberto e os gestos dramáticos do desesperado agricultor (que nem com migalhas de pão espalhadas na direção do celeiro os convencera). 

Derrotado no intento da salvação das pobres criaturas, suspirou: “Ah, se eu fosse ganso! Se eu falasse a sua linguagem!”. Ao ouvir o seu próprio lamento, recordou a pergunta que tinha feito à sua esposa: “Por que razão havia Deus de querer ser homem?”. E, sem querer, balbuciou a resposta: “Para o salvar!” … E foi Natal.

Sempre houve pessoas com uma sensibilidade especial para comunicar com Deus. Na tradição bíblica, os profetas eram os catalisadores dos desígnios de Deus para o povo e das petições do povo a Deus. A comunicação, no entanto, não se fazia sem dificuldades: tal como no campo das telecomunicações, havia muitas “interferências”. A personalidade e caráter do profeta, defeitos e preconceitos, filtravam a mensagem que não chegava ao destinatário tal como tinha saído do emissor. Por outro lado, estes profetas entendiam frequentemente que o Céu estava fechado e Deus envolto em silêncio.

Estes profetas nunca conseguiram, verdadeiramente, estabelecer uma ponte de comunicação entre o divino e o humano. Isto porque a Palavra de Deus, sendo transmitida por eles (homens com as suas características pessoais e inseridos num determinado contexto sociocultural), acabou por sofrer influência de muitas variáveis mediadoras (personalidade, preconceitos, estereótipos, padrões sociais), perdendo-se o significado da mensagem original. 

Há ouro na areia do rio, mas nem toda a areia do rio é ouro. Por isso, precisamos de peneirar a areia para identificar dentro dela algumas pepitas de ouro. Também a Palavra de Deus está na Bíblia, mas nem toda a Bíblia é palavra de Deus. Como a Bíblia é o encontro de Deus tal qual Ele é com o Homem, há na Bíblia muito de humano, muitos antropomorfismos, ou seja, exemplos de como entender a Deus à maneira do homem, apesar de na mesma Bíblia se dizer “os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, diz o Senhor” … 

No peneirar da Bíblia para encontrar a palavra de Deus, temos que identificar a personalidade do autor do livro em questão, as suas crenças, preconceitos, estereótipos, padrões sociais, etc. para encontrar a ipsissima Dei Verbum. 

Por tudo isto, era mester que Deus encarnasse para falar diretamente ao homem sem interferências e, mais que falar, para demonstrar na sua vivência e obras como deve o ser humano viver para readquirir a semelhança de Deus perdida com Adão e Eva. 

Oportunidade para readquirir a semelhança de Deus
Foi por essa razão que o Verbo de Deus se fez Homem - para que o Homem se tornasse filho de Deus.
Sto. Ireneu de Lyon

Sendo o Cristianismo a religião que tem mais seguidores e sendo o Natal a festa mais popular no mundo cristão, podemos facilmente concluir que o Natal é a festa mais celebrada de todas as festas celebradas neste planeta. É sem dúvida a que reúne mais pessoas a nível mundial, não só na sociedade ocidental.

Jesus de Nazaré é o caminho pelo qual Deus vem até nós para nos falar ao ouvido, para nos falar ao coração em pé de igualdade, não de cima para baixo, mas de irmão para irmão, de homem para homem. O criador faz-se criatura para falar de dentro da natureza humana; para falar com autoridade, como notaram os homens do tempo de Jesus, porque falava e fazia, porque falava e cumpria, porque falava e as coisas aconteciam.

Como verdadeiramente homem, Cristo é a nossa oportunidade para reaver a semelhança que tínhamos com Deus antes do pecado de Adão e Eva. Quem quiser ser autêntica e genuinamente humano mede-se em relação a Cristo, Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida, Ele é o modelo, o protótipo, o paradigma de humanidade. Ninguém em toda a história dos homens concentra em si mesmo mais humanidade que Jesus. 

João 15, 16 – Não fostes vós que me escolhestes - Como se diz em teologia, a nossa não é uma religião, pois não se trata do esforço que o homem faz para chegar até Deus, mas é antes uma revelação, porque é Deus que vem primeiro até nós, e se nos revela. Por isso, Jesus pode dizer ao apóstolo Filipe, “quem me vê, vê o Pai”.  

1 João 4:10 - Assim, nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados. Amor com amor se paga, diz o povo; o nosso amor por Deus é uma resposta ao amor divino, a única resposta, pois não cabe nenhuma outra. Portanto, porque a iniciativa é de Deus, a nossa não é uma religião, mas sim uma revelação.

Jesus: caminho pelo qual os homens vão a Deus
“Ninguém vem ao Pai senão por mim” - João 14, 6

Se Jesus de Nazaré é o Cristo, o filho de Deus, Ele é o único caminho pelo qual Deus veio até nós. Por isso mesmo, não pode haver outro caminho pelo qual o homem possa ir até Deus. Não faria sentido que um fosse o caminho pelo qual Deus veio até nós, e outro fosse o caminho pelo qual o homem vai até Deus. Todos os caminhos são de ida e volta, por isso, se Deus veio até nós por meio de Cristo, por meio do mesmo Cristo nós iremos até Deus.

O propósito da encarnação de Deus pode ser lido na entrada e saída de Jesus na cidade de Jericó. Jericó é a cidade mais antiga do mundo, 8 000 anos de existência e é também curiosamente a mais baixa da terra, 500 metros abaixo do nível do mar. Por estas duas caraterísticas, Jericó representa na Bíblia o mundo em pecado. Isto mesmo sugere a parábola do bom Samaritano; o homem que foi assaltado por ladrões e malfeitores, descia de Jerusalém para Jericó, ou seja, descia da graça para o pecado.

Jesus entra em Jericó, ou seja, entra no mundo pecaminoso e vai instalar-se em casa de Zaqueu, ou seja, de um pecador. Jesus instalou-se no mundo pecador, chamou os pecadores a si, viveu, comeu com eles e tratou-os com a dignidade de filhos de Deus (Lucas 19, 1-2). Quando saía de Jericó, seguia-o uma grande multidão, no caminho ascendente do pecado para a graça em Jerusalém (Marcos 10, 46-52). Assim se cumpria a razão da encarnação: Deus, por Cristo, veio ao mundo para que o mundo, pelo mesmo Cristo, fosse a Deus.

Conclusão: Por Cristo veio Deus aos homens, por Cristo vão os homens a Deus. Quem vive em Cristo e como Cristo é autenticamente humano, pois Ele é a única referência e paradigma de humanidade.

Pe. Jorge Amaro, IMC





1 de junho de 2023

IV Mistério: Maria dá à luz a Jesus, Deus connosco - 1ª Parte

Sem comentários:

Meu Deus, clamo por ti durante o dia e não me respondes; durante a noite, e não tenho sossego. (…) O meu coração murmura por ti, os meus olhos te procuram; é a tua face que eu procuro, Senhor. Salmo 22, 2; 27, 8.

Religião e revelação
O povo de Israel nunca se contentou com esta comunicação, tão deficitária, e vivia num contínuo desassossego. Religião, do latim “religare”, significa relação com Deus e com o próximo. Desde que a espécie humana tomou consciência de si mesma que acredita na possível existência de um ser superior, transcendente a tudo e a todos, por ser Criador de tudo e de todos. Em todo o tempo e em todo o lugar, o homem procurou comunicar-se com este ser superior, Deus, para obter o seu beneplácito.

As ondas de telemóvel, de televisão e de rádio cruzam o nosso espaço e nós não as ouvimos nem as vemos, mas sabemos que existem porque, quando temos os instrumentos adequados, as captamos. De forma análoga, Deus também procurou comunicar-se com o homem e o homem com Deus. Mas também esta comunicação não é acessível a todos, é preciso ter uma sensibilidade especial para entrar nesta comunicação.

Pois Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por ele. Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, porque não crê no nome do Filho único de Deus João 3, 17-18

O cristianismo não é uma religião, pois não representa apenas o esforço ou tentativas do homem para chegar a Deus. Pelo contrário, o cristianismo é uma revelação porque é Deus que busca o homem e se revela a ele. Como diz Jesus no evangelho, não fostes vós que me escolhestes; fui Eu que vos escolhi a vós e vos destinei a ir e a dar fruto, e fruto que permaneça; e assim, tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome Ele vo-lo concederá. João 15, 16

No Natal celebramos a grande verdade, que Deus não está envolto em silêncio, mas sim em panos e depositado numa manjedoura. Com o nascimento de Jesus, Deus rompe o silêncio, elimina a distância e desfaz a inacessibilidade. Jesus é o Emanuel, Deus connosco, à nossa beira, companheiro de viagem na nossa vida, como o foi com os discípulos de Emaús.

Filho de Deus versus último profeta
Muitas vezes e de diversos modos outrora falou Deus aos nossos pais pelos profetas. Ultimamente nos falou por seu Filho, que constituiu herdeiro universal, pelo qual criou todas as coisas. Hebreus 1, 1-2

Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, resume todas as religiões que em relação à religião cristã ocupam o lugar que o Antigo Testamento ocupa na Bíblia. Todas elas são acerca de profetas enviados por Deus; o cristianismo não apresenta mais um profeta, mas sim o próprio Deus connosco, o Emanuel.

O Islão aceita como válida a tradição religiosa judaica descrita no Antigo Testamento que eles consideram também seu. Maomé é, portanto, o último dos profetas que Deus enviou ao mundo, sendo o penúltimo Jesus.

Se a humanidade viver mais 10 000 ou 20 000 anos, que sentido faz que o último tenha vindo no ano 524? Mais mudanças sofreu o mundo e a humanidade desde o ano 524 que em todos os milhões de anos anteriores; porque será que os profetas se sucediam uns aos outros com frequência e depois do ano 524 deixaram de ser precisos?

No caso do Cristianismo, mesmo que a humanidade viva até ao ano 20 000, faz sentido que a revelação tenha acontecido no ano zero. Como explica o autor da carta aos Hebreus, “O enviado” não é mais um profeta, mas sim o próprio Deus que vem viver entre nós.

Há aqui um salto qualitativo; os profetas trazem mensagens para um tempo, a palavra de Deus é eterna para todos os tempos e lugares, porque Deus não precisa de falar duas vezes. Por outro lado, Cristo não é só uma palavra proferida, é uma palavra vivida e só se vive uma vez.

Em que sentido é o último profeta? É porque o Islão tem uma doutrina mais refinada e um caminho ascendente que já chegámos ao topo? Mas o topo até parece o cristianismo com uma narrativa muito mais humana e humanizante, como por exemplo o amor aos inimigos. O Islão na sua prática e doutrina até se assemelha mais ao Antigo Testamento que ao Novo, quando pensamos que ainda hoje se apedrejam mulheres e Cristo foi contra isso já nos seus dias.

O Islão é, em si, violento por natureza, pois não se trata de amar a Deus que nos amou primeiro, não se trata de “amor com amor se paga”; Deus no Islão é o senhor do Antigo Testamento que ordena submissão, Islão significa submissão, a pessoa submete-se a Deus, não ama a Deus que já não nos chama servos, mas amigos. De facto, a forma histórica como o Islão se expandiu não foi pela missionação ou catequese, mas pela força e submissão armada ou pelo negócio.

Natal, festa do Pai
De tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. João 3, 16

Como a Igreja tem reservado o domingo depois de Pentecostes para celebrar a Santíssima Trindade, a união e comunhão das três pessoas divinas, é justo que tenha uma solenidade para cada uma das três pessoas divinas. Ao ver que Pentecostes é claramente a celebração de Deus Espírito Santo, desejei ver nas outras duas, Páscoa e Natal, as celebrações do Pai e do Filho, e deparei-me com o problema de que as duas, tanto o Natal como a Páscoa, parecem ser celebrações do Filho, ficando o Pai sem celebração individual.

Não é justo que o Filho tenha duas festas e o Pai nenhuma, por isso pensei qual das duas dar ao Pai e com que critério; podia ser a Páscoa, porque Jesus morre fazendo a vontade do Pai (Lucas 22, 42) ou o Natal, pelo que o próprio Jesus diz no seu diálogo com Nicodemos: “Porque Deus tanto amou o mundo que lhe deu o seu Filho Unigénito (João 3, 16-21).

Para dirimir a questão, recorremos à gramática e ao que esta nos diz sobre voz ativa e voz passiva. Na Páscoa, parece que é Jesus que dirige a ação quando diz, “não são eles que me tiram a vida sou eu que a dou” (João 10,18). Na Páscoa, Jesus é o ator principal, ninguém tem maior amor que o que dá a vida pelos seus amigos (João 15,13). Não há a menor dúvida então que a Páscoa é a festa do Filho, pois nela é Ele o protagonista.

O mesmo já não acontece no Natal, Jesus não é o protagonista do Natal, porque gramaticalmente é pessoa passiva, Jesus não nasce, é dado à luz. Por isto, nunca gostei da formulação do terceiro mistério gozoso que em todas as línguas diz “contemplamos o nascimento de Jesus”. Como se Jesus tivesse caído do Céu de paraquedas ou como se Ele mesmo tivesse provocado o seu nascimento. Este mistério deveria dizer: “No terceiro mistério gozoso contemplamos Maria que dá à luz a Jesus”.

O Natal tem dois grandes protagonistas um divino e outro humano. Deus Pai é o protagonista divino e Maria é a protagonista humana. A ação começa em Deus Pai que envia o seu Filho unigénito ao mundo. Se bem que entre o Pai e o Filho não haja ordem de importância, do ponto de vista gramatical e humano, é mais importante quem envia do que quem é enviado; quem envia provoca a ação, quem é enviado sofre a ação.

Maria, a protagonista humana, não é passiva, também é ativa; ela representa toda a Humanidade que diz “Sim” ao plano de Deus. Um “Sim” livre porque foi dito de uma forma ponderada e sem nenhuma coação por parte de Deus que o propôs; um “Sim” que, por ser livre, podia ter sido “Não”. Tão importante é o que envia como o que recebe. Se um Rei envia um mensageiro a um outro Rei, este último é livre de receber ou não receber o mensageiro enviado.

A figura do Pai Natal
"Jesus is the reason for the season" - "Jesus é a razão da estação" (Slogan protestante do Natal)

Jesus não é a razão da época ou quadra do Natal, o Pai é que é. Nesta festa, Jesus é dado à luz: os verbos que se referem a Jesus nesta quadra vêm em voz passiva. O Natal, como encontro entre Deus e a Humanidade, tem uma protagonista humana, uma mãe, Maria, que recebeu Jesus no seu seio e contribuiu com o seu material genético; e tem um Pai divino, Deus.  

Noutro tempo, também eu critiquei a importância que a sociedade civil dá à figura mítica do Pai Natal. Hoje entendo que é um desses casos de “voz do povo, voz de Deus”. O Pai Natal representa Deus Pai que enviou o seu Filho ao mundo. Venerável senhor idoso que não esconde a idade nem quer aparentar ser mais jovem, e que se desfaz em amabilidades dando presentes às crianças, acariciando-as e tomando-as ao colo. No imaginário de todas as pessoas, Deus Pai é sempre representado como um homem idoso de cabeleira e barba branca. O Pai Natal coincide com este imaginário coletivo.

As suas vestes são vermelhas como as de um bispo porque, historicamente, o Pai Natal está associado ao Bispo São Nicolau, razão pela qual se chama Santa Claus em inglês ou apenas Santa. Vive no Polo Norte, lugar apartado de tudo e de todos, numa região branca, num mundo puro que apela ao imaginário coletivo da forma como se conceptualiza o Céu, morada de Deus.  

Visita-nos durante a noite, pois, como dissemos, a noite é tempo de salvação. Nunca é visto, mas fala pelas suas obras traduzidas nas graças e presentes que nós, como crianças e seus filhos, lhe pedimos. Podendo entrar por janelas ou portas, entra sempre pela chaminé porque se desloca voando, vem de cima para baixo e entra pela única parte da casa que está sempre aberta e em vigia, assinalando que nós devemos estar sempre em oração, abertos ao Altíssimo, olhando para cima de onde nos vem o auxílio.

De repente, juntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste, louvando a Deus e dizendo: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado. (…) os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido, conforme lhes fora anunciado. Lucas 6, 13-14, 20

Conclusão: o Natal, por ser a festa de Deus Pai, foi celebrado nos Céus pelos anjos que disseram Glória a Deus nas alturas, e na Terra pelos pastores que voltaram de Belém glorificando e louvando a Deus.

Pe. Jorge Amaro, IMC