15 de dezembro de 2023

XII Mistério - Coroação de Maria como rainha do céu e da terra

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Apareceu em seguida um grande sinal no céu: uma Mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas. Apocalipse, 12, 1

Paulo VI na sua Exortação Apostólica encíclica “Marialis Cultus” diz que a Solenidade da Assunção se prolonga jubilosamente na celebração da realeza de Maria. A mãe de um rei é rainha, rainha mãe. Não foi uma realeza herdada como filho de rei é rei, também foi uma realeza conquistada a pulso, uma realeza que doeu.

Foi uma coroa de glória precedida de uma coroa de espinhos, ou a espada profética de muito sofrimento referida pelo velho Simeão que Maria teve que passar por causa do seu filho. A realeza de Maria é, portanto, uma realeza por mérito, algo semelhante a um prémio Nobel pelos seus bons serviços prestados à humanidade.

S. Paulo, numa das suas cartas, fala dos atletas que se sacrificam com dietas e exercícios para depois ganharem uma coroa que murcha. Se isso acontece com eles, quanto mais acontecerá connosco caso queiramos ganhar, como Maria, uma coroa eterna de glória. Temos de aceitar os sofrimentos que vêm ao nosso encontro.

Maria e a imperatriz St. Helena
Ao pensar no que é dito neste texto, pois não existe uma base histórica para as coisas que entendemos que acontecem no Céu, pensei numa outra mulher que chegou bem alto começando, como Maria, muito por baixo, e que, tal como Maria, viveu para estar 100% ao serviço do seu filho. Trata-se, da imperatriz Sta. Helena que viveu ao serviço do seu filho.

Sta. Helena não nasceu de nenhuma família nobre em Roma, nasceu na Ásia Menor e, como o próprio nome indica, não era romana, mas sim grega. Casou com o imperador romano Constâncio Cloro que andava pela Ásia Menor em campanha militar. O seu filho é Constantino I que se tornou imperador romano em York, na Inglaterra em 306. Este conferiu a sua mãe o título de Imperatriz. Mais tarde, esta converteu-se ao cristianismo, o mesmo sucedendo com o seu filho, devido à grande influência que esta tinha junto dele.

Nos seus últimos anos de vida, fez uma peregrinação à Terra Santa. Naquele tempo Jerusalém ainda se chamava Aelia Capitolina, depois das tropas do imperador Tito a terem destruído. No lugar do Santo Sepulcro e Gólgota tinham construído um templo à deusa Vénus.

Helena mandou destruir o templo e construir sobre ele a grande Igreja do Santo Sepulcro, no sítio onde ela encontrou a verdadeira Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo. Helena construiu muitas outras igrejas, mais tarde destruídas pela ocupação muçulmana. As únicas duas que permanecem de pé e que são as principais, são a do Santo Sepulcro em Jerusalém e a da Natividade em Belém.

Muitas imagens de Sta. Helena a representam abraçando a cruz, a mesma cruz aos pés da qual Maria chorou a morte do seu Filho. Como Maria se alegrou com a Ressurreição do seu Filho e o fim do seu sofrimento, Helena representa o fim do sofrimento dos discípulos do seu filho que, até ela e ao seu filho Constantino, tinham sofrido a perseguição romana e o martírio de serem comidos pelas bestas nas arenas romanas. Helena é a primeira imperatriz ou rainha cristã; Maria, a rainha das rainhas, a rainha do Céu e da Terra.

Rainha mãe
Salve rainha, Salve rainha, Senhora minha mãe de Jesus (cântico mariano português)

Salve Regina, Mater misericordiae, ita dulcedo et spes nostra salve. Ad te clamamus exsules filii Hevae. Ad te suspiramus gementes et flentes, in hac lacrimarum valle. Eja ergo advocata nostra, illos tuos misericordes oculos ad nos converte. Et Jesum benedictum fructum ventris tui nobis post hoc exsilium ostende. O clemens, o pia, o dulcis Virgo Maria.

Nos meus tempos de estudante em Inglaterra, era ainda viva a rainha mãe da atual rainha Isabel II. Esta rainha mãe era uma figura muito querida pelo povo. Também ela era rainha, não por ter reinado mas porque o seu marido tinha sido rei. Tinha o título de rainha consorte e, naquele tempo, de rainha mãe de Isabel.

Maria é rainha mãe porque é mãe de Cristo que é Rei do Universo. A Mãe de Cristo, cabeça da Igreja que é o seu corpo místico, está sentada à direita do seu Filho como a rainha, ornada com ouro de Ofir do salmo 45 (44), 10.

Salve Regina, Mater misericordiae, – rainha porque mãe de Jesus, nossa rainha porque nossa mãe, uma mãe misericordiosa como Deus Pai. Uma mãe que por ser carne da nossa carne, totalmente humana, é ponte para o seu Filho. Um “Pontifex maximus” para aceder ao seu Filho porque ela, como a imperatriz Helena, sabe aceder ao coração do seu Filho e obter d’Ele para nós todas as graças de que necessitamos, tal como já o fez em Caná aparentemente com a oposição inicial d’Ele.

Rainha dos anjos, dos patriarcas, dos profetas, dos apóstolos dos mártires, dos confessores, de todos os santos, rainha da paz, como diz a ladainha em seu louvor. Maria é sobretudo rainha dos nossos corações onde reina com o seu amado Filho.

A Rainha Mãe em Israel
À tua direita está a rainha ornada com ouro de Ofir. Salmos 45 (44), 10

No episódio bíblico sobre a subida ao trono do rei Salomão, damo-nos conta da reverência do rei pela sua mãe Betsabé, quando esta vem visitá-lo: o 1º livro de Reis, capítulo 2, versículo 19, diz:

“Betsabé foi, pois, ter com o rei para falar-lhe em favor de Adonias. O rei levantou-se para lhe ir ao encontro, fez-lhe uma profunda reverência e sentou-se no trono. Mandou colocar um trono para a sua mãe, e ela sentou-se à sua direita” 1º Reis 2, 19

Essa atitude de Salomão remete imediatamente para o Salmo 44 acima citado. Os hebreus mantiveram essa tradição até o exílio da Babilónia, quando deixaram de ter reis. A partir dessa época, começa-se a esperar a vinda do novo filho de David, o Messias. Segundo a tradição, Maria é também da tribo de Judá, como José, ou seja, pertence também ela por nascimento à família real.

De facto, o anjo Gabriel já saudou Maria com o título de Ave, título usado para os imperadores de Roma. Ela estava destinada a ser rainha do Céu e da Terra, por isso já era rainha do Céu e da Terra quando aceitou ser mãe do Filho unigénito de Deus, o rei do universo.

Nesse mesmíssimo momento, ao conceber o rei, tornou-se rainha. Por outro lado, ao ser concebida sem pecado original, Maria já nasceu predestinada para ser rainha. A conceição imaculada de Maria faz correr nas suas veias o sangue azul da humanidade, por Deus criada sem o pecado original. Ao ser concebida sem pecado original foi já concebida como rainha.

“Tu és a glória de Jerusalém... tu és a honra de nosso povo... o Senhor te fortaleceu e por isso serás eternamente bendita. Judite 15, 10 b; 11 b

Conclusão – Maria é rainha do Céu e da Terra por ser mãe de Cristo, Rei do Universo. A sua coroação é algo semelhante a um prémio Nobel pelos serviços prestados em prol da salvação da humanidade.

Pe. Jorge Amaro, IMC



1 de dezembro de 2023

XI Mistério: Dormição e Assunção de Maria

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«A minha alma engrandece o Senhor e o meu espírito exultou em Deus, meu Salvador, porque pôs o olhar na humildade da sua serva. Eis que, a partir de agora, me chamarão feliz todas as gerações, porque o Poderoso fez em mim grandes coisas. Santo é o seu NomeLucas 1, 47-55

Tal como Maria iniciou a Jesus neste mundo e o levou a todos lados de pequeno e o lançou na vida pública antes do tempo nas bodas de Caná, assim agora é Jesus que a leva para o Céu em corpo glorioso semelhante ao Seu e a introduz no Seu mundo onde Ele é Senhor do Universo.

A exaltação da humilde serva de Sião
Aquele que se exaltar será humilhado, e aquele que se humilhar será exaltado. Mateus 23, 12 - A Assunção de Maria é a exaltação dos humildes da qual nos fala o evangelho, neste caso da humilde serva de Sião na qual o Senhor pôs os olhos já antes do seu nascimento, fazendo com que a sua conceição fosse imaculada.

Com humildade suportou o vexame de se achar grávida sem poder explicar a origem da gravidez; com humildade suportou os sofrimentos do seu filho quando este começou a encontrar a oposição nos líderes de Israel; com humildade e abatimento suportou a sua morte; agora, com mérito é exaltada e ascende ao Céu para estar sempre com Aquele que ela gerou, o Filho primogénito de Deus.

Assunção ou Dormição são a mesma coisa. O oriente celebra mais como Dormição, o ocidente mais como Assunção. Na minha terra é mais celebrada como Dormição. Desde criança que na minha terra se coloca o esquife ou caixão onde jaz uma imagem deitada da Nossa Senhora. No dia 15 de agosto, este esquife é colocado no lugar onde habitualmente se coloca o caixão dos mortos para a missa de corpo presente. Assim, a missa da Assunção de Maria ao Céu é como se fosse uma missa de corpo presente.

História do dogma da Assunção
Pela autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo e em nossa própria autoridade, pronunciamos, declaramos e definimos como sendo um dogma revelado por Deus: que a Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria, tendo completado o curso de sua vida terrena, foi assumida, corpo e alma, na glória celeste. Munificentissimus Deus, Pio XII 1 de novembro de 1950

A declaração do dogma da Assunção de Maria Santíssima ao Céu em corpo e alma, é bastante recente. No entanto, tanto este como todos os outros têm uma longa história de quase 2 000 anos de reflexão teológica, de piedade popular e espiritualidade e, em alguns casos, até de confirmação celeste, como acontece com o dogma da Imaculada Conceição nas aparições de Lourdes.

A primeira alusão à passagem de Maria deste mundo para o Céu acontece no século IV; Epifânio de Salamina, em 377, afirmou que ninguém sabia se Maria havia morrido ou não. A mais antiga narrativa é o chamado "O Livro do Repouso de Maria", do qual existe apenas uma tradução copta etíope, entendida como sendo do século IV, embora possa muito bem ser do século III.

A Assunção ao Céu da Nossa Senhora também aparece no livro “De Transitu Virginis”, uma obra do final do século V, atribuída a S. Melito. Este livro conta que os Apóstolos vieram transportados por nuvens brancas, cada um da cidade onde se encontrava no momento, para assistir à Dormição de Maria. Esta história tem uma continuação séculos mais tarde, com um apêndice segundo o qual Tomé, como sempre, não compareceu a este funeral de Nossa Senhora e, quando chegou mais tarde, fizeram abrir o túmulo que encontraram vazio.

Onde ocorreu esta Assunção ou Dormição não se sabe, uns dizem em Jerusalém, outros em Éfeso onde, segundo a tradição, viveu Maria os últimos anos da sua vida com S. João, na conhecida “Casa de Maria” que ali se encontra até aos dias de hoje e que pode ser visitada.

Com a sua Assunção ao Céu, Maria cumpre o que S. Ireneu disse: que Deus se fez homem para que o homem se fizesse Deus. Assim se cumpre o sonho de Eva que queria ser como Deus. Maria chegou a ser como Deus ao ser mãe. Pela obediência, o ser família íntima de Deus está aberto a todos nós: é “a minha mãe e os meus irmãos são os que ouvem a minha Palavra e a põem em prática.”

Assunção como união com Deus
"Fizeste-nos Senhor para ti e o nosso coração anda inquieto enquanto não repousa em Ti" Sto. Agostinho

Estamos no mundo, mas não somos do mundo. Ser e estar não são o mesmo verbo como em outras línguas. Estamos no mundo, mas somos do Céu, somos de Deus, de onde viemos e para onde voltaremos. A melhor forma de estar no mundo então é viver desprendidos e nós só conseguimos essa forma de estar no mundo se tivermos as nossas prioridades bem definidas, se Deus for a quem nós mais amamos, em teoria e na prática.

Sempre recordarei a experiência de atravessar os rios caudalosos na Etiópia: não se deve olhar para a água que corre com muita velocidade, mas sim para a margem do rio que não se move. A primeira vez que tive que atravessar um destes grandes rios, comecei a olhar para a água e comecei a ficar enjoado, atordoado e em perigo de ser levado pela corrente. Ao verificarem isto, os moços que me acompanhavam gritaram, “Abba, não olhe para a água, mas sim para a margem do rio”.

Isto pode ser uma metáfora da nossa vida. Tenhamos os olhos fixos não no que se move que é temporal e passageiro, mas no que não se move, em Deus que não muda e é eterno, para não sermos levados pela corrente do presente, para não nos deixarmos embriagar pelo prazer presente ou desesperar pela dor presente. Só atravessaremos bem o rio da vida se tivermos os olhos postos na outra margem, em Deus no Céu. Se não for assim, seremos levados pela corrente, qualquer que seja a tendência, moda, poder, riqueza, coisas do mundo.

Em busca da sua própria identidade, um boneco de sal viajou milhares de quilómetros por um deserto, até que, finalmente, alcançou o mar. Fascinado pela massa estranha e móvel, completamente diferente de tudo quanto tinha visto até então, perguntou:
- Quem és tu?
 Com um sorriso, o mar respondeu:
- Sou o mar.
- Mas o que é o mar? inquiriu o boneco.
- Vem, toca-me e saberás.
O boneco de sal colocou o pé na água e imediatamente ficou sem ele.
- Que fizeste? perguntou assustado.
- Para me conheceres tens de te dar, respondeu o mar.
Então o boneco de sal foi adentrando o mar e, antes de uma onda o cobrir por completo, disse num suspiro:
-  Finalmente descobri quem sou
. Tony De Mello

Se queremos conhecer a Deus já aqui nesta vida, temos que nos envolver. Não podemos conhecer a Deus sem nos comprometermos. Não pode ser um conhecimento frio no qual não nos implicamos, como se fizéssemos aquela experiência do oxigénio com algas e sol. Neste caso, não estamos diretamente envolvidos, mas com Deus, se o conhecermos temos de O amar. O mesmo acontece quando começamos a conhecer uma pessoa que nos é estranha: pouco a pouco começamos a gostar dela até porque o conhecimento entre as pessoas e das pessoas é afetivo; assim é com Deus. Só o afetivo é efetivo, ou seja, é real e surte efeito.

Assunção como Levitação
Uma experiência interessante a realizar em Nova Iorque, se visitarmos o museu da NASA, é a experiência da falta de gravidade: é como voar, as batatas fritas voam, a água em gotas voa também. Voar sempre foi o sonho de todo o ser humano e, de facto, parece ser um sonho muito recorrente em cada um de nós. Eu, pessoalmente sonho muitas vezes que voo.

A Assunção é uma experiência espiritual que fazem aqueles que se desprendem das coisas e afetos deste mundo. Os santos levitavam porque as suas ataduras a esta Terra eram poucas. Sta. Teresa de Ávila dizia, “Vivo sem viver em mim e tão alta vida espero que morro porque não morro...” A Assunção é como levitar, quando nos desprendemos do que nos liga à Terra, dos afetos pelos bens temporais e até por pessoas.

O mistério da Encarnação e a emancipação da mulher
Nos primórdios da humanidade, quando os homens ainda não sabiam de onde vinham os bebés, (o efeito estava muito longe da causa: o ato sexual 9 meses antes do nascimento; o mesmo acontece com o melhor raticida cuja eficácia está precisamente em separar no tempo o efeito e a causa) quem reinava na sociedade era a mulher. Ela e só ela era o futuro e a esperança da espécie, ela e só ela trazia novos seres ao mundo.

Consequentemente, o primeiro deus a ser adorado era uma deusa: a deusa da fecundidade da terra e da mulher. Terra ainda hoje é um termo feminino em quase todas as línguas. Foi também a mulher que inventou a agricultura. Porque a mulher era vista como a origem da vida, deus era concebido com forma feminina.

Quando a conexão entre o coito e o nascimento de um bebé foi estabelecida, a mulher perdeu pouco a pouco todo o prestígio social. Ao princípio da deusa feminina foi acrescentado o homem consorte. Com o tempo, o consorte expulsou do céu a deusa e ficou sozinho. A mulher é só como a terra que o homem trabalha e domina, Deus manda a chuva como o homem semeia o sémen, todo o novo ser está contido no sémen do homem, a mulher é só o recetáculo.

Neste novo conceito de Deus, Yahveh é rei e senhor e os reis naquele tempo não tinham uma rainha, mas um harém de mulheres. A mulher foi então tratada como a terra na agricultura “Crescei e multiplicai-vos, dominai a terra... e a mulher desapareceu da cena social e do céu habitado por um rei, todo poderoso e sozinho. A mulher foi a última a ser criada e a primeira a pecar.

O cristianismo é um fator emancipador da mulher. Vejamos, nas sociedades não cristãs a mulher é maltratada. Ainda hoje, em África, a mulher é quem trabalha, o homem não faz nada; a mulher é vendida, obrigada a casar-se aos 15 anos com homens de 50 ou mais. No Japão, serve de prato nos restaurantes, ainda hoje. Na Ásia, e nas Filipinas que a mulher está mais emancipada. Os muçulmanos circuncidam a mulher de forma a que ela nunca tenha prazer sexual.

A anunciação foi o começo desta emancipação da mulher. Deus, para vir ao mundo, precisou de uma mulher e não de um homem. E não foi só o ventre que usou, foi também o óvulo. Com a vida de Maria, a mulher voltou ao Céu na Assunção, como mãe do Filho unigénito de Deus.

Nenhum homem nasceu sem o pecado original, só ela; Deus não precisou do espermatozoide do homem, mas do óvulo da mulher. Maria aponta para o rosto feminino de Deus, como Jesus de Nazaré, o seu Filho, para o rosto masculino de Deus.

Conclusão – A Assunção de Nossa Senhora ao Céu, é o desfecho lógico da sua vida na Terra. Concebida sem pecado original, deu à luz o autor da vida, tornando-se Mãe de Deus. Maria introduz Jesus no mundo, Jesus introduz a sua mãe no Céu.

Pe. Jorge Amaro, IMC