15 de junho de 2021

3 Coisas Jesus é para nós: Caminho - Verdade - Vida

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Depois de ir e vos preparar um lugar, voltarei e tomar-vos-ei comigo, para que, onde eu estou, também vós estejais. E vós conheceis o caminho para ir aonde vou. Disse-lhe Tomé: Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho? Jesus lhe respondeu: Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim. João 14, 3-6

Muitos de nós, quando éramos estudantes, tínhamos medo de fazer perguntas ao professor. Ainda bem para nós que os apóstolos Filipe e Tomé não eram assim, pois graças às suas perguntas ficámos a saber mais sobre Jesus. Por Filipe (João 14, 9) ficamos a saber que Jesus é sacramento de Deus Pai, pois quem o vê a Ele vê o Pai. Seguidamente, Tomé interroga Jesus sobre a forma ou o caminho para o Pai e Jesus apresenta-se como esse caminho, verdade e vida.

Muitas vezes se tem interpretado caminho – verdade – vida como três realidades diferentes e podem ser de facto diferentes, mas no contexto em que Jesus falou, as três são uma única. É preciso não esquecer o contexto em que aparece a frase, ou seja, o caminho para o Pai, o caminho para Deus ou para a vida eterna.  A prova de que estas três palavras são uma única, ou seja, podem resumir-se a uma só – caminho – é que Jesus continua a dizer “ninguém vai ao Pai senão por mim”. A verdade e a vida fazem parte do caminho, são uma descrição ou explicação do caminho.

Como muitos, vamos falar das três realidade juntas e em separado, sempre recordando que estamos a falar de uma única coisa que poderia resumir-se assim: como viver aqui na terra de forma a que a nossa morte seja uma páscoa como a de Jesus, ou seja, uma passagem para a vida eterna e não o fim e a morte eterna. Jesus é o caminho que nos leva o a Deus, a verdade que devemos abraçar na fé e concretizar em obras, Ele é a porta para a vida eterna, pois ninguém vai ao Pai senão por ele.

Caminho, verdade e vida no singular
Todos os caminhos vão dar a Roma…

Na nossa sociedade pluralista, não é politicamente correto que alguém diga eu sou o caminho ou que há só um caminho. Isso soa a imposição, a autocracia. A tendência dos nossos tempos é de que há muitos caminhos e de que todos eles são válidos. A ideia está tão presente que até mesmo os católicos nos criticam, a nós missionários, por irmos anunciar a boa nova aos povos, dizendo que esses povos já têm a sua religião que é tão boa e válida quanto a nossa.

Por muito que ofenda os nossos ouvidos modernos, não existe nenhum caminho alternativo a Cristo que seja igualmente válido. Quem não junta comigo, dispersa, diz Jesus em Mateus 12,30; não é que possa juntar-se com mais alguém, não existe esse mais alguém, não existe um modelo de humanidade alternativo a Cristo, por isso Cristo é o único caminho, a única verdade e a única forma de viver a vida.

Caminho + Verdade = Vida
A frase de Jesus pode ler-se de trás para a frente e da frente para trás, podemos fazer uma reflexão individual sobre cada uma das três premissas, como podemos fazer uma reflexão em conjunto. Já vimos como verdade e vida queriam dizer caminho, pois Jesus volta ao tema ao dizer, “ninguém vai ao Pai senão por mim”. Também podemos colocar o acento na vida e entendê-la como sendo formada por um caminho e uma verdade.

A palavra “Caminho” sugere movimento, processo, devir, transformação, enquanto que a palavra “Verdade” sugere o contrário, algo estático, imóvel, parado, sem mudança nem movimento. Estas duas realidades diferentes fazem-nos recordar a polémica da filosofia pré-socrática entre Heráclito, para quem tudo muda, não podemos banhar-nos duas vezes nas águas do mesmo rio, e Parménides para quem o movimento é ilusório, nada muda, não há nada de novo debaixo do sol.

Convém recordar que movimento e mudança para os gregos não são dois conceitos separados, mas são uma e a mesma coisa. Para Heráclito, o universo é dinâmico, tudo muda, ou seja, as coisas deixam de ser o que são para se transformarem em coisas diferentes. Isto é, voltando à imagem do banho no rio, não só as águas do primeiro banho são diferentes das águas do segundo banho, o próprio banhista não é o mesmo: com o tempo, também ele mudou. Uma realidade em contínua mudança não pode ser aprisionada, ou seja, conhecida.

Para Parménides, o ser ou é ou não é; o não ser não pode chegar a ser e o ser não pode deixar de ser. O movimento e a mudança são ilusórios. Podemos dizer que o caminho é o Ser segundo Heráclito e a verdade é o Ser segundo Parménides. Sendo composta de caminho e de verdade, a vida é composta por um elemento que se move e por outro que nunca se move.

Para os gregos, o tempo é cíclico, segundo o mito do eterno retorno, algo que evoca Parménides; para os judeus, o tempo é retilíneo, algo que evoca Heráclito e o paradigma de Egito – Deserto – Terra Prometida.

O tempo humano seria uma fusão dos dois conceitos num só, a síntese entre o círculo e a reta. Esta síntese é um movimento helicoidal, que se move em círculo à volta de um eixo, mas avançando sempre, descrevendo uma reta no seu progresso. O movimento helicoidal é o que descreve a Terra girando à volta do Sol; o Sol move-se numa órbita à volta do centro da galáxia e arrasta consigo o nosso planeta. Portanto, o movimento que o nosso planeta faz à volta do Sol é helicoidal.

Por incrível que pareça, o ADN, o nosso código genético e o princípio sobre o qual a nossa vida se baseia, tem também esta forma. A vida a nível macrocósmico é helicoidal, e a nível microcósmico também. A vida é o caminho que descrevemos à volta da verdade que não muda. A vida é o processo de assimilação dessa verdade, é a mudança que essa verdade vai operando em nós, mudando-nos ao longo dos tempos, à medida que a nossa vida mais a assimila e a põe em prática. Como a verdade é Jesus, a noosa vida evolve a volta dele, como São Paulo diz configurar a nossa vida à dele. (Romanos 13, 14)

CAMINHO
Caminante, son tus huellas el camino y nada más; Caminante, no hay camino, se hace camino al andar. António Machado

Enquanto que os gregos primam pela arte e pela filosofia, os romanos primam pela organização do Estado e pela engenharia. Por isso, entre os impérios antigos, o seu foi o que mais tempo durou. Antes dos romanos, não havia caminhos. Como diz o poeta, fazia-se o caminho ao andar; ao passar muita gente muitas vezes pelo mesmo lugar, ia-se formando um caminho.

Os romanos foram o primeiro povo a construir caminhos, as famosas calçadas romanas. Desta forma, comunicavam as partes mais longínquas do império com Roma, a capital. Por isso surgiu o provérbio “Todos os caminhos vão dar a Roma”. Ainda hoje, o traçado de muitas estradas na Europa se faz sobre antigas calçadas romanas.

Continuam a fazer-se caminhos ao andar no mundo rural e nas montanhas; mas a maior parte dos caminhos estão feitos. No sentido existencial, o poeta só estaria certo se ele fosse Adão, ou seja, o primeiro homem. Mas não é esse o caso: cada pessoa que vive traça um caminho que pode ser seguido por quem vem a trás. É neste sentido que a vida de Jesus é para nós o caminho por excelência para viver com sentido.

Jesus como Sumo Sacerdote
Visto que temos um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que penetrou nos céus, retenhamos firmemente a nossa confissão. Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. (…) O sumo sacerdote é um homem como qualquer outro, mas constituído para representar os homens nas suas relações com Deus. Hebreus 4,14-15; 5, 1

Os romanos inventaram também a ponte como a continuação do caminho para lá da outra margem do rio. Ironicamente, o título do imperador romano era o “máximo engenheiro de pontes”, “Pontifex Maximus” ou Sumo Pontífice, título que hoje é usado pelo Papa, sucessor de Pedro.

O sacerdote em todas as religiões, não só na religião judia, é aquele que intercede pelo povo diante de Deus e oficia os sacrifícios que o povo oferece a Deus para obter o Seu perdão e a Sua graça. Como intermediário entre Deus e o povo, o sacerdote faz de ponte entre Deus e o povo.

Sendo verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, melhor ponte que Jesus não há. Por Cristo Sumo Pontífice, Deus vem ao mundo e o mundo vai a Deus. Como disse Sto. Ireneu, Deus fez-se homem, para que o homem se faça Deus. Deus vem até nós por intermédio do Seu filho, nós vamos até Deus por intermédio do filho de Deus.

Em toda a sua vida, Jesus fez de ponte entre a humanidade e Deus e, no fim dela, pela forma como saiu da vida abriu-nos definitivamente as portas da vida eterna. A morte era um beco sem saída, um destino final antes de Jesus; com a sua morte e ressurreição, Jesus abriu-nos o caminho para a eternidade; Ele, o primogénito de entre os mortos, fez da morte uma passagem para a vida eterna.

A comunidade cristã interpretou desde o princípio a morte de Cristo à imagem dos sacrifícios da antiga lei. A destruição do Templo de Jerusalém e o fim dos sacrifícios da antiga lei, assim como do sacerdócio antigo, no ano 70 veio confirmar esta interpretação. Para a carta aos Hebreus o sacrifício de Jesus é perfeito porque nele Jesus é o templo, o altar, o sacerdote e o cordeiro.

O templo é o lugar onde habita Deus; Jesus era o próprio Deus, por isso era um templo perfeito; o altar era o lugar dentro do templo onde se oferecia o cordeiro; Jesus é o altar porque o sacrifício acontece em si mesmo, não é exterior a si; o cordeiro devia ser sem mancha; Jesus foi em tudo igual a nós, exceto no pecado, por isso era um cordeiro perfeitíssimo; o sacerdote da antiga aliança, antes de oferecer um sacrifício pelo povo, devia oferecer um sacrifício por si mesmo para se purificar.

Jesus, como Sumo Sacerdote, era puro, não precisava de oferecer nenhum sacrifício por si mesmo; por outro lado, o sacerdote era um pontífice, uma ponte entre Deus e os homens, Jesus, sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem, ao mesmo tempo era a ponte perfeita entre Deus e o homem. Assim se conclui que não era possível melhorar o sacrifício de Jesus, pelo que vale para a humanidade de todos os tempos.

Jesus: caminho pelo qual Deus veio aos homens
Depois de ter deixado a família na Igreja para a Missa do Galo, um agricultor canadiano regressava a casa, fugindo da tempestade de neve que se avizinhava. De nada tinha valido a insistência da sua mulher para participar na missa. Para ele, a encarnação de Deus não fazia sentido. Enquanto dormitava ao calor da lareira, foi sobressaltado pelo embate de gansos na porta e nas janelas. Afastados pelo temporal da sua trajetória migratória para o Sul, estavam completamente desnorteados.

Movido de compaixão, abriu os portões do grande celeiro e começou a correr, a esbracejar, a assobiar, a gritar e a enxotá-los para que se abrigassem até a tormenta passar. No entanto, os gansos esvoaçavam em círculos, sem entenderem o que significariam o celeiro aberto e os gestos dramáticos do desesperado agricultor (que nem com migalhas de pão espalhadas na direção do celeiro os convencera). Derrotado no intento da salvação das pobres criaturas, suspirou: “Ah, se eu fosse ganso! Se eu falasse a sua linguagem!”. Ao ouvir o seu próprio lamento, recordou a pergunta que tinha feito à sua esposa: “Por que razão havia Deus de querer ser homem?”. E, sem querer, balbuciou a resposta: “Para o salvar!” … E foi Natal.

“Religião” vem do latim “religare”, que significa relacionar-se, estabelecer uma relação. Pela sua natureza, o homem sempre foi religioso e julgo que sempre o será. Sabendo-se precário e necessitado, o ser humano procurou sempre os favores da “divindade”. Assim, em todas as culturas, surgiram indivíduos que, considerados como tendo uma especial sensibilidade para se relacionar com o divino, se sentiram enviados por Deus – por exemplo, os profetas, na tradição hebraica.

Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo, por quem fez também o mundo. Hebreus 1, 1-2

Estes profetas nunca conseguiram, verdadeiramente, estabelecer uma ponte de comunicação entre o divino e o humano. Isto porque a Palavra de Deus, sendo transmitida por eles (homens com as suas características pessoais e inseridos num determinado contexto sociocultural), acabou por sofrer influência de muitas variáveis mediadoras (personalidade, preconceitos, estereótipos, padrões sociais), perdendo-se o significado da mensagem original.

Jesus de Nazaré é o caminho pelo qual Deus vem até nós para nos falar ao ouvido, para nos falar ao coração em pé de igualdade, não de cima para baixo, mas de irmão para irmão, de homem para homem. O criador faz-se criatura para falar de dentro da natureza humana; para falar com autoridade, como notaram os homens do tempo de Jesus, porque falava e fazia, porque falava e cumpria, porque falava e as coisas aconteciam.

João 15, 16 – Não fostes vós que me escolhestes - Como se diz em teologia, a nossa não é uma religião, pois não se trata do esforço que o homem faz para chegar até Deus, mas é antes uma revelação, porque é Deus que vem primeiro até nós, e se nos revela. Por isso, Jesus pode dizer ao apóstolo Filipe, quem me vê, vê o Pai.  

1 João 4:10 - Assim, nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados. Amor com amor se paga diz o povo; o nosso amor por Deus é uma resposta ao amor divino, a única resposta, pois não cabe nenhuma outra. Portanto, porque a iniciativa é de Deus, a nossa não é uma religião, mas sim uma revelação.

Jesus: caminho pelo qual os homens vão a Deus
“Ninguém vem ao Pai senão por mim” - João 14, 6

Se Jesus de Nazaré é o Cristo, o filho de Deus, Ele é o único caminho pelo qual Deus veio até nós. Por isso mesmo não pode haver outro caminho pelo qual o homem possa ir até Deus. Não faria sentido que um fosse o caminho pelo qual Deus veio até nós, e outro fosse o caminho pelo qual o homem vai até Deus. Todos os caminhos são de ida e volta, por isso, se Deus veio até nós por meio de Cristo, por meio do mesmo Cristo nós iremos até Deus.

O propósito da encarnação de Deus pode ser lido na entrada e saída de Jesus na cidade de Jericó. Jericó é a cidade mais antiga do mundo, 8 000 anos de existência e é também curiosamente a mais baixa da terra, 500 metros a baixo do nível do mar. Por estas duas caraterísticas, Jericó representa na Bíblia o mundo em pecado. Isto mesmo sugere a parábola do bom Samaritano; o homem que foi assaltado por ladrões e malfeitores, descia de Jerusalém para Jericó, ou seja, descia da graça para o pecado.

Jesus entra em Jericó, ou seja, entra no mundo pecaminoso e vai instalar-se em casa de Zaqueu, ou seja, de um pecador. Jesus instalou-se no mundo pecador, chamou os pecadores a si, viveu, comeu com eles e tratou-os com a dignidade de filhos de Deus (Lucas 19, 1-2). Quando saía de Jericó, seguia-o uma grande multidão no caminho ascendente do pecado para a graça em Jerusalém (Marcos 10, 46-52). Assim se cumpria a razão da encarnação; Deus, por Cristo, veio ao mundo para que o mundo, pelo mesmo Cristo, fosse a Deus.

De muitas formas falou Deus pelos profetas - Todas as religiões se enquadram aqui; todos os líderes das religiões são catalisadores da vontade e dos desígnios de Deus para a humanidade; são revelações parciais da vontade de Deus. São, como se diz em teologia, “semina verbi”. Todas as religiões contêm em si mesmas sementes de verdade, pois todos os profetas eram enviados de Deus, mas não contêm a verdade toda. Se assim fosse, não haveria razão para enviar o seu próprio Filho.

Neste sentido, o cristianismo é um salto qualitativo; Jesus não é mais um profeta na longa lista de profetas, nem sequer é o último, como é Maomé na religião muçulmana. Jesus é o próprio Deus, é o filho de Deus. Não vem agregar mais ao que se conhecia de Deus, é Deus connosco para nos mostrar por palavra, obra e comportamento, o que Deus pretendia ao criar o homem.

Na parábola dos agricultores ingratos aos quais se tinha confiado uma vinha, (Mateus 21, 33ss) explica-se a relação entre os profetas e o filho de Deus. A vinha representa Israel ou o mundo, os servos enviados para recolher os frutos são os profetas que o mundo assassina; por fim, o dono envia o seu próprio filho. Jesus é a palavra definitiva do Pai.

Extra Christus nulla salus
Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; também me convém agregar estas, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um rebanho e um Pastor. João 10, 16

Conhecendo o texto acima citado, não entendo como a Igreja se atreveu a dizer que fora dela não há salvação. Essa ideologia, pois não posso chamar-lhe de outra coisa, vigorou até ao Concílio Vaticano II. É certo que a Igreja é o corpo místico de Cristo, mas há mais marés que marinheiros. Cristo não se esgota na Igreja, a correspondência não é absoluta; para entendermos, a Igreja está toda contida em Cristo, mas Cristo é maior que a Igreja.

Cristo veio ao mundo não para transformar o mundo numa Igreja, mas sim para transformar o mundo no Reino de Deus. É mais importante ser membro do Reino de Deus que ser membro da Igreja. A Igreja está, ou deve estar, ao serviço do Reino de Deus como esteve o seu fundador. Pertencem ao Reino de Deus todos os homens de boa vontade, todos aqueles que, mesmo sem conhecer a Cristo, já o seguem, pois buscam ser cada vez mais humanos. Jesus não veio ao mundo para instituir uma nova religião; fundamentalmente veio ao mundo para ensinar os homens a ser homens e é neste sentido que é o caminho, a verdade e a vida.

Há, portanto, salvação fora da Igreja, mas não há salvação fora de Cristo. Mais uma vez, é isto o que quer dizer Jesus ao declarar-se caminho, verdade e vida e ao agregar que ninguém vai ao Pai senão por ele. Não faria sentido que Jesus, o filho unigénito de Deus, viesse ao mundo e para além dele houvesse outras alternativas de salvação. Para isso, não era preciso vir, seria não só uma extravagância, mas uma degradação de si mesmo.

A teoria de cristão anónimo de Karl Rhaner é a que melhor lida com esta matéria. Cristão e humano são dois adjetivos sinónimos; a medida do cristão é a medida do humano e a medida do humano é a medida do cristão. Como estes dois adjetivos são 100% equivalentes, todo o indivíduo de qualquer religião, assim como os agnósticos e ateus, na medida em que são autêntica e genuinamente humanos ou se esforçam por ser, são cristãos, mesmo sem ser batizados.

As outras religiões podem também dizer a mesma coisa: se rezo, jejuo e pratico a caridade dos muçulmanos, podem considerar-me um deles; seria então um muçulmano anónimo. E se medito e busco a perfeição espiritual, posso ser considerado um budista anónimo.

A salvação, no entanto, não vem por Buda nem por Maomé, mas por Cristo porque só ele é verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus. “Em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos”. Atos 4, 12.

Para ser salvo não preciso de ser membro da Igreja que ele fundou, mas basta esforçar-me por ser verdadeiramente homem como ele foi. Quando me esforço por ser verdadeira e genuinamente homem estou a imitar Cristo, mesmo sem o saber, estou a aceitá-Lo como caminho, verdade e vida.

De onde vimos e para onde vamos
… eu sou a porta das ovelhas. (…) Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens. João 10, 7, 9

Quando os rebanhos em transumância não regressavam ao povoado, mas ficavam nas pastagens, fazia-se um aprisco com pedras ou estacas de madeira e o pastor dormia ou ficava de guarda na porta. Todas as ovelhas saíam por essa porta única para ir para as pastagens.  

As três perguntas que todo o ser humano se faz – de onde venho, para onde vou, que sentido tem a vida e a luz de Cristo como caminho, verdade e vida – têm resposta fácil. Venho de Deus, vou para Deus ou para a vida eterna que é a minha meta. O caminho e a porta para lá é Cristo, Ele é a verdade que devo abraçar, a verdade que deve configurar a minha vida para poder alcançar a vida eterna.

Somos caminhantes e peregrinos. Somos espiritualmente nómadas porque amamos a Deus sobre todas as coisas e pessoas e por isso não nos apegamos a nada nem a ninguém. “Porque não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a futura”. (Hebreus 13, 14)

De facto, o primeiro nome que os seguidores de Cristo tiveram estava relacionado com Cristo como caminho. Em Atos 9,2, diz-se que Paulo perseguia os da via, depois da sua conversão admitiu que era membro dos seguidores do caminho Atos 24, 14.

Jesus é o nosso GPS, pois quando nos medimos com Ele e com a sua palavra, sabemos onde estamos; reconhecemos os nossos pecados, os nossos defeitos e vemos o que nos falta para chegar a Ele. Um GPS diz-te onde estás e para onde queres ir, mostra-te o caminho até lá e como chegar lá.

VERDADE
Quanto ao fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: ‘Nunca o deveis comer, nem sequer tocar nele, pois, se o fizerdes, morrereis.‘ A serpente retorquiu à mulher: ‘Não, não morrereis, porque Deus sabe que, no dia em que o comerdes, abrir-se-ão os vossos olhos e sereis como Deus, ficareis a conhecer o bem e o mal‘.» Genesis 3, 3-5

“Essa é a tua verdade, eu não penso assim” … Já todos nós ouvimos este argumento; mas afinal de contas quantas verdades há? Não é uma “contradictio in terminis” haver mais que uma verdade? Se há mais que uma verdade, onde fica o conceito de mentira?

O problema já vem de longe. Na Bíblia, conhecer significa dominar, controlar; o pecado dos nossos pais foi o equivalent do mito grego de roubar o fogo aos deuses; foi usurpar de Deus o critério do bem e do mal, prerrogativa que só a Ele pertencia e, para que tudo funcione bem cá em baixo, só a ele devia pertencer.

No contexto da ética ou moral, o papa Bento XVI fala muito da ditadura do relativismo. Se a verdade é plural, é impossivel a paz, a harmonia e o entendimento em sociedade. Quem se ergue a si mesmo como critério de verdade não tarda a cair na tentação de impor a sua “verdade” sobre a “verdade” dos outros. Assim fizeram os grandes ditadores; tudo o que Hitler, Estaline e outros fizeram, foi pensando que estavam a fazer o bem.

“Deus morreu, viva o super-homem” disse Nietzsche; quando Deus, deixa de ser Deus todos querem ocupar o seu lugar e não tardam a surgir outros para impor o seu próprio conceito arbitrário de verdade, justiça, amor e bondade e o mundo transforma-se num autêntico pandemónio.

Depois de o homem usurpar de Deus o critério do bem e do mal, todos os outros valores deixam de ser absolutos, para sere relativos, convencionais, arbitrários e subjetivos; todo o indivíduo é deus de si próprio e, se puder, também do outro, e de todos os que poder reunir à sua volta, pelo que pela primeira vez o homem sente-se nu e com necessidade de se proteger dos seus semelhantes.

Já os romanos tinham medo da arbitrariedade dos ditadores quando disseram “Dura lex sed lex”; a lei é dura, mas é a lei – uma bitola comum a todos e igual para todos. A arbitrariedade de um ditador é bem mais dura que a lei.

A verdade, a justiça, o amor, o bem… Todos os valores humanos são atributos de Deus. Ele e só Ele é justo, verdadeiro, amoroso e bom (Cfr. 1 João 2,29). Para serem mais evidentes e imitáveis, estes valores foram encarnados na pessoa de Jesus, o filho de Deus. Ele é o caminho, a verdade e a vida; ou seja, o único caminho, a única verdade e a única vida, pois como ele próprio diz, quem não recolhe comigo, dispersa (Lucas 11, 23); não é que recolha com outro porque não há nenhuma alternativa igualmente válida, para todo o ser humano, à vida que Jesus nos aponta, a qual ele próprio testemunha e incorpora.

Quem busca a verdade ouve a minha voz (João 18,37). Ele é o padrão de tudo o que é humano; quem quiser medir o seu grau de verdade, justiça, bondade e amor é com Cristo que tem de se comparar. Quem quiser saber o quão humano ou inumano é, tem de se medir em relação a Cristo.

Quando todos se submetem e amam a Deus, que é o critério último de todos os valores, o supremo bem, justiça, amor e bondade, tem lógica que amemos o próximo como nos amamos a nós mesmos; todos os que se dirigem a Deus como Pai têm-se como irmãos entre si.

Verdade e natureza humana
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, / muda-se o ser, muda-se a confiança; / todo o mundo é composto de mudança, / tomando sempre novas qualidades. Luís de Camões

Tudo é relativo, dizemos, tudo muda, tudo passa de moda, mas há algo que permanece. Há algo que ao longo dos séculos não mudou: a Natureza Humana. Esta assenta nos valores que a compõem. Estes valores são atributos de Deus, como dissemos estes valores não mudam. O conceito de amor, de verdade, de justiça, de fraternidade, de generosidade etc. são valores fixos.

O que era amor no tempo de Cleópatra, é o mesmo do tempo de Romeu e Julieta é o mesmo do tempo de Jesus. “Ninguém tem maior amor que aquele que dá a vida pelos seus amigos” é um valor universal, atemporal e eterno.

Se assim não fosse, se a Natureza Humana fosse suscetível de mudança ao longo do tempo, ou seja, de geração em geração ou ao longo do espaço, de cultura para cultura, de civilização para civilização, Cristo teria que encarnar em cada cultura e em cada geração para ser a palavra de vida para essa geração. A Bíblia não poderia ser atemporal e universalmente válida, mas caducaria como qualquer produto do mercado, quando com o andar dos tempos ou a passagem de uma cultura a outra, a natureza humana mudasse.

Vim ao mundo para ser testemunha da verdade. Quem é da verdade ouve a minha voz. João 18:37

Como só existe uma natureza humana, só existe uma forma de viver a vida, só existe uma verdade que se ajusta a essa natureza humana e como a natureza humana não muda ao longo dos séculos, então também a verdade que se ajusta a esta natureza humana não muda. Essa verdade é a Palavra de Deus encarnada em Jesus Cristo, é o verbo feito carne para todos os tempos e todos os lugares.

Com a sua vida, com a sua palavra, com o seu comportamento e forma de viver, Jesus dá testemunho da verdade, ou seja, encarna a verdade de tal forma que é o padrão da vida humana, o paradigma, o arquétipo, o caminho, a verdade e a vida.

“Que é a verdade?”, pergunta Pilatos e ele mesmo, sem saber, respondeu ao dizer ecce homo, a verdade é uma pessoa, a verdade para a natureza humana é a Palavra de Deus, é Cristo o caminho, é o processo de configurar-se com Cristo. Como diz são Paulo, este é o caminho.

Escolhi o caminho da verdade; propus-me seguir os teus juízos. Salmo 119, 30

“Quando nasce a panela, nasce o testo para ela”, nasce o ser humano, a natureza humana. A verdade é tudo o que se ajusta a esta natureza humana, é como esta natureza humana deve ser vivida. Uma máquina funciona de determinada maneira, nenhuma máquina funciona de diferentes maneiras, mas só de uma. O melhor funcionamento da máquina é o que melhor se ajusta à sua natureza.

O ser humano é o computador, o hardware; a verdade é o sistema operativo que faz funcionar o computador; a vida são os diferentes programas que funcionam com base no sistema operativo, as diferentes vocações, as diferentes formas de viver a vida.

… Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo diz S. Paulo aos Romanos 13, 14; como se Cristo fosse a roupa que nós devemos vestir; Cristo é a roupa que nos serve, adequada à nossa natureza humana. Não há outra marca de roupa que podamos usar que se ajuste à nossa natureza humana e que nos leve à vida com Cristo.

Como dizia alguém, Deus perdoa sempre, o homem às vezes, a natureza não perdoa nem esquece. Isto é válido tanto para a Natureza ecológica do nosso planeta como para a natureza do nosso organismo, físico, da nossa mente, do nosso espírito. Tomemos por exemplo o funcionamento do nosso fígado; pode sintetizar uma determinada quantidade de álcool mas, se bebermos mais que essa quantidade, tarde ou cedo pagaremos o preço de ter ido contra a natureza humana.

O mesmo com o açúcar, o nosso organismo contrabalança o açúcar que ingerimos com a insulina, mas se abusarmos continuamente do consumo de açúcar, chegará um tempo em que o nosso pâncreas não conseguirá fabricar a insulina necessária para neutralizar a quantidade de açúcar ingerida.

Todas as funções do nosso organismo requerem um comportamento do indivíduo que seja adequado a manter o equilíbrio dado pela natureza ao nosso organismo; os abusos pagam-se caros. O nosso organismo, como qualquer máquina, tem uma maneira de funcionar, não tem duas maneiras igualmente válidas de funcionar.  

Veritas vos liberavit, a verdade libertar-vos-á
Se permanecerdes fiéis à minha mensagem, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade libertar-vos-á. João 8, 31-32

A mensagem de Cristo é composta por três partes: pela sua pregação ou doutrina, ou seja, por tudo o que Ele disse; por tudo o que fez, pelos seus milagres e obras pois, como Ele próprio disse, as pessoas conhecem-se pelas suas obras como as árvores pelos seus frutos (Cf. Mateus 7, 16); e, por fim, pela forma como ele se comportou em todas as situações da sua vida. Tudo isto é normativo para nós, tudo isto é “Caminho, verdade e vida” (João 14, 6), tudo isto é natureza humana.

O Criador fez-se criatura para ensinar os homens a ser homens. Na sua vida, Jesus revela a natureza humana e a forma de a viver; Ele é o padrão da natureza humana: quem quer ser autêntico e genuinamente humano mede-se por Ele. É neste sentido que devemos interpretar “a verdade vos fará livres”. Conhecimento é poder e controlo, conhecer a verdade das coisas significa poder controlá-las, ter poder e exercer esse poder sobre elas.

Em Psicologia, dizemos “o que sabes sobre ti, em especial sobre o teu inconsciente ou vida passada, consegues controlar; o que não sabes, controla-te a ti”. O conhecimento da natureza que te rodeia, da própria natureza humana a nível físico, espiritual e psicológico, dá-te liberdade, pois podes dominá-la e assim saber o que pode acontecer; conheces também os limites e, dentro desses limites, és livre, pois a liberdade absoluta não existe; sabes até onde podes correr, o que podes ou não podes comer, a quantidade de álcool que podes beber, etc. O conhecimento da verdade das coisas emancipa-te delas, deixando tu de estares à sua mercê; passas a não ser dominado por elas, és livre, independente e autónomo.

VIDA
Ensina-me, Senhor, o teu caminho, e andarei na tua verdade; une o meu coração ao temor do teu nome. Salmo 86, 11
• Far-me-ás ver o caminho da vida; na tua presença há fartura de alegrias; à tua mão direita há delícias perpetuamente.
Salmo 16, 11
• Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.
João 1, 3-5
• Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigénito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.
João 3, 16
• Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede.
João 6,35
• Eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância.
João 10, 10
• Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá.
João 11, 25-26

Não somos proprietários do bem mais precioso que temos, a vida. Nada fizemos para a ter, os nossos pais não no la deram, mas apenas a transmitiram, pois a que eles tinham também não era deles. Como nada fizemos para a ter, nada podemos fazer para a reter. A vida vem de Deus e volta para Deus. Deus expira e começamos a viver, inspira e deixamos de viver. A vida neste sentido não é um dom, pois nunca chegamos a possuí-la, mas sim um empréstimo; um empréstimo que recebemos que deve render juros para quem no la emprestou, Deus. (Mateus 25, 14-30)

Não há vida fora de Deus nem há vida sem Deus; Nele está a fonte da vida, sem Ele nada podemos fazer. Só Ele tem o antídoto contra a morte, pois Ele é o primogénito de todos os mortos, inaugurou a vida eterna para nós. Deus criou-nos do nada e, sem Deus, voltamos ao nada, à morte eterna. Só por Cristo e em Cristo a nossa vida temporal pode estender-se eternamente, se aceitarmos ser irmãos Dele, filhos adotivos do seu Pai.

Não não somos mais que criaturas de Deus e, como tal, estamos destinados à morte. Como tudo o que Deus criou, nascemos, crescemos, reproduzimo-nos e morremos. Não somos, em princípio, filhos de Deus, pois Deus só tem um filho gerado e não criado como diz o Credo. Pelo contrário, somos criados, não gerados; portanto somos criaturas, não filhos. Uma coisa é criar, outra é gerar; porém Jesus ofereceu-nos a sua irmandade e deu-nos o seu Pai como Pai adotivo.

No direito romano que, no caso da adoção é o que vigora no mundo, os filhos adotivos têm os mesmos direitos que os gerados e, em caso de herança, recebem também a mesma herança; assim nós, como filhos adotivos de Deus Pai, recebemos em herança a vida eterna com Ele, ao lado do Seu filho gerado, Jesus Cristo.

A vida como processo de assimilação da verdade
E fui ao anjo, dizendo-lhe: Dá-me o livrinho. E ele disse-me: Toma-o, e come-o, e ele fará amargo o teu ventre, mas na tua boca será doce como mel. E tomei o livrinho da mão do anjo, e comi-o; e na minha boca era doce como mel; e, havendo-o comido, o meu ventre ficou amargo. Apocalipse 10, 9-10

A Palavra de Deus é a verdade inalterável, o pão do Céu, o pão que leva ao Céu; quem o comer viverá eternamente. Esta Palavra é doce ao paladar, pois soa bem aos ouvidos. Como é a verdade da vida é lógica, tem peso e medida, impõe-se por si mesma. Não há dúvida que mesmo do ponto de vista do ateísmo ou do agnosticismo, a narrativa dos evangelhos é incomparável com qualquer outra narrativa de vida humana e sobrepõe-se de longe a qualquer outra.

A digestão, a assimilação desta palavra, o encarnar esta palavra e transformá-la em comportamento do nosso dia a dia, não é coisa fácil. A Palavra eterna de Deus é o elemento estático da nossa vida. O processo de a assimilar, de a encarnar, é o caminho da nossa vida, é elemento de mudança, de movimento.

A nossa vida é o caminho ou processo de nos revestirmos de Cristo, como diz S. Paulo; é isto que significa ser cristão. Uma tarefa que nunca está acabada pois nunca o somos totalmente, estamos sempre em processo, a caminho de o ser plenamente.

No mundo antigo havia duas conceções do tempo: a grega cíclica, baseada no mito do eterno retorno, no suceder das quatro estações do ano, ou mesmo no movimento da Terra à volta do sol. Ao contrário dos gregos, os judeus tinham uma conceção retilínea do tempo; o tempo humano é um tempo histórico formado por um passado, um presente e um futuro: os judeus baseavam a sua filosofia do tempo no arquétipo histórico da saída do Egito e do caminhar pelo deserto em direção à Terra Prometida.

O tempo cristão é a união do círculo e da reta, resultando num movimento helicoidal; ao mesmo tempo circular porque se move em círculo, e retilíneo porque avança de trás para a frente, do passado para o futuro. Neste movimento helicoidal está a verdade do ponto de vista cósmico: o nosso planeta é arrastado pelo sol que orbita à volta do centro da nossa galáxia; por isso o movimento que a terra descreve não é elíptico, pois o sol também se move, mas helicoidal. O movimento helicoidal representa também, a nível biológico microscópico, o nosso código genético; os genes que constituem a verdade do nosso corpo dispõem-se desta forma dentro do nosso ADN.  

Um ano é constituído por 365 dias ou rotações à volta do Sol – Sol que é Cristo, que ilumina e dá sentido à nossa vida, que é o princípio e é o fim, quer do Universo quer das nossas vidas individuais. Cristo é a verdade, a constante durante toda a nossa vida, é o eixo à volta do qual gravitamos para obter vida, tal como a Terra faz com o Sol.

Cada ano que passa, meditamos em torno do mistério de Cristo, desde a sua Encarnação até à sua Morte, Ressurreição e Ascensão aos céus. Em última análise, para irmos saindo do nosso “Egito” pessoal, configurando a nossa vida cada vez mais com a Dele, no sentido de um dia chegarmos à Terra Prometida e podermos dizer como S. Paulo: “Já não sou eu que vivo é Cristo que vive em mim”. (Gálatas 2,20). Jesus é o caminho e a verdade que leva à vida.

Conclusão: A vida cristã é um longo e sinuoso caminho ou processo de assimilar e encarnar a verdade que é Cristo enquanto giramos à sua volta, pois só nele vivemos e nos movemos e temos o nosso ser. (Atos 17,28).

Pe. Jorge Amaro, IMC





 

1 de junho de 2021

3 Mães: Terreal - Celestial - Eclesial

Sem comentários:

… Estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo. Mateus 28, 20

Enquanto crianças, temos duas mães na Terra e uma no Céu; enquanto adultos, temos duas no Céu e uma na Terra. Os cristãos, ou pelo menos os católicos, têm sempre uma mãe na Terra e outra no Céu. Com o tempo, podemos perder, e perderemos certamente, a mãe que nos deu à luz; mas nem assim ficamos órfãos: a Santa Madre Igreja nunca a perdemos, pois, tal como as outras duas, precede-nos e continuará na Terra depois do nosso tempo, até ao fim dos tempos.

Recebemos a vida que Deus nos transmitiu através da nossa mãe que nos deu à luz. Esta é a nossa mãe individual, que desde bem cedo nos leva à Santa Madre Igreja, onde encontramos uma mãe que é, ao mesmo tempo, temporal, como a que nos deu à luz e “eterna” ou, melhor dizendo, temporalmente eterna pois durará enquanto o tempo existir. Assim, temos sempre duas mães na Terra e uma no Céu, ou duas no Céu e uma na Terra. Nunca estamos órfãos pois, onde quer que estejamos, temos sempre uma ou duas mães que nos consolam e nos confortam.

A NOSSA MÃE NA TERRA
Mãe… Palavra tão pequenina, bem sabem os lábios meus, que és do tamanho do Céu e apenas menor que Deus. Mário Quintana

Mamã, é a primeira palavra que aprendemos, sendo papá a segunda. Estas são as únicas duas pessoas às quais nunca tratamos pelo próprio nome. Nunca esquecerei o funeral do pai de um sacerdote que nunca nomeou o nome do pai, nem ao princípio, nem na homilia, nem no cânone, nem nas orações de despedida, mas sempre se referiu a ele como “pai”.

A nossa mãe não tem nome, é apenas a nossa mãe e, quando nos relacionamos com ela mesmo em adultos, voltamos a ser a criança que éramos, voltamos a submeter-nos. Para uma mãe, o filho nunca cresce; para um filho, a mãe nunca envelhece. Recordo o afeto e o respeito com que a minha mãe, nos seus 40 anos, tratava a sua mãe. Os filhos aprendem a ser filhos quando veem a forma como os seus pais se relacionam com os pais deles.

Maternidade versus paternidade
Dizem que as mães querem mais /Ao filho que mais mal faz / Por isso te quero tanto /Que tantas mágoas me dás. Horácio Menano, Fado Solitário

Para nós, católicos, não deixa de ser insólito que S. José, que apenas foi pai adotivo de Jesus e não pai biológico, seja o padroeiro dos pais. É justo que assim seja por duas razões:

a paternidade educadora e educativa é mais importante que a progenitura biológica; ser pai biológico não custa nada, comporta apenas um ato sexual que se supõe que seja por amor e com amor; ser pai educativo implica toda uma vida de dedicação e sacrifício por um filho.

Por outro lado, é justo que seja S. José o padroeiro dos pais, da paternidade ou do amor paternal porque, no fundo, se pensarmos bem, todos os pais são “existencialmente” pais adotivos. Enquanto que o ser mãe biológica comporta conceber e alimentar primeiro no seu seio, depois do nascimento dos seus seios; ser mãe, é uma experiência física psicológica e espiritual, ao passo que o ser pai biológico acontece a nível genético, não físico, nem afetivo nem espiritual.

Todos os pais, tanto biológicos como adotivos, vêm a conhecer os seus filhos muito mais tarde. E para que este filho reconheça o seu pai são precisos anos; ao princípio só conhece a mama, depois mais tarde vê mais além da mama, a mamã. Só quando o bebé com
eça a comer papa é que vem a conhecer o papá.

Nos primeiros anos da sua existência, o bebé não precisa do pai, a mãe basta-lhe. Só quando começa a abrir-se ao mundo e, precisamente como ajuda para se ir separando da mãe, o pai ajuda o bebé a integrar-se na sociedade, sendo fundamental no momento da socialização.

Depois, mais tarde na vida, como criança adolescente, jovem e adulto, o pai é “um arameu errante”: está sempre mais distante do seu filho que a mãe. Mãe e casa no sentido de lar são uma e a mesma coisa; a mãe é sempre um porto seguro ao qual se pode regressar para fugir das tempestades da vida.

Tanto o amor paternal como o maternal são incondicionais, mas se dos dois tivéssemos que escolher o que é mais incondicional, nem precisaríamos de pensar para chegar à conclusão de que é o maternal. O pai é mais exigente e, de alguma forma, para dar amor precisa de ver frutos. Certos pais sujeitam o seu amor ao triunfo ou ausência dele na vida dos seus filhos. Alguns pais chegam mesmo a abandonar os seus filhos quando estes não se corrigem ou não vão bem na vida.

A mãe não pode deixar de amar o fruto das suas entranhas e, ao contrário do pai que pode chegar a pôr de lado o filho que não singra na vida, a mãe é capaz de se dedicar ainda mais a esse filho, precisamente por isso, por a vida lhe ser adversa. Tal como Sta. Mónica que rezou 30 anos pela conversão do filho, uma mãe nunca desiste.

Amor versus instinto
Jesus sintetizou os 10 mandamentos com as suas centenas de adendas no “amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo” e disse que todo o Antigo Testamento se resumia a isso. O que prevaricava e não cumpria os mandamentos teria de fazer um sacrifício, dar algo das suas possessões para oferecer a Deus em resgate da dívida que tinha contraído com Ele quando o ofendeu.

Ao fim da sua vida, Jesus deu o seu mandamento, “dou-vos um mandamento novo”, este não estava no Antigo Testamento, mas era seu, era novo. Amai-vos uns aos outros como eu vos amei. Já não é amar ao outro como nos amamos a nós mesmos, mas muito mais do que nos amamos a nós mesmos. O sacrifício agora já não é oferecer algo do que tens, mas oferecer-te a ti mesmo. Por isso Jesus diz, ninguém tem maior amor que o que dá a vida pelos seus amigos.

Por aqui nos damos conta do longe que estamos do cumprimento do evangelho. Se conseguíssemos amar o nosso próximo como nos amamos a nós mesmos já não estaria mal, mas muitas vezes nem isso conseguimos – somos egoístas e queremos muito mais para nós que para o nosso próximo.

Se perguntarmos, porém, a uma mãe se ama o seu filho como se ama a si mesma ou mais do que se ama a si mesma, a resposta será fácil: qualquer mãe ama o seu filho muito mais do que se ama a si mesma e certamente estaria disposta a morrer por ele se um deles tivesse que morrer. E as fêmeas dos mamíferos e das aves não protegem também as suas crias e estão também elas dispostas a morrer por elas? É isto amor ou instinto maternal?

Chama-se paternalismo, mas deveria chamar-se maternalismo porque o comportamento ou atitude de “mãe galinha” é mais próprio das mães que dos pais. Uma mãe galinha será uma péssima sogra; de facto, todas as anedotas são contra as sogras e não contra os sogros. Não há muito que ouvi um marido queixando-se, “a minha mulher não faz nada sem consultar a mãe dela; todos os dias passam horas ao telefone…” e concluía, “casei-me com duas mulheres” … Muitas mulheres têm dificuldade em cortar o cordão umbilical, em separar-se dos seus filhos. Mas não há verdadeiro crescimento sem separação; nenhuma árvore cresce bem à sombra de uma outra árvore, necessita da luz direta do sol.

Convém que ele cresça e eu diminua – Toda a educação deve levar à autonomia e à independência; manter o outro na nossa dependência, como se fossemos eternos, não é prepará-lo para a vida sem nós. Os pais sabem que são temporais, ser pai ou mãe é um trabalho temporário até os filhos atingirem a idade adulta. Não há escolas eternas, ninguém é estudante para sempre, ninguém é filho em idade de educação para sempre.

Isto é claro nos animais que estão perto de nós na evolução das espécies; há um tempo em que a fêmea deixa de reconhecer a cria e de se comportar com ela como mãe; esta deve valer-se por si mesma. Vemos isto nas andorinhas ao fim do verão; supostamente já devem ter aprendido a voar e quando não se lançam do ninho no primeiro voo são mesmo os pais que as empurram, que as empurram para a vida.

Nos animais há, portanto, um mecanismo que põe fim ao instinto maternal; o mesmo não acontece nos humanos. Neste, como em outros campos, deve ser a maturidade psicológica que tem que pôr fim ao instinto e transformá-lo num amor adulto que busca a autonomia e o bem do outro, não o manter numa eterna dependência enfermiça para ambos, tanto para a mãe como para o filho.

A maternidade configura a feminilidade
Como a participação na gestação de um ser humano é pouco significativa para o varão, poucas mudanças ocorrem nele com o nascimento do seu filho. Muitos continuam até a comportar-se como se não fossem pais. O mesmo não acontece no caso da mulher. O seu corpo muda não só durante os 9 meses, mas depois destes. A principal mudança, porém, opera-se a nível psíquico e espiritual.

Muitos maridos se queixam de que depois das suas esposas serem mães, estas vivem quase exclusivamente para o seu filho, negligenciando o marido. É como se ser mãe lhes enchesse as medidas, lhes bastasse; muitas mães chegam a afirmar que o amor da sua vida não é o marido, mas o seu filho.

Por estranho que pareça, também nós não olhamos para uma mulher da mesma forma depois da sua experiência de maternidade. Se virmos uma mulher de seios descobertos o nosso sentimento é um, se virmos essa mesma mulher amamentando um bebé, já não olhamos para os seus seios da mesma forma. Olhamos para ela e para os seus seios em relação ao bebé, não os abstraímos do bebé.

Modelo de identificação para a filha
Filho és pai serás, como fizeres assim acharás

Depois do complexo de Édipo ou de Electra, as crianças começam a olhar mais para o progenitor do mesmo sexo. Mesmo na escola, as crianças que estão a descobrir a sua própria identidade juntam-se mais às outras crianças do mesmo sexo do que às do sexo oposto. A mãe é modelo de identificação para as meninas, assim como o pai o é para os meninos.

Libris ex libris fiunt – A menina olha para a mãe como uma semideusa e trata de imitá-la em tudo; supostamente imita as suas virtudes, mas frequentemente também imita os seus defeitos. Os pais deviam ter consciência dos seus defeitos e tentar contê-los para não os passar para os próprios filhos, pois como alguém dizia, a educação é aérea – é o ambiente que se cria em casa que é educativo, são as atitudes exibidas pelos pais no dia a dia da vida familiar que são educativas ou deseducativas.

Para que a humanidade cresça, os pais devem passar aos seus filhos as suas virtudes e não os seus defeitos. Os filhos deviam, como numa corrida de estafetas, purificar, refinar a humanidade recebida dos seus pais e levá-la a um outro patamar.

O primeiro amor para o filho
Dicem que el hombre no es hombre mientras no oye su nombre de labios de una mujer. António Machado

O complexo de Édipo para o menino e o complexo de Electra para a menina não são sonhos de uma noite de verão ou fantasias de Freud. São reais e todos os experimentámos na nossa vida infância. Como o pai é para a menina, a mãe é o primeiro amor da vida do menino, a primeira experiência com o sexo oposto. Não é a menina que encontra no jardim de infância, na escola primária ou na escola secundária; essa menina já é a segunda, a primeira foi a mãe.

Como as primeiras experiências, tanto boas como más, são as que nos marcam mais profundamente para o resto das nossas vidas, a vivência com a nossa mãe, para além de ter o peso e a importância de uma primeira experiência, também se transforma em arquétipo, paradigma ou modelo das experiências posteriores.

Passaremos o resto da nossa vida, inconscientemente, medindo todas as mulheres em relação à nossa mãe que, sem querer, é inconscientemente o padrão do que entendemos por mulher e, ao fim acabamos por casar-nos com ela como muito bem diz Freud. Ou seja, casamo-nos com uma mulher que é como ela, se a vivência com a nossa mãe tiver sido positiva ou que é totalmente oposta a ela, se a vivência com a nossa mãe tiver sido negativa. Tanto num caso como no outro, ela, a nossa mãe, é sempre o ponto de referência.

Evidentemente tudo o que disse em relação à nossa mãe vale de igual forma para as meninas na sua relação com o pai. Dizem que as meninas que têm uma boa relação com o pai namoram muito mais tarde pois, para o que precisam num homem, já o têm em casa. As que se relacionam mal com o pai ou têm um pai distante, desinteressado e inexistente, começam a namorar mais cedo e, inconscientemente, não andam à procura de um namorado ou de um noivo, mas sim de um pai que não têm em casa. Evidentemente a consequência de uma relação estabelecida com base nestas motivações é inevitavelmente o fracasso.

Por experiência posso afirmar que nenhuma mulher pode substituir a mãe se esta existir. Em pleno complexo de Édipo, entre os cinco e seis anos de idade, estando eu completamente enamorado pela minha mãe como toda a criança nessa idade, não sentia que o meu amor fosse correspondido porque a minha mãe sempre foi fria e distante, pouco afetiva em gestos ou em palavras.

Por este tempo, ao entrar para a escola, tive como professora a D. Soledade uma jovem e belíssima professora no seu primeiro ano letivo. Ela gostava muito de mim e, como era muito afetiva, não se cansava de mo referir por palavras e por gestos; mas eu não lhe correspondia, lembro-me muito bem como se fosse hoje, de andar confuso, de não entender por que a minha mãe não era como a minha professora e de como desejava receber amor só da minha mãe. Em resultado deste estado, um dia agredi a minha pobre professora, dei-lhe um valente pontapé nas canelas. A dor foi tão forte que até se lhe soltou o sangue do nariz, coisa que lhe acontecia com frequência.  

A NOSSA MÃE NO CÉU
Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: Mulher, eis aí o teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí a tua mãe. E dessa hora em diante o discípulo levou-a para a sua casa. João 19, 26-27

O mundo foi ingrato para com Jesus e, provavelmente, Maria, sua mãe, foi das poucas pessoas que o amou. Por isso nos momentos finais da sua vida, Jesus não se esqueceu da sua mãe que, como a viúva de Naim, estava a perder o seu único filho sendo já viúva e se preparava para ficar sozinha no mundo. No episódio da viúva de Naim, Jesus dá um filho a uma mãe; no alto da cruz, Jesus dá uma mãe a um filho, ao discípulo amado que representa todo o discípulo de Jesus.

Não é bom discípulo, não é discípulo amado do Mestre quem não acolhe a Maria, sua mãe, na sua casa, quem a deixa aos pés da cruz com um filho morto nos braços, quem a abandona à sua dor e não a consola no seu lar.

Maria é mãe de Cristo porque foi ela que lhe deu um corpo, que o concebeu no seu seio virginal; Maria é mãe da Igreja porque assistiu em oração com os apóstolos ao seu nascimento com a vinda do Espírito Santo. Já conhecedora do Espírito Santo por quem tinha concebido por obra e graça, Maria era a pessoa mais qualificada para guiar os apóstolos nos caminhos do Espírito, a pessoa mais capacitada para os catequizar em preparação para o Pentecostes do Crisma dos Apóstolos, a treinadora dos apóstolos em matéria do Espírito Santo. Uma Igreja sem Maria como mãe seria um orfanato, como diz o Papa Francisco.

Maria é nossa mãe agora e na hora da nossa morte. Maria constantemente ora por nós em todos os agoras da nossa vida e certamente na hora da nossa morte, como diz a oração da Ave Maria. Ela que assistiu, confortou o seu filho com a sua presença na agonia da cruz, certamente estará aos pés da nossa cruz também no momento da nossa passagem para o Pai, ou seja, do nosso nascimento para o Céu, para a vida eterna. Maria assiste por isso ao nosso nascimento para a vida eterna, como assistiu ao nascimento do seu filho para esta vida e para a vida eterna e como assistiu ao nascimento da Igreja.

Ave versus Eva
À vossa proteção recorremos, Santa Mãe de Deus. Não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó virgem gloriosa e bendita. Amém

Eva não foi a nossa mãe, mas sim a nossa progenitora: só nos deu à luz, mas não nos educou. A mãe que educa, cria e alimenta é chamada na Etiópia “Injera enat”, ou seja, a “mãe do pão” que, muitas vezes, não coincide com a que deu à luz.

Tive como colega de noviciado e estudante de teologia um jovem que à tia chamava mãe e à mãe chamava tia. Àquela que o tinha dado à luz ele chamava tia e àquela que o tinha educado como mãe e que era biologicamente a sua tia, chamava mãe. Eram duas irmãs: uma teve o meu colega de uma forma acidental, mas mais tarde encontrou o homem da sua vida; este não aceitava o filho dela, pelo que a sua irmã, que não pensava em casar-se, ficou com ele para que ela ficasse livre e pudesse iniciar uma vida nova com o seu noivo.

O meu colega não tinha para com a sua progenitora a quem chamava tia nenhum sentimento filial e, no entanto, tinha sido ela que o tinha dado à luz; sentimento filial tinha só por aquela que o tinha criado com muito amor, educado e guiado na vida, dedicando-se a ele exclusivamente, pois nunca quisera casar. E, no entanto, a nível biológico, era só a sua tia.

No ser humano, a biologia pouco conta. Chamamos-lhe Madre Teresa de Calcutá e suponho que ninguém se atreveria a negar-lhe o título de madre. No entanto, como todos sabemos, ela nunca foi biologicamente mãe, embora se tenha comportado como tal para muitas crianças órfãs e até adultos, que viram nela a mãe que nunca tiveram.

A devoção do povo cristão, ao menos dos católicos e ortodoxos, a Maria parte da proximidade que temos com a nossa mãe na terra. Ela está mais perto de nós que o nosso pai e, muitas vezes, fazemos dela intermediária entre nós e ele, pois temos mais confiança com a nossa mãe que com o nosso pai. Ela está sempre ao nosso lado e acompanha-nos mais que o nosso pai. Esta experiência faz com que o povo cristão tenha por Maria uma especial devoção e projete nela a mesma experiência, o mesmo tipo de relacionamento que teve ou tem com a sua mãe.

Maria é nossa mãe porque, como toda a mãe, está atenta às necessidades dos seus filhos, como esteve nas bodas de Caná e está ainda hoje ao visitar-nos em Guadalupe, Lourdes e Fátima. Maria é a nossa mãe porque ela nos educa com o evangelho do seu filho quando nos diz “fazei tudo o que ele vos disser”. Eva foi a nossa progenitora, Ave é a nossa mãe do Céu que acompanha a nossa vida na terra até nos unirmos a ela no Céu.

Com minha Mãe estarei, Na Santa glória um dia / Junto à Virgem Maria, no céu triunfarei. No Céu!  No Céu!   Com minha mãe estarei. No Céu!  No Céu!   Com minha mãe estarei… canto popular mariano

MATER ECCLESIA
Pode uma mulher esquecer-se daquele que amamenta? Não ter ternura pelo fruto de suas entranhas? E mesmo que ela o esquecesse, eu não te esqueceria nunca. Eis que estás gravada na palma de minhas mãos, tenho sempre sob os olhos tuas muralhas Isaías 49, 15-16

Igreja, corpo místico de Cristo
Aproximai-vos do Senhor, que é a pedra viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e preciosa aos olhos de Deus. E vós mesmos, como pedras vivas, entrai na construção deste templo espiritual, 1 Pedro 2, 4-5

Não conhecendo ainda os mistérios da vida que a biologia nos revela, a melhor imagem que Pedro encontrou para se referir à Igreja como corpo místico de Cristo onde Ele é a cabeça, foi a de um templo construído com pedras colocadas umas sobre a outras, como peças de lego. Mas como um templo é algo inanimado, assim como as pedras de que é formado, então chamou-lhes pedras vivas.

Se tivesse os conhecimentos em biologia que hoje temos, usaria a imagem do nosso próprio corpo para explicar como a Igreja é o corpo místico de Cristo. Olhamos para o nosso corpo como único, livre e independente, como unidade indivisível, mas na verdade, do ponto de vista biológico, o nosso corpo é constituído por triliões de células, sendo cada uma destas células um organismo vivo, ou seja, um ser vivo.

O que nos parece um todo único, autónomo e indivisível, é na verdade uma comunidade de triliões de seres vivos. Estão unidos porque são familiares de sangue uns dos outros. O nosso corpo é formado por uma irmandade de triliões de células; sim, as células atuais que formam o nosso corpo são todas irmãs e por isso se mantêm juntas; se assim não fosse já se teriam separado.

Quando nos transplantam um órgão, o nosso corpo rejeita-o porque é formado por células estranhas às nossas; as células do órgão em questão, são células irmãs entre si, mas não da mesma família que as células que formam o nosso corpo. Por isso, a pessoa que vive com um órgão transplantado tem de tomar todos os dias medicação que vai enganar o seu corpo para que este não rejeite o órgão que recebeu.

As células do nosso corpo são irmãs entre si porque todas elas são descendentes daquela célula mãe ou primigénia que se formou no momento em que fomos concebidos. Neste momento que ocorreu 9 meses antes do nosso nascimento, metade de uma célula proveniente do nosso pai, um espermatozoide X ou Y fundiu-se com outra metade de célula proveniente da nossa mãe, um óvulo que, do ponto de vista cromossómico é sempre X, originando uma célula nova com um código genético novo.

Imediatamente esta célula começa a dividir-se e a reproduzir-se, até formar o corpo completo de um ser humano. Apesar de cada uma das nossas células ser a unidade mais pequena da vida e, portanto, autónoma e independente, o que as mantém unidas formando um corpo é o facto de todas elas terem o mesmo código genético.

E pluribus unun – Como células do corpo místico de Cristo, que é a Igreja, o que nos mantém unidos é a mesma fé em Cristo. Esta fé, presente em todos nós, funciona no nosso interior como o código genético (ADN) no interior das células. Tal como as células que formam o nosso corpo são diferentes entre si, as células do sangue são diferentes das dos ossos, das dos músculos, da pele e de cada um dos órgãos, também nós, cristãos, somos pessoas de diferentes grupos étnicos, geografias, línguas, países e culturas e, no entanto, conseguimos manter-nos unidos numa só Igreja Católica porque todos nascemos, crescemos, vivemos e nos movemos na mesma fé em Cristo, que é o código genético ou ADN da Igreja, o que matem os cristãos, de diferentes géneros raça povo e nação, todos unidos.  

Universalidade da Igreja católica
Como válida só se tenha a Eucaristia celebrada sob a presidência do bispo ou de um delegado seu. A comunidade reúne-se onde estiver o Bispo e, onde está Jesus Cristo, está a Igreja católica. Sem a união do Bispo não é lícito batizar nem celebrar a Eucaristia; só o que tiver a sua aprovação será do agrado de Deus e assim será firme e seguro o que fizerdes" Sto. Inácio de Antioquia Epístola aos Esmirniotas 8, 2 (AD 107)

Sto. Inácio de Antioquia da Síria (68-107), segundo Eusébio de Cesareia, foi um dos primeiros bispos da segunda comunidade cristã fundada depois da comunidade de Jerusalém – Antioquia da Síria. Foi precisamente ali que os seguidores de Cristo, até então chamados nazarenos, foram, pela primeira vez, chamados cristãos, segundo o livro dos Atos dos Apóstolos, 11, 26.

Apesar dos seguidores de Cristo terem sido apelidados de cristãos, a Igreja nunca foi chamada cristã. Até ao ano 107 chamava-se simplesmente Ecclesia. No entanto, o bispo Inácio, ao dar-se conta da vocação universal da Igreja, chamou-a católica. Efetivamente, o primeiro nome que a Igreja teve foi católica no ano 107, segundo reza o escrito de St. Inácio acima citado, quando ainda só havia uma única Igreja, a fundada por Jesus.

Todos nós, batizados católicos, em países tradicionalmente católicos, quando chegamos à idade da autoconsciência, por volta dos seis ou sete anos de idade, ao mesmo tempo que nos reconhecemos como pessoas e cidadãos de um país, também nos reconhecemos como membros de uma organização supranacional, a Igreja Católica.

Não é coincidência que os pais fundadores da União Europeia, o francês Robert Schumann, o alemão Konrad Adenauer e o italiano Alcide de Gasperi, fossem todos católicos. Segundo o historiador Alan Fimister, num livro sobre Robert Schuman, a União Europeia é de facto um projeto católico em linha com a doutrina social da Igreja, desde a Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII (1878-1903). O princípio da subsidiariedade, hoje lei europeia e também emenda da Constituição dos Estados Unidos, apareceu pela primeira vez nesta mesma encíclica.

Todas as igrejas ortodoxas, assim como as protestantes, são Igrejas nacionais ligadas a uma cultura particular e na África até mesmo à particular idiossincrasia de uma tribo. Só a Igreja Católica, a que Jesus fundou, é verdadeiramente supranacional e supra cultural.

Os católicos são certamente mais universalistas que os protestantes e os ortodoxos, pois beberam universalismo da mesma forma que se amamentaram no seio das suas mães, uma vez que foram batizados poucos dias após o seu nascimento, na Igreja que Cristo fundou e que é católica.

O termo católico romano
A Igreja nunca chamou a si mesma católica romana, pois em, si mesmo, o termo é uma “contradictio in terminis”; se o termo católico significa universal, a Igreja que é católica não é romana, se é romana não é católica. O termo nasceu e foi promovido pela Igreja anglicana em Inglaterra para, de alguma forma, justificar o cisma da Igreja; para os anglicanos que criaram o termo, a Igreja Católica do Credo de Niceia era composta pela Católica Romana, Católica Anglicana, e Católica Ortodoxa.

Como os anglicanos são uma igreja do Estado de Inglaterra e invejam tanto a catolicidade da igreja de que Jesus fundou, da qual já fizeram parte, que nos colocaram um nome local "Romano" para diminuir a nossa catolicidade que os incomoda tanto, e permitir-lhes também usar o termo católico. A verdade é que só a Igreja Católica é, de facto, católica, todas as outras protestantes ou ortodoxos são igrejas nacionais, igrejas locais ou provinciais que existem apenas numa área geográfica bem demarcada.

Foram precisamente os bispos católicos de língua inglesa que alertaram já os seus colegas, tanto no Concílio Vaticano I como no II, para que a Igreja nunca usasse o termo ao referir-se a ela mesma.

O termo é ainda usado, mas só nos países que falam inglês; muitas paróquias da arquidiocese de Toronto usam o termo na completa ignorância da ideologia que lhe subjaz; pelo menos o Cardeal e os seus bispos auxiliares tinham obrigação de saber e de respeitar a vontade dos seus congéneres ingleses nos dois últimos Concílios da Igreja Católica.

“Mater et magistra”
Gaudet Mater Ecclesia… Alegra-se a Santa Mãe Igreja, porque, por singular dom da Providência divina, amanheceu o dia tão ansiosamente esperado em que solenemente se inaugura o Concílio Ecuménico Vaticano II, aqui, junto do túmulo de São Pedro, com a proteção da Santíssima Virgem, de quem celebramos hoje a dignidade de Mãe de Deus. João XXIII Discurso de abertura do Concílio Vat. II

A Igreja como mãe
Segundo o Papa Francisco numa das suas homilias, a Igreja é a nossa Mãe que nos gerou no dia do nosso batismo e, tal como uma mãe, educa-nos e protege-nos com mansidão e bondade. Conceber a Igreja sem este sentimento materno, é pensar numa associação rígida, sem calor humano; uma igreja assim concebida, diz o papa, faz-nos a todos órfãos.

Chamar mãe à Igreja não é tão comum entre os protestantes como o é entre os católicos, provavelmente porque estes não se relacionam com Maria, mãe do Senhor, como mãe da Igreja porque assistiu ao nascimento desta tal como assistiu ao nascimento do seu filho, e como mãe nossa, dada pelo próprio filho no alto da cruz.

Do sentimento de maternidade de Maria, mãe de Cristo, mãe de Deus, mãe da Igreja se deduz por afinidade, o sentimento de maternidade da Igreja. A Igreja é nossa mãe porque Maria é mãe da Igreja e nossa mãe também.

A Igreja como mestra
Doutores tem a santa Madre Igreja que vos saberão responder…

Na Igreja, nem todos são profetas, nem todos são doutores e nem todos podem responder a todas as perguntas. O dito acima citado é a resposta de um homem humilde a quem um não-crente coloca uma pergunta difícil à qual não sabia responder. Reconhecendo humildemente que não consegue responder, encaminha-o para quem na Igreja o pode guiar até à resposta à sua pergunta.

Em nenhum outro há salvação, porque debaixo do céu nenhum outro nome foi dado aos homens, pelo qual devamos ser salvos. Atos 4, 12

A Igreja é mestra no ensinamento e na proposição aos homens de Cristo como modelo, paradigma, referência da humanidade. Quem quer ser autenticamente humano, mede-se em relação a Cristo, pois só por Ele se pode ir ao Pai Deus. Mesmo olhando para a narrativa do evangelho do ponto de vista puramente humano, não há debaixo dos céus narrativa que contenha mais humanidade que a vida, os ditos e os feitos de Jesus de Nazaré.

Quem não recolhe comigo, dispersa, diz o Senhor. Não há debaixo do Céu nenhum outro modelo de humanidade que seja igualmente válido e que leve à felicidade e autorrealização de todos os sonhos que o modelo de Cristo, que é caminho, verdade e vida.

A nossa vida em frente do altar
Em verdade, em verdade vos digo: aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas, porque vou para junto do Pai. João 14,12

A Igreja é sacramento universal de salvação, ou seja, a Igreja é a legítima dispensadora das graças de Deus por intermédio do seu filho, graça primigénia. Cristo não veio ao mundo só para os israelitas da sua geração. Não faria sentido que a ação do filho de Deus ficasse reduzida aos homens de um lugar e de um tempo. A Igreja é os pés, a boca, as mãos do Senhor, pois atua aqui e agora, no aqui e agora de todos os tempos e lugares, o mesmo que Cristo que, humanamente, só podia viver uma vez e agir em Israel há 2 000 anos.

Salvação significa saúde, por intermédio da Igreja que é o seu corpo, nós acedemos aos bens que nos vêm de Jesus, a quem ela representa no aqui e agora da história social e da nossa individual. Estes bens são os sacramentos.

Diante do altar, a Igreja Mater et Magistra acolhe-nos no seu seio logo que a nossa mãe física nos dá à luz, no sacramento do batismo, quando iniciamos a nossa caminhada com Cristo ao nosso lado. Os nossos pais entregam-nos à maternidade da Igreja, pois a sentiram como mãe, eles mesmos durante a sua vida.

Mais tarde, no mesmo lugar diante do altar, recebemos pela primeira vez a eucaristia e, toda a nossa vida ali vamos em cada domingo, para entrar em comunhão com Aquele que é a razão da nossa vida, o pão e o vinho do nosso sustento. Mais tarde, ainda no mesmo lugar diante do altar, recebemos o crisma, respondendo desta vez pessoalmente às mesmas perguntas que nos fizeram no dia do nosso batismo, no pleno uso da nossa liberdade.

Mais tarde, ainda é ali que nos ordenamos sacerdotes, que fazemos os votos temporais ou perpétuos na vida religiosa ou nos casamos. Ali voltamos cada domingo na comunhão ou para participar nos sacramentos dos nossos filhos e parentes e, por fim, tal como no dia do nosso batismo, ali nos levam e diante do Círio Pascal aceso se apaga aquela vela que anos atrás ali foi acesa e que até ali brilhou. A nossa vida começa, decorre e acaba em frente do altar da Igreja, nossa mãe que sempre nos acompanha guia, alimenta, consola e conforta.

A vida começa como termina e termina como começa. No batismo somos levados à igreja para o nosso enterro somos levados para a igreja; a primeira vez e a última vez que vamos à igreja somos levados. A liturgia do enterro é muito semelhante à liturgia do batismo. O caixão está coberto de branco como estávamos no momento do nosso Batismo e a água benta é usada novamente como foi no dia do nosso batismo.

Conclusão: a nossa mãe terreal dá-nos à luz, cuida de nós, e educa-nos para a liberdade e independência; a nossa mãe eclesial inicia-nos na fé em Cristo, modelo de vida humana, e educa-nos para a igualdade e interdependência como membros de uma comunidade; a nossa mãe celestial "roga por nós agora e na hora da nossa morte", ou seja, assiste-nos no nosso nascimento para a vida eterna.

Pe. Jorge Amaro, IMC