15 de setembro de 2022

Rejeitar a Igreja é rejeitar a Cristo

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Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e eu nele. Assim como o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, também quem de verdade me come viverá por mim. (…) Depois de o ouvirem, muitos dos seus discípulos disseram: «Que palavras insuportáveis! Quem pode entender isto?» (…) A partir daí, muitos dos seus discípulos voltaram para trás e já não andavam com Ele. João 6, 56-57, 60, 66

Não aceitar a eucaristia, comer o corpo e o sangue do Senhor, foi o que fez com que alguns deixassem de andar com Jesus, de ser seus amigos e seus discípulos.

Lamentavelmente, ainda hoje é assim; a participação ou não na eucaristia dominical, distingue um católico praticante de um não praticante. Destes católicos, uns pensam que podem pertencer à Igreja sem participar na Eucaristia; outros pensam que podem rejeitar a Igreja sem rejeitar a Cristo. Algo assim como muitos protestantes que pensam que dão mais valor a Jesus retirando importância a Maria, sua mãe.

Não é possível amar a Cristo odiando a Igreja que ele fundou. Se Jesus de Nazaré é o Cristo histórico, a Igreja é a presença de Cristo na história. Jesus disse-lhe: «Há tanto tempo que estou convosco, e não me ficaste a conhecer, Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como é que me dizes, então, 'mostra-nos o Pai'? (João 14, 9). Se Cristo representa a Deus Pai, a Igreja representa bem ou mal, mas sempre representa a Cristo, porque é o seu corpo místico. Esta representação pode em tempos ser boa ou má, mas é sempre uma representação.

A Igreja corpo místico de Cristo – pluribus unum
Tal como o nosso corpo é constituído por 300 triliões de células e todas elas são diferentes, pois formam tecidos diferentes como o tecido do estômago, do cérebro, dos ossos, da pele, do fígado, do coração, etc., todas elas estão unidas num único corpo porque, apesar de serem muitas e muito diferentes, têm algo em comum: o ADN, o código genético.

Da mesma forma, nós os cristãos que somos mais de mil milhões e muito diferentes uns dos outros, vivemos em diferentes latitudes e longitudes, falamos diferentes línguas, somos de diferentes grupos humanos, culturas, nacionalidades, temos idiossincrasias e personalidades diferentes, mas com algo em comum: a fé em Nosso Senhor Jesus Cristo. Isto faz de nós uma comunidade, um só corpo, uma só família.

Cristo, em forma física e humana, só podia viver e morrer uma vez. No entanto, a ação salvífica patente no conjunto da sua vida terrestre não era só para os homens do seu tempo e do lugar em que viveu, mas sim para os homens de qualquer tempo e lugar. A Igreja foi por Ele fundada para estender a todo tempo e lugar a Sua ação salvífica. Igreja é Cristo no tempo e no espaço; a Igreja é Cristo aqui e agora. Em Israel, há dois mil anos, Cristo existiu sem a sua Igreja; depois da sua vida terrena, nem a Igreja existe sem Cristo nem Cristo existe no tempo e no espaço sem a sua Igreja.

A Igreja, como corpo místico de Cristo, inspirada pelo Espírito Santo, é a voz, o coração, a mente, as mãos e os pés do Senhor atuando aqui e agora, em todo o tempo e lugar a mesma ação salvífica que Jesus realizou do ano zero ao 33 em Israel.
 

"Em verdade, em verdade vos digo: aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas, porque vou para junto do Pai." João, 14, 12

A Eucaristia, corpo sacramental de Cristo
Um clube, uma empresa, uma instituição, um povo que não se reúne, não existe como tal. A Eucaristia, corpo sacramental de Cristo, é a razão pela qual o corpo místico de Cristo se reúne. No mesmo lugar, instituiu o mesmo Cristo a Eucaristia e a Igreja, pelo que uma não existe sem a outra.

O dia que acabasse uma, acabaria também a outra. Como outrora, nos tempos de Jesus, foi a rejeição da Eucaristia a razão pela qual deixaram de andar com Jesus; nos nossos tempos, continua a ser esta a razão. Quem abandona a Eucaristia abandona a Igreja e vice-versa. Quem abandona a Igreja abandona a Cristo e vice-versa.

Muitos grãos de trigo fazem um só pão; muitos bagos de uva fazem um só vinho; muitos cristãos fazem um só corpo. Cristo escolheu o Pão e o Vinho para simbolizar e significar o seu sacrifício por nós; a Eucaristia é o memorial da vida, paixão, morte e ressurreição do Senhor.

É a Igreja que celebra a Eucaristia; a Eucaristia é a razão de ser da Igreja, porque é ela que congrega os cristãos em resposta ao mandato do Senhor, “fazei isto em minha memória” Lucas 22,19. A Eucaristia faz memória do Senhor e faz presente a ação salvífica de Cristo. Ao participar na Eucaristia nós recolhemos os frutos da redenção.

Cristo é o corpo entregue e o sangue derramado por toda a Humanidade; Cristo é o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. A redenção está disponível para todos, é para todos, salvam-se os que tomam parte nela. Deus alimenta as aves do céu, mas não lhes deita a comida nos seus ninhos, as aves, têm que sair e procura-la na natureza. O mesmo acontece com a Eucaristia que oferece salvação a todos, mas tu tens de a ir buscar participando nela.

Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu hei de ressuscitá-lo no último dia, porque a minha carne é uma verdadeira comida e o meu sangue, uma verdadeira bebida. João 6, 53-55

A Eucaristia é o coração da Igreja. No corpo humano, a função do coração é a de ser o motor que move o sangue das células ao coração e do coração às células. Do mesmo modo, a vida do cristão é um vaivém entre a Eucaristia e o mundo. Quando a missa era em latim, no final o sacerdote dizia “Ite missa est” que queria dizer “podeis ir, a missa terminou”, mas também significava “terminou a missa, começa a missão”.

A Eucaristia está para a Igreja, a Igreja está para a eucaristia como a galinha está para o ovo, e o ovo está para a galinha. De facto, tanto a Eucaristia, nascida em quinta-feira Santa, como a Igreja nascida em Pentecostes tiveram lugar na mesma sala de cima. A Eucaristia foi o momento de conceção da Igreja e o Pentecostes o momento do seu nascimento. O corpo místico de Cristo encontra-se para celebrar o corpo sacramental de Cristo e para comunitariamente se alimentar do seu corpo, do seu sangue e da sua Palavra.

Ao desaparecer uma desaparece a outra. Por isso, aquele que, de ânimo leve, fazendo parte do corpo místico de Cristo, que é a Igreja, deixa de frequentar a Eucaristia, abandonou a Igreja e, quando já não houver gente que celebre a eucaristia, já não haverá Igreja. O dia em que a eucaristia deixar de ser celebrada, esse mesmo dia desaparece a Igreja.

Se isto algum dia acontecer, Cristo terá morrido na história da humanidade sem nunca mais ressuscitar, pois é a Igreja que conserva a sua memória e celebra a Eucaristia em sua memória como Ele mandou (Lucas 22, 19). Quando no mundo já não houver ninguém que faça memória de Cristo, celebrando a eucaristia, Cristo deixa de ter na terra, um corpo físico que o represente (pés, mãos, coração e boca) e continue a sua obra de redenção de geração em geração.

Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica

Os protestantes não entendem como os católicos podem incluir no Credo, a fé na Igreja, depois de professar a fé em Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo. Nós acreditamos na Igreja porque ela foi fundada por Cristo e representa a Cristo e, através dela, Cristo faz com que ainda hoje a sua salvação esteja presente no mundo. Por tudo isto, na sua essência e pelo seu fundador, ela é santa. Ao dizer “creio na Igreja”, afirmo acreditar em tudo o que acabo de dizer.

Santa e meretriz, disse um teólogo católico. Sim, a Igreja tem tanto de santa como de pecadora. Santa na sua essência porque foi fundada por Cristo, pecadora na sua existência porque é constituída, desde o seu início, por homens e mulheres pecadores. Se o homem como o define Sto. Agostinho é simul justus ed peccator, ao mesmo tempo justo e pecador, assim é a Igreja. Mas não a rejeito porque é a minha mãe, ninguém rejeita a sua mãe por esta ter defeitos.

Solus Christus, sola fede, sola scritura
O grave erro de Lutero foi deixar fora a Igreja. Como dissemos anteriormente, hoje sem a Igreja não existe Cristo.

Solus Christus
Foi Cristo que a fundou, por isso Lutero rejeita o que Cristo fundou. Foi Cristo que deu vida à Igreja e ainda dá vida à Igreja, mas também é a Igreja que dá vida a Cristo pois ela O representa aqui e agora, porque ela concretiza aqui e agora o mesmo que Cristo concretizou no seu tempo – foi para isso que Cristo fundou a Igreja. Portanto Cristo dá vida à Igreja, a Igreja dá vida a Cristo.

Sola fede
Quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre a terra? Lucas 18, 8

Da Igreja depende que Cristo encontre ainda fé na terra quando Ele voltar para julgar a vivos e a mortos. Dela depende porque é ela que passa a fé em Cristo de geração em geração, como numa corrida de estafetas se passa o testemunho.

Isto porque é a Igreja que é a depositária da fé em Cristo. Isto porque a nossa fé é apostólica, ou seja, a fé em que Cristo ressuscitou dos mortos é apostólica porque nós acreditamos no testemunho dos apóstolos: eles viram, ouviram e tocaram o corpo espiritual ou glorioso de Cristo. Depois deles, ninguém mais O viu, tocou ou ouviu como eles O viram tocaram e ouviram (1 João 1, 3). Tal como hoje não existe Cristo sem a Igreja, nem a Igreja sem Cristo, também não existe fé sem Igreja, nem Igreja sem fé.

Sola scritura
O Cristo que temos é o Cristo da Igreja. Foi ela que deu à luz o Cristo para o mundo depois da sua morte e ressurreição – se pensarmos que o Novo Testamento foi escrito pelas comunidades cristãs, é Cristo que detém os direitos de autor. O grupo dos apóstolos era já Igreja, a sua pregação deu origem a novos fiéis e, alguns destes fiéis reunidos em pequenas comunidades cristãs, escreveram os evangelhos.

As cartas dos apóstolos, sobretudo as de Paulo, eram autênticas cartas porque tinham um remetente, S. Paulo que as endereçou às pequenas comunidades de Corinto, de Éfeso, de Tessalónica, etc. Por isso, no que respeita ao Novo Testamento, não existe escritura sem Igreja.

Unus christianus nulus christianus - Dizia Sto. Agostinho, fundador da ordem religiosa da qual Lutero era membro, “um único cristão, é um cristão nulo”. O cristianismo nasceu em comunidade e só pode viver-se em comunidade. Sem comunidade, não há cristianismo. Como todos os animais têm um habitat onde vivem e prosperam, assim o cristão só pode viver e prosperar no seio da comunidade cristã.

Conclusão – Quem deixa de frequentar a Eucaristia, abandona a Igreja e quem rejeita a Igreja rejeita Aquele que a fundou como sendo o Seu corpo místico, pois representa a Cristo no aqui e agora da história, de geração em geração. Como Ele disse, “as portas do inferno nada poderão contra ela” (Mateus 16, 17) porque “Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos”. (Mateus 28, 20)

Pe. Jorge Amaro, IMC







1 de setembro de 2022

Cristo e as religiões do mundo

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Está hoje muito divulgada a ideia de que todas as religiões são iguais e valem o mesmo; para os não crentes todas são más; para os crentes todas são boas e levam à salvação, cada um pode escolher a que mais lhe convier ou a que culturalmente melhor se adapte à sua idiossincrasia.

É verdade que cada cultura tem a sua forma particular de conceptualizar e adorar a Deus. Verificamos isso até no seio de uma única religião como o cristianismo. Na Europa, onde nasceu e floresceu, a leste tornou-se ortodoxa e a ocidente manteve-se católica, por um tempo até que se deu uma rutura. Desta vez o Norte fez-se protestante e o Sul manteve-se católico.

Porém, hoje, com a globalização crescente das culturas, as diferenças ou nuances passaram a ser pequenas no viver e atuar, uma única natureza humana que não varia no tempo nem no espaço. Prova disso, e para o tema que nos ocupa, podemos organizar todas as religiões, presentes ou passadas, segundo três grandes categorias: animistas, politeístas e monoteístas.

Isto é possível porque, como existe uma só natureza humana invariável no tempo e no espaço, também existe um único modelo de desenvolvimento. Ou seja, não existe um modelo de desenvolvimento alternativo ao que temos hoje, que passa pela descoberta da eletricidade, do movimento automotor, da descoberta da imprensa escrita, da rádio, da televisão, da Internet, etc.

Evolução do sentimento religioso
Logo que o ser humano tomou consciência de si mesmo, foi como se tivesse despertado de um grande sonho e, ao olhar para a realidade que o rodeava, a primeira crença que teve foi de que tudo o que o rodeava também estava consciente de si mesmo, tinha um espírito, uma anima. Assim surgiu o animismo como primeira etapa na evolução do sentimento religioso.

Animismo
Um pouco como a magia, o animismo baseia-se na crença de que o mundo, tanto na sua totalidade como nas suas partes, tem uma alma ou espírito; até mesmo o ar que respiramos, está povoado por espíritos que são forças impessoais e que podem ser invocados ou convocados e manipulados por xamãs, médiuns, magos, feiticeiros, bruxas, usando fórmulas, rituais e palavras mágicas.

Apesar de ser apenas a primeira etapa da evolução do sentimento religioso, é ainda hoje praticado por tribos indígenas onde estas ainda existem: na América tanto do Norte como do Sul, na Ásia, em África, na Austrália e nas ilhas do Pacífico.

Para além destas, no mundo moderno, todas as formas de superstição e adivinhação, como a astrologia, a cartomancia, a bruxaria, a feitiçaria, são resquícios de animismo que têm uma enorme aceitação popular. Objetos que dão sorte e outros que dão azar, rituais para conjurar a sorte e rituais para evitar o azar, continuam a fazer parte do nosso dia a dia. Entrar com o pé direito, a crença no poder dos cornitos, das ferraduras, das figas…

A religião New Age que pretende ser a síntese de todas as religiões, tem muito de neopaganismo ou animismo. Se quisermos, até a espiritualidade franciscana pode ser vista sob esta perspetiva, ao chamar irmão ao lobo e ao sol, e irmã à água e à lua. S. Francisco estava a devolver a estas realidades a alma que antes possuíam.

Depois do banho de materialismo que tem vindo a aumentar desde o Renascentismo, hoje a maioria das pessoas dá-se conta de que um objeto material não pode ter poder espiritual. Só um ser espiritual tem poder espiritual. Porém, ainda há quem seja supersticioso, recordando-nos sempre do animismo dos nossos antepassados.

Se compararmos a evolução da noção de Deus com o amadurecimento do homem, o animismo corresponde à infância - as crianças têm de facto a tendência para ver tudo o que as rodeia com alma, falam com os seus bonecos e brinquedos, vivem num mundo animado de fadas, bruxas e papões e acreditam no Pai Natal e na magia; Walt Disney, nos seus filmes para crianças, soube explorar este lado da fantasia infantil.

Politeísmo
À medida que o ser humano vai conhecendo e dominando o ambiente que o rodeia, este vai-se materializando. Todas as realidades que o ser humano conhece, controla e domina perdem a sua alma e o poder que têm sobre ele. Aquele que conhece exerce o seu poder e controlo sobre a realidade conhecida. Desta forma se vai reduzindo a esfera do mundo espiritual fora da própria pessoa.

Há, porém, certas realidades que o ser humano não domina com o conhecimento e ainda se sente impotente e desamparado, à mercê delas, dá-lhes o nome de deuses. Assim surge um deus para cada realidade que o ser humano não domina, o deus da guerra, Marte, o deus do mar, Neptuno, a deusa do amor, Vénus, etc.

Monoteísmo
A pré-história do monoteísmo acontece quando o ser humano agrupa todos estes deuses e lhes dá um líder – Zeus, na mitologia grega e Júpiter, na mitologia romana; estes são o pai dos deuses. O primeiro ser humano a proclamar que só há um deus foi um faraó do Egito chamado Akhenaten, também conhecido por Amenhotep IV, que reinou no Egito no século XIV AC. A ideia não progrediu entre os egípcios daquele tempo, mas foi acolhida anos mais tarde por um povo, na altura escravo, na terra do Egito – o povo judeu.

A descoberta do povo hebreu, neste sentido, é a de um Deus pessoal que concentra em si tudo o que são aspirações humanas, o bom e o perfeito. Como os judeus eram nómadas e os nómadas não podem ter deuses locais, já que se deslocam de um lado para o outro e seria muito incómodo carregarem os seus ídolos, pensaram então numa realidade concreta que estivesse em todos os lugares. Olharam para cima e encontraram-na no Céu.

Os povos sedentários têm tendência a ser politeístas; os povos nómadas, pelo contrário, são monoteístas. Os turkana, um povo nómada do norte do Quénia, têm a mesma palavra para designar Céu e Deus. Os mongóis, os turcos e os tártaros adoravam um deus comum chamado Tengri, o deus do céu azul.

O cristianismo não é mais uma religião, mas sim a revelação de Deus
Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e por meio de quem fez o mundo. Hebreus 1, 1-2

É certo que todas as religiões adoram o mesmo Deus e visam humanizar o Homem. Por isso, a Igreja já não se apresenta ao mundo como única tábua de salvação e reconhece em todas as religiões “semina verbum”, pedaços fragmentados de verdade. Há, portanto, salvação sem Igreja, mas não pode haver salvação sem Cristo, porque sendo ele Deus feito homem é a verdade plena e, portanto, válida para todo o tempo e lugar.

À semelhança dos profetas do Antigo Testamento, os fundadores de todas as religiões, foram descortinadores da vontade de Deus e dos anseios do povo, num determinado momento da sua história, liderando-o pelo caminho certo.

Cristo, mais que um profeta, ou seja, o homem certo para um momento concreto, é o homem certo para todo o tempo e lugar. Ele não veio evangelizar o povo judeu para que fosse fiel à sua fé, Ele não veio purificar a fé do povo judeu. Ele nasce entre o povo judeu, mas não veio para o povo judeu, como muito bem profetizou o profeta Isaías, Ele veio para todos os povos.

Religião, do verbo religar, é todo o esforço que o ser humano fez ao longo dos tempos para atrair o beneplácito de Deus, por intermédio de sacrifícios, rituais e liturgias. A religião é, portanto, uma iniciativa do género humano. A revelação é de iniciativa divina; já não é o homem a fazer caminho para Deus, mas sim Deus a fazer caminho para o Homem. Não fostes vós que me escolhestes; fui eu que vos escolhi a vós. João 15, 16

Como Cristo não é um profeta mais, em relação às outras religiões, o cristianismo é um salto qualitativo e, desta forma, todas as religiões são para o cristianismo o que o Antigo Testamento da Bíblia é para o Novo Testamento.

A nível individual
“Ninguém vai ao Pai se não por mim disse (João 14, 6-14) quem me conhece a mim conhece o Pai (João 14, 7)”, o que equivale a dizer que quem não me conhece a mim não conhece o Pai. “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida (João 14, 6)” o que equivale a dizer que não há outro caminho, verdade e vida alternativo. Quem não recolhe comigo, dispersa, diz também.

A nível social
Jesus de Nazaré sabe que homens novos fazem sociedades novas e sociedades novas, pela educação, fazem homens novos, pelo que é preciso atuar a ambos níveis. O cristianismo não é como o budismo que só visa a perfeição pessoal e se desinteressa dos outros, ou como o judaísmo que só visa a salvação do povo judeu e a condenação dos pagãos não judeus.

No monte Sião, o Senhor do universo prepara para todos os povos um banquete de carnes gordas,
acompanhadas de vinhos velhos, carnes gordas e saborosas, vinhos velhos e bem tratados. Isaías 25, 6)

Cristo veio com um projeto para todos os povos, o Reino de Deus, como bem predisse o profeta Isaías no banquete para todos os povos. Mais tarde, Jesus explica o que é o reino em parábolas, onde frequentemente utiliza a imagem do banquete aberto a todos. (Mateus 22, 1-14)

O cristianismo é uma revolução social e uma psicoterapia individual
Eu bem vi a opressão do meu povo que está no Egito, e ouvi o seu clamor diante dos seus inspetores; conheço, na verdade, os seus sofrimentos. Desci a fim de o libertar da mão dos egípcios e de o fazer subir desta terra para uma terra boa e espaçosa, para uma terra que mana leite e mel… Êxodo 3, 7-9

Jesus, como novo Moisés, vem tirar o ser humano de todas as escravidões, vem oferecer-se como modelo a seguir para que o homem seja verdadeiramente livre. Como Cristo, Deus feito homem, encarnou em vida o modelo mais perfeito de humanidade, Ele é a referência do ser humano; todo o que busca e se esforça por ser homem autêntico, seja qual for o seu credo ou a sua religião, sem ter que professar a fé cristã, é com Cristo que tem de se comparar e não com mais ninguém.

Jesus entra na história humana como um meteorito no meio do mar e faz ondas em forma de círculos concêntricos, desde o centro até às margens mais longínquas. Como foi um meteorito que acabou com o reinado dos grandes répteis, os dinossauros, dando estes lugar aos mamíferos de pequeno porte dos quais resultou por evolução a raça humana, assim Cristo é o Rei do Universo que vem restabelecer o seu reino na Terra que Ele antes, com o Pai e o Espírito Santo, havia criado.

Inspirados ainda na metáfora do meteorito que faz círculos concêntricos com a sua queda, Cristo irrompe no meio da história humana dividindo-a em dois períodos: o antes da sua vinda e o depois da sua vinda, sendo o seu nascimento o ano zero.

Seja porque os cristãos são o grupo mais numeroso, ou porque a cultura ocidental de matriz cristã se universalizou por ser mais avançada, o facto é que por muito que os judeus, os ateus e os agnósticos lhe chamem Era Comum, o nascimento de Cristo é o ano zero a partir do qual se conta a história humana para trás e para a frente.

Cristo é a pedra angular (Atos 4, 11) da história da salvação. Ele veio para salvar vivos e mortos a todos os que viveram antes d’Ele (Efésios 4,9-10), tendo até pensado (João 20, 24-29) e rezado por aqueles que viveriam depois d’Ele (João 17, 20).

Porque Ele, fundamentalmente, não veio fundar uma nova religião, mas sim ensinar o homem e ser homem e a relacionar-se com os outros, de forma a melhorar o mundo, transformando-o no reino de Deus, ou seja, numa sociedade onde reina a justiça e a paz.

Tive fome, sede, era forasteiro, estava nu, na prisão ou no hospital e prestaste-me ou não me prestaste assistência… (Mateus 25, 31-46). No juízo final, igual para todos os povos, não nos perguntam a que religião pertencemos, o que somos, o sucesso que tivemos na nossa vida ou quanta prática religiosa tivemos. O julgamento é pouco religioso porque não contém perguntas de índole religiosa, mas exclusivamente de índole social.

Desde que Deus assumiu a natureza humana, todos os seres humanos se transformaram ipso facto em seus irmãos. Já não há ninguém neste mundo que esteja só, que não tenha quem o defenda, Jesus permanece escondido em cada um de nós, sobretudo nos mais pobres e desfavorecidos. Por este juízo final ficamos a saber que a assistência que prestamos ou não prestamos aos que se cruzaram no nosso caminho durante a nossa vida, foi a Ele que a prestámos ou não prestamos.  
 
Por outro lado, nenhum ateu ou agnóstico negaria que não há vida humana sem amor e que viver é amar. Ora, pois, Jesus só tem um mandamento que diz isso mesmo: amar a Deus sobre todas as coisas, sobre ti mesmo e sobre todos, amar a ti mesmo como Deus te ama e amar os outros como te amas a ti mesmo. Que há de religioso nisto? Interpretando este mandamento, Santo Agostinho chega a dizer: Ama ed fac quod vis ou ama e faz o que quiseres…

Conclusão - Todas as religiões antes de Cristo são Antigo Testamento, pelo que Cristo é o Novo Testamento para todas elas. Há salvação fora da Igreja, mas não há salvação fora de Cristo, pois Ele é o único Caminho, Verdade e Vida para Deus Pai; como Ele próprio disse, ninguém vai ao Pai senão por Ele.

Pe. Jorge Amaro, IMC