15 de janeiro de 2021

3 Coordenadas do espaço: Vertical - Horizontal - Diagonal

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Horizontal, vertical e diagonal é a direção ou orientação que uma linha pode tomar. O estudo da direção ou orientação de uma linha faz parte da geometria que é um ramo da matemática. Como o próprio nome indica, geo+metria significa Terra e “metria” ou medição; por esse motivo, tudo o que aqui diremos terá a ver com o espaço terrestre e não se aplicará fora dele no espaço exterior, no universo ou no cosmos.

Horizontal, vertical e diagonal são palavras essenciais, ricas de significado, usadas em vários e diversos campos do saber. Em cada um destes campos, vão adquirindo conotações diferentes sem nunca perderem a sua essência. Vejamos o seu uso e aplicação em alguns desses campos do saber.

Horizontal - Vertical – Diagonal em geometria
Vertical, horizontal e diagonal, referem-se à direção ou orientação de uma linha no espaço. Uma linha é o trilho visível criado por um ponto que se move no espaço. Em si mesma, é unidimensional e pode variar em forma, largura, comprimento e direção. Em forma, pode ser reta ou curva, em largura, pode ser fina ou grossa, em direção, pode ser vertical, horizontal ou diagonal.

Horizontal
Uma linha horizontal corre da esquerda para direita. Vem da palavra horizonte, a linha imaginária que os nossos olhos traçam quando olhamos ao longe numa planície ou num planalto. Todas as linhas horizontais são paralelas ao horizonte. Olhar para o horizonte é relaxante porque é sugestivo de um sentimento de repouso. Ao contrário das outras duas linhas, não sugere movimento, nem a favor nem contra a força da gravidade.

Vertical
É uma linha perpendicular à terra ou a uma linha horizontal e estende-se para cima, em direção ao céu. Implica um movimento ascendente ou descendente, dependendo do ponto onde estabelecemos o princípio e o fim da linha. Neste sentido, comunica um sentido de infinito para além do alcance humano. A linha vertical sugere, portanto, espiritualidade, abertura ao divino, autossuperação, elevação da condição humana.

Diagonal
Resulta da combinação de uma linha horizontal e de uma vertical. Não é perpendicular à terra, como a vertical, nem paralela ao horizonte, como a horizontal. Como a vertical, pode ser ascendente ou descendente. As linhas verticais e horizontais combinadas formam um ângulo de 90 graus e compõem estruturas estáveis e firmes. Ao contrário, a linha diagonal transmite um sentido de instabilidade, uma tensão não resolvida em relação à força da gravidade. O ângulo que forma ao encontrar uma linha vertical ou horizontal não é tão estável como o que formam a vertical com a horizontal.  

Triangulo e triângulos
A união da linha reta com a horizontal e a diagonal forma a figura geométrica mais simples - o triângulo – e, neste caso, um triângulo retângulo. Dois triângulos formam tanto um retângulo como um quadrado e um losango. Um pentágono é formado por 5 triângulos, um hexágono por seis; um círculo é formado por um número indeterminado de triângulos a partir do centro, como os raios da roda da bicicleta.

Vertical - Horizontal – Diagonal em geografia
Desde tempos imemoráveis que o Homem tem necessidade de se orientar no tempo e no espaço, de saber onde está e para onde caminha. O próprio verbo “orientar” provém da palavra oriente, o lugar no horizonte onde nasce ou se levanta o sol (por isso mesmo também pode designar-se como Levante ou Leste). Ao nascer, o sol ergue-se no horizonte, descrevendo uma linha circular, um arco no céu, desde o Oriente até ao Poente, Ocidente ou Ocaso, lugar onde desce abaixo da linha do horizonte e deixa de ser visto.

À medida que o sol sobe no horizonte, segundo o grau de inclinação que este tem em relação à Terra,  descreve uma linha horizontal, quando os seus raios estão paralelos ao horizonte no momento de nascer, seguida por muitas diagonais até ao seu zénite, momento em que descreve uma linha perpendicular em relação ao nosso planeta, descendo para o ocaso em linhas outra vez diagonais, até se colocar de novo na horizontal e em posição paralela à Terra no momento em que se põe.

Hoje sabemos que o “movimento do sol” é ilusório que não é o Sol que se move, mas sim a Terra. Porém, durante milhares de anos, foi este pretenso movimento que providenciou as coordenadas pelas quais o Homem se orientou e se situou, tanto no tempo (os relógios de sol, as doze horas do dia, os doze meses do ano), como no espaço (o Oriente e o Ocidente).   

Talvez por causa da oscilação do eixo da Terra, que o nosso planeta tem 68% de terra no hemisfério norte e só 32% no hemisfério sul, tal como tem 68% de terra no Oriente e só 32% no Ocidente. Por isso, do ponto de vista migratório, quando o Homo Sapiens saiu de África pelo Médio Oriente, uns foram para o Ocidente, para a Europa e outros para o Oriente, para a Ásia e, mais tarde, para a América pelo estreito de Bering.

Também do ponto de vista civilizacional, a primeira cultura surge no Crescente Fértil, desenvolvendo-se depois para Ocidente, até ao Império Romano e só depois para Norte; a segunda na Ásia, Índia e China e a terceira na América Central, com os maias, astecas e incas. Do ponto de vista do comércio, a primeira rota comercial estabelecida - a Rota da Seda - vai do Ocidente ao Extremo Oriente, Índia e China.

Perto do Equador, todas as estrelas se levantam no Oriente e se deitam no Ocidente. As estrelas que estão na perpendicular em relação ao eixo da Terra, entre elas a Estrela Polar, oscilam muito pouco durante a noite, por isso nem se levantam nem se deitam. A Estrela Polar, relativamente fixa em relação à Terra, foi designada como o Norte celestial e assim nasceu a outra coordenada de orientação no espaço terrestre, sendo o Sul o seu contrário numa linha vertical.

Norte celestial – O lugar onde se encontra a Estrela Polar, na constelação da Ursa Menor, é hoje a nossa Estrela do Norte. Como o eixo da Terra tem um movimento parecido com o de um pião, no ano 7 500, será Alpha Cephei na constelação de Cepheus; no ano 11 500, será Delta Cygni na constelação de Cygnus a estrela que aponta ao Norte; no ano 14 000, será a estrela Vega na constelação Lyra; no ano 23 000, será a estrela Thuban na constelação Drago; finalmente, no ano 26 000, a Estrela Polar será o nosso Norte outra vez.

O Norte polar ou geográfico - ou Polo Norte é o lugar do nosso planeta onde convergem todas as linhas de longitude a norte, sendo o Polo Sul o lugar onde estas mesmas linhas convergem a sul. É o centro do hemisfério norte, assim como o Polo Sul é o centro do hemisfério sul. Desde o espaço por cima do Polo Norte, a Terra move-se em sentido contrário aos ponteiros do relógio; vista do Equador, move-se de Ocidente para Oriente, ou seja, da esquerda para a direita. O movimento de rotação da Terra faz com que esta seja achatada nos polos e dilatada no Equador.

O Norte magnético – Durante muito tempo pensou-se que o norte geográfico e o norte magnético eram um só. Em 1831, o explorador inglês James Ross verificou que não coincidiam. Enquanto que o norte geográfico resulta do movimento de rotação da Terra, como vimos, o norte magnético é um campo magnético formado por ferro líquido por baixo da superfície da Terra; a agulha da bússola aponta para esta massa de ferro fundido que dista 22 graus do polo geográfico. Como o Norte celestial muda, assim também muda o Norte magnético, por ser constituído por ferro fundido; atualmente, a norte do Canadá está a mover-se para a Sibéria.

Norte – Sul – Este - Oeste
A linha vertical Norte-Sul, com a linha horizontal Este-Oeste, formam a cruz dos quatro pontos cardeais pelos quais nos orientamos no nosso planeta. O ponto de encontro das duas linhas define o lugar preciso onde nos encontramos, seja este no cimo de uma montanha ou no fundo do mar.

Todos os lugares no nosso planeta se identificam pelo ponto de encontro da linha vertical Norte-Sul com a linha horizontal Este-Oeste; pelos graus de latitude que distam em relação ao Equador, a norte ou a sul deste, e pelos graus de longitude que distam em relação ao meridiano de Greenwich, a Leste ou a Oeste deste. A linha do Equador é real pois corresponde ao centro da Terra; a linha ou meridiano de Greenwich é convencional.

Aos quatro pontos cardeais, na chamada Rosa dos Ventos, juntam-se outros quatro pontos intermédios (entre os pontos cardeais), também chamados de colaterais, formados por duas linhas diagonais: Nordeste-Sudoeste, Noroeste-Sudeste.

GPS – Sistema de posicionamento global
Este sistema que nos facilita tanto a vida, para quem anda na cidade ou mesmo no campo, não nasceu para nos guiar automaticamente, mas sim para guiar mísseis e drones até ao lugar onde deviam atuar. O Homem sempre foi mais inventivo para criar artefactos de guerra ou para o negócio e acumular de riqueza do que para criar artefactos de paz, para a saúde e harmonia entre os povos. Tal como o GPS, a energia atómica foi inventada para fazer bombas e não para produzir eletricidade, como hoje acontece.

O Departamento de Defesa dos Estados Unidos criou e vem mantendo o sistema GPS desde 1978, embora o tenha declarado totalmente operacional apenas em 1995. O GPS entrou em ação pela primeira vez num campo de batalha na Guerra do Golfo (1990-1991).

O funcionamento do GPS segue o nosso refrão da tridimensionalidade; funciona por um processo chamado de triangulação. Ou seja, para funcionar, o nosso aparelho de GPS precisa de captar o sinal de três satélites; com os sinais dos satélites, o recetor de GPS calcula a distância entre eles pelo intervalo de tempo entre o instante local e o instante em que os sinais foram enviados; o lugar onde o aparelho se encontra na Terra corresponde à intersecção dos três sinais.

Para que a posição do recetor seja sempre atualizada, uma vez que nos movemos continuamente ao viajar de carro, os envios desses sinais ocorrem constantemente a uma velocidade de 300 mil quilómetros por segundo (velocidade da luz) no vácuo. Uma vez encontrado o lugar onde estamos, é fácil calcular a estrada e o tempo de percurso até ao destino, a partir de um mapa que funciona dentro do aparelho de GPS.

Somos seres espácio-temporais, ocupamos um espaço mutante e um tempo. O tempo e o espaço usam praticamente o mesmo vocabulário. No tempo, usamos horas, minutos, segundos; no espaço usamos graus, minutos e segundos. Agora são 17 horas, 16 minutos e 13 segundos; o lugar onde me encontro está a 43º44’34’’- Norte, 79º35’33’’- Oeste, ou seja, na cidade de Toronto, na província de Ontário, no Canadá.

Norte versus Sul
Norte e Sul não são só duas coordenadas geográficas, são também dois lugares que evocam um desigual desenvolvimento económico. O Norte é rico e o Sul é pobre, a fronteira entres os países pobres e os países ricos é o mar Mediterrâneo na Europa, onde tantos pobres se afogam fugindo da fome, da peste, da guerra. Nos Estados Unidos é a fronteira com o México, onde os que atravessam para o Norte podem ser alvejados como animais, ficarem detidos ou acabarem deportados.

O Norte explora o Sul de mil e uma maneiras: importa matérias primas a baixo custo, exporta produtos manufaturados no Norte a um preço elevado. Explora a mão de obra, pagando salários de miséria, como acontecia com a Nike que pagava um dólar por mês a crianças que trabalhavam clandestinamente em subterrâneos. Aproveitando-se da falta de identificação pessoal dos povos do Sul, o Norte mata e esfola jovens e adolescentes para lhes tirar os órgãos que depois se transplantam no Norte.

O fosso entre os ricos e os pobres tem hoje proporções abismais e impensáveis. 1% da população mundial possui 54% da riqueza mundial, enquanto que 99% da população mundial possui só 46%. Como é possível que este fosso exista num mundo que está globalizado? Num mundo globalizado deveria ser realidade a lei do princípio dos vasos comunicantes.

Ou seja, se eu tenho duas tinas de água, uma quase cheia e a outra quase vazia, ao existir comunicação entre as duas, deveriam de facto ficar com o mesmo nível de água. Por que isso não acontece a nível comercial e social quando os países ricos e pobres comunicam entre si? A comunicação é feita por intermédio de válvulas, ou seja, o movimento faz-se só num sentido. É isto que conseguem as leis do mercado: fazer com que os ricos sejam sempre cada vez mais ricos e os pobres sempre mais pobres.

A Greenpeace afirma que se a população mundial vivesse como vivem os povos do Norte, a Terra só poderia sustentar os seus filhos por um par de meses, antes de se esgotarem os seus recursos e acabar contaminada ao ponto de ser inabitável. Como os ricos não estão dispostos a abdicar do seu nível de vida, nem estão interessados em que a Terra seja habitável, tudo fazem para manter os pobres na sua pobreza, defendendo a sua riqueza com unhas e dentes e com todas as armas que têm.

Um outro problema que agrava ainda mais a diferença entre ricos e pobres é o racismo: o Norte é branco o Sul é negro ou moreno. Os povos do Norte pensam que são mais inteligentes, mais trabalhadores, mais poupados, mas na realidade isso não passa de um mito. Já noutro texto observámos que as características fisiológicas dos povos, como a cor da pele, dos olhos, do cabelo, a estatura, a forma do cabelo, dos olhos, do nariz, etc. se devem a pelo menos 25.000 anos de adaptação ao lugar em que cada um vive.

A necessidade aguça o engenho. No Sul o clima é mais ameno e a natureza dá tudo; por isso, o homem não precisa de se esforçar nem de poupar muito, pois a natureza está sempre a produzir abundantes frutos. O Norte é frio, a Natureza só produz uma vez ao ano com grande esforço do homem nos trabalhos agrícolas, pelo que é preciso poupar. Além disso, a vida é mais difícil e o desafio faz a inteligência funcionar para encontrar solução para muitos problemas.

Ocidente versus Oriente
Entre o Extremo Oriente e o Ocidente, temos o Médio Oriente que todos os dias está nas notícias. O conflito entre Israel e os Palestinianos parece não ter solução porque não se olha ou se ignora a História. Afirmações, como a da Unesco, de que Israel não tem nenhuma ligação histórica a Jerusalém só podem ser emitidas por um ignorante e, no entanto, foram feitas por este organismo.

Quem não tem nenhuma ligação histórica a Jerusalém é o povo palestiniano, os muçulmanos. A lenda de que Maomé viajou de Meca para Medina e de Medina para Jerusalém, de Jerusalém para o Céu e voltou, não era reconhecida nem pela principal mulher do profeta. Não passou de um sonho.

Todos os territórios que Israel ocupa fizeram parte daquele país durante os reinados que se seguiram a David e até aos tempos do Império Romano. O estado Palestiniano nunca existiu fora da Faixa de Gaza; foi para aí que imigraram os filisteus que provinham da ilha de Creta, a atual Chipre e se estabeleceram na Faixa de Gaza. Essa faixa sempre foi a Palestina.

Aproveitando a expulsão dos judeus pelos Romanos no ano 70, os palestinianos ocuparam o que tinha sido o estado de Israel, mas nunca constituíram uma união política, nunca formaram um país. O Médio Oriente foi passando de mão em mão, até cair na mão dos ingleses durante a II Guerra Mundial e daí passou para o estado de Israel, constituído depois da guerra.

Para além do conflito entre Israel e Palestina, o Médio Oriente tem sido o berço de organizações terroristas muçulmanas, como a Alcaeda ou o Estado Islâmico. Com o fim da guerra fria e do antagonismo entre comunismo e capitalismo, com o atentado às Torres Gémeas de Nova Iorque, começou uma guerra entre o Ocidente de tradição cristã e o Oriente de tradição muçulmana, uma guerra com escaramuças na Síria, no Iraque, no Afeganistão e com atentados terroristas em quase todo o mundo.

A razão, no meu entender, pode estar ligada à derrota dos muçulmanos pelos cristãos e à conquista da hegemonia mundial por parte destes. Uma outra razão pode ser o sentimento de inferioridade dos muçulmanos em relação ao ocidente, o que os faz agressivos; e uma outra ainda poderá ser o medo de perderem a fé numa religião que não se adapta aos tempos modernos nem à natureza humana do ponto de vista da verdade.

A religião muçulmana ficou para trás do ponto de vista psicológico, teológico, filosófico e social. A Idade da Razão não passou por ela, como aconteceu com o cristianismo. Por isso e como não fazem reformas, temem perder os fiéis e tornam-se agressivos.

Em termos culturais, as diferenças entre o Ocidente e o Oriente dizem respeito aos países da Europa, América e Austrália em relação ao Oriente composto pela China, Índia, Japão e Coreia. Em geral, o Oriente é mais contemplativo, o Ocidente mais ativo, o Oriente mais religioso e espiritual, o Ocidente mais tecnológico, mais materialista e consumista. Refletindo isto mesmo, as linhas ou faixas das bandeiras ocidentais são horizontais, terra a terra; as do oriente são verticais. A medicina no Ocidente é química, no oriente é energética. O calendário ocidental é solar, o oriental é lunar.

A alimentação ocidental é salina, a oriental é mais requintada, mais temperada, mais doce e agridoce. No Oriente, a comida é preparada e devidamente cortada na cozinha, no ocidente ainda vem em bruto pelo que se necessita de garfo e faca para a consumir; no oriente não há facas sobre a mesa.

A cor de luto no ocidente é o preto, no oriente é o branco; os orientais vestem roupas coloridas, de cores garridas; no Ocidente, as cores são mais escuras, opacas, sem beleza. O Ocidente escreve da esquerda para a direita, o Oriente da direita para a esquerda. O Oriente continua com a escrita pictórica, o Ocidente usa a escrita alfabética; as línguas orientais falam-se com sons guturais, produzidos na garganta e no nariz; as línguas ocidentais produzem-se na boca com a língua e com os lábios.

Vertical - Horizontal – Diagonal na comunicação
A direção da linha reta, vertical, de cima para baixo ou de baixo para cima, horizontal, da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, ou diagonal, ou seja, transversalmente de cima para baixo ou de baixo para cima, é importante para definir os diversos tipos de comunicação que existe no interior das organizações, associações, instituições ou empresas.

Comunicação vertical
A comunicação vertical é típica em organizações de estrutura piramidal, como o exército, a Igreja Católica. Este tipo de comunicação supõe que uns estão em cima, nos escalões superiores de comando e outros estão nos escalões inferiores e obedecem.

Desde o soldado raso, cabo, sargento, Aspirante, Alferes, Tenente, Capitão, Major, Tenente-coronel, Coronel, General, até ao Marechal, a comunicação nunca se faz horizontalmente de igual para igual, é sempre vertical. Mesmo quando um grupo de capitães se encontra, ou seja, pessoas do mesmo estatuto, a comunicação entre eles não é horizontal, continua a ser vertical: tem mais poder o capitão com mais idade. Por isso se diz que “na tropa a idade é um posto, porque se entende que os mais velhos têm mais experiência, que é ainda, segundo o ditado, a mãe da ciência, já que sabe mais o diabo por ser velho que por ser diabo”.

Na Igreja Católica, acontece o mesmo tipo de comunicação que existe nas forças armadas. O poder vem de cima para baixo, Papa, Cardeal, Bispo, sacerdote, diácono, leigo. O Concílio Vaticano II pretendia democratizar mais a Igreja, o que acabou por não acontecer, pois o Papa João Paulo II encarregou-se de o arquivar e neutralizar durante todo o seu pontificado que foi demasiado longo. Hoje, quando já precisávamos de um Vaticano III, ainda não aplicamos o Vaticano II.

Descendente - de cima para baixo
É a comunicação que flui da autoridade superior para o subordinado. Por muito democrática que seja uma organização, tem que haver líderes, pessoas responsáveis com um encargo e, quando isto acontece, a comunicação vertical reflete a diferença de cargos e responsabilidades entre as pessoas. Nenhuma organização sobreviveria sem comunicação vertical, porque seria uma autêntica anarquia. Esta comunicação assume diversas formas orais e escritas, instruções, ordens, cartas, memorandos, discursos.

Ascendente - de baixo para cima
É o inverso da primeira, fluindo em direção contrária, de baixo para cima. Usada pelos empregados ou subordinados que manifestam a obediência ao que lhes foi pedido; quanto mais democrática é a organização, mais as sugestões, ideias e palpites dos subordinados são admitidas pelos superiores. Esta comunicação adquire a forma de relatórios do que foi ou não foi feito, das dificuldades e problemas encontrados, propostas e sugestões. Conselhos de especialistas em diferentes matérias do governo.

Comunicação horizontal
Refere-se ao tipo de comunicação que acontece entre pessoas do mesmo estatuto e nível, entre colegas. É importante para o trabalho em equipa e quando várias dependências, departamentos ou secções de uma instituição dependem de uma mesma chefia, mas são interdependentes entre si.

Ao nível das empresas e das organizações, poderíamos dizer que a comunicação vertical, de cima para baixo, inicia os trabalhos; de baixo para cima é a que apresenta o trabalho feito ou não feito; a comunicação horizontal é a que existe durante o tempo em que se executa um trabalho, uma missão, uma tarefa. É a comunicação entres os vários aspetos de uma mesma tarefa. É a comunicação que existe entre os membros de uma equipa e de outras equipas laterais e interdependentes.

Este tipo de comunicação assume a forma de reuniões, telefonemas, teleconferências, discussões, consultas, entre os membros de uma secção da empresa, assim como entre os chefes de secções interdependentes, na execução de uma tarefa comum.

Comunicação diagonal, transversal ou oblíqua
Os dois primeiros canais de comunicação são formais, institucionais; a comunicação em diagonal é informal, não institucional, decorre à margem das outras duas e quase poderíamos dizer que é “ilegal”, “clandestina”. São as conversas de corredor, enquanto se toma um café ou se fuma um cigarro: as pessoas encontram-se informalmente e como “a boca fala da abundância que vai no coração”, entre amigos fala-se do assunto que no momento ocupa a mente e o coração de todos.

Esta conversa flui, mas não entre colegas, por isso não é horizontal, nem entre patrões e operários, ou seja, não é vertical. Como a diagonal, não é uma conversa vertical nem uma horizontal, mas uma síntese das duas: o motor desta comunicação é a amizade; por isso, flui entre colegas se estes, e só se estes, forem amigos; entre patrões e operários, se estes forem amigos.

Este tipo de comunicação toma muitas vezes a forma de boato, de segredo por muitos partilhado, “dizem…” “ouvi dizer…” e tem um poder devastador numa empresa, embora também possa ser aproveitado positivamente.

Acontece muitas vezes que as reuniões “ad hoc” que ocorrem nos corredores, nas mensagens WhatsApp ou nos estacionamentos depois da reunião formal são mais importantes que as que acontecem na sala de reunião; e, muitas vezes desonestamente, é fora das reuniões formais e à revelia delas que se tomam informalmente decisões importantes que pouco ou nada têm a ver com o que se discutiu na reunião formal.

As pessoas não são máquinas de engrenagem, onde as relações funcionais permanecem funcionais e só funcionais. O relacionamento entre as pessoas dentro de uma mesma função ou entre funções diferentes cria atritos pessoais e também simpatias, amizades e inimizades. A comunicação diagonal usa estes canais. É impossível evitar que a comunicação diagonal ou informal se dê no interior das organizações e há formas de a aproveitar positivamente.

Por este tipo de comunicação, sabemos o que as pessoas realmente pensam e que não se atrevem a dizer numa reunião; conhecemos o estado emocional e a existência de problemas pessoais e familiares, que são importantes para  o bom ou mau desempenho no trabalho; como este tipo de comunicação é a mais fidedigna em termos de feedback, os superiores podem aproveitar as ideias que circulam nestes ambientes para tomarem decisões mais democráticas.

Jesus utilizou este tipo de comunicação com os seus discípulos quando lhes perguntou “Quem dizem os homens que eu sou?”. As pessoas não se atreviam a dizer diretamente a Jesus o que pensavam dele, mas aos discípulos diziam.

A unidimensionalidade ou horizontalidade da política
Desde o século passado que esquerda, centro e direita são as coordenadas pelas quais se têm definido a índole ideológica e a identidade de cada partido político em relação a si mesmo e aos seus congéneres. Antes de falarmos do espaço político, queremos fazer referência a outras coordenadas pelas quais entendemos o espaço físico em geral e que se referem às linhas vertical, horizontal e diagonal.

O espaço político entendido como esquerda, centro e direita, é unidimensional pois só acontece na linha horizontal. Se falássemos de uma monarquia ou de uma ditadura, teríamos que usar a linha vertical. Porém, como falamos de democracia, basta-nos a linha horizontal, pois neste sistema político, o soberano é o povo e os líderes que o representam são delegados temporais deste poder que sempre reside e permanece no povo. Dentro da linha horizontal, a esquerda é o lugar onde esta começa, a direita o lugar onde esta acaba e o centro o lugar equidistante entre o princípio e o fim da linha.

Espaço político do século passado
Quem não está comigo, está contra mim Mateus 12, 30

Durante grande parte do século passado, o mundo estava polarizado: os países pertenciam a um bloco ou a outro. É certo que determinados países, como a Jugoslávia, se diziam não alinhados, mas fundamentalmente seguiam as diretrizes ideológicas da União Soviética, tal como no ocidente, a Suíça sempre se proclamou país neutro, mas também estava ideologicamente alinhada com o Ocidente.

A um bloco pertenciam os países de orientação comunista ou socialista, com a União Soviética à cabeça e ao outro bloco os países de orientação capitalista, com os Estados Unidos à cabeça. A Europa, dividida pelo muro de Berlim (comunista a leste e capitalista a oeste), era símbolo e signo de uma divisão que não acontecia só no velho continente, mas em todo o planeta.

Como a desintegração da União Soviética só se deu no fim do século XX em 1991, vivemos durante o todo o século passado num clima de guerra fria, em que cada bloco procurava crescer, estendendo o seu espaço de influência. Esta guerra fria aquecia de vez em quando em confrontos indiretos entre os dois blocos, em campos de batalha extraterritoriais. Assim se explicam as guerras do Vietname, Coreia e a invasão soviética do Afeganistão. Com o mesmo intuito de estender os espaços de influência, para além destas escaramuças tivemos revoluções e golpes de estado na América Latina, na África e na Ásia.

Com a queda do comunismo soviético, o mundo deixou de estar ideologicamente dividido em dois blocos (capitalista e comunista). Durante a primeira década deste século XXI, vivemos um terrorismo de orientação islâmica radical contra os países de orientação cristã. Durante algum tempo, parecia que o biliteralismo ideológico comunismo / capitalismo ia ser substituído por um biliteralismo religioso entre o mundo cristão e o mundo islâmico. Esse era o objetivo de organizações como Alcaeda ou o Estado Islâmico.

Não sabemos como será a segunda década deste século que acaba de começar. Com a ascensão do “populismo”, tanto em países tradicionalmente comunistas, como a Polónia e a Roménia, como em países tradicionalmente capitalistas, como os Estados Unidos e a Inglaterra, parece que as coordenadas políticas de esquerda, centro e direita já não fazem sentido, pois os partidos populistas não se colocam em nenhum destes tradicionais espaços políticos: dizem estar com o povo, contra o sistema político vigente. Porém, como até à data não há outro critério pelo qual os partidos se identifiquem em relação a si mesmos e aos outros, esquerda, centro e direita continuam a fazer parte da geografia política.

Esquerda – Centro – Direita
Todo o espaço político se encontra numa linha reta que vai da esquerda à direita passando pelo centro. Há nuances à esquerda - a chamada extrema esquerda - e nuances à direita - a chamada extrema direita – e, como no nosso planeta uma linha reta contínua se transforma numa linha curva, há quem diga que em política os extremos se tocam.

As palavras esquerda e direita aplicadas à política nasceram com a revolução francesa e estão ligadas à disposição dos assentos dos parlamentares na Assembleia da República de França. Os que se sentavam à esquerda do presidente da Assembleia eram os apoiantes da revolução, os que se opunham à monarquia, defensores da democracia, do governo do povo; o lado esquerdo, em todos os países, ficou sempre associado às lutas dos trabalhadores organizados em sindicatos que visavam uma maior justiça social, menos lucros para os patrões, e salários mais justos.

Os que se sentavam à direita do presidente apoiavam o antigo regime monárquico. Queriam a todo o custo manter a estrutura social e o status quo de antigamente, não queriam perder os seus privilégios. Muitas vezes ou quase sempre se apoiavam na religião e no poder convincente desta para obter apoio popular; eram conservadores na sua forma de pensar em todos os aspetos sociais; tendiam a viver no passado e a rejeitar a mudança.

Superada a dicotomia entre monarquia medieval e democracia ou república, a filosofia económica e política de Karl Marx veio dar às palavras esquerda e direita a conotação que hoje têm. A direita é liberal, capitalista, acentua o valor da liberdade económica; a esquerda é socialista, comunista acentua o valor da igualdade económica. A estrela e insígnia do capitalismo mais liberal são os Estados Unidos; a insígnia do comunismo costumava ser a União Soviética (atual Rússia), mas é hoje a China, onde impera o chamado capitalismo de Estado.

Os restantes países alternam no seu governo partidos de direita e partidos de esquerda. Em geral, a Europa e o resto do mundo situam-se numa via intermédia entre a China e os Estados Unidos, com caraterísticas de ambos. Os socialismos históricos mais bem-sucedidos e os mais justos são os dos países da Escandinávia.

O centro é difícil de definir em política, por isso há um centro-direita e um centro-esquerda, consoante o partido em questão se incline mais para a direita ou para a esquerda ou faça uma síntese, ao utilizar políticas de direita num assunto e políticas de esquerda noutro assunto. A política na tradição inglesa é bipolar, o centro não existe. Nos Estados Unidos, a direita são os republicanos, a esquerda os democratas. No Reino Unido, a direita são os Tories, a esquerda, os trabalhistas. No Canadá, a direita é o partido liberal, a esquerda o partido trabalhista. Na Austrália, a mesma coisa.

A esquerda
Defende que o Estado deve regular a economia para evitar que uns poucos sejam muito ricos e os outros muito pobres. O Estado deve velar para que todos tenham acesso aos bens essenciais, saúde, educação e oportunidades. Para que isto seja possível, aplica impostos a toda a população: os que mais têm, mais pagam e os que menos têm, menos pagam, chegando até a receber se se encontrarem num estado de indigência.

O princípio de Karl Marx “De cada um segundo as suas possibilidades, a cada um segundo as suas necessidades” é o princípio inspirador onde assentam todas as políticas sociais socialistas e comunistas. Financiado pelos impostos que todos pagam, proporcionalmente aos seus rendimentos, o Estado socialista deve garantir a todos os cidadãos por igual a educação, a saúde e a segurança social, ou seja, uma reforma depois da vida laboral.

A direita
A ideologia da direita, baseada também num teórico malfadado e pseudomístico chamado Adam Smith, dizia que quando cada pessoa busca egoisticamente os seus interesses, uma mão invisível busca os interesses comuns. A mão invisível é tão invisível que nem existe, é um mito que nunca se verificou na realidade.

Somos por natureza desiguais e não vamos ao mercado com a mesma quantidade de dinheiro na algibeira para gastar. Ainda que fôssemos iguais, somos desiguais na personalidade e na inteligência. Uma total ausência de regulação, como preconiza o mundo capitalista, só serve para acentuar as desigualdades sociais e económicas.

Não é outra coisa que a lei do mais forte, a lei da selva aplicada à economia. Foi precisamente esta teoria que levou o mundo à atual situação global da humanidade, onde 1% tem mais riqueza que os restantes dos 99%. Até quando podemos continuar assim?

Segundo ele, o Estado não deve regular o mercado nem a economia porque estes se regulam a si mesmos.

A direita defende uma maior responsabilidade individual, autonomia e iniciativa privada das pessoas e das empresas, com menos impostos e regulamentação. O Estado não se responsabiliza por nada, não quer saber do bem-estar dos seus cidadãos, são eles mesmos que devem velar e prover pela sua saúde, educação e reforma quando já não puderem trabalhar. Num Estado assim, os ricos estão seguros no seu dinheiro, os que vivem de “chapa ganha chapa gasta” nunca levantam a cabeça e vivem inseguros na indigência.

Autocracia - democracia – anarquia
A democracia, ou a sua congénere política a república, tem os seus defeitos, mas é preferível à monarquia ou a qualquer forma de autocracia ou ditadura política. Dura lex sed lex, a lei é dura, mas é a lei, a arbitrariedade de um déspota seria bem pior. Tanto na autocracia como na anarquia, governa a lei do mais forte. Num Estado de Direito, ninguém está a cima da lei; por isso, como diz uma norma jesuíta, “guarda a regra que a regra te guardará a ti”.  

Vertical - Horizontal – Diagonal em religião
As três direções da linha reta, vertical, horizontal e diagonal têm também a sua expressão ou equivalência no campo da religião cristã, tanto na forma como nós nos relacionamos com Deus e com os outros, como na forma como Deus se relaciona connosco.

Na nossa relação com Deus e os outros
A linha vertical expressa o amar a Deus sobre todas as coisas, com toda a nossa mente e o nosso coração. Na hierarquia cristã dos afetos, Deus vem primeiro: é o amar a Deus sobre todas as coisas e sobre todas as pessoas que nos garante a nossa liberdade em relação às coisas e às pessoas. Enquanto Deus for o primeiro na nossa vida, seremos livres. Sem liberdade não há vida humana no sentido individual, não há pessoa humana, não há dignidade humana.

A linha horizontal manifesta o amor devido ao próximo; aquele que devemos considerar sempre igual a nós, em pé de igualdade para com ele. O amor não tem classes sociais pois ou nasce entre iguais ou faz as pessoas iguais. Se somos iguais perante Deus, somos iguais uns aos outros, não há estatutos nem hierarquias. O outro, como a própria palavra indica, é um “alter-ego”, ou seja, um outro eu, por isso tudo o que me é devido a mim é devido ao outro. O amor ao próximo é a garantia de igualdade, o valor da vida humana como seres sociais.

A junção das duas linhas forma uma cruz que é o símbolo do Cristianismo porque o filho de Deus morreu numa cruz. E como os dois amores se unem num só, não podemos amar a Deus sem amar o próximo e vice-versa. Os dois mandamentos pressupõem-se mutuamente. A linha diagonal, como é uma síntese da vertical e da horizontal, pode indicar que amando ao próximo já se está a amar a Deus e vice-versa: se o nosso amor a Deus é genuíno, decerto tem em conta o próximo.

Na relação de Deus connosco
As três pessoas divinas comunicam-se connosco de maneira diferente porque têm connosco uma relação diferente: 

Deus-Pai que tudo criou e que nos criou a nós também, comunica-se connosco verticalmente; 

Deus-Filho, o Emanuel, é Deus connosco, que habitou entre nós, é o nosso irmão maior o que disse aos seus discípulos “já não vos chamo servos, mas amigos”, comunica-se connosco de forma horizontal:

Deus-Espírito Santo, nem é horizontal nem vertical, mas sim transversal a toda a criatura, pois todos somos templo do Espírito Santo; o Espírito Santo sopra onde quer, por isso tanto guia e inspira o Papa como o último dos fiéis: é transversal a todos, desde o topo da hierarquia até ao último fiel.

Na vertical, Deus ama-me como Pai e eu amo-O como filho; na horizontal, Cristo filho de Deus ama-nos como irmãos e nós a Ele como irmão maior; na diagonal, o Espírito Santo é transversal a todos, pois a todos penetra, do maior ao mais pequeno, fazendo de nós um povo.

P. Jorge Amaro, IMC



 

1 de janeiro de 2021

3 Coordenadas do Tempo: Passado - Presente - Futuro

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Seres espácio-temporais
Somos seres espácio-temporais, ou seja, ocupamos um espaço durante um tempo. O nosso corpo é uma agregação e combinação de diferentes elementos inorgânicos e orgânicos da matéria, que se aglutinam durante um tempo e depois se desintegram, voltando cada um destes elementos ao seu estado simples e dissociado até que façam novamente parte de outro tipo de vida.

A água, por exemplo, apesar de ser inorgânica, é o elemento mais abundante no nosso corpo - cerca de 60% do corpo de um indivíduo adulto e 80% do corpo de uma criança. A água que hoje faz parte do nosso organismo já esteve provavelmente no fundo do mar, choveu sobre a terra, foi bebida por algum animal. A água que fez parte do corpo dos extintos dinossauros pode fazer hoje parte do nosso corpo.

O que permite a aglutinação e interação de diversos elementos inorgânicos e orgânicos é o nosso código genético. Uma vez formado na conceção de uma vida, existe até ao fim desta e supervisiona todas as funções vitais. Tal como a planta que um arquiteto desenha para a construção de um edifício, assim é o ADN para a construção de um corpo: contém toda a informação necessária para a sua sobrevivência e crescimento.  

O ADN cria-se no momento em que duas metades de célula - o óvulo da nossa mãe e o espermatozoide do nosso pai - se unem, formando a primeira célula do nosso organismo da qual todas as outras células derivam, e destrói-se muito depois de o nosso corpo se ter desintegrado.

Somos feitos dos elementos que existem no espaço criado após o Big Bang, somos pó de estrelas que habita num ambiente por um determinado tempo. Enquanto seres espaciais, somos constituídos por elementos que existem no espaço e, ao mesmo tempo, ocupamos o espaço que estes mesmos elementos nos facultam. O espaço que ocupamos é perfeitamente localizado dentro do nosso planeta, no nosso sistema solar, na nossa galáxia, no conjunto das inúmeras galáxias que formam o universo.

Quanto à outra coordenada, a do tempo, que define a nossa vida ou o nosso existir como seres espácio-temporais, temos que fazer uma distinção a que tipo de tempo nos referimos. Se o espaço definido pelas coordenadas de altura - largura – comprimento, é tridimensional, o tempo também é tridimensional, ou seja, há três tempos: cósmico – geológico – histórico. O tempo histórico que é o que verdadeiramente nos interessa, também é tridimensional pois é constituído por passado – presente – futuro.

Cósmico – geológico – histórico
Haveria uma quarta espécie de tempo, o tempo termodinâmico, que é um tempo relativo e que varia consoante a velocidade a que se deslocam o observador e o observado. O tempo diminui em proporção da velocidade, ou seja, quanto maior é a velocidade à qual se move o objeto, menos tempo decorre para ele. É por isso que Einstein não fala do tempo e do espaço como entidades separadas, mas sim como uma única entidade. Neste capítulo, falaremos da dimensão mais compreensível do tempo, ou seja, do tempo mensurável em anos, dias, horas, minutos e segundos.

O tempo cósmico
O cientista da NASA, Carl Sagan (1934-1996), tornou-se famoso nos anos oitenta pelos seus programas de TV sobre o cosmos. Excelente comunicador, conseguiu explicar difíceis conceitos de astronomia de maneira acessível a um público com poucos conhecimentos na área. Com o intuito de facilitar a compreensão do tempo cósmico, criou um calendário cósmico, colocando os acontecimentos mais importantes do universo a partir da sua criação até aos nossos dias, no decorrer de um ano que começava no dia 1 de janeiro e terminava a 31 de dezembro.

11 meses do ano
01 de janeiro – início do Big Bang
07 de janeiro – nascimento das primeiras estrelas
01 de março – surgimento da Via Láctea e outras galáxias
09 de setembro – origem e formação do sistema solar
14 de setembro – origem da Terra
25 de setembro – surgimento das primeiras formas de vida terrestre
02 de outubro – formação das rochas mais antigas alguma vez registadas
30 de novembro – início da reprodução sexuada

Dias do mês de dezembro:
01 – Constituição da atmosfera atual
16 – Formação dos primeiros helmintos (vermes)
17 – Big Bang biológico: formação de grande quantidade de seres vivos no período Câmbrico
18 – Formação dos primeiros seres vivos vertebrados
25 – Origem e reino dos dinossauros
26 – Origem dos primeiros mamíferos
28 – Formação das primeiras aves
30 – Extinção dos dinossauros

Horas do dia 31 de dezembro:
22:30 – Os primeiros humanos
23:46 – Descoberta do fogo
23:56 – Fim do último período glaciar
23:59 – Pinturas rupestres na Europa
23:59:20 – Descoberta da agricultura
23:59:35 – Início do Neolítico
23:59:50 – Surgimento das primeiras grandes civilizações
23:59:58 – Realização das cruzadas na Baixa Idade Média
23:59:59 – Início do capitalismo comercial e da expansão colonial europeia.

Tempo geológico
O nosso planeta é velho se olharmos para a sua idade de 4,6 mil milhões de anos. Porém, se compararmos a sua idade com a do Universo - 13 mil milhões de anos - é relativamente jovem. A escala do tempo geológico, como a do tempo cósmico, é medida em milhões e milhares de milhões. Como Geo em grego significa Terra, o tempo geológico refere-se à história do nosso planeta e respetivas transformações, até ao surgimento e desenvolvimento da vida e daí até ao aparecimento da vida humana.

Tempo histórico
Começa com a pré-história. Diz-se que se o tempo geológico fosse reduzido a um dia, as primeiras civilizações humanas teriam surgido nos últimos três segundos desse dia. Isto faz-nos entender que a Terra tem uma história muito longa de preparação até que a vida fosse possível e, depois disso, até que se desenvolvesse e evoluísse, chegando à vida humana.

A unidimensionalidade ou horizontalidade do tempo
O espaço plano constituído pelas linhas vertical, horizontal e diagonal é bidimensional. Quando nos referimos ao espaço tridimensional, falamos do comprimento, altura e largura. Quando falamos do tempo, porém, a dimensão é uma única. O tempo histórico, seja de uma pessoa individual seja de uma associação, tribo, país, é representado graficamente por uma linha reta traçada da esquerda para a direita.

Nascer – crescer - reproduzir-se – morrer, é a sequência inexorável, o caminho sem alternativa de todo o ser vivo, quer se trate de uma bactéria muito simples ou de um ser mais complexo, como o ser humano. A vida é uma linha reta que começou em algum momento do passado, da qual temos consciência no presente, ou seja, de que estamos vivos no aqui e agora, e sabemos que se prolongará por algum tempo no futuro até acabar na sua dimensão espácio-temporal.

Um comerciante de Bagdade enviou o seu servo ao mercado. Pouco tempo depois, o homem voltou lívido e tremendo de medo. “Amo", disse ele ao comerciante, "estando na praça do mercado, deparei-me com um estranho e, quando olhei para a cara dele, descobri que era a Morte. Fez-me um gesto ameaçador e desapareceu. Agora estou com medo, imploro-lhe, por favor, que me empreste um cavalo para eu fugir para Samarra e colocar entre mim e a morte a maior distância possível."

O comerciante, preocupado com o seu servo, deu-lhe o cavalo mais rápido; o servo montou o cavalo e desapareceu num piscar de olhos. Horas depois, o próprio comerciante foi até ao mercado e viu a Morte entre a multidão. Abeirou-se dela e perguntou: "Que quiseste dizer com o gesto ameaçador que fizeste ao meu pobre servo esta manhã?”

"Não foi um gesto ameaçador, senhor", disse a Morte. "Foi um gesto de surpresa por o encontrar em Bagdade." "E por que não deveria ele estar em Bagdade, se é aqui que ele vive?" "Bom… é que eu fiquei de me encontrar com ele esta noite em Samarra, entende?”


Passado – Presente – Futuro
O tempo acaba o ano, o mês e a hora,
a força, a arte, a manha, a fortaleza;
o tempo acaba a fama e a riqueza,
o tempo o mesmo tempo de si chora.
Luís de Camões

Einstein criou a Teoria da relatividade para explicar o universo. O povo vulgarizou-a, aplicando-a a todos os âmbitos da vida e do saber humano ao concluir “Tudo é relativo”. Falando do passado, do presente e do futuro, no âmbito da vida humana, nenhum deles existe em estado puro.

Tanto o passado como o futuro já se encontram representados no presente, pelo que o presente nem sempre se refere ao presente, tanto pode referir-se ao passado como ao futuro. Assim como o passado e o futuro visitam o presente, o presente também pode deslocar-se ao futuro e ao passado. O presente em si é o que está a ocorrer, mas quando pensamos no que está a ocorrer, já é passado.

O passado passou, mas nunca passa; o futuro chega, mas nunca chega, desloca-se para a frente como a cenoura à frente do burro. Enquanto existirmos, os três existem connosco e só deixamos de ter presente e passado quando deixamos de ter futuro, ou seja, quando morremos. Como vivem os três juntos, também morrem os três juntos, com poucos segundos de diferença. Morremos da frente para trás: primeiro morre o futuro, depois o presente e só depois o passado.  

Somos uma flecha que alguém disparou no passado. Segundo as circunstâncias da vida, nós mesmos podemos ter algum controlo sobre a direção que a flecha toma, mas sabemos que “Todos os caminhos vão dar a Roma”, que o destino é comum, que a morte é certa e incerta. Certa, porque é a única coisa que sabemos com certeza do nosso futuro, como diz Heidegger, somos um ser para a morte. Incerta porque não sabemos onde, nem quando nem de que forma morreremos e julgo que ninguém estará interessado em saber.

No caso de haver vida eterna, como acreditamos enquanto cristãos, então morre o futuro e o passado também, porque deixam de ser interativos no presente. A vida feita do tempo a correr deixa de ser uma realidade. O que fomos, somos, o que hoje somos assume tanto o bem como o mal que contribuíram para o que hoje somos. O passado são os andaimes da construção do edifício. Quando acaba a construção, com a nossa morte, os andaimes já não são precisos: o que chegamos a ser é agora o que seremos para sempre na eternidade.

Pertence também à categoria de andaime o nosso corpo físico, pois por ele e com ele construímos o nosso ser, o nosso corpo espiritual e quando este está construído cessa o tempo na sua dimensão de futuro e passado e mantém-se na sua dimensão de presente, um eterno presente em Deus e com Deus.

Como no Polo Norte e no Polo Sul, o Este e o Oeste fundem-se num ponto; assim, na nossa vida o passado e o futuro hão de fundir-se num presente eterno. Como já dissemos, o nosso planeta move-se da esquerda para a direita; para não nos desnortearmos, olhamos para o Norte, para onde aponta a agulha da bússola; tendo o Norte como ponto de referência, o Ocidente fica à nossa esquerda e o Oriente à nossa direita.

Se o tempo humano se move do passado, que se situa graficamente à nossa esquerda, e que corresponde ao ocidente, para o futuro que se situa à nossa direita e que corresponde ao oriente, então não caminhamos para o ocaso ou o ocidente das nossas vidas, mas sim para o oriente, para o começo da vida eterna.

Somos do planeta Terra que se move da esquerda para a direita, ou seja, no sentido anti-horário e, tal como se move a nossa mãe Terra, assim nos movemos nós contra os ponteiros do relógio, como se quiséssemos dizer que somos seres eternos porque andamos contra o tempo, porque nos impomos ao tempo.

A nível de tempo, correspondendo o passado ao ocidente e o futuro ao oriente, a nossa vida não caminha para um fim, mas para um começo, que é a eternidade. A nossa morte é o nascimento para a eternidade como o primeiro nascimento foi uma morte para a vida que tínhamos no paraíso do seio materno. Do seio materno passamos ao seio deste mundo; do seio deste mundo, passaremos para o seio de quem o criou - Deus.

O passado
Pilatos redigiu um letreiro e mandou pô-lo sobre a cruz. Dizia: «Jesus Nazareno, Rei dos Judeus.» Este letreiro foi lido por muitos judeus, porque o lugar onde Jesus tinha sido crucificado era perto da cidade e o letreiro estava escrito em hebraico, em latim e em grego. Então, os sumos sacerdotes dos judeus disseram a Pilatos: «Não escrevas ‘Rei dos Judeus’, mas sim: ‘Este homem afirmou: Eu sou Rei dos Judeus.’» Pilatos respondeu: «O que escrevi, está escrito.» João 19, 19-22

Pilatos recordou aos sumos sacerdotes dos judeus que o passado é passado e não pode ser modificado. Os factos históricos do passado não podem ser modificados a partir do presente. “Contra factos não há argumentos” é uma expressão utilizada no Direito para dizer que não há forma de negar o que aconteceu e que está patente aos olhos de todos.

“A lo hecho pecho” – Diz um proverbio castelhano; o facto é aquilo que há de mais objetivo na vida do ser humano. Dizia uma mulher dando de mamar ao seu recém-nascido “podes não ter querido este bebé, pode ter sido feito por acidente, mas uma vez feito deves dar-lhe o peito, é uma criança indefesa não tem culpa nenhuma por ter sido chamada à vida, quaisquer que tivessem sido as circunstâncias”.

Perante os factos, existe às vezes uma atitude de negação, pela qual a pessoa tenta não os aceitar, fingindo que não aconteceram. Há pessoas que dizem “isto não pode ter-me acontecido a mim!” Mas se aconteceu, o que aconteceu não pode ser apagado. O que está feito, está feito, o que está escrito, está escrito, como disse Pilatos. Esta foi a sua forma de se reconciliar com o que a História diria acerca dele, uma última tentativa de não ficar tão mal na fotografia.

O passado como “presente”
 

O dia de ontem é História. O dia de amanhã é um mistério. O dia de hoje é uma dádiva. Por isso se chama presente. Autor desconhecido

O passado pode apresentar-se no nosso presente como um perseguidor. Quando o passado nos persegue, vivemos fugitivos no presente e sentimos remorsos por aquilo que fizemos. “O fugitivo” foi uma série muito famosa nos anos 60; um médico tinha sido injustamente condenado pelo assassínio da esposa e, para não cumprir a pena, fugiu da justiça e andou em fuga até encontrar provas da sua inocência e descobrir o verdadeiro culpado. O seu presente era feito de fuga, não podia ter uma vida normal, não podia exercer a sua profissão de médico. Assim é a pessoa que vive perseguida pela culpa do passado: não pode viver o presente com sentido.

Tenho confessado mulheres com os seus 80 anos que obsessivamente continuam a confessar o aborto que cometeram quando tinham 15. É certo que Deus há muito as perdoou e esqueceu, virou página, mas essas mulheres não conseguem perdoar-se a si mesmas e, por isso, continuam a confessar o pecado uma e outra vez.

Não podemos desenvencilhar-nos do nosso passado, já que ele contém a nossa identidade, o que somos. Uma pessoa sem memória histórica deixa de saber quem é, como acontece na velhice com a demência e com a doença de Alzheimer. Portanto, como não podemos desfazer-nos do nosso passado, necessitamos de nos reconciliar com ele. “Se não podes derrotar e acabar com o teu inimigo, faz-te amigo dele”; o mesmo devemos fazer com o nosso passado. Para podermos ser 100% funcionais no presente, precisamos de lançar um olhar benigno sobre o nosso passado.

Alguém disse que aprendemos mais com os nossos erros do que com os nossos acertos. Refere-se a esta ideia a palavra pecado em hebreu, “hatat”, que significa errar o alvo. A perfeição é feita de muitas imperfeições, o acerto é feito de muitos erros. O erro faz parte do treino em qualquer arte ou ofício, e na vida acontece o mesmo.

O erro, o pecado, o que fizemos de mal, o acontecimento em si, é a caixa que contém um presente precioso dentro dela. Quando recebemos um presente esfarrapamos o papel bonito e vistoso, assim como a caixa, para ficar com o presente e atirar com a caixa para o lixo. O mesmo devemos fazer com os feitos negativos do passado. A caixa é o ato em si, a lição aprendida que dali tiramos é o presente. Só o presente deve ser trazido para o nosso presente, para a nossa consciência; o ato em si, a caixa, deve ser esquecido, deve ficar no passado.

Tropece de nuevo y con la misma piedra, en cosas de amor nunca aprenderé, – dizia Júlio Iglesias numa canção. Certas lições levam mais tempo a aprender, pelo que podemos cair no mesmo erro mais de uma vez. E talvez haja questões sobre as quais nunca possamos aprender, como diz o cantor.

O felix culpa quae talem et tantum meruit habere redemptorem – Esta é a frase do pregão pascal na missa da Vigília da Pascal. Oh feliz culpa que nos mereceu um tão grande redentor. O passado não pode ser modificado, mas pode ser reinterpretado à luz do presente. É essa a ideia que está por detrás do “Felix Culpa”. Se Adão e Eva não tivessem pecado, não teria vindo até nós o filho de Deus feito Homem.

Não há males que por bem não venham
Numa ilha remota, o único sobrevivente de um naufrágio orava a cada instante com fervor a Deus para que o ajudasse a sair dali. E todos os dias perscrutava o horizonte à procura de ajuda, mas esta nunca chegava. Cansado, começou a construir uma pequena cabana para se proteger e proteger as poucas coisas que tinha salvo do naufrágio, preparando-se para uma espera mais demorada.

Um dia, ao regressar de buscar comida, encontrou a sua pequena cabana em chamas, depois de ser atingida por um raio. As chamas e o fumo subiam tão alto que não conseguiu apagar o fogo e perdeu tudo. Confuso e agastado com Deus, adormeceu na praia e, ao acordar logo de manhã, ouviu a sirene de um navio e uma pequena lancha que vinha na sua direção para o resgatar. Perguntando como tinham dado com ele, o capitão respondeu, “vimos os sinais de fumo que fizeste”.


Esta é uma de tantas histórias que podia aqui citar e que demonstram este provérbio português tão característico. O mal e o bem encontram-se misturados na nossa vida: há bens que causam males e males que causam bens. Por outro lado, como refere a parábola do joio no campo, nem sempre é claro o que é bem e o que é mal, só ao fim se saberá.

Nos altos e baixos da nossa vida não devemos perder a cabeça nem a esperança, pois “Não há male que sempre dure nem bem que sempre ature”. Cada facto negativo ou positivo deve ser julgado num contexto maior das nossas vidas e não somente no contexto em que ocorre.

Do ponto de vista da nossa fé, o cristão nunca deveria usar as palavras sorte ou azar pois são supersticiosas. Para o cristão existe a providência divina: nada acontece fora dela. Deus Pai que nos trouxe a vida cuida sempre de nós, mesmo quando parece que não. Quando o mal acontece nas nossas vidas, acreditamos que é por algum bem maior, ou seja, que é uma cruz que leva a uma ressurreição ou um passar pelo deserto que leva a uma terra prometida.

O passado como presente perfeito
Um verbo no pretérito perfeito composto expressa uma ação que começou no passado e se prolonga no momento presente, ou seja, ainda não acabou. Une o passado com o presente e o presente com o passado. Por exemplo, “Tenho estudado muito para os exames” significa que comecei a estudar há algum tempo e ainda estou a estudar.

A nossa vida decorre fundamentalmente neste tempo verbal. Primeiro, porque continuamos a viver, mas a nossa vida começou no passado. Segundo, porque enfrentamos o presente ou o futuro com a nossa bagagem do passado; é esta que contém a nossa memória histórica, a nossa identidade. E terceiro, porque muitos dos assuntos que nos ocupam no presente têm a sua origem no passado. Psicologicamente, o nosso passado influencia sempre o nosso presente de uma forma consciente ou inconsciente.

O presente
“Nunca vivemos; estamos sempre na expetativa de viver.” – Voltaire (1694-1778)
“Não te detenhas no passado. Não sonhes com o futuro. Concentra a mente no momento presente.” Buddha

O presente é o tempo de ação, o tempo real em podemos fazer acontecer, o único tempo sobre o qual temos poder. Somos pensamento, sentimento e ação. O pensamento pode estar no passado, mesmo que o ato de pensar ocorra sempre no presente; ou pode estar no futuro, quando se projeta para uma realidade que ainda não existe, ou seja, utópica no sentido grego da palavra que não tem lugar aqui e agora. Os sentimentos ou as emoções são o que há em nós de mais presente; tanto o prazer como a dor, assim como todos os outros sentimentos, ancoram-nos no aqui e agora.  

Porém, não há nada mais efémero, mais movediço, mais instantâneo e mais rápido que o momento presente. Como ilustra a imagem acima, é tão só um ponto onde o passado e o futuro se encontram. É o momento em que o futuro se torna passado ao passar pelo presente. A Terra move-se da  esquerda para a direita, nós corremos da esquerda, que é o passado, para a direita, que é o futuro. Não posso evitar a imagem do hamster a correr dentro de uma roda que se move - assim somos nós sobre o nosso planeta.

Para compreender o valor de UM ANO, pergunte a um aluno que chumbou numa cadeira.
Para compreender o valor de UM MÊS, pergunte à mãe que deu à luz um bebé prematuro.
Para compreender o valor de UMA SEMANA, pergunte ao editor de um jornal semanal.
Para compreender o valor de UMA HORA, pergunte aos amantes que esperam para se encontrar.
Para compreender o valor de UM MINUTO, pergunte à pessoa que perdeu o comboio.
Para compreender o valor de UM SEGUNDO, pergunte à pessoa que acaba de escapar a um acidente.
Para compreender o valor de UM MILÉSIMO DE SEGUNDO; pergunte à pessoa que ganhou uma medalha de prata nos Jogos Olímpicos.

                                                    Marc Levy,        

Como o texto de Marc Levy nos mostra, a forma como vivemos o presente humano não é tanto como um ponto correspondente a um segundo que apressadamente passa do futuro para o passado. Agarramo-nos ao conceito do contemporâneo para estender o momento presente, tanto para a direita (futuro) como para a esquerda (passado) e dizemos “dentro de duas horas”, há duas horas”, “hoje”, “esta semana”, “este mês”, “durante este ano”, etc.

E assim sentimos um certo conforto, como se conseguíssemos parar o tempo. Só quando mudamos de mês e de ano, ou quando fazemos anos é que nos apercebemos que o tempo passa inexoravelmente e que cada momento é único e não se repete. Cada minuto perdido está verdadeiramente perdido, os minutos que temos pela frente são outros e não substituem o perdido. Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio, como dizia o filosofo pré-socrático Heráclito.

A ilusão e a falácia da competitividade e da competência
"Não tenho filhos e tremo só de pensar. Os exemplos que vejo em volta não aconselham temeridades.
Hordas de amigos constituem as respetivas proles e, apesar da benesse, não levam vidas descansadas.
Pelo contrário: estão invariavelmente mergulhados numa angústia e numa ansiedade de contornos particularmente patológicos.

Percebo porquê. Há cem ou duzentos anos, a vida dependia do berço, da posição social e da fortuna familiar. Hoje, não. A criança nasce, não numa família, mas numa pista de atletismo, com as barreiras da praxe: jardim-escola aos três, natação aos quatro, lições de piano aos cinco, escola aos seis. E um exército de professores, explicadores, educadores e psicólogos, como se a criança fosse um potro de competição.

Eis a ideologia criminosa que se instalou definitivamente nas sociedades modernas: a vida não é para ser vivida - mas construída com sucessos pessoais e profissionais, uns atrás dos outros, em progressão geométrica para o infinito. É preciso o emprego de sonho, a casa de sonho, o maridinho de sonho, os amigos de sonho, as férias de sonho, os restaurantes de sonho, as quecas de sonho.

Não admira que, até 2020, um terço da população mundial esteja a mamar forte no Prozac. É a velha história da cenoura e do burro: quanto mais temos, mais queremos. Quanto mais queremos, mais desesperamos. A meritocracia gera uma insatisfação insaciável que acabará por arrasar o mais leve traço de humanidade. O que não deixa de ser uma lástima. Se as pessoas voltassem a ler os clássicos, sobretudo Montaigne, saberiam que o fim último da vida não é excelência, mas sim a felicidade!"

 João Pereira Coutinho (jornalista) 2011


Os pais projetam, nos filhos tudo o que desejariam ter sido, quase os usam como marionetas. Não deixamos as crianças viver à rédea solta a sua infância como eu vivi a minha. A infância, a adolescência e a juventude são tempo de preparação rigorosa. As crianças e sobretudo os jovens sofrem esta ditadura; por isso chegam ao fim de semana e desejam desafogar-se de toda a maneira e feitio, em orgias e bacanais, droga, bebida e sexo como pausa do colete de forças ao qual são submetidos para poder, no sentir dos adultos, triunfar na vida, ou seja, num mundo cada vez mais competitivo. A pressão à qual são submetidos é cruel em todos os sentidos: económico, social, universitário, afetivo.

Curso superior, emprego, noivo ou noiva, casa, carro tudo tem de ser conseguido num breve espaço de tempo, numa corrida infernal. Quem fica sem uma destas “comodidades” não pode considerar-se feliz e pode ser objeto de escárnio por parte dos ditos triunfadores.

3 X 8 = 24
O nosso dia de 24 horas está dividido em três grupos de oito horas cada um. Oito mais oito são dezasseis, mais oito são 24. Oito horas de descanso, mais oito horas de trabalho, mais oito horas de quê? Diversão? Para muitos, é de facto isto: trabalhar para comer e divertir-se, pão e circo como diziam os antigos romanos.

As oito horas de trabalho e as oito horas de descanso estão em função uma da outra; descansamos para poder trabalhar, trabalhamos para poder sustentar-nos. O trabalho e o descanso não são vida, servem para nos mantermos vivos. Vida é o que fazemos com o terceiro grupo de oito horas. Dezasseis horas mantêm-nos vivos e só vivemos verdadeiramente oito horas. Numa vida de 75 anos, passamos 25 anos a trabalhar, outros 25 anos a dormir, e só vivemos verdadeiramente 25 anos: são estes anos que justificam ou não estarmos vivos; são estes últimos 25 anos que são a razão do nosso viver.

Trabalhai não tanto pelo pão que perece… João 6, 27 - como a vida dos outros seres vivos, a nossa vida não pode reduzir-se ao círculo vicioso de trabalhar para comer e comer para trabalhar. Estar vivos e viver não são a mesma coisa; não vivemos para estar vivos, mas estamos vivos para viver. Sobre este pano de fundo, como é triste e sem sentido a vida daqueles que gastam o seu tempo e as suas energias numa azáfama, gastando a vida a preservar a vida, a manter-se vivos, como se dessa forma conseguissem mantê-la para sempre. “Insensato! Nesta mesma noite, vai ser reclamada a tua vida; e o que acumulaste para quem será?”  Lucas 12, 20

Faz na vida só o que gostas – para além das oito horas que podemos dedicar à nossa vocação, devemos conquistar também as oito horas de trabalho e assim não viveremos só oito horas, mas 16. O ideal é mesmo este: que o nosso trabalho seja o nosso passatempo e o nosso passatempo seja o nosso trabalho, ou seja, que gostemos do que fazemos e para o qual nos preparámos profissionalmente.

Sempre recordarei o meu pai antes de ir trabalhar, sobretudo no turno da noite numa fábrica têxtil, que dizia “lá vou eu para o degredo”. As horas que passava no campo a trabalhar pareciam-lhe poucas, porque gostava do que fazia, e por isso, chegava a casa já bem de noite. Porém, as horas da fábrica não as fazia com o mesmo agrado, embora fosse um bom profissional e procurasse tecer mais peças que os outros.

Quando não gostamos do nosso trabalho, quando não gostamos do que fazemos, somos escravos e não livres. Depois de ter feito tudo bem e de ter ficado agradado com o que fez, Deus entregou ao Homem a criação como incompleta. Por isso deu ao Homem o poder de criar, não do nada como Ele criou, mas a partir dos elementos simples que Ele criou. O nosso trabalho deveria, portanto, ser criação, deveria ser uma arte mais que um ofício. Porém, quando à partida não gostamos do nosso trabalho e, de alguma forma, não nos resta alternativa, cabe-nos encontrar-lhe o gosto para depois o fazer com gosto.

Todos nascemos naturalmente a gostar de bebidas açucaradas; porém, ao crescermos, desenvolvemos um gosto pela cerveja e pelo vinho e pomos de lado as tais bebidas açucaradas para as quais tínhamos nascido com uma apetência natural. O mesmo acontece com o nosso trabalho: podemos desenvolver por ele um gosto e ser criativos de tal forma que não vivemos só as oito, mas sim as dezasseis horas.

A opção fundamental como compromisso - A opção fundamental é uma decisão que se toma sobre o conjunto da nossa vida, é o objetivo, a meta do nosso viver, que dá sentido, cor e sabor a todos os dias da nossa vida. É a chama que é mantida pelo combustível, energia e tempo da nossa vida. É o ponto de apoio da alavanca que levanta o mundo, no princípio de Arquimedes. É a motivação, a inspiração que reúne todos os nossos recursos e os coloca ao serviço de uma meta, de um alvo por nós escolhido.

A vida é feita de muitas opções e decisões; são elas que dão cor, sabor, aroma e sentido à nossa vida. Estas pequenas opções geralmente referem-se a um ou mais aspetos da nossa vida; podem afetar-nos muito ou pouco, mas não chegam a afetar o conjunto da nossa vida. A opção fundamental é a decisão das decisões, a opção mestra, a mãe de todas as opções porque se refere a toda a vida presente e futura. Na maior parte das vezes, é irreversível, é a razão do nosso viver, é a causa que vamos alimentar com o nosso tempo e energia, é a boca para a qual nós somos o pão.

A causa, ou opção fundamental, que Nelson Mandela alimentou com a sua vida foi o fim do apartheid na África do Sul; para Beethoven, foi a música; para Picasso, a pintura; para Gandhi, a independência da Índia de uma forma não violenta; para alguns pais, são os filhos; para os professores, são os alunos; para os médicos, são os doentes…. Mais que uma profissão, a vida é uma missão.

Não há vida sem compromisso - Vivem como se nunca fossem morrer... e morrem como se nunca tivessem vivido.
Dalai Lama

Quando chega o momento de escolher a nossa opção fundamental, estamos na encruzilhada da nossa vida; ou, como é mais comum pensar atualmente, pelo menos na Europa, estamos na rotunda da nossa vida. Não podemos ficar aí para sempre, nem por mais tempo do que é adequado. Frequentemente, quando permanecemos demasiado tempo indecisos, a vida acaba por decidir por nós, ou o governo, como acontece em alguns países a respeito das uniões de facto dos jovens: depois de um tempo o estado considera-os casados. Em Lisboa existe uma rotunda chamada “Rotunda do Relógio” - enquanto permanecemos indecisos, o tempo passa e algumas oportunidades não aparecem uma segunda vez na vida….

O futuro
“A mente ansiosa com o futuro é infeliz.Lucius Séneca

“Por isso vos digo: não vos inquieteis quanto à vossa vida, com o que haveis de comer ou beber, nem quanto ao vosso corpo, com o que haveis de vestir. Porventura não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestido? (…) Qual de vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida?” Mateus 6, 25, 27

A única coisa que sabemos do futuro é que a morte é certa, segura, vai acontecer, mas também incerta quando ao dia e hora. Nem esta deve preocupar-nos porque, tal como dizia Karl Marx, enquanto nós formos, ela não será e quando ela for, não seremos nós. A espiritualidade que melhor serve ao cristão é a de nómada, por isso, já desde o princípio, Yaveh não esconde a sua predileção por Abel que era pastor e o seu desgosto por Caim que era agricultor. O pastor é nómada segue o seu gado, o agricultor é sedentário, tende a instalar-se na vida.

Somos peregrinos em busca de um destino que está no futuro. Parar é morrer e, como não temos aqui cidade permanente, devemos amar a Deus acima de todas as coisas e caminhar para Ele desarraigados das coisas e das pessoas, porque perderemos as coisas e as pessoas, só a Ele nunca perderemos e, por isso, só a Ele devemos agarrar-nos.

Ser versus fazer
Os judeus pensavam que por serem filhos de Abraão já estavam salvos. A verdade é que segundo o evangelho de Mateus 25, não seremos julgados pelo que somos, mas pelo que fazemos. Quanto ao ser, o que quer que seja que sejamos como filhos de Abraão, dizia João Batista que Deus podia fazer brotar destas pedras filhos de Abraão. Segundo o mesmo Mateus 25, qualquer pequena obra tem valor aos olhos de Deus e é sempre uma obra trinitária, pois nos faz bem a nós, aos outros e glorifica a Deus, que é Pai de todos.

Muitos buscam estatuto, posição na vida, poleiro, títulos, cargos que lhes deem prestígio, os tais primeiros postos que o evangelho tanto denuncia. O verdadeiro prestígio vem de dentro, não de fora; o verdadeiro prestígio não vem do cargo que possuímos, ou seja, de fora de nós, mas da forma como desempenhamos esse cargo, ou seja, de dentro de nós. Para Deus, não é importante o que somos, mas a forma como somos o que somos.

“Pelos seus frutos os conhecereis” (Mateus 7, 16) - o verdadeiro prestígio não vem do cargo que ocupas, mas da forma como ocupas o cargo que ocupas. Tem mais valor aos olhos de Deus e dos homens um varredor de ruas santo que um primeiro ministro corrupto.

Simeão e Ana
Simeão está de atalaia esperando a vinda da glória de Deus ao templo. Este velho não habita no passado, mas no futuro.

Quando chegamos aos 50 anos, mais de metade da nossa vida está no passado; quando temos 80 anos, quase toda a nossa vida pertence ao passado, não há muito a esperar. Simeão e Ana eram velhos, mas ainda viviam para o futuro, estavam cheios de esperança. Olhavam para a frente e não para trás; por olhar para trás, ficou a mulher de Lot paralisada, transformada numa estátua de sal.

Simeão e Ana tinham um objetivo na sua vida. Einstein disse que para sermos felizes não devemos agarrar-nos a nada nem a ninguém, mas devemos buscar um objetivo na vida e persegui-lo. Eles tinham um e, uma vez realizado, Simeão estava disposto a partir para Deus.

O melhor está para vir
Conta-se que uma senhora tinha uma doença incurável, mas a sua fé era do tipo de Teresa de Ávila, que desejava morrer para se reunir ao esposo da sua alma. Então, sem dramas nem tragédias preparou até ao mínimo detalhe o seu funeral, de maneira a ser uma lição para os outros membros da sua comunidade cristã. Quando eventualmente faleceu, a sua urna estava exposta na igreja, aberta e todos ficaram espantados quando, em vez de a verem com o rosário na mão, a viram com faca e garfo.

O pároco na homilia explicou que esse tinha sido o seu desejo e que tinha tirado a ideia dos banquetes da paróquia em que tinha participado. Quando o empregado levantava um prato, dizia-lhe sempre “fique com a faca e o garfo, porque o melhor está para vir”.

Quando a velhice chegar, quando tivermos mais rugas que cara e já não andarmos nem com andarilho, quando já não virmos um boi à frente nem ouvirmos os chocalhos de um rebanho, quando frequentarmos mais a farmácia que o café, porque o sofrimento veio para ficar, o melhor ainda estará para vir, pois não caminhamos para o ocaso da nossa vida, mas sim para o princípio da eternidade que não é uma extensão do tempo mas a ausência deste; esta é a esperança cristã.

Pe. Jorge Amaro, IMC