1 de agosto de 2018

CNV - Uma nova relação comigo mesmo

Sem comentários:
Não vos conformeis a este mundo. Pelo contrário, deixai-vos transformar, adquirindo uma nova mentalidade, para poderdes discernir qual é a vontade de Deus: o que é bom, o que lhe é agradável, o que é perfeito. - Romanos 12, 2

Compassivos connosco mesmos
Depois de ter descrito o funcionamento desta nova língua vamos verificar na prática de que é muito mais que uma simples língua, é uma nova filosofia de vida, uma nova forma de nos relacionarmos connosco mesmo, com os outros, com o mundo que nos rodeia e até com Deus.

“A caridade começa em casa” – Quando somos violentos connosco próprios é difícil sermos compassivos com os outros; quando não exercemos empatia connosco mesmos é difícil exercê-la com os outros. O verdadeiro amor é incondicional, é este tipo de auto - empatia, livre de condicionalismos, que devemos ter connosco mesmos. Ao contrário, as estruturas do poder, para nos dominarem, ensinam-nos a odiar-nos a nós mesmos, quando a nossa prestação não está de acordo com o que se espera de nós, e a amar-nos a nós mesmos só quando a nossa prestação social é aceitável pelos parâmetros das estruturas do poder.

Amarás o teu próximo como a ti mesmo (Levítico 19:18) - O amor próprio incondicional não é egoísmo: ao contrário, é a medida do amor aos outros. Primeiro sou chamado a amar-me a mim mesmo; segundo, sou chamado a amar os outros com a mesma medida com que me amo a mim mesmo. O amor próprio, a auto - estima ou auto - empatia, longe de serem conotadas com egoísmo, são a base sobre a qual assentam todo o tipo de relações que estabeleço comigo mesmo, com os outros e até com Deus. Não há, portanto, verdadeiro altruísmo sem auto - empatia.

De forma inteligentemente, o sistema de domínio procurou limitar a violência entre as pessoas, inserindo-a no interior da consciência moral de cada um. Dentro de nós, o superego freudiano funciona como o “Cavalo de Tróia” do sistema de domínio. A coação do sistema de domínio é agora exercida pela própria pessoa sobre si mesma.

Como o Cavalo de Tróia, do sistema do domínio, o superego no interior da nossa consciência imita as instâncias penais da sociedade; faz de polícia que nos apanha a fazer um delito, faz de tribunal que nos julga, declara-nos culpados e aplica a pena em forma de autopunição. Esta pena pode ser prisão, sob a forma de depressão, ou seja, retirando-nos da vida ou privando-nos disto ou daquilo, por exemplo, de amor: não me amo nem deixo que me amem; ou até mesmo ser a pena máxima, a pena de morte, ou seja o suicídio – quando alguém chega a ser o pior inimigo de si mesmo e se mata em legítima defesa.

Usamos a CNV para nos avaliarmos a nós mesmos com vista a gerar crescimento, em vez de ódio, por nós próprios. Nada de positivo pode vir de uma motivação negativa; a motivação para mudar não pode vir de energias destrutivas, como a culpa e a vergonha, pois estas são uma forma de ódio a nós mesmos. O que quer que façamos que seja motivado ou reaja ao sentimento de culpa e ou de vergonha, nunca será um ato positivo que nos proporcione alegria e felicidade. Só o que é motivado pelo desejo de enriquecer a nossa vida e a dos outros pode trazer-nos alegria e felicidade.

Contra o sacrificar-se pelos outros
É por isto que meu Pai me tem amor: por Eu oferecer a minha vida, (…). Ninguém ma tira, mas sou Eu que a ofereço livremente. João 10, 17-18

Durante a sua vida de operário, quando o meu pai fazia o turno da noite, sempre desabafava connosco dizendo, “lá vou eu para o degredo”. A minha mãe ao fim da sua vida dizia “nunca tive um alívio na vida”. Os meus pais foram uns sacrificados pelos seus filhos; não duvido que o tenham feito por amor e não por dever, mas às vezes davam a entender que satisfaziam as necessidades dos filhos deixando para trás ou pondo de lado a satisfação das suas próprias; isto não é verdadeiro cristianismo pois não tem em conta que o amor ao próximo deve refletir o amor a si mesmo.

Em CNV não há escravos do dever; não há coisas que tenhamos que fazer por obrigação, por dever; não há coisas que tenhamos que fazer quer queiramos quer não. As coisas que fazemos por obrigação, têm um alto custo a pagar no nosso psiquismo e no psiquismo dos destinatários das nossas obras, porque são motivadas por uma energia negativa. Esta é uma linguagem violenta pois nega que temos escolha; Rosenberg repete sempre que só devemos fazer o que gostamos de fazer e que, como pessoas livres que somos, sempre temos escolha e capacidade de decidir.

Num workshop de Rosenberg, uma mulher opôs-se a esta forma de pensar afirmando que havia coisas na vida que uma pessoa tinha de fazer quer quisesse quer não; como exemplo, disse depois deste workshop “tenho de ir para casa e tenho de cozinhar; odeio com toda a minha alma cozinhar e, no entanto, há 30 anos que o faço mesmo nos dias em que estive doente como um cão.” 

Nessa mesma noite, a mulher chegou a casa e disse que tinha decidido não cozinhar mais. A família, ao contrário do que seria de esperar, agradeceu, porque agora iriam comer sem ter de ouvir as lamúrias da mãe que tinha preparado a refeição por obrigação e que tinha sal a mais ou a menos ou não tinha sabor. Isto não quer dizer que muito do que fazemos por opção não seja difícil e nos custe suor e lágrimas, mas como o que fazemos é por opção e por amor, e não por dever ou obrigação, faz uma grande diferença e torna tudo mais fácil; como diz o provérbio, “Quem corre por gosto, não cansa”.

Rosenberg recorda da sua infância o sorriso e a doçura com que o seu tio materno, todas as tardes, fazia a higiene à sua própria mãe paralítica na cama; não era uma tarefa fácil, pelo cheiro e outras sensações envolvidas, mas o amor com que o fazia, superava o incómodo de ambos: do filho e da mãe.

Pessoalmente, recordo, no meu noviciado, quando fui voluntário num hospital psiquiátrico; todos os dias fazíamos a higiene a um senhor que tinha sido catedrático de literatura, na universidade de Valladolid, e que agora jazia paralítico numa cama com as faculdades mentais bastantes reduzidas. Um dia quando eu e um colega estávamos a assisti-lo, a modo de desabafo, disse “Vocês são muito bons porque a merda é sempre merda…”.

Jesus, como citámos acima, apesar de dizer aqui e além que segue a vontade do Pai, mesmo no Jardim das Oliveiras quando a vontade do Pai e a sua parecem opostas, Jesus nunca perde o poder de livre decisão. No momento em que decidiu pela vontade do Pai, esta já não é mais a vontade do Pai mas a sua, pois é fruto de uma escolha livre. É ele que escolhe o curso da sua vida, este não lhe vem imposto desde cima e a partir de fora de si mesmo. A Jesus, ninguém lhe tira a vida pois é Ele que a dá livremente. Com Ele todos os que morreram por martírio, morreram por opção: salvar a vida temporal perdendo a eterna, ou salvaguardar a eterna abrindo mão da temporal.

A depressão em CNV
Para Rosenberg, a depressão resulta do que as pessoas pensam acerca delas mesmas e do que a elas mesmas se dizem. Não existe uma doença chamada depressão - é a forma como a sociedade educa as pessoas a pensarem sobre si mesmas que a cria. Se perguntamos a um deprimido, quais são as suas necessidades neste momento o mais certo é que ele responda com um diagnóstico a si mesmo, “sou um falhado, vejo os meus irmãos bem-sucedidos na vida e eu não”.

No seu livro “Revolução na psiquiatria”, Ernst Becker atribui a depressão a "alternativas cognitivamente paralisadas." (“cognitively arrested alternatives”) - a pessoa encontra-se, num beco sem saída cognitiva a nível do seu pensamento. Quando alimentamos um diálogo interior, hipercrítico, acerca do que somos e das nossas prestações, por exemplo, se estou com fome, em vez de reconhecer a minha fome e considerar as estratégias que a natureza coloca à minha disposição e começar a procurar comida como qualquer ser vivo faz, digo a mim mesmo "Estás sempre com fome" e fico preso a este auto - diagnóstico que me diz que há algo errado comigo. Este estado de espírito não só me alheia das minhas necessidades reais como também me impede de as satisfazer.

Se eu sou um pai e não sei como agir como pai ou se acho difícil ligar-me com as necessidades dos meus filhos, em vez de buscar essa ligação, fecho-me na minha mente dizendo a mim mesmo que sou um mau pai. Acreditar na existência de um pai perfeito e ideal é como acreditar na existência do Pai Natal - o resultado certo é depressão.

Esta forma de pensar aliena-nos das nossas necessidades pelo que, não as reconhecendo, nada podemos fazer para as satisfazer. Entramos num círculo vicioso, num beco sem saída, no qual a depressão vai sendo cada vez mais profunda, escavando um fosso escuro na nossa psique no qual podemos cair perdendo-nos totalmente.

“How to make yourself miserable” é um livro escrito por Dan Greenburg. Num tom humorístico, o autor apresenta personagens famosas e o que elas conseguiram na vida e depois pede que nos comparemos com elas; aparecem, por exemplo, fotos de corpos perfeitos e belos com as medidas ideais e depois o autor pede que tiremos as nossas medidas - o que Mozart e Beethoven conseguiram quando ainda eram crianças e o que conseguimos nós… O autor garante que, em pouco tempo, nos sentiremos miseráveis. É a forma como nos julgamos a nós mesmos, às vezes em comparação com outros, que nos deixa miseráveis e deprimidos; as auto - apreciações que supõem maldade, anormalidade, disfuncionalidade ou inferioridade são caminho seguro para a depressão.

Como diz Rosenberg, quando, possuídos pela raiva, deixamo-nos invadir por pensamentos negativos, hipercríticos, em que nos culpabilizamos a nós mesmos e aos outros, é difícil estabelecer para nós mesmos um ambiente interno saudável. A CNV ajuda-nos a criar um estado de paz de espírito, e encoraja-nos a focar a nossa atenção no que realmente necessitamos – traduzindo as mensagens internas negativas em sentimentos e necessidades, em vez de analisar hipercriticamente e de forma negativa o que se passa connosco e com os outros.

Os deprimidos têm uma fraca autoestima e estão entorpecidos por um falso conceito negativo deles mesmos. A verdade é que por detrás destes autojulgamentos que produzem a depressão, estão necessidades insatisfeitas. O problema é que nós não fomos educados no sentido de pensar no que necessitamos, no que sentimos, mas sim no que somos.

A solução é, portanto, reconhecer estes pensamentos e autojulgamentos quando afloram à nossa consciência e traduzi-los por necessidades insatisfeitas. Uma vez reconhecida a necessidade, a depressão desaparece e é substituída pelo sentimento de tristeza ou frustração; estes sentimentos são positivos pois já não são um beco sem saída como é a depressão: pelo contrário, espevitam o nosso psiquismo a buscar soluções para que essas necessidades sejam satisfeitas.

Confrontar as estruturas do poder ou os poderes instituídos
O que produz a ira, a culpa, a depressão e a vergonha não é nunca o que eu ou o outro diz ou faz, mas a forma como interpretamos, avaliamos e julgamos o que o outro ou nós dizemos ou fazemos. Ao entender estas afirmações como formas alienantes trágicas e suicidas de expressar necessidades insatisfeitas, procuro então identificar quais são essas necessidades. A ira, a culpa, a depressão e a vergonha dissolvem-se, quando para além dos meus julgamentos encontro e me ligo com a necessidade insatisfeita.

Estarmos ligados aos nossos sentimentos e necessidades, é estarmos ligados a um sistema que serve a vida, como Rosenberg lhe chama. Esta ligação não faz de nós bons escravos.

Quando estamos ligados aos nossos sentimentos e necessidades, as estruturas do poder tudo fazem para nos divorciar dos nossos sentimentos e necessidades, a fim de prestar vassalagem à ideologia que têm implantada nas nossas mentes como um cavalo de Tróia, para nos subjugar. Para tal efeito, em vez de nos educarem numa linguagem processual que seria a que corresponde a uma realidade em constante mudança, educam-nos numa linguagem estática que nos aprisiona em clichés e nos diz o que invariavelmente somos para nós mesmos e para os outros.

Quando vivemos dentro da filosofia da CNV, nunca temos que nos preocupar sobre o que as outras pessoas nos dizem; o que temos que nos preocupar é com a forma como conceptualizamos e reagimos às afirmações dos outros acerca de nós. Não temos que nos preocupar quando uma pessoa nos diagnosticar, por exemplo, como sendo muito sentimentais. Não é o que a outra pessoa nos diz que cria a nossa dor, mas como eu reajo e lido com o que o outro me diz.

Quando o que o outro diz me afeta, eu dou-lhe o poder de me definir para determinar o que eu sou ou não sou. Dar ouvidos ao que a outra pessoa diz acerca de mim é reconhecer a sua influência sobre mim e deixá-lo determinar como devo ou não devo sentir-me sobre mim mesmo; é desistir da minha autonomia, admitindo a derrota e que a minha segurança e autoestima estão nas mãos de outra pessoa, não nas minhas.

É difícil evitar que isto não nos afete pois fomos ensinados desde a infância, que a nossa vida depende de como os outros nos julgam, especialmente aqueles com títulos.

A CNV é uma linguagem dinâmica que nos treina a descortinar necessidades e sentimentos por trás do que a pessoa me diz. Assim descubro a necessidade por trás de um "não" e por trás da crítica e, sem me deixar ludibriar, faço o mesmo com os elogios e os parabéns que me dirigem, expressados em linguagem estática e não referentes a comportamentos ou ações minhas.

Criar um sistema ao serviço da vida
I have taken my chances more than once / and I have got my fingers burned /and done somethings I wouldn’t have done /If I knew then what I’ve since have learned. (Arrisquei mais que uma vez / e queimei os meus dedos / e fiz coisas que não teria feito / se soubesse na altura o que, entretanto, aprendi). Marshal Rosenberg

Como nunca possuímos nem possuiremos uma informação completa acerca de uma determinada situação, nunca fizemos nem nunca faremos algo errado. Tudo o que fazemos e sempre faremos, assim como tudo o que os seres humanos alguma vez fizeram, é feito para satisfazer necessidades, para servir a vida e a tornar mais prazenteira.

Por exemplo, suponhamos que ontem à noite tive necessidade de relaxar um pouco e coloquei a música muito alto; no dia seguinte, o meu vizinho olha-me com ar de desagrado. Quando decidi colocar a música não tive em conta o meu vizinho. Ele não fez parte da minha equação. Às vezes fazemos coisas sem saber ao certo o impacto que as nossas ações vão ter.

Isto não significa à priori que fizemos algo errado - o que eu fiz satisfez de facto a minha necessidade de relaxamento, mas não satisfez a minha necessidade de ser atencioso com o meu vizinho. Para explicar isto melhor, Rosenberg divide o nosso psiquismo em dois: o que escolhe e o que educa; o que escolhe satisfez a necessidade de relaxamento, porém esta foi satisfeita à custa da minha necessidade de ser atencioso com o vizinho. O meu educador, o que tem necessidade de ser atencioso com o meu vizinho, sente empatia com o que escolheu e os dois procuram que ambas as necessidades sejam abrangidas.

Nunca ninguém fez nada deliberadamente por mal. Tudo o que fazemos é para servir a vida, satisfazer as nossas necessidades, de forma a tornar a nossa vida e a dos outros mais prazenteira. Isto inclui o próprio Hitler; as estratégias seguidas podem estar erradas, mas no momento da escolha não o sabemos e, muitas vezes, não há de facto forma de o saber.

Às vezes podemos até saber de antemão o impacto que a nossa ação vai ter sobre os outros. Um pai pode ter pensado no impacto negativo que ia ter sobre o seu filho o que lhe ia dizer e, no entanto, naquele momento, a necessidade de o dizer foi mais forte que a necessidade de se conter. Ou não sabia no momento como satisfazer as duas necessidades - a de respeitar o seu filho e a de o admoestar.

Aprendemos mais com os nossos erros que com os nossos êxitos. Nunca ninguém aprendeu a andar de bicicleta sem cair uma e outra vez. O processo de aprendizagem inclui erros; somos chamados a aprender com eles, sem perder o respeito por nós mesmos. Que fazemos com os nossos erros depois de retirar deles a lição que nos ensinaram? Fazemos o luto.

Amar-se incondicionalmente
Amai os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus; porque Ele faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos. Mateus 5:44,45

Dificilmente alguém aceitaria morrer por uma pessoa que obedece às leis. Pode ser que alguém tenha coragem para morrer por uma pessoa boa. Mas Deus mostrou-nos o quanto nos ama: Cristo morreu por nós quando ainda vivíamos no pecado. Romanos 5, 7-8

Porque estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, 39 nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor! Romanos 8 38-39

Em CNV o amor não é um sentimento, mas sim uma necessidade. Como tal, é universal, pertence à natureza humana: todos os seres humanos que existiram até agora e os que vão existir, têm necessidade de amar e ser amados. Esta é, aliás, a primeira e a mais importante necessidade depois das necessidades físicas comuns aos demais seres vivos; esta é a necessidade que mais caracteriza a espécie humana no confronto dos demais seres vivos. Sem amor, não há vida humana porque viver é amar.

Como necessidade universal impregnada na natureza humana, o amor é por definição incondicional; não está sujeito a nenhum condicionamento; é devido, não merecido. Se amarmos, amemos incondicionalmente; o amor com condições não é amor.

Deus e pelo geral os nossos pais amam-nos incondicionalmente, ou seja, não precisamos de ser moralmente bons, ser bem-sucedidos na nossa vida para obter o seu amor. Estou em crer que há poucas pessoas que se amem incondicionalmente; podemos até amar os outros incondicionalmente, mas não a nós mesmos. Suponho ser esta uma das causas da depressão. Não nos perdoamos quando erramos e somos menos que perfeitos; parece que ligamos o nosso amor ao nosso desempenho na vida: amamo-nos quando somos bem-sucedidos e odiamo-nos quando não o somos.

Mas se Deus nos ama incondicionalmente, como acima fica biblicamente provado, porque não nos amamos também nós incondicionalmente? Se Deus, o nosso Criador, faz chover sobre justos e injustos, na parábola do semeador, não quer saber se produzimos 30, 60 ou 100%, desde que produzamos. Somos mais duros que Deus connosco mesmos; talvez seja pelo facto de não O conhecermos realmente. Parafraseando 1 João 4, 8, “Quem não “SE” ama não conhece a Deus porque Deus é amor.”

Traduzir autocrítica em necessidades
Como sabemos já, para Rosenberg, todas as críticas e autojulgamentos são expressões trágicas de necessidades insatisfeitas. Em vez de dizermos que alguém ou eu próprio estou errado ou sou mau, o que devo dizer é que o outro ou eu mesmo, não está a atuar em harmonia e conformidade com as suas necessidades. - Quando ouvimos uma autocrítica ou um autojulgamento no nosso íntimo devemos perguntar-nos “como me sinto, de que necessito?”

Estou viciado em Televisão!
Observação – Identifica o que estás a fazer, quantas horas por dia dedicas à televisão.
Sentimento – Como te sentes? - “Sinto-me stressado e ansioso, pois deixo para trás coisas importantes.”
Necessidade – Liga o sentimento a uma necessidade que não está a ser satisfeita com aquele comportamento. - “Tenho necessidade de parte do tempo que dedico à televisão para as minhas tarefas.”
Pedido – Depois de sentir esta necessidade, que pedido podes a fazer a ti mesmo? – “Vou estabelecer um determinado tempo para ver televisão, de modo a ter tempo para realizar as minhas tarefas.”

Os erros como etapas do progresso
"Os erros são as dores de crescimento da sabedoria. Sem elas não haveria nenhum crescimento individual, nem progresso, nem conquista." William Jordan

Em CNV olhamos para os erros de uma forma positiva, sem lhes dar qualquer valor ético que nos leve ao sentimento de culpa. Se um erro fica colado à nossa consciência, de forma a que pensamos nele uma e outra vez, é porque estamos a culpabilizar-nos pelo sucedido. Neste caso, devemos parar de pensar assim. 

“Errare humanum est” - na aprendizagem do que quer que seja - piano, andar de bicicleta, uma nova língua etc. - errar faz parte do processo. São oportunidades para aprender uma lição: se não houvesse erros não saberíamos quando acertamos. Na vida aprendemos mais com os nossos erros que com os nossos êxitos; os erros ensinam, os êxitos não. São os erros que nos dizem o que já aprendemos e o que nos falta ainda aprender.

Na tradição religiosa judaico cristã, o mau ato chama-se pecado. O conceito de pecado, hoje tão moralizador, moralizante e tão ligado ao sentimento de culpa e a uma consciência moral escrupulosa, por ser uma grave ofensa a Deus e ao próximo, originalmente não tinha este sentido, nem esta conotação moral.

Em amárico, a língua semítica nacional e oficial da Etiópia, pecado diz-se “Hatiat” que vem da raiz de hatá e que significa perdeu, não encontrou ou “errou o alvo”. Ou seja, imaginamos uma pessoa com o seu arco de flechas apontando, para a diana ou alvo, e errando. É isto que significa pecado: errar o alvo. Por isso, em si, não é uma má ação, mas um erro de cálculo ou de visão que simplesmente nos diz que temos de praticar mais.

Num dos seus workshops, uma mulher informou Rosenberg da gritaria que tinha acontecido entre ela e o seu filho antes de vir para a sessão:
Marshall: Que disseste a ti mesma depois da gritaria?
Mãe: “Disse que sou uma péssima mãe. Não deveria ter falado assim com o meu filho. Onde estava eu com a cabeça?”

Como não devemos tomar pessoalmente os insultos e críticas dos outros, também, de alguma maneira, não devíamos tomar a peito os nossos próprios julgamentos. Os sentimentos que acompanham o autojulgamento são a culpa, a vergonha, que nos mergulham na depressão.

No caso da educação, estes sentimentos podem levar a mãe, de alguma forma, a compensar o seu filho, sendo condescendente ou demasiado complacente, fazendo com que a emenda seja pior que o soneto. Precisamos aprender, mas sem nos odiarmos a nós mesmos, sem nos insultarmos. A aprendizagem que ocorre através de culpa ou vergonha sai-nos cara a nós e aos que estão em estreita relação connosco.

Marshall - Que necessidade tua ficou insatisfeita pela forma como trataste o teu filho?
Mãe - "Para mim é um valor e uma necessidade respeitar as pessoas, ao faltar ao respeito ao meu próprio filho fui contra a minha necessidade e valor de respeitar os outros.”
Marshall - Agora que a tua atenção está focada nas tuas necessidades e valores e não na culpa, como te sentes?
Mãe – “Sinto-me triste.”
Marshall - "Como sentes essa tristeza em comparação com o que pensavas antes ao dizer-te a ti mesma que eras uma má mãe e que não sabias onde estavas com a cabeça?
Mãe – “Sinto-me triste, mas aliviada e esperançada.”

Com o uso da CNV a gritaria daquela mãe, que a levou a auto qualificar-se como má mãe, o que a poderia ter levado à depressão e, consequentemente, a uma condescendência motivada pelo sentido de culpa, foi somente uma ocasião de aprendizagem. Ao ver-se livre do sentimento de culpa, esta mãe sentiu-se aliviada e esperançada de que para a próxima faria melhor. Em CNV não somos maus nem culpáveis, apenas nem sempre estamos à altura de satisfazer as nossas necessidades e valores.

“Quero” em vez de “tenho que”
(Don’t do anything that isn’t play) Não faças nada que não seja por gosto – Marshall Rosenberg

Em CNV não há deveres, coisas que temos que fazer quer queiramos e gostemos quer não. Não fazemos nada por dever nem fazemos nada pelos outros; tudo o que fazemos vai colmatar uma necessidade nossa, pelo que o fazemos por gosto e não por dever.

Quando o que fazemos é motivado pelo gosto de o fazer nunca nos cansamos de o fazer; a motivação é intrínseca. Pelo contrário, quando o que fazemos é motivado pelo dever, a motivação é extrínseca, não parte de nós, fazemo-lo triste e pobremente e, quando podemos escapar a esse dever, rapidamente o fazemos.

Uma das palavras mais violentas que os seres humanos inventaram é “dever”. "Eu não devia ter feito aquilo”, “eu deveria ter sido mais compreensivo." O “dever” coloca-nos em situação de dívida constante, que nunca conseguimos saldar, pelo que o que quer que façamos, por mais que seja, nunca é suficiente. Nunca vivemos satisfeitos quando o que fazemos é por dever, porque estamos em dívida. O que fazemos por dever não é fonte de felicidade e de alegria pois não foi feito nem por gosto, nem com gosto, foi feito porque tinha de ser feito; desta maneira, aquele que faz as coisas por dever, sempre vive insatisfeito. O “dever” é o chip que o sistema de dominação nos colocou na consciência moral para que eternamente vivamos como escravos, escravos do dever.

Tradução de dever em opção
1ºetapa – Traz à mente as coisas que habitualmente dizes a ti mesmo que tens de fazer; algo que não gostas e temes, mas fazes na mesma, porque achas que não tens opção.

2ªetapa – Reconhece que, fundamental e verdadeiramente, estás a fazer essas coisas porque optas-te por fazê-las. Assim à frente de cada item substitui “Eu tenho que…” por “Eu escolho…” e sente como a frase soa diferente aos teus ouvidos e ao teu coração.

3ªetapa – Toma consciência da necessidade que está inerente a cada coisa que escolhes fazer e completa a frase como essa necessidade, “eu opto por fazer… porque tenho necessidade de…”. Na eventualidade de não encontrares nenhuma necessidade, é melhor abandonares o que estás a fazer.

Em cada escolha ou opção, toma consciência da necessidade ou valor que vai satisfazer ou colmatar. Ao ganharmos clarividência das necessidades que são satisfeitas pelos nossos atos, experienciamo-los e vivemo-los como divertimento, mesmo quando são desafiantes, envolvem esforço, sofrimento e frustração. Não há grandes vitórias sem grandes batalhas; “tristeza bem ordenhada é nata de alegria” diz o provérbio.

Encaixar positivamente o passado
“Águas passadas não movem moinhos” Provérbio português

Frequentemente, a natureza humana parece funcionar ao contrário da natureza física. A água que já passou pelo moinho já não o pode mover; porém, em nós há muitas coisas passadas que nos movem, promovem e comovem ainda no presente, como a psicanálise veio demonstrar.

Ao contrário da psicanálise, que analisa o passado para encontrar nele a razão dos nossos males presentes, a CNV só se importa com o presente. Falar do passado em excesso pode não ajudar e perpetua a mágoa e a dor. Como “recordar é viver”, recordar as mágoas e os traumas passados é revivê-los, dando-nos a sensação de que ainda lá estamos.

A CNV não é contra o revisitar do passado, devemos dedicar-lhe um olhar positivo. Tal como no cristianismo lemos o Antigo Testamento à luz do Novo Testamento, é também no espírito do nosso presente que devemos ler o passado. E encaixar positivamente as experiências negativas, entoando o nosso “Felix culpa”, ou seja, ver que se o nosso presente é bom, o mal do passado, misteriosamente, também contribuiu para isso: “não há males que por bem não venham”. O acento, o foco da nossa atenção é sempre o presente. É nele que vivemos, por isso, a eterna pergunta que devemos fazer é: “o que é que em nós está vivo aqui e agora?”, ou seja, como nos sentimos aqui e agora, que necessidades temos e o que é que podemos fazer para tornar a vida mais maravilhosa?

“Os novos amores fazem esquecer os velhos”. – As experiências positivas do presente vão sanar os traumas do passado, vão ser os novos inquilinos do nosso inconsciente, vão desalojar os traumas que lá se encontram e ocupar o seu lugar, dando-nos uma sensação de felicidade e bem-estar. Portanto, ao contrário da psicanálise, que vai de trás para a frente, a CNV vai da frente para trás: a compaixão e a empatia para connosco mesmos e para com os outros, encarnada e vivida no presente, encarrega-se de sanar o passado como por artes de magia.

A comunicação não-violenta mostra-nos uma grande diferença entre o luto e o pedido de desculpa:

Pedido de desculpa – Em CNV não há pedidos de desculpa, pois fazem parte do jogo da violência. Quem pede desculpa sente-se culpado e sente-se culpado porque fez algo mau e, por isso, deve pagar o preço, deve fazer penitência, como a contrição no sacramento da confissão – admites que és uma pessoa má pelo que fizeste: confissão; – confessas o mal que fizeste e por fim estás obrigado a fazer uma reparação, – ou seja, a cumprir penitência para contrabalançar o mal que fizeste. Quando te odeias o suficiente, és perdoado. Só que isto pode transformar-se num círculo vicioso: odeiam-se e não se perdoam, não se perdoam porque se odeiam.

Fazer o luto – O violento pedido de desculpa, a mesma culpa, é substituída pelo luto, não violento. Num exercício de introspeção, a pessoa pergunta-se qual é a necessidade não satisfeita no dito comportamento. Quando nos damos conta da necessidade que não foi satisfeita, deixamos de sentir a culpa e a vergonha e sentimos um tipo diferente de sofrimento natural, não moral; um sofrimento que não nos leva a ficar ali a lamber a ferida, mas que nos dá esperança, porque conduz à aprendizagem, à sanação e não ao ódio a nós mesmos, à culpa, à auto-humilhação e ao buraco e prisão da depressão. Desta forma, aprendemos com os nossos erros, sem perder a autoestima e o respeito por nós mesmos. Culpar-se ou culpar os outros é sempre uma trágica expressão de uma necessidade não satisfeita, diz Rosenberg.

Apreço em vez de elogios
«Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para vos tornardes notados por eles; de outro modo, não tereis nenhuma recompensa do vosso Pai que está no Céu. Mateus 6, 1

“Fizeste um bom trabalho”, “és uma pessoa simpática” “és tão inteligente” - os elogios, ainda que positivos, também são os juízos de outras pessoas, implicam julgamento, ainda que positivo. Para Rosenberg, tão alienantes são os juízos negativos como os positivos, pois não dizem nada nem de quem os dá, nem de quem os recebe.

Não aprendemos nada sobre nós mesmos nem sobre os outros com linguagem estática que pretende avaliar todo o meu ser no contexto de uma única ação. Ao contrário, aprendo algo sobre mim e sobre os outros, quando estes me dizem não o que sou, mas como uma ação minha impactou positivamente as suas vidas, satisfazendo concretamente uma das suas necessidades.

É claro que faço o que faço por puro prazer e não para receber um agradecimento sequer; mas tenho necessidade de o receber para confirmar que a minha ação fez ou não mais prazenteira a minha vida e a dos outros.

É trágico trabalharmos tanto para comprar amor e elogios, negarmo-nos a nós mesmos, negar a nossa natureza e deixar de fazermos o que gostamos para fazer o que dá gosto aos outros. Tarde ou cedo, aqueles a quem queremos agradar ou os outros em geral, dão-se conta de que não somos nós próprios e ironicamente, com este comportamento, acaba por nos sair o tiro pela culatra.

Quando fazemos o que fazemos incondicionalmente, com o único intuito de enriquecer a vida, é quando recebemos o verdadeiro apreço dos outros. Mas como o que fizemos não o fizemos para o receber, então este apreço é uma celebração da vida.

Em CNV não se expressam juízos de valor genéricos a uma pessoa e não se usa o verbo ser; a gratidão expressada refere-se sempre ao ato que ajudou a enriquecer a nossa vida. Expressa-se ou recebe-se gratidão usando os quatro componentes: descreve-se o que a outra pessoa fez, descreve-se o que sentimos ante o que foi feito, em seguida descreve-se a necessidade ou o valor que foi satisfeito. Expressa-se gratidão para celebrar e não para manipular.

O apreço é, neste caso, apenas o feedback que confirma que os nossos esforços tiveram o efeito pretendido, o reconhecimento de que o nosso esforço valeu a pena e teve sucesso porque enriqueceu a vida, pelo que nos alegramos e celebramos de uma maneira que a aprovação dos outros nunca nos poderia proporcionar.
Pe. Jorge Amaro, IMC