15 de dezembro de 2022

A Cara oculta do Natal

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Todas as realidades têm um reverso como as moedas. A lua apresenta-nos sempre a mesma cara, mas tem uma outra que nos é velada. Em tempos de Natal há presépios de toda a natureza: maiores, mais pequenos, mas todos têm uma parte que não se vê. Por debaixo do musgo verde está toda a estrutura, pedras, madeiras, tubos de água, fios elétricos, pequenos mecanismos, etc.

O primeiro Natal o verdadeiro Natal também teve uma cara oculta da qual pouca gente está ciente. Lemos a história de Natal à luz de muitos Natais que já vivemos, assim como do conceito que hoje a sociedade ocidental tem do Natal, e descuidamos pormenores que até sabemos que estão lá, ao menos teoricamente, mas que escondemos para não arruinar o espírito do Natal e a alegria natalícia que supostamente devemos sentir nesta época. “Tristeza bem ordenhada é nata de alegria” diz-se na serra da Estrela. Há por baixo da alegria natalícia uma tristeza bem ordenhada.

Maria apareceu grávida
Na volta da visita à sua prima Isabel que durou vários meses, Maria apareceu grávida. Que podia ela dizer? Como podia ela explicar o sucedido? Engravidar por obra e graça do Espírito Santo não tinha precedente, era um acontecimento único na história da humanidade; nunca acontecera nem nunca mais ia acontecer. Esperava-se que o Messias, que o povo de Israel aguardava e ainda aguarda, surgisse de uma forma natural na casa de David.

O Natal de Jesus foi a Páscoa ou paixão de Maria. A paixão do Senhor foi também a paixão de Maria. Ainda hoje, mesmo numa sociedade não puritana nem machista, o escândalo sexual faz as delícias da boca de muita gente. Parece que a nossa autoestima cresce, quando vemos os outros a afundarem-se. Não há nada mais degradante e estigmatizante que o escândalo sexual: todos te apontam o dedo, vives sem honra nem bom nome, é como morrer em vida.

“Calunia, que algo queda” diz um provérbio espanhol; lança a dúvida sobre alguém em áreas de comportamento sexual que a má fama dessa pessoa a acompanhará até à sepultura. Pode até vir a provar-se que era mentira, não importa, as pessoas ficarão sempre na dúvida, agarrar-se-ão à primeira notícia como sendo verdadeira e ao desmentido como sendo mentira. Estes escândalos abrem os noticiários da televisão e fazem primeira página nos jornais; os desmentidos aparecem como um quadradinho perdido dentro do jornal que ninguém lê.

A morte física por apedrejamento esteve também muito perto… Maria era considerada uma adúltera pois era prometida de José, e embora estes ainda não vivessem juntos, para os efeitos da lei ela já estava casada. Uma tal relação já não era separável, a menos que houvesse divórcio. Bem sabemos qual era o castigo que sofriam as adúlteras… (João 8, 1-11) eram apedrejadas.

Acontecia em Israel regularmente o que ainda hoje acontece nalguns países muçulmanos onde se aplica a lei da Sharia; aí estão os vídeos em certos sites da net que documentam estes tristes factos em pleno século XXI.

Já muitos, sedentos de sangue, tinham as pedras na mão preparadas esperando José, o ofendido para lançar a primeira pedra. Lançar a primeira pedra era um direito que pertencia ao ofendido. Lançar a primeira pedra era, ao mesmo tempo, a declaração do veredito pela pessoa injuriada e o primeiro ato da execução da sentença, que os hipócritas ávidos de sangue cumpriam com prazer.

Para Jesus, no episódio da mulher adúltera (João 8, 1-11) o direito a lançar a primeira pedra, ou seja, a julgar e aprovar uma sentença de morte, não é direito do injuriado nem do que tem autoridade por delegação ou eleição, mas sim do que tem autoridade moral, ou seja, do que não tem pecado.

Jesus não acredita na justiça retributiva pois é apenas uma vingança legalizada, é o antigo “olho por olho e dente por dente”, Jesus acredita na justiça reparadora, aquela que Deus pratica, pois não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva. (Ezequiel 18,23-32)

O sonho de José
José era justo não ia certamente apedrejar Maria; mas a razão pela qual não ia apedrejá-la não era tanto o ser justo e bom, mas o facto de amar Maria incondicionalmente; o amor vai mais além do que é pura e friamente legal, o amor incondicional perdoa. Não há crimes passionais no amor incondicional.

Um dia, um homem casado com 5 filhos disse-me “Se soubesse que a minha mulher me é infiel eu divorciava-me logo”. “Grande é o amor pela tua mulher”, disse eu em tom irónico e crítico, “tu não amas a tua mulher, tu amas-te a ti mesmo. A sua infidelidade nada faz a um amor incondicional, só perturba um amor-próprio”. Quem ama verdadeiramente fica triste, mas não faz mal ao que é objeto do seu amor; porque amar, como diz S. Tomás de Aquino, é querer o bem do outro.

O segundo José na Bíblia, o esposo da Virgem maria, depois de José do Egito seu antepassado, era também sonhador e guiava-se pelos seus sonhos. Os sonhos são de facto uma estrela na nossa vida; eles são uma mensagem do subconsciente ao consciente ou até do próprio Deus. São fantasmagóricos e exagerados para que haja mais possibilidade de serem recordados; se não o fossem, facilmente seriam esquecidos e, ao acordar, nada recordaríamos.

Os sonhos são sempre subjetivos; são nossos, mesmo quando sonhamos com outras pessoas ou lugares. Somos sempre o tema do nosso sonho, nunca um lugar ou pessoa; o que aparece nos nossos sonhos não são objetivamente os lugares nem as pessoas, mas aquilo que esses lugares e essas pessoas significam para nós.

Depois do sonho, José teve o mesmo conhecimento de Maria: os dois iam viver a sua paixão em silêncio pois não havia forma de explicarem a situação a quem quer que fosse… Maria seria uma qualquer e todos sabemos como José seria considerado – ainda hoje acontece o mesmo na nossa sociedade patriarcalista.

Após o seu sonho, José possuía o mesmo conhecimento que Maria; pelo que, ele ia partilhar com ela a mesma dor e sofrer a mesma paixão, sofrendo tudo isto com resiliência em silêncio como Maria foi proficiente em fazer (Lucas 2, 19) porque não havia humanamente nenhuma forma razoável, com que eles pudessem eles explicar a situação a qualquer pessoa e assim desculpar Maria... Maria estava destinada a suportar a mancha e a vergonha para o resto da sua vida.

Quanto a José, a nossa sociedade patriarcal, considera um homem que aceita tal mulher como despossuído da sua virilidade. E já que quero retratar real e graficamente a dor de Maria e José, atrevo-me a citar aqui a gíria usada para tais homens, "corno manso".

Jesus, o filho de Maria
Maria, conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração (Lucas 2,19) e sofria em silêncio, não podendo defender-se das calúnias… O sofrimento durou toda a sua vida, como é natural nestes casos.

Aqui e além no evangelho, este estigma transparece, por exemplo numa das polémicas que Jesus tem com os fariseus, no evangelho de João, a um dado momento estes dizem «Nós não nascemos da prostituição” (João 8, 41) subentendendo “como tu nasceste”.

“Não é Ele o carpinteiro, o filho de Maria e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? E as suas irmãs não estão aqui entre nós?Marcos 6, 3.

Numa sociedade patriarcal, ninguém é conhecido como filho de sua mãe, ou seja, ninguém é conhecido por referência à sua mãe, mas sim por referência ao seu pai. Recordemos que Jesus, ao dirigir-se a Pedro de uma forma pessoal, para lhe perguntar se O ama, chama-o pelo seu nome de família por referência ao pai de Pedro e não à sua mãe: “Simão, filho de João… (João 21, 15-19).

O evangelista Marcos, apesar de ser hebreu de Jerusalém, escreve o seu evangelho em Roma para romanos e não está com meias medidas: relata a verdade tal como ela é. Jesus é chamado por referência à sua mãe e não por referência ao seu pai. Mesmo que o pai tivesse morrido, nunca um hebreu seria chamado por referência à sua mãe; se o fizeram, foi porque Jesus era, para os do seu tempo, filho de pai incógnito; para vexame de sua mãe e d’Ele próprio.

Mateus, o evangelho escrito para os judeus, corrige e diz: “Não é Ele o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas?” (Mateus 13, 55-56). Lucas, no seu evangelho, também menciona o episodio da visita do Senhor à sua terra natal, porém, por respeito ao Senhor não copia Marcos, mas também não diz uma mentira como Mateus, pelo que, omite o que os seus conterrâneos lhe chamaram.

Conclusão: O nascimento de Jesus foi experimentado por Maria e José como uma paixão e morte ao longo das suas vidas. Aquela que, para nós, fora concebida e concebeu sem pecado, no seu entorno social, viveu o resto da sua vida manchada com o pecado mais difamatório de todos os tempos.

Pe. Jorge Amaro, IMC





1 de dezembro de 2022

A Razão como refém da irracionalidade

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Este é o destino dos que estultamente em si confiam, tal é o fim dos que só vivem em delícias. Como um rebanho serão postos no lugar dos mortos; a morte é seu pastor e os justos dominarão sobre eles. Depressa desaparecerão as suas figuras, a região dos mortos será sua morada. Salmo 48, 14-15

Depois de 5 milhões de anos de evolução, desde que os nossos antepassados em África começaram a perder o pelo e a ganhar inteligência, acredito hoje que ainda somos mais “animais” que humanos. É triste ter de constatar que não é a inteligência ou a razão que governa as nossas vidas, mas sim o instinto que temos em comum com o resto dos seres vivos.

Tal como acontece com todos os animais neste planeta, é o instinto que motiva o nosso comportamento e a maior parte dos nossos atos, tanto a nível individual como a nível social. A única diferença que existe em relação aos outros seres vivos é que somos mais espertos. Seríamos superiores se a inteligência fosse motivada e estivesse ao serviço do bem. Mas como é esperteza, motivada e posta ao serviço dos instintos mais baixos, acabamos por ser piores que os animais. A animalidade dirige e motiva a nossa inteligência e não como deveria ser, a inteligência a dirigir a animalidade.

A ciência diz que a vida humana começa quando a meia célula masculina chamada espermatozoide se une com a meia célula feminina chamada óvulo, formando uma célula humana com um código genético novo. Esta célula germinal imediatamente se subdivide e multiplica ao longo de noves meses até formar um ser humano completo, só necessita que a deixem em paz para que isso aconteça. Mesmo sabendo isto, somos os únicos animais que matam as próprias crias ainda no ventre materno e fazemo-lo aos milhões. Os mesmos que dizem que a ciência é a verdade e que deve ter a última palavra em tudo, vão contra a ciência para justificar este ato abominável.

Os animais não matam os seus congéneres, não matam os da própria espécie. Nós, desde Caim e Abel, chegamos a matar os nossos próprios irmãos e até aqueles que nos deram à luz. Se o nosso comportamento fosse dominado pela razão, há muito que se tinham resolvido conflitos como o Israelo-árabe e outros que se já arrastam há muitos anos.

Os alemães que se têm como pátria de filósofos e pessoas muito racionais, têm Hitler, expoente máximo da razão ao serviço da irracionalidade. Ao assassinar 5 milhões de judeus, levou a inteligência humana ao serviço da raiva “a mares nunca dantes navegados”.

E o irónico é que ele pensava que estava a livrar e a purificar a humanidade de uma raça maléfica. Ao contrário desta ideologia antissemita, os judeus têm mais prémios Nobel que qualquer outro povo incluindo o alemão. A Hitler junta-se Estaline, Mao Tse Tung, Pol Pot e todos os ditadores e tiranos ao longo da história da humanidade.

Não há muito que o autointitulado Estado Islâmico viola impunemente mulheres e crianças, degola cabeças até de cidadãos dos nossos países diante das câmaras de televisão com uma frieza que arrepia os cabelos. Fazem-no na total impunidade, porque não chegam a ferir os nossos interesses.

Anacronismo individual
O que realizo, não o entendo; pois não é o que quero que pratico, mas o que eu odeio é que faço.
Romanos 7, 15

Já S. Paulo notava que somos um ser anacrónico: fazemos o que de antemão sabemos que é errado. E como é a irracionalidade que dirige a nossa vida, para justificar perante nós mesmos e os outros, que somos seres racionais, usamos o que em psicologia se chama mecanismos de racionalização. Justificamos o mal que fazemos para nos doer menos ou para calar a nossa consciência que nos acusa. Fazemos o que a raposa fez com as uvas: em vez de aceitar a sua incapacidade de chegar até às uvas, declarou-as verdes.

Sabemos que certos alimentos fazem mal à nossa saúde e, no entanto, consumimo-los. Como nos vemos nus, como Adão e Eva depois de terem comido a maçã, defendemos a nossa gula dizendo, “perdoa-se o mal que faz pelo bem que sabe”, ou “morra Marta morra farta” ou ainda “de algo temos de morrer”. Se um animal fosse autoconsciente e soubesse falar diria exatamente a mesma coisa.

Anacronismo social
Alguém disse: “Deixem de se questionar sobre que mundo deixaremos aos nossos filhos para se questionarem sobre que tipo de filhos deixaremos ao nosso mundo?”.

Em sociedade, em vez de individualmente, confrontarmos as nossas irracionalidades, somamo-las. Como são os baixos instintos que inspiram a nossa inteligência, grande parte dos inventos que tornaram a nossa vida mais confortável não nasceram para a paz, mas sim para a guerra. Primeiro nasceu a bomba atómica só depois se lhe viu a aplicação pacífica de produzir eletricidade. O microondas que usamos para aquecer o nosso jantar nasceu como telefone entre bases militares; o GPS não nasceu para nos guiar nas estradas, mas sim para guiar mísseis ao seu destino.

A história tem provado repetidamente que somos muito mais criativos em fazer o mal do que em fazer o bem. O orçamento de quase todos os países tem mais dinheiro disponível para promover a guerra do que para promover a paz.

O país tão brilhante dos Estados Unidos da América está refém de uma lei antiga que dá à sua população o direito de possuir qualquer tipo de armas, mesmo aquelas que são usadas por soldados. Esta lei sangrenta já matou milhares de alunos e professores nas escolas e, no entanto, dizem que não pode ser alterada.

Enquanto o resto dos países alteram a sua constituição para a adaptar aos tempos modernos, os Estado Unidos tratam a sua constituição como se do Evangelho se tratasse, não pode ser redigida nem reeditada. O engraçado é que a palavra “amendment” vem do latin e significa "emenda" vem ou seja, correção, edição ou algo adicionado. Então, a segunda emenda é algo que já foi editado corrigido, mas não pode mais ser corrigido. Muito estranho...

Sabemos que a carne criada com hormonas de crescimento em metade do tempo, as verduras legumes e frutas tratadas com fertilizantes químicos e pesticidas são uma causa do aumento de cancro nas sociedades ocidentais. No entanto, nada fazemos de racional para resolver o problema. Criamos uma agricultura biológica paralela, não com o intuito de velar pela saúde pública, mas sim como outra forma de fazer dinheiro.

Surgiram e foram tirados do mercado modelos de carros que usavam fontes de energia alternativas ao petróleo, mas que desapareceram imediatamente porque feriam os interesses das petrolíferas. Dizem que existe cura para várias doenças e que esta não se faz pública porque há farmacêuticas a fazer rios de dinheiro com essas doenças e, para essas empresas, a saúde pouco interessa.

Não sabemos ainda o impacto ecológico e na saúde humana dos transgénicos, mas já os usamos em larga escala porque dão muito lucro. Na vanguarda dos transgénicos está a empresa de sementes Monsanto que, para criar dependência nos pobres do terceiro mundo, modificou as sementes para que produzam só uma colheita, obrigando os pobres a comprar sementes no ano seguinte. Com o tempo, desaparecem as sementes que Deus criou, ou seja, aquelas que resultam da colheita anterior e germinam para uma nova colheita.

Insustentabilidade do nosso modelo de desenvolvimento
O sr. Adam Smith, no seu livro a Riqueza das Nações, disse que todos deveriam buscar o seu próprio interesse que uma mão invisível se encarregaria de buscar o interesse e o bem comum. Deve ter ficado muito contente com a sua esperteza quando descobriu esta teoria, mas se pensarmos bem, não é outra coisa senão a versão intelectual da lei da selva.

O capitalismo nunca buscou nem quis o bem comum. De facto, se hoje o sr. Smith fosse vivo e soubesse que já em 2016 1% da humanidade possuía mais riqueza que os outros 99%, que um punhado de pessoas possuía exatamente 54%, ou seja, mais de metade da riqueza mundial, ficaria envergonhado com a sua teoria. Onde está então essa mão invisível que traria a igualdade?

Do ponto de vista político, económico e até ecológico, o nosso modelo de desenvolvimento é insustentável, e inviável. O nosso planeta vai morrer muito antes de termos a capacidade de nos transportarmos para outro. Há quem viva numa atitude de negação e defenda que as mudanças climatéricas se devem a ciclos normais do nosso planeta. Negam que a poluição galopante do ar e do mar tenha qualquer efeito sobre a saúde do nosso planeta.

Há antecedentes e estes devem fazer-nos pensar. A civilização Maia é um exemplo de modelo de desenvolvimento que era insustentável e que, como tal, acabou. As pirâmides, palácios e monumentos que os Maias chegaram a construir, já tinham sido engolidos pela selva quando os espanhóis chegaram lá. Os Maias, dispersos, tinham regressado à agricultura de sobrevivência.

Perante esta tragédia que está para se abater sobre nós mais uma vez, o nosso comportamento é animal. Uns dizem como os burros, depois de mim que não cresça mais erva, já estarei morto não vou precisar dela, os que vierem depois que se arranjem; outros preferem não ver, como a avestruz que esconde a cabeça debaixo da areia para não ver o perigo: “olhos que não vêm, coração que não sente”.

Não queria que este panorama parecesse tão negro, há aqui e além ao longo da história da humanidade pessoas que subjugaram o instinto ao serviço da inteligência e foram capazes de grandes obras. Mas são poucas andorinhas, insuficientes para fazer verão.

Só Cristo nos pode salvar de nós próprios
No nosso carneirismo, como um rebanho de ovelhas, caminhamos inexoravelmente para a morte e a própria morte é o nosso pastor, diz o salmo acima citado. Somos suicidas e não nos damos conta. Só Deus pode salvar-nos de nós mesmos.

É obedecendo à vontade de Deus e não à própria que podemos livrar-nos de nós mesmos. Deus gosta mais de nós que nós próprios, defende melhor os nossos interesses que nós próprios; é o amor a Deus que nos salva de nós mesmos. O amor doentio que temos por nós mesmos leva-nos à própria aniquilação tal como aconteceu com Narciso.

Na sua totalidade, a humanidade ainda não atingiu a idade adulta; continua a comportar-se como uma criança frívola, irresponsável, fazendo o que lhe dá mais prazer, completamente alheia às consequências no futuro das orgias do presente.

Para Freud, maturidade humana é a passagem do princípio do prazer para o princípio da realidade; ou seja, abandonar comportamentos que nos produzem um prazer imediato (princípio do prazer) pelo conhecimento que temos dos efeitos nocivos que esses comportamentos vão causar a longo prazo (princípio de realidade).

Fundamentalmente, Jesus já tinha dito isto mesmo quando afirmou: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-me”. Lucas 9, 23

Conclusão – Se, sabendo o que nos convém, fazemos o que nos apetece, a razão está ao serviço do instinto. Só quando conseguimos adiar a satisfação imediata dos nossos impulsos e fazemos o que nos convém é que pomos o instinto ao serviço da razão e somos genuinamente humanos.

Pe. Jorge Amaro, IMC


15 de novembro de 2022

O Reino de Deus

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Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo. Mateus 6, 33

Por haver já poucas monarquias e para tentar atualizar os antropomorfismos do evangelho, alguém sugeriu que, em sintonia com o mundo de hoje, devíamos dar a Jesus o título de Presidente em vez de Rei. “Pior a emenda que o soneto” – enquanto o Presidente normalmente é votado pelo povo, Cristo, como todos os reis, já nascem sendo-o.

O Presidente governa uma República que em latim significa coisa pública; Cristo Reina sobre o Universo porque é Dele. Tudo, incluindo nós próprios, é propriedade de Deus, pois foi Ele que tudo criou. Para a nossa vida como para a criação somos meros administradores, não proprietários.

Um rei sem sangue azul
Sabeis que os chefes das nações as governam como seus senhores, e que os grandes exercem sobre elas o seu poder. Não seja assim entre vós. Pelo contrário, quem entre vós quiser fazer-se grande, seja o vosso servo; e quem no meio de vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo. Também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para resgatar a multidão. Mateus 20, 25-28

Cristo é, portanto, o Rei soberano de tudo e de todos mas é um Rei sem sangue azul porque veio ao mundo para servir e não para ser servido. (Marcos 10,45; Lucas 22,27). Como Cristo não é Rei como os reis deste mundo, também o seu reino não é como os deste mundo (João 18, 36).

No dia em que foi aclamado Rei entrou na sua capital, Jerusalém, não montado num imponente cavalo branco, como os reis deste mundo, mas sim num ridículo jumento, pois o cavalo é usado para a guerra, o burro para o trabalho e comércio, para a paz, e Jesus é o príncipe da paz.

Montado num burro e aclamado Rei às portas de Jerusalém, Jesus ri-se dos enamorados do poder que o usam para subjugar os outros. Ao contrário, Jesus vem para servir, não para ser servido como os grandes deste mundo, mas para servir.

Eu estou no meio de vós como aquele que serve. (Lucas 22, 27) Os reis deste mundo, pelos impostos, sugam o sangue aos seus súbditos. Jesus dá a vida, dá o sangue pelos seus amigos e toda a humanidade. O seu trono não era de prazer, orgulho e ostentação, mas a Cruz da ignomínia e tortura; a sua coroa não era de ouro, com pedras preciosas incrustadas, mas de espinhos espetados no crânio.

Ao dizer, “Quem no meio de vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo” Mateus 20, 27, Jesus substitui o amor pelo poder, pelo poder do amor. Quem são as pessoas mais importantes na nossa vida? Não são as que mais nos serviram, a começar pelos nossos pais? E quem são as personagens mais importantes para a humanidade: os que mais poder tiveram e mais dominaram ou os que mais amaram e serviram desinteressadamente a humanidade?

Igreja e Reino na pregação de Jesus
Em flagrante contraste com a palavra IGREJA, que aparece 112 vezes e quase só nos Atos dos apóstolos e nas Cartas, a palavra REINO, aparece 162 vezes e, destas, só 35 vezes aparece no livro dos Atos e nas Cartas; as restantes 127 vezes aparecem nos evangelhos. Fica assim demonstrada a importância que o Reino de Deus tinha para Jesus e a pouca importância que este mesmo Reino tinha para a Igreja nascente e por Cristo fundada.

                                                       REINO                IGREJA
NOVO TESTAMENTO                   162                    112
EVANGELHOS                               127                         2
ATOS E CARTAS                              35                     110

Depois do Concílio Vaticano II, a Igreja deixou de olhar para o seu umbigo e começou a olhar para o mundo como Jesus olhou e a ver nele o Reino que já está no nosso meio desde que Jesus veio ao mundo, mas ainda não na sua plenitude. A Missão começou com Deus a enviar o seu filho primogénito ao mundo. O objetivo desta missão sempre foi o de transformar o mundo no Reino de Deus; antes deste momento, o mundo era do pecado dos nossos pais.

A Igreja, como corpo místico de Cristo, não pode ter outro objetivo senão continuar a obra de Cristo. Portanto, o objetivo da sua existência não é implantar-se em todos os cantos desta terra, mas sim levar a Boa Nova do Reino a todos os cantos da Terra.

O objetivo principal não é produzir cristãos, aumentar o número dos seus membros, mas sim juntar-se a todos os homens de boa vontade, de outras religiões, ateus ou agnósticos e, com eles, ajudar na construção de um mundo melhor, de uma sociedade mais justa e mais fraterna, onde reina a justiça, a paz e a harmonia e o amor entre os povos. Se este tivesse sido o objetivo da Igreja desde o início, tal como foi do seu fundador, não teria havido fundamentalismos como a Inquisição, nem guerras santas como a movida pelas cruzadas.

A Igreja não existe para si mesma nem deve pregar-se a si mesma, pois o seu Mestre e fundador não se pregou a si mesmo: a Igreja existe para a Missão, ou seja, para continuar a obra do seu fundador e o objetivo da Missão que é o Reino. Igreja é o que somos, é a nossa identidade, o Reino é a nossa missão, o que fazemos.

Reino de justiça, paz e integridade da criação
O Reino de Deus não é uma questão de comer e beber, mas de justiça, paz e alegria no Espírito Santo. E quem deste modo serve a Cristo é agradável a Deus e estimado pelos homens. Romanos 14, 17-18

O Reino de Deus é um reino onde o progresso económico não é o único fator do desenvolvimento, pois nem só de pão vive o homem (Mateus 4, 4). No reino de Deus, a economia é uma economia saudável pois cresce a par e passo com a justiça social, a paz e o bem da criação.

O desenvolvimento sustentável parte do princípio de que é possível um desenvolvimento económico suportável e viável sem destruir o meio ambiente nem comprometer a habitabilidade do planeta para as futuras gerações, nem a justiça e a paz mundial.

O desenvolvimento sustentável é aquele que harmoniza o crescimento económico com a realidade da biosfera ou a proteção do meio ambiente com as necessidades individuais e sociais de todos os povos que habitam o planeta, ou seja, com a inclusão social de todos.

O desenvolvimento visto unicamente como crescimento económico destruiu o meio ambiente e causou profundas desigualdades sociais. Para o desenvolvimento ser sustentável, tem de ser tridimensional, ou seja, os aspetos de justiça social e proteção ambiental devem ser tão importantes quanto o crescimento económico.

É um reino de inclusão não exclusão
Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus. Gálatas 3,28

O Reino de Deus é uma cidade sem muralhas, sem muros de separação, porque é uma cidade para todos; é uma mesa redonda como o mundo, é um pão para multidões. Não há diferenças entre as pessoas pois todos são filhos de um mesmo Pai.

Todos os humanos são criaturas de Deus e por Jesus Cristo resgatados a preço de sangue, tornados filhos adotivos de Deus. Unidos pela mesma natureza humana, a dignidade é devida a todos os seres humanos sem distinção de grupos étnicos.

Em clara oposição e contraste com S. Paulo, que em 1 Coríntios 11, 7-9 alude ao capítulo 2 do livro do Génesis para dizer que o homem é superior à mulher porque foi criada de uma costela deste, Jesus, ao falar do divórcio, citou Génesis 1, onde se diz “homem e mulher os criou”, afirmando assim a sua convicção da igualdade de género.

Jesus é o único fundador de religião que nunca fez uma afirmação depreciativa sobre a mulher, nem as prostitutas ele criticou. Não fez como os rabinos do seu tempo, nunca alertou ninguém sobre o perigo no trato com elas pelos seus truques sedutores. Pelo contrário, advertiu os homens contra a sua própria luxúria e exortou-os a assumir a responsabilidade pelos seus impulsos e instintos. (Mateus 5,28-29)

Não há acusação ou crítica do outro
No Reino de Deus ninguém acusa nem expõe ninguém. A verdadeira razão da acusação dos outros é que, quando apontamos para os outros e expomos o seu pecado, estamos a humilhá-los, o que é uma forma indireta de nos exaltarmos. Uma vez que gabar-se de como somos bons dá demasiado nas vistas e é mal visto socialmente, criticamos e denegrimos os outros para sobressairmos nós.

Como Jesus fez notar no caso da mulher pecadora apanhada em adultério, (João 8, 1-11) quem abunda na crítica dos outros é deficiente em autocrítica. Não é a criticar os outros que progredimos espiritual e humanamente, mas sim criticando-nos a nós próprios.

No episódio da pecadora apanhada em adultério, (João 8, 1-10) Jesus volta o bico ao prego dizendo que só o isento de pecado tem autoridade moral para julgar o que está em pecado. Seguidamente, exorta-nos à autocrítica, pondo mais atenção na trave que está à frente do nosso olho que no cisco que está no olho do outro (Mateus 7, 3-5)

A não-violência substitui a violência
Este Reino não conquista terreno nem pessoas pela violência. A violência subjuga o corpo não subjuga o coração nem a mente. A violência não é meio para conseguir nenhum bom fim pois só cria violência que vai sempre crescendo. A única paz que pode obter-se através dela é a paz das sepulturas.

Não é com ódio que vencemos os nossos inimigos; o nosso ódio só os faz mais fortes contra nós. Só o amor os conquista e consegue transformá-los em nossos amigos; só o amor os desarma. A entrada para a cidadania do Reino de Deus não passa pela conquista ou subjugação, mas sim pela conversão, pela metanoia; por isso a entrada é livre.

O fim da religião
O evangelho de São Mateus, o evangelho do Reino, recorda-nos no capítulo 25 que, ao fim, não seremos julgados pelo que somos, pela nossa identidade, por termos sido ou não cristãos, ateus ou muçulmanos, mas pelo que fizemos ou deixámos de fazer, se assistimos ou não assistimos os sedentos, os famintos, os nus, os peregrinos, os presos, os estrangeiros e os doentes. Porque a assistência a estes últimos foi o objetivo da vida de Jesus e da sua vinda ao mundo, este mesmo tem de ser o nosso objetivo.

A nível individual - Jesus substitui a religião pela psicologia ao dizer que o único mandamento é o amor; qualquer que seja a nossa religião ou ideologia ou a falta dela, sem amor não há vida humana. Também a nível individual se apresentou como o único Caminho, Verdade e Vida, ou seja, como referência da humanidade e de como viver como pessoa humana.

A nível social – O Reino também não é uma questão religiosa, mas sim uma questão de justiça e paz; é, portanto, uma questão civil que muito bem pode ser tratada em sociologia.

Por fim, no juízo final, segundo Mateus 25, não há nenhuma questão religiosa, todas as perguntas são civis. Como não há autorrealização pessoal ou felicidade sem amor e como não há justiça social sem amor ao próximo, no fim da nossa vida seremos julgados só e exclusivamente pelo pouco ou muito que amámos.

Quando Jesus apareceu a S. Paulo na estrada de Damasco, não lhe perguntou por que persegues os meus irmãos e discípulos, mas sim por que Me persegues. (Atos 22, 1-16). Em Mateus 25, aprendemos que tanto o bem como o mal como a ausência de ambos tem um preço e que desde que Jesus assumiu a natureza humana, nenhum ser humano vive desamparado sem ninguém que o defenda, pois tem a Jesus como irmão maior. Por este motivo, teremos que responder perante o rei por tudo o que fizemos ou deixámos de fazer a qualquer pessoa que se cruzou connosco no caminho da vida.

Conclusão - A Constituição ou Carta Magna que governa este Reino resume-se a uma palavra: o amor. É, portanto, cidadão do Reino de Deus o que ama a Deus sobre tudo, todos e sobre si mesmo; o que se ama a si mesmo como Deus o ama, e o que ama os outros como se ama a si mesmo.

Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de novembro de 2022

O fim do mundo

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Durante séculos, a Igreja e a Bíblia foram ridicularizadas por afirmarem que o mundo vai acabar.

A ideia de que o mundo sempre existiu ludibriou até católicos que nem sequer se  deram conta de que, se o mundo não teve um começo e não terá um fim, a existência de Deus carece de sentido. A verdade é que o mundo, tal como o conhecemos, pode acabar de muitas formas.

Agentes patogénicos, armas bacteriológicas, um vírus
O homem tem usado venenos para fins de assassinato desde o início da civilização, não só contra inimigos individuais, mas também ocasionalmente contra exércitos. Desde que em 1155 o Imperador Barba-ruiva envenenou poços de água com corpos humanos, em Tortona, Itália até à I e II Guerras Mundiais, passando pelo seu uso na China pelos japoneses e, mais recentemente no Iraque, que as armas biológicas se tornaram “na bomba atómica do homem pobre", como escreveu Block, cientista americano.  

Com o aumento do nosso conhecimento da biologia de agentes causadores de doenças - vírus, como a sida, o ébola e o covid, agentes patogénicos como o tifo e a varíola e toxinas como o antraz e numerosos tipos de bactérias, é legítimo temer a possibilidade de uma guerra biológica em larga escala. As armas biológicas oferecem a grupos terroristas e a "estados desonestos" uma forma acessível de contrariar a esmagadora superioridade militar dos Estados Unidos e de outras potências nucleares.

A atual crise do covid-19 incluiu acusações de guerra biológica. A presença de um laboratório avançado de virologia em Wuhan alimentou algumas teorias e acusações de que a China tinha deliberadamente desencadeado um ataque. A premissa de que a virulência de um vírus como o de 1918, que matou 50 milhões de pessoas e o atual que já vai em mais de 6 milhões, tenha sido obrigatoriamente obra do homem é mais uma prova da arrogância antropocêntrica e da fé irracional na ciência.

Há muitos milhões de anos que a Natureza vem produzindo vírus e agente patógenos, como a peste negra que devastou a Europa na Idade Média, sem nenhuma necessidade da ciência do homem. A parca capacidade que o homem tem de criar vírus não tem mais de 10 anos e, até agora, os laboratórios não conseguiram criar nenhum tão destruidor como a mãe natureza.

Por outro lado, há uma guerra declarada entre os agentes patogénicos que a Natureza cria e os antibióticos para os combater, criados pelo ser humano. Até agora, os antibióticos têm resultado, mas já há agentes patogénicos resistentes aos mais fortes antibióticos, pelo que não sabemos para o que estamos guardados, como dizia a minha mãe.

Impacto de um meteorito
A lua com as suas grandes crateras é testemunha de um constante bombardeamento por estas rochas ou metais de grandes proporções, pedaços de estrelas e planetas que povoam o universo e se movem sem órbitas regulares, como alguns cometas.

Nós próprios somos testemunhas da queda destes corpos celestes sobre a Terra quando à noite os vemos como estrelas cadentes. A atmosfera da Terra protege-nos destes corpos. Ao entrar em colisão com a nossa atmosfera, a maior parte deles acaba por se incendiar e ficar pulverizada, caindo sobre o nosso planeta como pequenas partículas.

Porém nem sempre isso acontece e há vídeos destes meteoritos de dimensões superiores às de uma bola de futebol a caírem sobre a Terra. E também os há de enormes dimensões no museu da NASA, em Washington.

Todas as cargas nucleares da Terra poderiam não ser suficientes para desfazer um meteorito como aquele que extinguiu os dinossauros se, por azar, entrasse em rota de colisão com a Terra. Por outro lado, o impacto de cometas ou meteoritos, consoante a sua grandeza, perturba a inércia inicial de um planeta e pode desacelerá-lo ou até projetá-lo para fora de órbita, o qual seria fatal para a vida no nosso planeta. O perigo é real, já aconteceu e provocou a extinção dos dinossauros e pode voltar a acontecer, provocando o fim da vida no nosso planeta.

Conflito nuclear
No fim da guerra fria, o arsenal nuclear do planeta era suficiente para o destruir não uma, mas 10 vezes. Depois de tratados assinados, sobretudo entre os Estados Unidos e a Rússia, é provável que hoje existam muito menos armas atómicas.

Porém, estes dois países não são os únicos que as possuem. As guerras mundiais começaram por pouco e foram envolvendo cada vez mais países. A natureza da violência é aumentar exponencialmente. A Coreia do Norte, por exemplo, poderia iniciar uma guerra atómica que pouco a pouco envolvesse as potencias atómicas e que seria decerto imparável. Também existe o perigo de que algumas bombas atómicas caiam nas mãos de terroristas.

Suicídio ecológico
Não podemos condenar os nossos filhos e os filhos deles a um futuro que não conseguirão reparar. Não quando temos os meios – a inovação tecnológica e a imaginação científica – para começar o trabalho de reparação desde já. Como disse um dos governadores da América, “Somos a primeira geração a sentir o impacto das alterações climáticas e a última geração que pode fazer alguma coisa contra isso.” Por isso, hoje, estou aqui pessoalmente, como líder da maior economia mundial e do segundo maior emissor de poluentes, para dizer que estamos a começar a fazer alguma coisa.” Discurso de Barack Obama na Cimeira das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, 23 de setembro de 2014.

O solo – está depauperado de elementos essenciais à nossa saúde, por causa do mono cultivo; está também contaminado por pesticidas e fertilizantes químicos que alteraram a sua composição química e envenenam os lençóis freáticos de onde provém a água que bebemos.

Os oceanos – estão cheios de microfibras de plástico que saem das nossas máquinas de lavar roupa, desde que o plástico substituiu as fibras naturais, como a lã, algodão, linho e seda, juntamente com metais pesados, como o mercúrio e que são absorvidos pelos peixes que consumimos.

O ar – está contaminado por dióxido de carbono que produz o efeito de estufa, responsável pelo aumento global da temperatura que derrete os glaciares e as calotas polares, faz subir o nível do mar, altera o curso dos ventos, modifica o ritmo das estações do ano provocando furacões, inundações e secas de uma intensidade sem precedentes.

O ambiente social – também está empestado pelo facto de que hoje 1% da humanidade possui mais riqueza (54%) que os restantes 99% (46%). A brecha entre ricos e pobres não para de aumentar. Uns morrem de fome, outros morrem de fartura; se houvesse partilha, nem morriam uns nem outros.

Biodiversidade – outra área de capital importância é a biodiversidade. Além do facto de a biodiversidade proteger os humanos contra os efeitos das catástrofes agrícolas, como a fome da batata irlandesa, a perda de uma espécie resulta em alterações significativas nos habitats naturais que podem prejudicar-nos gravemente a curto, médio ou longo prazo.

Morte do Sol
Contrariando a lógica, aparentemente, o sol não vai morrendo aos poucos, produzindo cada vez menos energia. Quanto mais hidrogénio é convertido em hélio, mais o núcleo do sol se encolhe, fazendo com que as camadas exteriores se aproximem do centro, sob uma força gravitacional mais forte. Isto vai provocar mais pressão no núcleo, acelerando a fusão de hidrogénio e aumentando a produção de energia, o que conduz a um aumento de 1% na luminosidade a cada 100 milhões de anos. Nos últimos 4,5 mil milhões de anos, correspondentes à idade do sol, esta energia já cresceu cerca de 30%.

Dentro de 1 milhar de milhão de anos, o sol será 10% mais brilhante do que é agora. Este incremento de luminosidade levará ao aumento do calor e energia que a Terra e a sua atmosfera terão de absorver, provocando, por sua vez, um aumento da intensificação do efeito de estufa que pouco a pouco irá convertendo o nosso planeta no que é hoje Vénus: o planeta mais quente do sistema solar com uma temperatura que ronda os 500ºC.

Dentro de 3 500 mil milhões de anos, o sol será 40% mais brilhante do que é hoje. Nestas condições, a água do mar ferverá e o vapor perder-se-á no espaço, transformando o nosso planeta num planeta quente e seco como é hoje Vénus. Não terá temperaturas superiores a Vénus pelo simples motivo de se encontrar mais longe do sol.

Quando o hidrogénio do sol estiver para acabar, a cinza inerte em forma de hélio, resultado da sua combustão, acabará por colapsar. Isto vai fazer com que o núcleo do sol fique mais denso e mais quente, aumentando de tamanho e entrando na fase de gigante vermelha.

Nesta fase, as órbitas de Mercúrio e Vénus serão absorvidas, dois terços do nosso céu será ocupado pelo sol que, gradualmente, acabará por absorver o nosso planeta. Quando chegar a esta fase, o sol ainda terá 120 milhões de anos de vida ativa. Por fim, o hélio acumulado incendiar-se-á violentamente e, nos escassos 100 milhões de anos seguintes, queimará o hélio que resultou da combustão do hidrogénio.

O tamanho do sol continuará a aumentar até este se transformar numa anã branca. Neste estado, poderá sobreviver ainda triliões de anos, até finalmente se transformar num buraco negro.

Fim do Universo
Em 1927, o sacerdote católico belga Georges Lamaître, (representado na imagem que ilustra este texto) ao observar que o universo está em expansão, intuiu que o mesmo começou quando um ponto de matéria muito pequeno e extremamente denso explodiu (Big Bang). Os ateus reagiram afirmando que depois de atingir a sua expansão máxima iniciaria um movimento inverso de contração, terminando num grande colapso e dando origem ao ponto extremamente denso inicial, que voltaria a explodir.

As observações e os estudos feitos até agora, têm corroborado a teoria do Big Bang, mas não a do Big Crunch. A segunda lei da termodinâmica diz-nos que a transformação de matéria em energia não é possível sem o degaste irreversível da primeira; não existem máquinas perfeitas que se auto-alimentem, ou seja, que produzam toda a energia necessária para o seu funcionamento.

A eficiência de um motor a gasolina é de 25%; é de 40% a de um motor a gasóleo; ou seja, fazemos mais km com um litro de gasóleo que com um litro de gasolina; a eficiência da máquina a vapor é de 12% e a do corpo humano de 1%. O universo é extremamente ineficiente e desbarata a sua energia; na verdade, este vai expandir-se até à sua morte, que ocorrerá quando tiver gasto toda a sua energia nuclear.

A Bíblia tem então razão quando diz “Eu sou o Alfa e o Ómega, o primeiro e o último, o princípio e o fim.” Apocalipse 22,13. A ciência nunca vai provar, portanto, que a nossa fé está errada; pelo contrário, quanto mais o homem conhece, mais a fé se aproxima da razão e a razão da fé.

Conclusão - Finalmente a ciência descobre o que a fé sempre soube, que o universo teve um começo e terá um fim. Mas muito antes que a energia do Universo ou do Sol se acabe, o nosso pequeno mundo pode acabar de muitas outras formas, algumas delas causadas por nós.

Pe. Jorge Amaro, IMC




15 de outubro de 2022

Perfil do missionário do século XXI - 2ª Parte

3 comentários:

Enraizado na tradição
O missionário não é um franco-atirador; pertence a uma comunidade de vida com a qual se confronta, da mesma forma como se confronta com a Palavra de Deus que se esforça por encarnar.

Para uma árvore ter saúde, deve crescer nos dois sentidos: tanto para cima como para baixo. Neste sentido, o missionário confronta-se também com uma comunidade formada por todos os que, desde o princípio e ao longo de 2000, viveram na fé apostólica por exemplo: os padres da Igreja, Jerónimo, Agostinho, Tomás de Aquino, Boaventura, Teresa de Ávila… literatura como a Divina Comédia de Dante, pintura como a Capela Sistina de Miguel Ângelo, a música de Beethoven, Mozart, etc.

O missionário de hoje ama a tradição na qual está bem plantado, e vê-se a si mesmo como continuador da mesma, como corredor no aqui e agora numa corrida de estafetas que começou quando Cristo passou o testemunho a Pedro e aos apóstolos. Esta fé, que é essencialmente apostólica, vai passando de geração em geração, até ao fim dos tempos, pelos apóstolos de hoje, os missionários.

Demarcamo-nos do “sola fide sola gratia sola scriptura solus christus” de Lutero e seguidores. Primeiro, porque a Escritura ou Palavra de Deus, enquanto palavra escrita, é posterior à Igreja, ou seja, à tradição. É óbvio que as cartas de S. Paulo às comunidades de Tessalónica, Éfeso, Corinto e Roma são posteriores à constituição destas mesmas comunidades: o endereço existe antes da carta e não o contrário.

Os evangelhos são posteriores a muitas dessas cartas e supõem a reflexão dessas mesmas comunidades. Sem Igreja não haveria Novo Testamento, como sem povo de Israel não haveria Antigo Testamento.

Segundo, dogmas como Cristo verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus e o dogma da Santíssima Trindade, aceites por todos os protestantes, são extra bíblicos, são produto da reflexão da Igreja, ou seja, pertencem à tradição. Não faz sentido, aceitar a tradição até um certo tempo e depois rejeitá-la por princípio.

Amante da liturgia
(…) vi o Senhor sentado num trono alto e elevado; as franjas do seu manto enchiam o templo. Os serafins estavam diante dele, cada um tinha seis asas; com duas asas cobriam o rosto, com duas asas cobriam o corpo, com duas asas voavam. E clamavam uns para os outros: «Santo, santo, santo, o Senhor do universo! Toda a terra está cheia da sua glória!» E tremiam os gonzos das portas ao clamor da sua voz, e o templo encheu-se de fumo. Isaías 6,1-4

A liturgia e os sacramentos celebram a fé e são meios para crescer na fé. Sem a liturgia e os sacramentos, o povo de Deus não seria povo pois não se encontraria. Sem Eucaristia não há Igreja, sem Igreja não há eucaristia; só o corpo místico de Cristo que é a Igreja pode celebrar o corpo sacramental de Cristo.

Para além de celebrar, crescer na fé e fazer comunidade, a liturgia e os sacramentos são encontros virtuais com Deus. O grande profeta Isaías encontrou a sua vocação numa liturgia bem celebrada, na qual sentiu a presença de Deus. É a beleza do templo onde se celebra, a beleza das vestes dos ministros, as orações, os cânticos, a música, o incenso, o silêncio, o recolhimento, tudo contribui para fazer vibrar o nosso coração e sentirmos a presença de Deus como a sentiu Isaías.

Entoa o seu magnificat
A minha alma glorifica o Senhor. Meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador. Porque pôs os olhos na humildade da sua serva. Doravante todas as gerações me proclamarão Bem-aventurada.
Porque o Todo-poderoso fez em mim maravilhas. Santo é o seu nome
. Lucas 1,46-55

Ser missionário é, tal como Maria, entoar o Magnificat das maravilhas que o Senhor operou na nossa vida, de como a reprogramou, reorientou e lhe deu um objetivo. O Magnificat de Maria, como o de qualquer pessoa que experimentou a presença de Deus atuante na sua vida, é uma explosão de alegria; é um “non plus ultra”, o constatar que Deus nos enche as medidas, que “Nele vivemos, nos movemos e existimos” (Atos 17, 28)

O missionário, portanto, não é primeiramente aquele que anuncia o evangelho, o que catequiza, o que fala “objetivamente” de Jesus, da sua história, vida e milagres; isso seria proselitismo, não missão. O missionário não fala “objetivamente” de Cristo, mas subjetivamente, pois é a partir da sua experiência e vivência de Cristo que anuncia o “Kerigma”, ou seja, o evangelho.

Itinerante
Para muitos evangelizadores de agora, a constante é viver retirados da vida social, confinados a um âmbito restrito sacristia-Igreja-sacristia, esperando que o povo ouça o sino tocando “pardais ao ninho” e venha a eles, sentindo-se frustrados quando são poucos os que vêm.

Para Jesus, a constante era estar fora e ir ao encontro da vida do povo onde esta se desenvolvia. Só de vez em quando, sobretudo à noite quando o povo descansava, se retirava também Ele em intimidade com o Seu Pai. Jesus era como um carteiro que entregava a cada pessoa uma Boa Nova personalizada e todos encontravam em Jesus a saúde – salvação que com fé buscavam.

Muitas vezes o evangelizador confina-se ele mesmo, outras vezes é o próprio povo de Deus que o quer confinado, pois não vê com bons olhos a sua presença em certos ambientes. A ambos é preciso recordar que Jesus entrava em casa de pecadores, comia com eles e convivia com mulheres, tanto de boa como de má reputação, e não se contagiava pelos seus pecados ou forma de vida: pelo contrário, eram “contagiados” pela positiva todos os que entravam em contacto com Ele.

“Omnia munda mundis”, tudo é puro para os puros. Tal como para Jesus, para o evangelizador atual não deve haver nenhum sítio proscrito. “Onde não entra o sol, entra o médico” – como o evangelizador é, ao mesmo tempo, o Sol e o médico, se não entra como sol, entra como médico.

Itinerante foi Jesus, itinerantes foram Paulo, Francisco de Assis, Francisco Xavier, etc. itinerantes devem ser os evangelizadores de hoje. Se as Testemunhas de Jeová conseguem arranjar prosélitos com uma mensagem tão pobre e deficitária, quanto mais não arranjaríamos nós se tivéssemos a sua coragem e o seu zelo.

Jesus escolheu para discípulos pescadores e não pastores. Os pescadores não têm ovelhas que cuidar, não têm nada, podem ter peixe se saírem com os seus barcos e o pescarem, como faziam Pedro e o seu irmão André. Para o pescarem, precisam de remendar as redes, como faziam os filhos de Zebedeu com o seu pai, o que equivale a dizer que o missionário de hoje deve ser uma pessoa de oração e formação permanente.

A oração não é tempo perdido para a evangelização pelo contrário: por ela e nela o missionário purifica a palavra de Deus das impurezas que ele mesmo lhe coloca com o seu caráter, personalidade e outras crenças e convicções.

Para além da oração que coloca o missionário em contacto com o Senhor da Vinha e da mensagem que o evangelizador proclama, este deve ser um homem de reflexão. Com vinagre não se caçam moscas, para cada tipo de peixe há um tipo de rede ou de anzol. O pregador não prega da mesma forma a crianças, a jovens e a adultos, numa cultura ou noutra; deve adequar a Palavra aos que a ouvem.

Amante dos novos Média
A Internet é o sexto continente. Papa Francisco

Com as redes sociais, a Internet já não é só a nova enciclopédia do saber, onde todos vão pesquisar, mas é também um lugar de encontro virtual em tempo real entre pessoas de diferentes latitudes e longitudes, culturas, etnias e religiões. A partir deste púlpito virtual, a Palavra de Deus chega a mais gente e a um tipo de gente que, por uma razão ou outra, não frequenta as Igrejas.

É certo que aqui a Palavra de Deus compete com muitas outras palavras; mas como não há Boa Nova mais bonita, mais razoável e mais humana, que o evangelho, nem é preciso ser grande comunicador para a fazer render 100% quando é aqui semeada. (Cf. A parábola do semeador em Mateus 13: 1–9, 18–23

O evangelizador de hoje que descuida este novo areópago não está a ser fiel às palavras de Jesus “Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura.” (Marcos 16,15)

Conclusão – Enraizado na tradição, respaldado por uma comunidade, o evangelizador de hoje, prega a tempo e a destempo, a propósito e a despropósito em todos os areópagos, ou seja, em todos os lugares onde a gente se reúne.

Pe. Jorge Amaro, IMC












1 de outubro de 2022

Perfil do missionário do século XXI - 1ª Parte

Sem comentários:

Ter uma relação íntima e pessoal com Cristo O que existia desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e as nossas mãos tocaram relativamente ao Verbo da Vida, (…) isso vos anunciamos. 1ª João 1, 1,3

O Teólogo Karl Rhaner disse que os cristãos do futuro ou são místicos ou não são cristãos. Ser cristão é fundamentalmente ter uma relação afetiva com Cristo como a tiveram os primeiros cristãos, os seus discípulos, que Ele escolheu primariamente não para serem continuadores da sua obra, mas para que vivessem com Ele. (Marcos 3, 14).

O cristianismo não é, portanto, uma doutrina ou uma filosofia de vida; é uma relação afetiva com Cristo que leva a uma relação afetiva com todos os que nos rodeiam. Para o cristão de hoje, como sempre, o afetivo tem de ser efetivo, ou seja, tem de mudar a vida e dar ao cristão de hoje autorrealização e felicidade.

O principal papel de um missionário é evangelizar, não é catequizar nem fazer caridade, mas sim testemunhar a relação pessoal e íntima de amor que tem com o Senhor e oferecer essa mesma experiência aos outros. Ninguém dá o que não tem; se não temos essa relação, não podemos nem devemos ser missionários.

O evangelizador que anuncia Aquele com o qual não tem uma relação íntima é como um papagaio; fala do que aprendeu e, em vez de se colocar ao serviço da Palavra, coloca a Palavra ao seu serviço, ou seja, usa-a subliminarmente para se pavonear e promover.

Dom de palavra
O missionário deve ser o que em inglês se chama um “motivacional speaker” (orador motivacional), empolgante, cheio de ardor e entusiasmo. Um bom comunicador até banha da cobra consegue vender. O nosso produto, a Palavra de Deus, já deu ao longo de mais de 2000 anos provas da sua excelência.

Uma Palavra de Vida comunicada sem vida desautoriza-se a si mesma. Nós, mais que ninguém, temos razões para estar alegres pois possuímos uma fé que dá sentido ao nosso existir aqui e agora e nos lança para o futuro, cheios de Esperança, sem nada que temer.

Conhecer a Bíblia
Todo o doutor da Lei instruído acerca do Reino do Céu é semelhante a um pai de família, que tira coisas novas e velhas do seu tesouro Mateus 13, 52.

O evangelizador do nosso tempo deve ser um bom conhecedor da Sagrada Escritura e ser capaz de trazer a realidade à Escritura para nela encontrar iluminação, respostas e soluções ou levar a Escritura à realidade para que a Palavra de Deus encarne em atitudes, comportamentos e ações concretas.

Muitas seitas cristãs e os coptas na Etiópia colocam o Novo Testamento ao lado do Antigo, dando igual importância a um e a outro. Isto é errado porque o Novo Testamento, a Nova Aliança, não pode ter o mesmo valor que a anterior; se assim fosse, não precisávamos dela. A Nova Aliança veio substituir e dar cumprimento à antiga. O Antigo Testamento deve ser lido a partir da perspetiva do Novo e na medida em que concorda com o Novo.

O Antigo Testamento contextualiza o Novo, por isso não se entende o Novo Testamento sem entender o Antigo; assim como não se entende o Antigo Testamento sem conhecer e entender a história do povo de Israel.

Conhecer a nossa cultura
O cristianismo começa com o Natal; o missionário é aquele que faz nascer a Cristo, ou seja, encarna a Palavra de Deus em cada momento e em cada lugar. Para este efeito, precisa de possuir um conhecimento profundo da cultura e do momento histórico que o povo atravessa. Ter “o jornal numa mão e a Bíblia na outra” como dizia o grande teólogo protestante Karl Barth.

Encarnar a Palavra é saber encontrar nela a salvação para o “aqui e agora” de um povo; ou seja, a resposta às questões e a solução para os problemas do momento presente. Neste sentido, o missionário está chamado a ser um profeta, o homem que sabe ler os sinais dos tempos; “the man of the year” (o homem do ano), o líder natural, um Moisés que pode guiar o povo pelo caminho da salvação, ou seja, da plena saúde espiritual, física, mental e moral.

Conclusão – Como o bispo diz na ordenação de um diácono ao entregar-lhe os Evangelhos, assim deve ser um missionário de hoje: “Recebe o Evangelho de Cristo, que tens missão de proclamar. Crê no que lês, ensina o que crês e vive o que ensinas.”

Pe. Jorge Amaro, IMC


15 de setembro de 2022

Rejeitar a Igreja é rejeitar a Cristo

Sem comentários:

Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e eu nele. Assim como o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, também quem de verdade me come viverá por mim. (…) Depois de o ouvirem, muitos dos seus discípulos disseram: «Que palavras insuportáveis! Quem pode entender isto?» (…) A partir daí, muitos dos seus discípulos voltaram para trás e já não andavam com Ele. João 6, 56-57, 60, 66

Não aceitar a eucaristia, comer o corpo e o sangue do Senhor, foi o que fez com que alguns deixassem de andar com Jesus, de ser seus amigos e seus discípulos.

Lamentavelmente, ainda hoje é assim; a participação ou não na eucaristia dominical, distingue um católico praticante de um não praticante. Destes católicos, uns pensam que podem pertencer à Igreja sem participar na Eucaristia; outros pensam que podem rejeitar a Igreja sem rejeitar a Cristo. Algo assim como muitos protestantes que pensam que dão mais valor a Jesus retirando importância a Maria, sua mãe.

Não é possível amar a Cristo odiando a Igreja que ele fundou. Se Jesus de Nazaré é o Cristo histórico, a Igreja é a presença de Cristo na história. Jesus disse-lhe: «Há tanto tempo que estou convosco, e não me ficaste a conhecer, Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como é que me dizes, então, 'mostra-nos o Pai'? (João 14, 9). Se Cristo representa a Deus Pai, a Igreja representa bem ou mal, mas sempre representa a Cristo, porque é o seu corpo místico. Esta representação pode em tempos ser boa ou má, mas é sempre uma representação.

A Igreja corpo místico de Cristo – pluribus unum
Tal como o nosso corpo é constituído por 300 triliões de células e todas elas são diferentes, pois formam tecidos diferentes como o tecido do estômago, do cérebro, dos ossos, da pele, do fígado, do coração, etc., todas elas estão unidas num único corpo porque, apesar de serem muitas e muito diferentes, têm algo em comum: o ADN, o código genético.

Da mesma forma, nós os cristãos que somos mais de mil milhões e muito diferentes uns dos outros, vivemos em diferentes latitudes e longitudes, falamos diferentes línguas, somos de diferentes grupos humanos, culturas, nacionalidades, temos idiossincrasias e personalidades diferentes, mas com algo em comum: a fé em Nosso Senhor Jesus Cristo. Isto faz de nós uma comunidade, um só corpo, uma só família.

Cristo, em forma física e humana, só podia viver e morrer uma vez. No entanto, a ação salvífica patente no conjunto da sua vida terrestre não era só para os homens do seu tempo e do lugar em que viveu, mas sim para os homens de qualquer tempo e lugar. A Igreja foi por Ele fundada para estender a todo tempo e lugar a Sua ação salvífica. Igreja é Cristo no tempo e no espaço; a Igreja é Cristo aqui e agora. Em Israel, há dois mil anos, Cristo existiu sem a sua Igreja; depois da sua vida terrena, nem a Igreja existe sem Cristo nem Cristo existe no tempo e no espaço sem a sua Igreja.

A Igreja, como corpo místico de Cristo, inspirada pelo Espírito Santo, é a voz, o coração, a mente, as mãos e os pés do Senhor atuando aqui e agora, em todo o tempo e lugar a mesma ação salvífica que Jesus realizou do ano zero ao 33 em Israel.
 

"Em verdade, em verdade vos digo: aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas, porque vou para junto do Pai." João, 14, 12

A Eucaristia, corpo sacramental de Cristo
Um clube, uma empresa, uma instituição, um povo que não se reúne, não existe como tal. A Eucaristia, corpo sacramental de Cristo, é a razão pela qual o corpo místico de Cristo se reúne. No mesmo lugar, instituiu o mesmo Cristo a Eucaristia e a Igreja, pelo que uma não existe sem a outra.

O dia que acabasse uma, acabaria também a outra. Como outrora, nos tempos de Jesus, foi a rejeição da Eucaristia a razão pela qual deixaram de andar com Jesus; nos nossos tempos, continua a ser esta a razão. Quem abandona a Eucaristia abandona a Igreja e vice-versa. Quem abandona a Igreja abandona a Cristo e vice-versa.

Muitos grãos de trigo fazem um só pão; muitos bagos de uva fazem um só vinho; muitos cristãos fazem um só corpo. Cristo escolheu o Pão e o Vinho para simbolizar e significar o seu sacrifício por nós; a Eucaristia é o memorial da vida, paixão, morte e ressurreição do Senhor.

É a Igreja que celebra a Eucaristia; a Eucaristia é a razão de ser da Igreja, porque é ela que congrega os cristãos em resposta ao mandato do Senhor, “fazei isto em minha memória” Lucas 22,19. A Eucaristia faz memória do Senhor e faz presente a ação salvífica de Cristo. Ao participar na Eucaristia nós recolhemos os frutos da redenção.

Cristo é o corpo entregue e o sangue derramado por toda a Humanidade; Cristo é o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. A redenção está disponível para todos, é para todos, salvam-se os que tomam parte nela. Deus alimenta as aves do céu, mas não lhes deita a comida nos seus ninhos, as aves, têm que sair e procura-la na natureza. O mesmo acontece com a Eucaristia que oferece salvação a todos, mas tu tens de a ir buscar participando nela.

Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu hei de ressuscitá-lo no último dia, porque a minha carne é uma verdadeira comida e o meu sangue, uma verdadeira bebida. João 6, 53-55

A Eucaristia é o coração da Igreja. No corpo humano, a função do coração é a de ser o motor que move o sangue das células ao coração e do coração às células. Do mesmo modo, a vida do cristão é um vaivém entre a Eucaristia e o mundo. Quando a missa era em latim, no final o sacerdote dizia “Ite missa est” que queria dizer “podeis ir, a missa terminou”, mas também significava “terminou a missa, começa a missão”.

A Eucaristia está para a Igreja, a Igreja está para a eucaristia como a galinha está para o ovo, e o ovo está para a galinha. De facto, tanto a Eucaristia, nascida em quinta-feira Santa, como a Igreja nascida em Pentecostes tiveram lugar na mesma sala de cima. A Eucaristia foi o momento de conceção da Igreja e o Pentecostes o momento do seu nascimento. O corpo místico de Cristo encontra-se para celebrar o corpo sacramental de Cristo e para comunitariamente se alimentar do seu corpo, do seu sangue e da sua Palavra.

Ao desaparecer uma desaparece a outra. Por isso, aquele que, de ânimo leve, fazendo parte do corpo místico de Cristo, que é a Igreja, deixa de frequentar a Eucaristia, abandonou a Igreja e, quando já não houver gente que celebre a eucaristia, já não haverá Igreja. O dia em que a eucaristia deixar de ser celebrada, esse mesmo dia desaparece a Igreja.

Se isto algum dia acontecer, Cristo terá morrido na história da humanidade sem nunca mais ressuscitar, pois é a Igreja que conserva a sua memória e celebra a Eucaristia em sua memória como Ele mandou (Lucas 22, 19). Quando no mundo já não houver ninguém que faça memória de Cristo, celebrando a eucaristia, Cristo deixa de ter na terra, um corpo físico que o represente (pés, mãos, coração e boca) e continue a sua obra de redenção de geração em geração.

Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica

Os protestantes não entendem como os católicos podem incluir no Credo, a fé na Igreja, depois de professar a fé em Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo. Nós acreditamos na Igreja porque ela foi fundada por Cristo e representa a Cristo e, através dela, Cristo faz com que ainda hoje a sua salvação esteja presente no mundo. Por tudo isto, na sua essência e pelo seu fundador, ela é santa. Ao dizer “creio na Igreja”, afirmo acreditar em tudo o que acabo de dizer.

Santa e meretriz, disse um teólogo católico. Sim, a Igreja tem tanto de santa como de pecadora. Santa na sua essência porque foi fundada por Cristo, pecadora na sua existência porque é constituída, desde o seu início, por homens e mulheres pecadores. Se o homem como o define Sto. Agostinho é simul justus ed peccator, ao mesmo tempo justo e pecador, assim é a Igreja. Mas não a rejeito porque é a minha mãe, ninguém rejeita a sua mãe por esta ter defeitos.

Solus Christus, sola fede, sola scritura
O grave erro de Lutero foi deixar fora a Igreja. Como dissemos anteriormente, hoje sem a Igreja não existe Cristo.

Solus Christus
Foi Cristo que a fundou, por isso Lutero rejeita o que Cristo fundou. Foi Cristo que deu vida à Igreja e ainda dá vida à Igreja, mas também é a Igreja que dá vida a Cristo pois ela O representa aqui e agora, porque ela concretiza aqui e agora o mesmo que Cristo concretizou no seu tempo – foi para isso que Cristo fundou a Igreja. Portanto Cristo dá vida à Igreja, a Igreja dá vida a Cristo.

Sola fede
Quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre a terra? Lucas 18, 8

Da Igreja depende que Cristo encontre ainda fé na terra quando Ele voltar para julgar a vivos e a mortos. Dela depende porque é ela que passa a fé em Cristo de geração em geração, como numa corrida de estafetas se passa o testemunho.

Isto porque é a Igreja que é a depositária da fé em Cristo. Isto porque a nossa fé é apostólica, ou seja, a fé em que Cristo ressuscitou dos mortos é apostólica porque nós acreditamos no testemunho dos apóstolos: eles viram, ouviram e tocaram o corpo espiritual ou glorioso de Cristo. Depois deles, ninguém mais O viu, tocou ou ouviu como eles O viram tocaram e ouviram (1 João 1, 3). Tal como hoje não existe Cristo sem a Igreja, nem a Igreja sem Cristo, também não existe fé sem Igreja, nem Igreja sem fé.

Sola scritura
O Cristo que temos é o Cristo da Igreja. Foi ela que deu à luz o Cristo para o mundo depois da sua morte e ressurreição – se pensarmos que o Novo Testamento foi escrito pelas comunidades cristãs, é Cristo que detém os direitos de autor. O grupo dos apóstolos era já Igreja, a sua pregação deu origem a novos fiéis e, alguns destes fiéis reunidos em pequenas comunidades cristãs, escreveram os evangelhos.

As cartas dos apóstolos, sobretudo as de Paulo, eram autênticas cartas porque tinham um remetente, S. Paulo que as endereçou às pequenas comunidades de Corinto, de Éfeso, de Tessalónica, etc. Por isso, no que respeita ao Novo Testamento, não existe escritura sem Igreja.

Unus christianus nulus christianus - Dizia Sto. Agostinho, fundador da ordem religiosa da qual Lutero era membro, “um único cristão, é um cristão nulo”. O cristianismo nasceu em comunidade e só pode viver-se em comunidade. Sem comunidade, não há cristianismo. Como todos os animais têm um habitat onde vivem e prosperam, assim o cristão só pode viver e prosperar no seio da comunidade cristã.

Conclusão – Quem deixa de frequentar a Eucaristia, abandona a Igreja e quem rejeita a Igreja rejeita Aquele que a fundou como sendo o Seu corpo místico, pois representa a Cristo no aqui e agora da história, de geração em geração. Como Ele disse, “as portas do inferno nada poderão contra ela” (Mateus 16, 17) porque “Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos”. (Mateus 28, 20)

Pe. Jorge Amaro, IMC