15 de outubro de 2021

3 Razões para o envio dois a dois: Companhia - Trabalho em equipa - Prestação de contas

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Ao enviar os seus discípulos em Missão dois a dois, Jesus demonstra um grande conhecimento de psicologia: ninguém vive só, não somos ilhas, todos precisamos uns dos outros. Facilmente perdemos o ânimo, a esperança, necessitamos de companhia; com companhia, as tristezas diminuem as alegrias aumentam.

Sabia também muito de sociologia e do funcionamento das empresas e instituições. Neste sentido, o evangelista não deve ser um franco atirador, deve trabalhar em equipa, já que duas cabeças pensam mais e melhor que uma só. A evangelização é efetuada pela comunidade, em nome da comunidade e com a comunidade.

Por fim, era conhecedor da natureza caída do homem pelo que colocou a supervisão, ou o prestar de contas, como um antídoto da corrupção, ao evitar que um se converta num líder ditador e fanático que transforma uma comunidade cristã numa seita desligada dos outros cristãos.

O que levar para o caminho e o que não levar
Chamou os Doze, começou a enviá-los dois a dois e deu-lhes poder sobre os espíritos malignos. Ordenou-lhes que nada levassem para o caminho, a não ser um cajado: nem pão, nem alforge, nem dinheiro no cinto; que fossem calçados com sandálias e não levassem duas túnicas. Marcos 6, 7-9

A lista de coisas a levar para o caminho é idêntica nos três evangelhos e denota simplicidade, humildade e pobreza. Muito embora vá como ovelha para o meio de lobos, o evangelizador não deve ir preparado nem ataviado com recursos materiais, nem sequer deve prover o próprio sustento. Em cada momento, em cada lugar, deve confiar plena e exclusivamente na providência divina, deve buscar primeiro o Reino de Deus que o resto lhe será dado por acréscimo (Mateus 6, 33) porque Deus bem sabe do que necessitamos antes de lho pedirmos (Mateus 6, 8), o trabalhador merece o seu salário (Levítico 19, 13, Mateus 10, 10, Lucas 10, 7; 1 Timóteo 5, 18).

Apenas há uma discordância, nos três evangelhos em relação a dois artigos – o cajado e as sandálias – que, no nosso entender e presumo que no entender de Marcos, não são artigos de luxo, mas antes “ajudas de custo”, na medida em que facilitam o caminhar do evangelizador.

Mateus deixa o evangelizador descalço, sem sandálias e sem cajado para se apoiar. Lucas, na missão dos doze (9, 1-6) proíbe o cajado e ignora as sandálias; ao contrário, na missão dos 72, ignora o cajado e proíbe as sandálias. Marcos difere dos outros dois evangelhos, deixando levar um cajado e quase exige que vão calçados com sandálias. Sendo Marcos o primeiro a ser escrito, e pelo que sei de peregrinações e caminhadas como missionário na Etiópia, posso ignorar Lucas e Mateus e seguir o que diz Marcos.

O cajado é o que levam todos os peregrinos nas suas peregrinações, é o que leva o pastor. Tem muitas aplicações: ajuda a subir e a descer uma montanha, ajuda-nos a não escorregar na lama e, ao atravessar um rio, serve de terceira perna, ou seja, transforma um braço que na travessia é inútil, em perna de apoio.

Descalços, podemos ter um cem número de acidentes, um simples pico ou espinha pode introduzir-se no nosso pé e atuar como uma espinha na carne que dói e incomoda a cada momento; obriga-nos a sentar para o retirar e podemos deixar de o ver ou deixá-lo dentro da carne. Na Etiópia, na estação seca, quem anda descalço agarra pulgas penetrantes que entram na carne e chegam mesmo a fazer ninho.

A Missão é de todos e para todos
Depois disto, o Senhor designou outros setenta e dois discípulos e enviou-os dois a dois, à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir. Lucas 10, 1

Quanto aos enviados, tanto Marcos como Mateus só referem a missão dos doze; Lucas tem dois envios, um dos doze e outro dos setenta e dois para nos dizer que a Missão não é só dos doze de quem os clérigos gostam de dizer que são descendentes, mas de todo o discípulo de Jesus, porque o número 72 tem um sentido totalizante e de universalidade. Segundo W. Barclay, 72 era o número de anciãos escolhidos para ajudar Moisés com a tarefa de liderar e dirigir as pessoas no deserto (Num.11:16-17.24,25).

Era também o número de membros de que era composto o Sanedrim, o Conselho Supremo dos Judeus. Por fim, era também considerado o número de nações no mundo. Lucas era o homem com uma visão universalista e é bem possível que ele estivesse a pensar no dia em que todas as nações do mundo conheceriam e amariam o seu Senhor.

Também o número 12 tem sentido universal e totalizante e não restringido aos bispos e clérigos como eles pretendem. S. Paulo, como sabemos, não era um dos doze e reivindicou para si e para muitos dos seus colaboradores e colaboradoras o título de apóstolo, que era exclusivo dos doze. Com isto quis afirmar que não é apóstolo aquele que tem um diploma ou um pedigree ou a quem foi dado o título, mas aquele que se comporta como tal, como missionário evangelizador disposto a sofrer pelo evangelho, como aliás Paulo fez mais do que nenhum dos 12 como ele mesmo diz (2 Coríntios 11, 22-33).

Doze são as tribos de Israel que formam o povo de Deus, os meses do ano, doze são as horas do dia doze são as horas da noite; doze são os signos do zodíaco, doze são os cavaleiros da távola redonda, doze são as estrelas que coroam a coroa de Maria, Rainha do Céu e da Terra, e em referência a ela, 12 são as estrelas na bandeira da União Europeia, na qual cada estrela não representa um estado nem tem nenhum significado individual, representando em grupo a totalidade dos estados membros, para dizer que, tal como o povo de Deus é formado por 12 tribos, assim a União Europeia é um novo povo, uma nova Europa.

Porque Jesus não queria reformular ou restaurar Israel, não escolheu um apóstolo de cada tribo; porque Jesus queria fundar um novo povo que fosse o fermento do Reino de Deus neste mundo, escolheu aleatoriamente 12 apóstolos para usar o simbolismo totalizante do número 12. Tal como na bandeira da União Europeia, o que interessa não são as doze estrelas ou doze indivíduos, mas o significado totalizante do número 12, que permite que Paulo também seja um apóstolo.

Ite Missa est
É o que o sacerdote dizia na missa em latim e que significa “a missa terminou, estais em missão”, ou seja, “terminou a missa começa a missão”. A vida do cristão decorre entre a Missa e a Missão, ou seja, quando não está na missa, está em missão e vice-versa, quando não está em missão é porque está na missa, porque o cristão está chamado a celebrar em comunidade o que vive, e viver ou pôr em prática o que celebra.

Fazei isto em minha memória – Não foi a Igreja que inventou o preceito dominical. Foi o próprio Mestre que sabia muito bem que quando um grupo não se reúne para compartilhar a sua fé, deixa de ser um grupo. Não há Igreja sem Eucaristia, nem Eucaristia sem Igreja.

Cada domingo, dia de descanso semanal, dia do Senhor, o Mestre continua a chamar a Si os seus discípulos para estar com eles, os instruir e se dar a eles no pão eucarístico; depois, ao fim, envia-os para mais uma semana de vida de trabalho e Missão. É o mesmo movimento vital do coração que chama a si o sangue para o purificar nos pulmões e o encher de oxigénio e depois o envia de novo às células.

Natureza da missão - Esta missão não é exatamente ir para as ruas pregar ou ir de porta em porta. Devemos pregar o evangelho em todo tempo e lugar a propósito e despropósito, como dizia S. Paulo (2 Timóteo 4, 2) e quando for preciso, como dizem que disse São Francisco de Assis, “podemos usar palavras” ou, no entender de São Pedro, dar razões da fé e da esperança que nos anima a todo aquele que o solicite (1 Pedro 3, 15).

Mas isto só quando for necessário; a maior parte das vezes não vai ser, pois o cristão, no entender do seu Mestre, prega com o exemplo. Os símbolos do ser cristão, sal e luz, são silenciosos, “porque o bem faz pouco ruído e o ruído faz pouco bem”, como dizia o Beato José Allamano, e porque o exemplo tanto acredita como desacredita a palavra. A palavra sem o exemplo está vazia de conteúdo, não serve para nada. É o exemplo que autoriza a palavra como os cristãos viam em Jesus (Mateus 7, 29) e como os primeiros convertidos romanos viam nos primeiros cristãos (“vede como se amam”).

Dois a dois
A Missão dos 72 discípulos, assim como a dos 12 no meio do ministério de Jesus, são missões supervisionadas, algo assim como as aulas práticas de uma escola; nestas missões, por fazerem parte do currículo e por os discípulos ainda não estarem preparados para a grande missão universal, o campo de missão restringe-se exclusivamente às ovelhas perdidas da casa de Israel (Mateus 10, 6), o que em realidade era o mesmo campo que a Trindade (Mateus 15.21-28). Por o campo da missão estar bem limitado, os discípulos estavam proibidos de sair de Israel, de pregar aos pagãos e nem sequer podiam entrar em cidade de samaritanos. A missão universal vem mais tarde e já não é propriamente de Jesus, mas do Espírito Santo.

O dois a dois não foi só observado durante estas aulas práticas, mas também depois de Cristo. Já no contexto da missão universal, passou a ser uma caraterística distintiva do evangelizar cristão. Na primeira viagem missionária, o Espírito Santo enviou Paulo e Barnabé, (Atos 13, 1-3), na segunda emparelhou Paulo com Silas e, mais tarde, com Timóteo (Atos 16, 1; 1Timóteo 1, 2, 4, 14). S. Paulo fala frequentemente dos seus colaboradores aos quais chama apóstolos, tanto homens como mulheres.

Em Israel, o testemunho de uma pessoa não é considerado aceitável (1 Coríntios 14, 29, 2 Coríntios 13, 1). Já no Antigo Testamento, o testemunho de uma única pessoa não era considerado suficiente para condenar alguém por homicídio (Números 35, 30, Deuteronómio 17, 6). De facto, duas ou três testemunhas eram necessárias para determinar que uma pessoa cometeu um pecado merecedor de castigo (Deuteronómio 19, 15).

(…) o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e as nossas mãos tocaram relativamente ao Verbo da Vida, de facto, a Vida manifestou-se; nós vimo-la, dela damos testemunho (…) o que nós vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também vós estejais em comunhão connosco1 João, 1-3

Os apóstolos são, perante tudo, testemunhas de Cristo, anunciam a experiência salvífica que tiveram como ele. Não anunciam tanto uma doutrina, mas o que Jesus fez por eles, como modificou as suas vidas, como lhes deu salvação, ou seja, a saúde do corpo e da alma e como lhes abriu as portas da salvação eterna.

O evangelho pregado por um solitário franco atirador é, por outro lado, menos credível que o que é pregado por um grupo de pessoas que afirma ter tido a mesma experiência. O dois a dois, portanto, também aumenta a credibilidade da mensagem pregada.

Em Mateus (10, 2-4), apresenta-se a lista dos 12 escolhidos por Jesus para serem apóstolos, dois a dois. Ou seja, chama-os a si dois a dois e envia-os dois a dois. No evangelho de João, dois são os discípulos que se sentem chamados a seguir o mestre, Tiago e André; nos sinópticos, Pedro e André são chamados a deixar a pesca e a seguir outro par de irmãos, Tiago e João, são convidados a deixar as redes e o pai para o seguirem.

Já no Antigo Testamento, a ideia de dois estava presente. Moisés não se apresenta sozinho perante o Faraó, mas sempre com Aarão. David não se teria dado conta da gravidade do seu pecado se não tivesse sido confrontado pelo profeta Natan. Somos um ser social já desde o momento em que duas meias células se unem, formando uma célula humana. São precisas duas pessoas de sexo contrário para haver um novo ser. Por isto concluímos que a ideia do par está inscrita já nos nossos genes. Não somos ilhas, não podemos nem devemos viver como tal ou atuar sozinhos.

COMPANHIA
Jesus subiu depois a um monte, chamou os que Ele queria e foram ter com Ele. Estabeleceu doze para estarem com Ele e para os enviar a pregar, com o poder de expulsar demónios. Marcos 3, 13-15

Jesus e os seus amigos
Vivemos numa sociedade que dá extrema importância às relações funcionais, colocando as relações afetivas em segundo lugar e até proibindo-as para maior eficiência. Segundo os teóricos desta sociedade, todos devíamos comportar-nos como robôs, só com mente e mãos para trabalhar, sem sentimentos e sem coração, mantendo as emoções controladas.

O afetivo a quem é efetivo, alguém disse… Não somos robôs por mais que nos digam que nos comportemos como eles; duas rodas dentadas encaixadas, rodando uma com a outra, não suscitam sentimentos uma pela outra porque são entidades materiais; não é assim entre duas pessoas que se relacionam: a sua relação não pode deixar de evocar e invocar sentimentos e emoções. Como diz o provérbio, “Barco, jogo e caminho, do estranho fazem amigo”.

“O amor nasce entre iguais ou faz as pessoas iguais” – Não há problema quando os sentimentos surgem entre pessoas iguais, do mesmo estrato, entre colegas de trabalho ou de tarefa. O problema surge quando estes sentimentos surgem dentro de relações de autoridade, como Pai-filho, professor-aluno, médico-paciente, sacerdote-fiel, psicoterapeuta-cliente. Estas relações, dizem os códigos de ética profissional, devem ser amistosas, mas não de amizade.

Não é fácil manter este equilíbrio, impedindo que relações amistosas se transformem em relações de amizade, mas é possível; um dos modelos para mim é a relação que se estabelece entre pais e filhos quando estes últimos já são adultos. O outro modelo é o de Cristo.

Já não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que faz o seu senhor; mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai. João 15, 15

A relação que Jesus tinha com os seus discípulos começou por ser uma relação de autoridade, Mestre-Discípulo mas, com o tempo e convivência, transformou-se em relação de amizade, tal como a de um Pai com um filho adulto. Nos últimos anos da sua vida, o meu Pai até para o sacramento de penitência me procurava e partilhava muito comigo.

Como diz Marcos, Jesus chamou os seus discípulos para que estivessem com Ele, para que vivessem com Ele, portanto para uma relação de amizade, para serem sua companhia e não só para se relacionar com eles de forma fria e profissional, para os instruir, preparar e enviar. De facto, mesmo entre os 12, havia um grupo de três mais chegados a Ele e, de entre os três, tinha um ainda mais chegado, o discípulo amado. Numa das horas mais amargas da sua vida no Jardim das Oliveiras, pediu-lhes para que velassem com ele (Mateus 26, 39-44).

Também havia um grupo de mulheres que O seguia e, de entre elas, tinha uma que era mais chegada a Ele que as outras. Maria Madalena era amiga íntima de Jesus, porém nem com ela a relação de Mestre-Discípula foi rompida. Quando Jesus lhe apareceu depois da ressurreição, chamou-a pelo seu nome, Maria, mas esta respondeu “Mestre”. E quando referiu este acontecimento aos demais apóstolos, não lhes disse que viu o amado da sua alma ou Jesus, mas sim que viu o Senhor. (João 20, 11-18)

A importância da companhia
Como dissemos são precisas duas pessoas para procriar um ser humano. Somos intrinsecamente seres sociais. A nossa personalidade constrói-se na interação que temos com os nossos educadores, pais, irmãos, professores, amigos etc. Neste sentido, o ser humano não nasce, mas faz-se. Entre o nascimento e a idade adulta do ser humano passam pelo menos 18 anos, e só aos 7 anos tem consciência de si mesmo.

A primeira necessidade verdadeiramente humana, para além das físicas que temos em comum com os animais, é a necessidade de amar e ser amado. Sem amor não há de facto vida humana pois somos o fruto do amor entre duas pessoas, não só no ato da gestação como também nos primeiros 18 ou 20 anos da nossa existência, ou até no resto da nossa existência, pelo que podemos dizer que viver é amar e ser amado.  

A prova mais evidente de que a amizade e a companhia são tão essenciais como o pão que comemos e o ar que respiramos é o facto de uma tristeza partilhada diminuir, mas uma alegria partilhada aumentar.

Nunca o mundo esteve tão em comunicação como hoje por intermédio da globalização das redes sociais na Internet, dos telemóveis e, no entanto, nunca houve tanta solidão como agora. No Verão de 2003, quando se calculou que na Europa tivessem morrido 70 000 pessoas por causa do calor, França, em especial Paris, foi muito afetada e muitas dessas pessoas eram idosos que viviam sozinhos e sozinhos morreram. A 3 de Setembro desse mesmo ano ainda havia em Paris 57 corpos que ninguém tinha reclamado, pais, mães, irmãos ou irmãs, tios, tias, primos ou primas de alguém, pois não há vida humana fora destes parâmetros e todos os partilhamos, somos pais ou tios ou sobrinhos ou primos de alguém.

Sou um crítico feroz de ter os cães, gatos ou outros animais de companhia em casa; porém, tenho de reconhecer que quando falta a companhia humana, a companhia de um animal é um remedeio a considerar como último recurso. Há cada vez mais pessoas que buscam companhia nestes animais domésticos porque não a encontram nos humanos.

A amizade na sabedoria popular
Amigo de todos e de nenhum, tudo é um – Uma coisa é ser conhecido e ter muitos conhecidos, mas não são amigos. Jesus a todos tratava amistosamente, mas nem todos ele considerava seus amigos. Quem muito abarca pouco aperta, diz o provérbio. Como já dissemos, Jesus também tinha os que lhe eram mais chegados, mesmo dentro dos 12.

Contigo em contradição pode estar um grande amigo, livra-te daqueles que estão sempre de acordo contigo – A grande questão que se coloca dentro da amizade, é a questão da fé e da confiança. São os nossos amigos verdadeiros ou falsos? Muitos são os testes para saber isto; nas horas amargas se conhecem os bons amigos. Os mais desconfiados dizem “livre-me Deus dos meus amigos que dos meus inimigos me livro eu”.

O vitorioso tem muitos amigos, mas é o vencido que tem os melhores amigos – Este provérbio mongol é uma boa solução para o nosso problema da confiança. Quando falhamos na vida, os verdadeiros amigos são os que, mesmo assim, ficam connosco, porque, na hora amarga, quando o barco está para se afundar, os primeiros a abandonar o barco são os ratos.

Quando se caminha ao lado de um amigo, um quilómetro tem dez passos – A companhia de um amigo torna tudo mais fácil, tanto a viagem como a tarefa. Uma prova mais de que o que é verdadeiramente efetivo é o afetivo. Aliás o que fazemos por amor e com amor é o que fazemos melhor. Aristóteles, que escreveu sobre a amizade, ao explicar o tipo de união que existe entre dois amigos, chegou a dizer que a amizade é uma alma em dois corpos.

A companhia no apostolado
Nesse mesmo dia, dois dos discípulos iam a caminho de uma aldeia chamada Emaús, (…) conversavam entre si sobre tudo o que acontecera. Enquanto conversavam e discutiam, aproximou-se deles o próprio Jesus. (…) Pararam entristecidos. E um deles, chamado Cléofas, respondeu (…) Nós esperávamos que fosse Ele o que viria redimir Israel. Lucas 24, 13-35

A imagem dos dois discípulos de Emaús é muito significativa é a que uso no cabeçalho da Missão Itinerante. São marido e esposa que se afastam de Jerusalém depois do que lá tinha acontecido. É o único lugar em todo o Novo Testamento que nos refere o feedback dos apóstolos sobre a paixão e morte do Mestre. Este texto refere-nos o que pensavam e sentiam os discípulos perante a paixão e morte do seu querido Mestre.  

A companhia, o poder chorar juntos os insucessos e celebrar os sucessos, é uma das vantagens da companhia. Quando o apóstolo evangeliza com um amigo, pode contar com ele para tudo, com a sua ajuda, com o seu encorajamento, com os seus conselhos, duplica a sua ação pois a sua companhia o energiza.

E para além disto pode também contar com a ajuda do próprio Mestre que nos diz, “onde dois ou três estão reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles”. E se o que diz o evangelho é verdade, com esta ajuda no seu apostolado não podem contar os que atuam sozinhos, os franco atiradores. (Mateus 18, 20)

Depois dos tempos apostólicos, sempre houve homens e mulheres que unidos na mesma tarefa, a de evangelização, uniram os seus esforços e caminharam juntos os caminhos do evangelho, como os discípulos de Emaús. A grande maioria é desconhecida, porém há alguns canonizados pela Igreja que viveram uma santa e produtiva amizade. Aqui fica uma lista destas amizades mais conhecidas na Igreja:

Entre pessoas do mesmo género:
•    Sta. Perpétua e Sta. Felicidade
•    S. Basílio e S. Gregório Nazianzeno
•    S. Cirilo e S. Metódio
•    S. Boaventura e S. Tomás de Aquino
•    S. Inácio de Loyola e S. Francisco Xavier

Entre pessoas de diferente género:
•    S. Jerónimo e Sta. Paula
•    S. Bento e Sta. Escolástica
•    S. Francisco de Assis e Sta. Clara de Assis
•    Sta. Teresa, de Ávila e S. João da Cruz
•    S. Francis de Sales e Sta. Jane de Chantal
•    S. Vicente de Paulo e Sta. Luísa de Marillac
•    S. Martinho de Porres e Sta. Rose de Lima

TRABALHO EM EQUIPA
É melhor dois do que um só: tirarão melhor proveito do seu esforço. Se caírem, um ergue o seu companheiro. Mas ai do solitário que cai: não tem outro para o levantar! E se dormirem dois juntos, dormem quentes; mas se alguém está só, como se há de aquecer? Se um só é oprimido, dois já conseguem resistir a isso; o cordel dobrado em três não se parte facilmente. Eclesiastes 4, 9-12

Dois bois puxando um carro ou um arado ilustram bem o pensamento do autor sagrado. Um único boi não conseguiria fazer o que dois podem fazer; a questão está em conseguir emparelhá-los. Vemos uma junta de bois a puxar em uníssono e pensamos que sempre foi assim, que nasceram um para o outro, mas não é assim.

O facto de colocarmos, neste texto, a companhia ou amizade antes do trabalho em equipa não é aleatório. Entre inimigos ou rivais a colaboração não se dá, pois um quer sobressair em relação ao outro; as ideias têm direitos de autor, a inveja envenena as relações, o diálogo transforma-se em discussão e polémica cujo objetivo já não é descobrir a verdade, mas ganhar a contenda, humilhando quem perde.

Tal como há um processo de emparelhamento dos bois assim deve existir a amizade entre os membros de um grupo ou equipa para que o trabalho em conjunto possa resultar. Muitos fogem do trabalho em equipa e até acham que é uma perda de tempo. “Fa per tre chi fa per se” diz um provérbio italiano, faz por três aquele que faz por si mesmo, sozinho.

Como alguém disse, um elefante é um cavalo desenhado por um grupo. Talvez não fique um cavalo perfeito, mas o facto de que todos participaram vai dar os seus frutos no futuro. “Se queres ir mais depressa, vai sozinho, mas se queres ir mais longe, vai acompanhado”.

“Libris ex libris fiunt” – Pode traduzir-se como “a conversa é como as cerejas: quando agarras uma, vêm outras atrás”. Só Deus cria do nada, nós criamos do criado. A ideia de uma colega suscita em mim uma outra ideia e juntos construímos o puzzle da verdade ou a solução do problema em questão.

Os valores que capacitam a pessoa para o trabalho em equipa
Tal como ninguém pode amar o próximo se não se amar a si mesmo, também não se pode ser membro ativo de um grupo sem ter adquirido os valores pessoais que estão orientados para a vida social e de grupo:

Comunicação – Capacidade de comunicar as tuas ideias com clareza, seja por escrito ou oralmente, de uma forma não impositiva, num tom cálido, profissional, amistoso. Há pessoas cuja arrogância se nota já no tom que usam na sua comunicação, feita ex cátedra e de forma intimidante. Isto não tem nada a ver com ser persuasivo e expansivo, com falar à vontade, com autoconfiança e assertividade.

Escuta – O silêncio faz parte da comunicação; enquanto um fala, nós prestamos atenção, absorvemos tudo o que o outro diz. É deprimente e muito desmotivante ver como há pessoas numa reunião que estão desatentas, a brincar com o telemóvel enquanto alguém fala. Esta é uma forma de humilhar quem fala, de o pôr de lado, de o considerar pouco importante.
 
Pacificador – É inevitável que surjam os conflitos e, quando surgem, devemos ser neutros em relação às pessoas, mas não em relação à verdade e à justiça. Não devemos colocar-nos nunca do lado de ninguém contra alguém, porque ambos são nossos irmãos ou colegas; colocar-se do lado de alguém, mesmo quando essa pessoa tiver razão leva à divisão do grupo em fações, em partidos contrários e em definitivo à guerra aberta. Devemos, porém, estar sempre do lado da verdade e da justiça, apoiando as posições que se coadunam com estas, sem louvar quem nelas se posiciona, assim como denunciar o que não se coaduna com a verdade e a justiça, sem acusar quem assim se posiciona.

Digno de confiança – Palavra de rei não volta atrás. Ser fiel ao que se prometeu e comprometeu, fiel às tarefas da nossa responsabilidade, cumprindo os prazos estabelecidos, ser pontual. Quem foi fiel no pouco, muito se lhe dará, diz o evangelho. Muitos projetos de grupo estão divididos em diferentes partes e cada um é chamado a fazer o seu trabalho de casa. Nestes casos, é como montar um airbus, Ele é montado em França, mas as asas são fabricadas na Inglaterra, os motores na Alemanha, outras partes em Espanha, etc.

Ser respeitoso – Pouca gente vê a falta de pontualidade como uma falta de respeito, mas eu assim a vejo. Quando não sou pontual, estou a dizer indiretamente que sou mais importante do que tu, que o meu tempo tem mais valor que o teu. Quando não escuto os outros, estou a pô-los de lado, quando não olho para eles quando falam, estou a ignorá-los; quando não sei o seu nome nem me preocupo em aprendê-lo e me dirijo a eles sem os chamar pelo nome, estou a pô-los de lado.

Quando cada membro do grupo não atua segundo estes valores, o trabalho torna-se mais árduo, perde-se muito tempo e criatividade porque as mentes e os corações lidam com temas como a inveja, a estima e autoestima, os conflitos, as rivalidades, a luta pelo poder, etc.

Como se trabalha em equipa
Para tudo há uma técnica a seguir, um acumular de conhecimentos operativos ou táticas que têm sido usadas ao longo dos tempos por muitos grupos e que têm resultado.

Dividir o trabalho em pequenas tarefas – Trabalho em equipa não significa que todos fazem tudo ao mesmo tempo. O trabalho deve ser dividido pelos elementos do grupo, segundo os talentos de cada um. Hoje uma empresa é contratada para determinado projeto, mas não vai fazer tudo; ela mesma contrata outras empresas em regime de subcontratos para completar o projeto.

Pedir ajuda – Quando estás focado na tua própria tarefa, podem surgir dificuldades: não é humilhante ser humilde e pedir ajuda perante a dúvida, a dificuldade e a falta de ideias. Ninguém sabe fazer tudo, ninguém é esperto em tudo.

Trabalhar em voz alta – Partilhar detalhes da tarefa que estamos a realizar, o que descobrimos, as dificuldades que estamos a ter com membros do grupo ou com os que vivem à nossa volta. Fazer reuniões de partilha do estado atual de cada tarefa, e assim permanecermos abertos a sugestões e a pormenores que não nos tinham passado pela cabeça.

Partilhar um protótipo – Com o mesmo intuito do ponto anterior, partilhar um protótipo, um rascunho, um exemplo do que estamos a fazer. Não ter medo de apresentar o projeto com os andaimes, com os erros de ortografia ou de concordância e deixar que os outros nos corrijam, nos apresentem alternativas.

Reuniões de revisão – Ainda em linha com o ponto anterior, realizar uma reunião de revisão quando cada um está ainda a meio da sua parte do projeto ou tarefa, e encorajar os outros membros a que encontrem defeitos, a que sejam o advogado do diabo para que possamos aperfeiçoar a nossa obra. Muitos autores de livros pedem a opinião a um amigo, pedem a algum perito que leia o rascunho e lhe apresente críticas antes do rascunho final e da publicação.

Objetivo comum – Um grupo, uma equipa, uma comunidade, uma família, são constituídas por diferentes pessoas de diferentes personalidades, géneros e com diferentes talentos, mas com um objetivo comum. É o objetivo comum que os mantém unidos num mesmo projeto dividido em diferentes tarefas. Neste objetivo comum, é importante que cada um saiba o lugar que ocupa no grupo.

Celebrar juntos os êxitos – Em conjunto se celebram os triunfos e em conjunto, como os discípulos de Emaús, se choram os fracassos. Deve celebrar-se não só o fim do projeto, mas também cada uma das etapas mais importantes; assim se revigora o ânimo e a motivação para continuar até o projeto ficar completo.

O trabalho em equipa no apostolado
A missão dos 12 e dos 72 era um trabalho em equipa entre Jesus e os apóstolos, pois o evangelho diz claramente que Jesus os envia a lugares onde ele tinha intenção de ir. Toda a evangelização é uma preparação do caminho para o Senhor, tal como o Batista fez. Depois da Ressurreição e Ascensão ao Céu do Senhor, os seus discípulos mantiveram a tradição de trabalhar em equipa. Vejamos algumas dessas equipas que se foram formando.

•    Pedro e João (Atos 3)
•    Filipe e, em seguida, Pedro e João (Atos 8)
•    Pedro e certos irmãos (Atos 10)
•    Paulo e Barnabé (Atos 13-14)
•    Judas e Silas – juntam-se a Paulo e Barnabé (Atos 15)
•    Barnabé e João Marcos (Atos 15)
•    Timóteo junta-se a Paulo e Silas (Atos 16)
•    Paulo leva Priscila e Aquila com ele (Atos 18)
•    Timóteo e Erastus são enviados para a Macedónia (Atos 19)
•    Indo para a Ásia, Paulo foi acompanhado por Sópatro, Aristarco, Secundo, Gaio, Timóteo, Tíquico e Trófimo (Atos 20)

A Igreja é uma assembleia, é um grupo de pessoas unidas na mesma fé. É o corpo místico de Cristo animado pelo Espírito Santo. É certo que na Terra tem de haver uma estrutura e esta estrutura, até ao Concílio Vaticano II, era graficamente representada por uma pirâmide. As democracias ocidentais superaram a monarquia e, nas que ainda têm uma monarquia, o Rei reina, mas não governa, não tem poder de decisão, é apenas um símbolo.

O Concílio Vaticano II apresentou uma outra estrutura para a Igreja. Substituiu a pirâmide pelos círculos concêntricos, estando no centro o sucessor de Pedro. O poder absoluto do Papa seria limitado pelos Sínodos dos Bispos, buscava-se uma maior colegialidade entre o Papa e os bispos como existe na Igreja Ortodoxa; com a morte de Paulo VI, condutor do Concílio, e a subida de João Paulo II à cátedra de Pedro tudo voltou ao mesmo.

O que acontece ao nível das altas esferas do poder eclesiástico – do Papa e dos cardeais da Curia – é reproduzido ao nível diocesano e paroquial. O Papa governa a Igreja Universal, o bispo governa a sua diocese e o pároco governa a sua paróquia, como o rei Sol governava a França antes da revolução francesa. Aliás, esta Revolução conseguiu acabar com o sangue azul da nobreza, mas nada conseguiu contra o sacerdócio veterotestamentário do tipo casta que temos na Igreja católica.

O vento sopra onde quer e tu ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito.» João 3, 8

Desde o Papa até ao pároco, ou do pároco ao Papa, o clero esqueceu-se de que não tem direitos de autor sobre o Espírito Santo. A terceira pessoa da Santíssima Trindade é que governa a Igreja como um todo e cada um dos cristãos que nasceu da água e do Espírito.  

O divino Espírito Santo a todos assiste, não só aos clérigos, pelo que muitas revoluções na Igreja não vieram do clero, mas sim dos leigos. Como exemplo, Francisco de Assis, que nunca foi clérigo nem quis ser, reformou a Igreja sem a dividir, ao passo que um clérigo, Lutero dividiu a Igreja sem a reformar.    

O Conselho Pastoral é uma das criações do Vaticano II. Deveria existir em todas as paróquias, mas não existe em muitas delas e, nas que existe, os seus membros não são escolhidos democraticamente numa assembleia ou nos diferentes grupos que representam, pelo contrário, são escolhidos a dedo pelo pároco e este escolhe os que não lhe fazem sombra nem oposição. A sua função é dizer ámen a tudo o que o senhor pároco decide. Quando alguém tem uma voz divergente, este recorda-lhe “o Pároco sou eu”, e acaba-se a contenda.

No meu entender abusa-se muito da figura do Pastor da Igreja. A Igreja não é um rebanho, mas sim uma assembleia de gente diferente, unida por uma fé comum. Eu fui pastor de ovelhas e de cabras na Serra da Estrela, em Portugal e, pelo que sei de ovelhas e cabras, acho que não se deve aplicar esta imagem à Igreja.

O clero tem-se relacionado com os féis adultos como se fossem crianças, como se nunca tivessem crescido, mantém-nos amarrados a normas, preceitos e leis, amordaçando a sua consciência moral de tal forma que o fiel tem que perguntar ao sacerdote se isto ou aquilo é ou não pecado. A Igreja não tem deixado o fiel decidir em matérias vitais como a sua sexualidade.

Num rebanho, as ovelhas e as cabras não pensam. De facto, borreguismo é uma palavra espanhola que se refere à atitude de quem, sem critério próprio, se deixa levar pelas opiniões alheias, neste caso do pastor. Eu vi como um rebanho se perdeu num precipício só porque a ovelha que ia à frente caiu e as outras acriticamente se precipitaram todas também.

O povo de Deus não é um rebanho, e o sacerdote não é um pastor. Tal como o Papa é servo dos servos de Deus, assim deve ser o sacerdote na sua paróquia, servidor do povo de Deus. Este título presta-se mais ao trabalho em equipa que ao de pastor.

PRESTAÇÃO DE CONTAS
“Accountability” em inglês, é um conceito muito usado nos dias de hoje e significa muitas coisas ao mesmo tempo:
•    Responsabilizar-se pelas próprias ações e suas consequências, perante si mesmo e os outros. “Denial” ou negação é, neste sentido, a atitude oposta: desculpar-se, ilibar-se das próprias responsabilidades.
•    Ser transparente, emitir relatórios periódicos da própria atividade, sem esconder nada debaixo do tapete nem ter esqueletos no armário. Estar sempre pronto para uma auditoria, como Domenico Sávio estava pronto para morrer, sem ter que fazer ajustes à sua vida no último minuto.
•    Ser disciplinado - manter-se no caminho certo sem se deixar descarrilar por prioridades ou desejos concorrentes, discordantes e contrários à nossa missão.
•    Ser íntegro – ser honesto, evitar a corrupção, dar o nosso melhor na execução dos nossos compromissos; reconhecer os erros e assumir a culpa quando algo não corre da melhor maneira.

Prestação de contas na política - “O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”; não se sabe quem disse isto, mas alude a uma grande verdade. Cedo no Ocidente se descobriu que não podia haver um só poder ou que este não podia estar concentrado numa só instância; daí a separação de poderes em três instâncias, ao mesmo tempo independentes e interdependentes entre si.

São estas o poder legislativo, o poder executivo e o poder judicial. Estes três poderes são equilibradamente interdependentes, porque um fiscaliza o outro. Todos se amparam e regulam por uma Constituição democrática – fonte de todo o poder popular.

Enquanto isto acontece, os poderes não se relacionam entre si, funcionam harmoniosamente como as rodas dentadas do mecanismo de um relógio. Quando, porém, um destes poderes excede as suas competências, um dos outros dois intervém, de forma a fazê-lo voltar ao funcionamento normal consagrado na Constituição do Estado. O mecanismo que as democracias têm para que isto assim funcione tem a ver com a prestação de contas e é designado como freio e contrapesos ou equilíbrio e controlo.

Prestação de contas na economia – Inspeções, auditorias, são os mecanismos de prestação de contas da utilização dos dinheiros públicos para evitar que vão parar ao bolso individual de algum funcionário.

Prestação de contas na sociedade – É feita pela polícia e pelos tribunais, quando alguém atua contra as normas que regem uma sociedade. Se não consegue governar e controlar os seus instintos básicos e viver em harmonia com o próximo, o Estado exerce um poder coercivo de prestação de contas sobre o indivíduo cuja conduta não se coaduna com a do cidadão adulto e responsável.

Prestação de contas em psicoterapia – Para evitar que os assuntos existenciais do psicoterapeuta, os seus próprios problemas psicológicos, a sua personalidade e caráter se misturem com os problemas do cliente, assim como para evitar que o psicoterapeuta se envolva afetivamente com o cliente, é necessária uma supervisão, ou seja, o psicoterapeuta deve estar em terapia com um outro psicoterapeuta.


Prestação de contas no apostolado
(…) cada um de nós terá de dar contas de si mesmo a Deus. Romanos 14, 12

Confessai, pois, os pecados uns aos outros e orai uns pelos outros para serdes curados. A oração fervorosa do justo tem muito poder. Tiago 5,16

Irmãos, se porventura um homem for apanhado nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi essa pessoa com espírito de mansidão; e tu, olha para ti próprio, não estejas também tu a ser tentado. Carregai as cargas uns dos outros e assim cumprireis plenamente a lei de Cristo. Gálatas 6, 1-2

O ferro com o ferro se aguça, e o homem afina-se no contacto com os outros. Provérbios 27, 17

Unus christianus, nulus christianus – Dizia Sto. Agostinho, um cristão sozinho é um não cristão. A Igreja é o povo de Deus em marcha pela história para transformar esta Terra no Reino de Deus e a própria história numa história de salvação. Esta Igreja tem um depósito da fé que são as escrituras e a tradição ao longo de 2 000 anos.

A Santa Inquisição que ao longo da história não se revelou tão santa e que hoje está representada pela congregação para a doutrina, exerce sobre os cristãos, sobretudos os teólogos, o poder de prestação de contas, não aconteça que estes ensinem contra as verdades da fé reveladas nos tempos apostólicos e ao longo da tradição da Igreja. Para nos mantermos unidos numa só fé é preciso que esta faculdade se exerça. Se deixasse de exercer-se, facilmente a Igreja se dividiria num cem número de seitas ou igrejas, como aconteceu depois de Lutero.

O poder do envio de dois a dois ajuda a evitar que os cristãos caiam no pecado. Se um comete um erro, o outro pode e deve corrigi-lo. Todos precisamos de alguém que se preocupe connosco, que nos conheça bem o suficiente para reconhecer as nossas falhas, que nos possa desafiar se nos desviarmos do caminho ou nos excedermos nas nossas competências. Cada um de nós precisa de alguém que nos desafie de vez em quando. Escusado é dizer que a melhor crítica vem de um amigo, de alguém que quer o nosso bem. Qualquer crítica, por mais verdadeira que seja, que não venha de um amigo ou que não seja feita para o bem, não será bem recebida.

Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles. (Mateus 18, 20) é a melhor garantia de que a Igreja não descamba fora da doutrina do Mestre, é a melhor garantia de que um evangelizador não cai na tentação de se isolar como franco atirador e se transforma no líder de uma seita.

Na igreja não deve haver franco atiradores, todos devemos manter-nos em constante diálogo de confronto dos nossos pensamentos e ações com quem caminha connosco, para nos mantermos em comunhão com a Igreja, corpo místico d’Aquele que é o único Caminho, Verdade e Vida, para O anunciarmos a Ele e não a nós mesmos e a doutrinas que não são a Sua.

Conclusão - Profundamente conhecedor da natureza humana, sob o jugo do Evangelho, Jesus emparelha os seus discípulos dois a dois, para que juntos possam chorar os fracassos, aprender com os erros e celebrar as vitórias do trabalho na Vinha do Senhor.

Pe. Jorge Amaro, IMC


1 de outubro de 2021

3 Entidades do cristão: Sacerdote - Profeta - Rei

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Deus todo-poderoso, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que vos libertou do pecado e vos deu uma vida nova pela água e pelo Espírito Santo, unge-vos com o crisma da salvação, para que, reunidos ao seu povo, permaneçais, eternamente, membros de Cristo sacerdote, profeta e rei.
Unção com o óleo do Crisma depois do Batismo

Cristo, sendo rico, fez-se pobre para nos enriquecer a nós (2 Coríntios 8, 9). Jesus de Nazaré é Deus encarnado no Homem que Deus criou antes do pecado. Jesus morreu por nós para nos salvar da morte eterna, viveu por nós e connosco como Caminho, Verdade e Vida, para ser o modelo, o arquétipo e o paradigma de humanidade para o Homem de todos os tempos.

Antes de voltar para o Pai, Cristo partilhou connosco todos os seus poderes, talentos e faculdades e até disse que se tivéssemos fé podíamos fazer obras superiores às suas. Como cumprimento de todas as profecias, Cristo encarnou em si as três figuras ou arquétipos dos servidores do povo de Deus, sendo ao mesmo tempo sacerdote, profeta e rei.

Como refere acima a oração que o sacerdote reza ao ungir o recém-batizado com o óleo do Crisma, todo o batizado, pelo facto de o ser, fica unido a Cristo como membro do seu corpo místico que é a Igreja, pelo que fica a participar no sacerdócio de Cristo, assumindo também a função de ser profeta e rei.  

O conceito de Sacerdote no mundo primitivo
Quando a sociedade agrícola, sobretudo com o cultivo de cereais, permitiu uma certa estratificação social, a figura do sacerdote foi das primeiras a surgir, pois a religião nas sociedades primitivas englobava a cultura em geral, todas as outras atividades, ou seja, tudo o que não era agricultura.

O sacerdote era a pessoa que executava os rituais religiosos à divindade, lia e interpretava os textos sagrados e mantinha o local de culto. Era um intermediário entre a divindade e o povo. Em todas as religiões judaicas, da Suméria, Egipto, Roma ou outra, no budismo, no hinduísmo, nas religiões tradicionais africanas ou latino-americanas esta é sempre a função do sacerdote.

Xamãs e médiuns seriam outras versões mais sofisticadas no buscar uma relação e comunicação entre este o mundo e o mundo espiritual e divino dos espíritos e de pessoas que já faleceram. Há um ressurgir destas práticas com a religião Nova Era que é um sincretismo de muitas religiões, incluindo as tradicionais americanas, asiáticas e africanas.

O conceito de Profeta no mundo primitivo
É difícil encontrar no mundo primitivo fora de Israel uma figura que se pareça de perto ou de longe com a figura de profeta, uma vez que um profeta na antiga Israel não é, como muitos pensam, primariamente um adivinho. Profeta e profecia têm na Bíblia um significado muito complexo como adiante veremos. No entanto, o sentido de adivinho e adivinhação estão também de alguma forma incluídos, embora não sejam os principais.

Mostra que és profeta, ó Cristo, advinha quem foi que te bateu? (Mateus 26, 68) Este texto do Novo Testamento deturpa a função do profeta na antiga Israel, assemelhando-a à do adivinho. O profeta adivinhava, mas não no sentido da pitonisa do passado e dos adivinhos do presente em todas as culturas.

O profeta era um bom observador, leitor e intérprete dos sinais dos tempos; ou seja, via no presente sinais de um futuro que estava por vir e frequentemente anunciava esse futuro, para que o povo se preparasse ou ainda para que o povo o evitasse, como no caso de Jonas.

Adivinhos, feiticeiros, bruxos e bruxas, leitoras de sina, sempre os houve no nosso mundo. Estas figuras seriam as mais parecidas com uma faceta secundária do ser profeta, mas que também aconteceu e fez história com muitos dos profetas de Israel.

O conceito de Rei no mundo primitivo
Como acontece com os animais próximos de nós na evolução das espécies, a liderança é um fenómeno natural. Ao formar-se um grupo de pessoas, essas pessoas começam a atuar e a interagir entre si, surgindo assim um ou mais líderes. Autocrática ou democrática, que serve os outros ou que se serve dos outros, a liderança nasce por geração espontânea. O que não é natural num grupo é a anarquia, ou seja, a falta de um líder.

O mundo antigo conheceu várias formas de governo de uma tribo, povo ou nação. Antes das civilizações grega e romana, o poder concentrava-se numa só pessoa e passava de pais para filhos, como acontecia com os reis dos sumérios, da Mesopotâmia, da Babilónia, com os faraós do Egito, até ao império persa. Os gregos inventaram a democracia na qual e pela qual o governo pertencia ao povo que delegava o seu poder em vários líderes; o mesmo se passou com os romanos, com um sistema mais complexo que a democracia grega ao qual chamavam república.

Quando os povos primitivos e bárbaros sem cultura do norte da Europa conquistaram o império romano, a Europa retrocedeu por vários séculos do ponto de vista cultural e político, voltando à monarquia absoluta, ao governo de uma única pessoa que passava o poder para os seus filhos de geração em geração.

Sacerdote – Profeta – Rei no Antigo Testamento
E vós me sereis um reino sacerdotal e o povo santo. Estas são as palavras que falarás aos filhos de Israel. Êxodo 19,6

Não só a Igreja, como também Israel, já estavam no seu tempo fadados para ser para Deus um Reino sacerdotal e profético. Os três ofícios do Antigo Testamento devem ser as três facetas da vocação de todo o judeu perante Deus.

Sacerdote – Muito antes de Israel se constituir como nação, já na sua pré-história aparece uma figura misteriosa chamada Melquisedeque (Génesis 14.17-20). É ao mesmo tempo sacerdote e rei. Abraão presta-lhe homenagem e paga-lhe o dízimo. Se bem que o sacerdócio instituído mais tarde em Israel fosse um sacerdócio praticado exclusivamente pelos membros da tribo de Levi, este primeiro ou primitivo sacerdócio permaneceu em estado puro e idílico.

Jesus que era da tribo de Judá, não podia ser sacerdote, mas será sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedeque, rei de Salem. Nome e título decomposto, significa sacerdote bom, justo rei da paz.

O sacerdote representa o povo diante de Deus e as suas vestes dizia isto mesmo: usava uma tiara com a inscrição “santidade ao Senhor”, no peito usava uma placa com 12 pedras preciosas, cada uma de cor diferente, que representavam as 12 tribos de Israel.

Profeta – Se o sacerdote representava o povo perante Deus, o profeta representava Deus perante o povo. Toda a sua vida, palavras, obras e comportamentos são facetas de uma mensagem que encarna na sua vida. Todo ele é um meio audiovisual dos desígnios que Deus tem para com o seu povo. O primeiro grande profeta foi Moisés, que não só libertou o povo do Egito, como também o guiou pelo deserto e por fim lhe deu uma lei para observar.

A lei e os profetas é outra maneira de designar o Antigo Testamento. De facto, fora dos 5 livros do Pentateuco, ou seja, a Lei e os livros dos profetas, só ficam de fora os livros sapienciais que são tardios e nem todos foram aceites no cânone hebreu.

Os sacerdotes tinham um ofício rotineiro, ordinário e regular, sem grandes mudanças, por isso não escreveram história. Ao contrário, os profetas iam surgindo em cada situação e contexto histórico, encarnando sempre a vontade de Deus para o seu povo naquele contexto histórico cultural preciso.

Por isso temos um livro para cada profeta, eles são Deus que caminha com o seu povo, revelam-se e atuam na história do seu povo, não o abandonando nunca e guiando-o como outrora o primeiro profeta Moisés fez no deserto. O sacerdote representa sempre o status quo, o profeta representa a critica a esse status quo e a inovação.

Rei – O ofício de rei não nasceu primeiramente da vontade de Deus. Israel era uma teocracia e tal como em cada tempo e situação histórica, tal como ia surgindo um profeta para guiar moralmente o povo, também ia surgindo um Juiz para o defender politicamente e o livrar dos povos inimigos circundantes. Os filhos de Samuel, profeta, Juiz e sacerdote, deviam suceder-lhe, mas como estes já em vida do pai não seguiam as suas pisadas, o povo pediu que fosse ungido um rei para serem governados como os outros povos o eram.

A Deus não lhe agradou este passo da teocracia à monarquia e a princípio sente-se rejeitado (ou melhor dizendo, assim o interpreta Samuel) mas cede. Deus escreve direito nas linhas tortas dos homens, e concede-lhes um rei, porém a experiência da monarquia não foi lá muito bem-sucedida; só os primeiros três reis, Saul, David e Salomão, foram capazes de manter o reino unido.

A modo de resumo simplificado, os três ofícios do Antigo Testamento podem ser entendidos do seguinte modo: o sacerdote representa os interesses do povo perante Deus, o profeta é a boca de Deus, representa a Deus perante o povo e o rei governa o povo conforme os desígnios de Deus.

O Messias que o povo de Israel esperava era alguém que encarnava de maneira ideal estes três ofícios. Neste sentido, Israel devia aguardar um sacerdote como Melquisedeque, um profeta como Moisés e um rei como David. (2 Samuel 7, 12-13, Isaías 55, 3). Jesus de Nazaré é o Senhor, é o Cristo que na sua vida encarna perfeitamente estes três ofícios e, depois d’Ele, todos os seus seguidores são chamados a fazê-lo como Ele o fez.

SACERDOTE
(…) também vós - como pedras vivas - entrais na construção de um edifício espiritual, em função de um sacerdócio santo, cujo fim é oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus, por Jesus Cristo. 1 Pedro 2, 5

O Sacerdote no Antigo Testamento
“O sumo sacerdote é um homem como qualquer outro, mas constituído para representar os homens nas suas relações com Deus”. Hebreus 5:1

O conceito universal de ser sacerdote é o de ser intermediário entre Deus e o povo. O sacerdote procura, através de rituais e sacrifícios, aplacar a ira divina e ganhar para o povo os benefícios que Deus outorga a todos os que observam os seus preceitos e obedecem à sua vontade.

Intercede pelo povo – O sacerdote é o “Cohen” palavra hebraica para sacerdote, na medida em que é o intermediário entre Deus e o povo. Vemos Moisés exercer essa função quando o povo de Israel, na sua travessia do deserto, enfrentou os Melequitas; enquanto Moisés permanecia com os braços levantados em atitude de oração, intercedendo pelo povo, Israel prevalecia, mas quando, por cansaço, baixava os braços prevaleciam os Melequitas. (Êxodo 17, 11-12)

Mediadores nos conflitos – Os sacerdotes tinham a função de educar o povo na Lei (Levítico 10:10,11; Deuteronómio 33:10; 2 Reis 17:27,28; 2 Crónicas 15:3; 17:7-9; Jeremias 18:18; Ezequiel 7:26; 44:23; Malaquias 2:6,7). Também eram responsáveis por certas áreas da jurisprudência, ocupando-se de determinados assuntos de natureza civil (cf. 2 Crónicas 19:8-11; Ezequiel 44:24). Em casos criminais complexos, cabia aos sacerdotes indicar a sentença correta, de acordo com o padrão da Lei (cf. Deuteronómio 21:5).

Era função do sacerdote fazer o diagnóstico de certos tipos de lepras. Os sacerdotes examinavam determinada pessoa e atestavam se ela estava limpa ou impura. Quando Jesus curou os leprosos, enviou-os ao sacerdote para que este os declarasse curados. (Lucas 17, 14)

Oferece sacrifícios – O sistema sacrificial era um meio para reatar as relações entre Deus e o povo, quanto este desobedecia à Lei de Deus. O perdão era obtido pela oferenda de um sacrifício de expiação. Para além destes sacrifícios que eram diários, um de manhã, outro de tarde, o povo dava as primícias das suas colheitas e 10% de todas elas para manter a classe sacerdotal. Os direitos dos sacerdotes estão bem descritos no livro do Deuteronómio 18, 1-8. Os sacerdotes cuidavam do templo, lugar de encontro entre Deus e os homens, custodiavam a Arca da Aliança e levavam-na em procissão. Também tinham a função de ensinar a Lei ao povo.

O sacerdote ideal está para vir – O Salmo 110, 4 volta a colocar Melquisedeque como o sacerdote ideal; o seu sacerdócio, ao contrário do sacerdócio de Aarão, será eterno. O sacerdote ideal de Israel, é o Messias e seguirá a ordem de Melquisedeque e não a ordem de Aarão. Será como Melquisedeque: bom, justo e Príncipe da paz. Todo o capítulo 7 da carta aos Hebreus apresenta Cristo como sendo esse sacerdote que estava para vir.

Cristo Sumo sacerdote
Onde Jesus, nosso precursor, entrou por nós, feito eternamente sumo sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque. Hebreus 6:20

Não sendo da tribo de Levi, o seu precedente sacerdotal é Melquisedeque como já dissemos. Cristo exerce por excelência todas as funções sacerdotais e leva-as a todas à perfeição inigualável e irrepetível, pelo que se transforma para todo o sempre em modelo e paradigma de todos os sacerdotes ministeriais e comuns dos fiéis.  

Intercessor – (Cristo) pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles. Hebreus 7, 25. O que faz de Cristo o verdadeiro intermediário entre Deus e os homens, a verdadeira ponte entre Deus e os homens, é o facto de nele se concentrarem a natureza divina e a natureza humana. A própria pessoa de Cristo é já o encontro harmónico entre Deus e os homens, em Cristo já se reconciliam a natureza humana com a natureza divina.

Cristo não se limita a ser intermediário, é salvador, pois ao encarnar na natureza humana traz Deus à humanidade, ao voltar para o Pai leva a humanidade para Deus. Cristo é a ponte perfeita pela qual Deus vem à humanidade e a humanidade vai a Deus.

Isto mesmo está patente e simbolizado na visita que Jesus fez a Jericó antes de subir a Jerusalém. Jericó, a cidade da lua, a mais velha e a mais baixa do mundo, significa o pecado; na parábola do bom Samaritano, este descia de Jerusalém, a cidade da paz e símbolo da graça, para Jericó, simbolo de pecado; ou seja, está caindo em desgraça.

Jesus entra em Jericó e fica em casa de Zaqueu, sai de Jericó seguido de uma grande multidão e ainda cura um cego que se junta a esta multidão. Jesus sobe com esta multidão de redimidos de Jericó, 400 metros a baixo do nível do mar, para a graça de Jerusalém, 800 metros a cima do nível do mar.

Oferece o sacrifício perfeito inigualável, insuperável, irrepetível – Era tarefa principal dos sacerdotes oferecer sacrifícios pelo povo, mas antes de oferecer qualquer sacrifício, devia oferecer um sacrifício por si mesmo, para poder estar puro e depois oferecer o sacrifício pelo povo e purificá-lo também. Jesus não precisa de oferecer este primeiro sacrifício pois já é puro: Ele mesmo é Deus e homem de forma plena e perfeita.

O sacrifício de Cristo é perfeito porque Ele mesmo é o sacerdote, o cordeiro, o templo e o altar. O templo é o lugar onde habita Deus; Cristo era homem e Deus, por isso Deus habitava n’Ele na sua plenitude. O altar era o lugar onde se oferecia o sacrifício; Cristo é esse altar porque o oferece na sua vida; Cristo é o cordeiro sem mancha porque era em tudo igual a nós, exceto no pecado.

Um sacrifício assim perfeito não pode ser aperfeiçoável ou superável, pelo que o sacerdote hoje atua segundo esse mesmo sacrifício de Cristo, celebra a memória desse sacrifício que, de uma vez por todas, redimiu a humanidade por ser perfeito e não poder ser aperfeiçoável.

Chamados a ser sacerdotes
Todos os cristãos, pelo facto de estarem batizados, estão chamados a ser profetas e reis. Porém, quando se trata de serem também sacerdotes, não deixa de ser suspeito o facto de haver dois tipos de sacerdócio: o sacerdote laical ou do leigo, também chamado comum dos fiéis, e o sacerdote ministerial clerical que se contrapõe ao povo e está a cima deste.

Sacerdócio ministerial versus sacerdócio comum dos fiéis
Sabendo que Jesus toda a sua vida foi contra o templo e os seus sacrifícios, é difícil entender que a sua morte tenha sido interpretada como um sacrifício requerido por Deus para expiar os pecados da humanidade.

Jesus identificou-se historicamente com um movimento que abandonou o templo como sendo o centro do judaísmo, os essénios. Eles adquiriram o perdão dos pecados sem oferecer nenhum sacrifício, mas através de contínuas purificações rituais de água. João Batista terá sido um essénio que entendeu que essa via de salvação devia ser oferecida a todos. Por isso deixou o mosteiro e começou a perdoar os pecados por médio de uma imersão nas águas do rio Jordão.

Jesus foi discípulo de João Batista, foi batizado por ele e batizou gente no mesmo rio, tal como João, num primeiro momento do seu ministério, levando depois o perdão dos pecados pelas vilas, aldeias e cidades por onde andou e pregou.

Eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo
. João 1, 29 – Só no tardio evangelho de S. João, Jesus é chamado pelo Batista de cordeiro de Deus. Mesmo neste evangelho, Jesus não se refere a si mesmo como sendo o cordeiro de Deus. Nos evangelhos sinópticos ninguém diz que Ele é o cordeiro de Deus nem Ele se vê como o cordeiro de Deus. Só a carta aos Hebreus, escrito que ninguém assinou e que gira à volta da ideia de Jesus ser o sacerdote, é referido o cordeiro, o altar e o cordeiro, o perfeito adscritício que de uma vez por todas tira o pecado do mundo.

Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto. Quem ama a sua vida perdê-la-á, e quem neste mundo odeia a sua vida, guardá-la-á para a vida eterna. (…) E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim. E dizia isto, significando de que morte havia de morrer. João 12, 24-25, 32-33

Mesmo no evangelho de João, quando Jesus fala da sua morte, interpreta-a como sendo a morte de mais um profeta, ou seja, de alguém que morre por uma causa, para dar testemunho da verdade, uma morte semelhante à morte de Sócrates. Jesus dá a vida pelo seu projeto de humanização do homem como ser individual e do homem como ser social: o Reino de Deus. É neste sentido que nos salva, que dá a vida por nós.

Nos evangelhos sinópticos, Jesus anuncia a sua própria morte, mas nunca a interpreta. Os únicos dois momentos em que Jesus parece interpretar estão na parábola dos vinhateiros homicidas (Mateus 21, 33-46). É claro que a vinha representa Israel, os vinhateiros homicidas os sacerdotes, escribas e fariseus a quem a vinha fora confiada; estes matam todos os mensageiros, ou seja, os profetas que o dono da vinha, Deus, lhes manda; por fim, envia-lhes o Seu próprio filho, ou seja, Cristo que também matam e atiram fora da vinha.

(…) As que dizem respeito a Jesus Nazareno, que foi homem profeta, poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo. E como os principais dos sacerdotes e os nossos príncipes o entregaram à condenação de morte, e o crucificaram. (…) começando por Moisés, e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras. Lucas 24, 19-20, 27

O outro momento em que Jesus parece interpretar a sua morte é no caminho de Emaús, ao explicar aos dois discípulos por que motivo o Messias devia morrer. Não sabemos textualmente o que Jesus lhes disse, mas pelos vistos, tal como na parábola dos vinhateiros, Jesus interpreta a sua morte como a morte de mais um profeta, pois vem no seguimento de Moisés e de todos os profetas antes d’Ele que tiveram o mesmo fim, como diz o texto.

O Deus de nosso Senhor Jesus Cristo é um Deus que perdoa e esquece que não necessita de satisfação. Não necessita que paguemos o preço da nossa redenção. Isto de oferecer sacrifícios de expiação dos pecados é um antropomorfismo, ou seja, é como nós entendemos a Deus, não o que Deus é segundo a forma como Jesus O revela.

O mesmo é dito do purgatório que não foi criado por Deus porque Ele necessite que nós expiemos os nossos pecados antes de entrar na Glória com Ele. Somos nós que a partir da nossa natureza humana necessitamos do purgatório para reconquistar a nossa autoestima e porque apesar de Deus nos perdoar facilmente desde o momento em que reconhecemos o nosso pecado, nós a nós mesmos não nos perdoamos facilmente e alguns nunca se perdoam como o apóstolo Judas.

Portanto, para perdoar a humanidade Deus não necessitava do sacrifício do seu filho. Assim foi interpretado pelos homens à luz dos sacrifícios da antiga lei, mas Jesus verdadeiramente morreu como um profeta; morreu pela humanidade, por todos nós, não porque Deus Pai assim o requeresse, para nos perdoar, mas porque esta Humanidade rejeitou o seu projeto de salvação. Jesus não só morreu por nós, também viveu por nós: a causa da sua morte foi a mesma causa da sua vida.

A vida e morte de Jesus, por si sós, não seriam redentoras, se depois da sua morte não tivesse ressuscitado. Seria a vitória do mal sobre o bem, como tantas vezes tinha acontecido na História. A sua Ressurreição veio provar e validar o seu projeto salvador, que Ele é a Verdade e o Caminho, ou seja, a única forma de viver a vida temporal que leva à vida eterna.

Última Ceia, Instituição da Eucaristia ou do sacerdócio ministerial?
A eucaristia é a celebração não só da paixão, morte e Ressurreição de Jesus, como também da sua vida. A Eucaristia é a celebração da memória total da pessoa de Jesus pelos seus discípulos. Jesus diz, “fazei isto em minha memória”, não acrescenta “da minha paixão, morte e Ressurreição”, mas sim da memória da sua pessoa e do que significou a sua vida para todos nós.

A última Ceia é a celebração da despedida de Jesus e a instituição do sacramento da Eucaristia, ou seja, uma forma de Ele estar connosco até estarmos juntos e podermos beber outra vez do fruto da vide, no Reino de Deus. A eucaristia é a concretização do que Jesus tinha dito, “onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles”. (Mateus 18, 20)

Fazei isto em minha memória – é dito à comunidade na sua totalidade, aos discípulos na sua totalidade. Já nenhum teólogo acredita que na Última Ceia estivessem presentes só os 12 discípulos. Também estavam presentes as discípulas, a sua Mãe, Maria Madalena e as outras que os apoiavam economicamente, certamente a mãe dos filhos de Zebedeu estaria presente, assim como as outras mulheres.

Se o seguiram desde a Galileia e estavam aos pés da sua cruz, certamente estariam presentes na sua despedida. A Ceia Pascal dos judeus não era uma coisa só de homens, não excluía as mulheres, muito pelo contrário, estas até davam início à Ceia com a cerimónia da luz, do acender das velas, ritual que era realizado sempre por uma mulher, a mãe da casa. No caso de Jesus, é bem provável que tivesse sido a Sua mãe, a Virgem Maria, a acender as velas.

Alguns, ainda justificando a foto que Leonardo da Vinci fez da Última Ceia, dizem que as mulheres estavam, mas a servir. Decerto haveria Martas a servir, mas também havia Marias em atitude de discípulas, (Lucas 10, 38-42). Haveria mulheres a servir, mas duvido que a mãe do Senhor e Maria Madalena estivessem a servir: estariam antes sentadas à mesa. Seja como for, servir por servir, também Jesus na Última Ceia serviu, lavando os pés aos apóstolos.

O simbolismo do número 12
A Igreja perverteu o simbolismo do número 12 ao dar sentido e significado a cada um dos 12. O número 12 vem certamente dos 12 filhos de Jacob: cada um é cabeça de tribo. Durante os séculos posteriores, o número 12 significou o povo de Israel. Jesus quer criar um novo povo, por isso recorre ao simbolismo do número 12 e chama aleatoriamente 12 pessoas, não uma de cada tribo.

O evangelho dá-nos o nome de cada um deles mas, à exceção de Pedro, não confere nenhum simbolismo nem significado a cada um enquanto pessoas individuais. De facto, quando Judas falta, a preocupação de Pedro é restaurar o simbolismo do número 12, mais nada.

Isto prova que não há nenhum significado inerente a cada um dos 12, por si só; é o facto de S. Paulo não ser um dos 12 e de se chamar a si mesmo apóstolo e de nenhum dos 12 originais lhe negar esse título. Por outro lado, o próprio Paulo chama apóstolos a muitos dos seus colaboradores e colaboradoras (Romanos 16, 7).

Para melhor entender o simbolismo do número 12, tomemos como exemplo a bandeira da Comunidade Europeia com as suas 12 estrelas. Não representam os Estados membros porque os Estados membros são 27. Uma ou cada uma das estrelas dessa bandeira carece de sentido por si só; apenas tem sentido no conjunto que forma com as outras. O mesmo acontece, com a comunidade cristã, “unos christianus nulus christianus”, dizia Santo Agostinho.

S. Paulo tem, portanto, razão ao considerar apóstolo cada membro do corpo de Cristo, que originalmente contava com 12. Por isto mesmo não faz nenhum sentido que os bispos se considerem sucessores dos apóstolos. Todos, não só os bispos, são sucessores dos apóstolos, como todos os judeus são sucessores dos 12 filhos de Jacob.

Porque Jesus se dirige aos seus discípulos na sua totalidade, tanto varões como mulheres, ao dizer “fazei isto em memoria de mim”, facilmente deduzimos o sacerdócio comum dos fiéis do seu mandato. Deduzir também daqui o sacerdócio ministerial, especialmente como o temos hoje, um sacerdócio contraposto clerical, que na Idade Média chegou a constituir uma classe social ao lado da nobreza e do povo, parece-me esticar demasiado o texto.

Como é a eucaristia que faz o sacerdote e não o sacerdote que faz a eucaristia, tanto vale a eucaristia celebrada por um sacerdote santo, como a celebrada por um criminoso. A Eucaristia, e não o sacerdócio ministerial, é o valor a preservar. Há 2 000 anos que o judaísmo sobrevive sem templo, sacerdotes e sacrifícios; estes provaram não ser essenciais para a vida do povo e para a sobrevivência da sua fé. O cristianismo foi “ressuscitar” um tipo de sacerdote, casta que Jesus, como leigo, sempre rejeitou. Ele mesmo e todos os seus apóstolos, sobretudo Paulo, nunca se apresentaram como sacerdotes.

Há cada vez mais comunidades cristãs sem eucaristia porque os sacerdotes ministeriais são uma espécie em vias de extinção. Na Europa, os sacerdotes são idosos e têm cada um entre 3 e 5 paróquias; até quando podemos continuar assim? Devemos continuar a pedir a Deus vocações para este tipo de sacerdócio? E se Ele de facto nunca entendeu ter este tipo de sacerdotes?

Não estamos no tempo em que o sacerdócio ministerial, o presbítero, devia nascer da comunidade, na comunidade e para a comunidade? Assim acontecia com os primeiros presbíteros, eleitos entre os anciãos, nas comunidades que Paulo ia fundando.

Tal como os presbíteros de antanho, que eram os anciãos nascidos e criados na comunidade e por esta eleitos para presidir à eucaristia, assim o sacerdócio ministerial deve surgir do sacerdócio comum dos fiéis. Todos somos chamados a interceder uns pelos outros, a celebrar a eucaristia e a mediar entre pessoas em conflito. Uma das bem-aventuranças é precisamente a de ser pacificadores.

PROFETA
Hoje, o termo "profecia" sugere uma variedade de significados. Falamos de "profetas da desgraça", que vêm o mundo e seu futuro de uma forma negativa. Houve indivíduos com visões sociais, às vezes radicais, que foram chamados de "profetas da nossa era" ou "profetas do seu próprio tempo".

Há também aqueles "prophets" que realmente devem ser chamados de "adivinhos", que afirmam prever o futuro. Mesmo quando há alguma referência à "profecia bíblica", a compreensão popular é muitas vezes distorcida por pregadores que dão a impressão de que os profetas bíblicos olhavam para a bola de cristal de Deus e previam o que estava para vir.

A palavra profeta vem da palavra grega “profetas”, que literalmente significa aquele que fala por outro, especialmente pelos deuses. E esta palavra grega, por sua vez, é uma maneira bastante precisa de mencionar o nabi hebraico, que se refere a quem comunica a vontade divina.

A figura do profeta no Antigo Testamento
Os profetas entenderam-se como enviados. Eles recebiam o seu mandato de Yahveh, "Vai e diz ao meu povo." De fato, as mensagens proféticas quase sempre começam com a fórmula "Assim diz Yahveh" e conclui com "o oráculo de Yahveh" ou "diz Yahveh" (Amós 1, 3-5; Jeremias 2, 1-3).

Na tradição do Antigo Testamento, o profeta é o homem certo para o momento certo; é o que sabe interpretar o momento presente da vida do povo à luz da vontade de Deus, de quem se sente mensageiro, por vezes também intermediário entre Deus e os homens. É sempre um líder natural e uma pessoa carismática; tanto criticava um comportamento que não era adequado aos olhos de Deus, como confortava e infundia esperança nas horas amargas, como durante o exílio da Babilónia. É o que vê o extraordinário no ordinário, é o que sabe ver os sinais dos tempos e vê neles um futuro que está para vir e comunica a sua visão ao povo para que este se prepare.

Eu não era profeta, nem filho de profeta. Era pastor e cultivava frutos de sicómoros (Amós 7, 14). Ao contrário dos sacerdotes de Jerusalém e dos doutores da lei, os profetas não provinham do establishment, não tinham pedigree. Era o Espírito que, aqui e ali, nos momentos em que era preciso, ia suscitando um guia para o seu povo.

Agora não há nem príncipe, nem profeta, nem chefe, nem holocausto, nem sacrifício, nem oblação, nem incenso, nem um local para te oferecer as primícias e encontrar misericórdia Daniel 3, 38. Como se nota pelo texto, o profeta era uma figura importante para o povo. Sem ele, o povo sentia-se desorientado, confuso, abandonado, sozinho, inseguro…

Atos simbólicos dos profetas de Israel
O comportamento dos profetas, do Antigo Testamento, era tão bizarro que, por comparação com os atuais padrões seculares de sanidade, acabariam institucionalizados ou, pelo menos, em alguma forma de terapia intensiva.

Estes profetas não eram apenas falantes da palavra, encarnavam-na nas suas vidas, no seu talante, no seu comportamento e atos; tudo neles fazia parte da mensagem; a sua escolha de roupas e até mesmo os seus corpos e linguagem corporal. Testemunhavam assim, na própria carne, o quão transformador e desconcertante pode ser a Palavra de Deus. “Palavras leva-as o vento”, os atos simbólicos e dramáticos dos profetas falavam bem mais alto e eram mais difíceis de esquecer.

•    Isaías, despiu toda a sua roupa e vagueava nu. (Isaías 20).
•    Jeremias, escondeu a sua roupa interior numa rocha, e depois de muito tempo veio à procura dela (Jeremias 13).
•    Oseias casou deliberadamente com uma prostituta e pôs o nome de Loruhama ou não amada à filha de ambos (Oseias 1)

A função da profecia
Jonas levantou-se e foi a Nínive, segundo a ordem do Senhor. Nínive era uma cidade imensamente grande, e eram precisos três dias para a percorrer. Jonas entrou na cidade e andou um dia inteiro a apregoar: «Dentro de quarenta dias Nínive será destruída.» Jonas 3, 3-4

Na Bíblia, a profecia nunca pretendeu ser um vaticínio, mas sim uma admoestação ou um aviso: “se continuais a viver desta maneira, vai acontecer esta ou aquela catástrofe”. Os habitantes de Nínive, como sabemos, converteram-se e o que o profeta Jonas anunciou estar para vir não veio.

Muitos dos profetas do nosso tempo encarnaram um movimento, uma tendência uma mudança. Mahatma Ghandi, Luther King, Nelson Mandela, Óscar Romero. Todos tiveram palavras de admoestação contra uma situação injusta, todos encarnaram e encabeçaram um movimento, todos sofreram ou foram assassinados pela sua ousadia de molestar o status quo.

Isaías é, do ponto de vista do cristianismo, o profeta mais significativo do Antigo Testamento. Ao contrário de Elias, o maior profeta na perspetiva judaica, Isaías não era nacionalista, mas universalista. Sonhava com um banquete para todos os povos na capital de Israel, Jerusalém; com a reconciliação entre inimigos viscerais, o lobo e o cordeiro; com a conversão de armas de guerra em instrumentos de paz; com a vinda do Messias e com a sua paixão e morte e o significado destas.

O profeta ideal está para vir
Eis lhes suscitarei um profeta do meio de seus irmãos, como tu, e porei as minhas palavras na sua boca, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar. Deuteronómio 18, 18

Cristo encarnou a palavra, a mensagem, muito mais que qualquer dos profetas, de tal forma que nunca disse que Deus lhe mandou dizer isto ou aquilo, falou em nome próprio, e até se contrapôs modificando o que até ali tinha sido dito com a forma repetidamente usada no sermão da Montanha, “sabeis o que foi dito aos antigos… Eu, porém, digo-vos…”

Jesus profeta poderoso em palavras e obras
Com a vinda de Cristo podemos olhar para trás e ver estes profetas como prenúncio, não só através das profecias, que falavam da sua vinda, como também através das suas ações proféticas. Cristo é, afinal, a palavra feita carne, da maneira mais rica e mais completa possível. E, tal como o dos profetas, o comportamento de Cristo foi totalmente bizarro, desconcertante e confuso quando comparado com os padrões sociais e convencionais da época.

Era, afinal de contas, alguém que garantiu que reconstruiria o templo em três dias, comia com prostitutas e cobradores de impostos, expulsou demónios para uma vara de porcos, curou um homem cego, esfregando nos seus olhos lama que fez com a sua saliva, e andou sobre as águas.

A mais chocante ação dramática, foi sem dúvida lavar os pés aos seus discípulos. Quis executar o ato mais servil para que nunca esquecessem o que já tinha dito em palavras: o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos. Marcos 10, 45

Jesus foi, no dizer dos discípulos de Emaús, um profeta poderoso em palavras e obras. Até esperavam que fosse algo mais, tinham fé de que fosse algo mais: o próprio Messias. As pessoas do seu tempo, viam n’Ele um profeta, tal como responderam os apóstolos à pergunta sobre a sua identidade.

Jesus que nunca se confundiu nem se teve como sacerdote, parece ter aceitado que o vissem como profeta. (Mateus 21, 11; Lucas 7, 16; João 4, 19). Chamou-se a si mesmo profeta ao dizer “nenhum profeta é bem recebido na sua pátria”. (Lucas 4: 24–27). Interpretou a sua morte como a morte de um profeta, ao programar a sua agenda para morrer em Jerusalém onde todos os profetas antes dele morreram (Lucas 13, 33).

Maomé, o último profeta, Jesus, o filho de Deus
O Islão aceita como válida a tradição religiosa judaica descrita no Antigo Testamento que eles consideram também seu. Maomé é, portanto, o último dos profetas que Deus enviou ao mundo, sendo o penúltimo Jesus.

Se a humanidade viver mais 10 000 ou 20 000 anos, que sentido faz que o último tenha vindo no ano 524? Mais mudanças sofreu o mundo e a humanidade desde o ano 524 que em todos os milhões de anos anteriores; por que será que os profetas se sucediam uns aos outros com frequência e depois do ano 524 já não foram mais precisos?

Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e por meio de quem fez o mundo
. Hebreus 1, 1-2

No caso do Cristianismo, mesmo que a humanidade viva até ao ano 20 000, faz sentido que a revelação tenha acontecido no ano zero. Como explica o autor da carta aos Hebreus, O enviado não é mais um profeta, mas sim o próprio Deus que vem viver entre nós.

Há aqui um salto qualitativo; os profetas trazem mensagens para um tempo, a palavra de Deus é eterna para todos os tempos e lugares, porque Deus não precisa de falar duas vezes. Por outro lado, Cristo não é só uma palavra proferida, é uma palavra vivida e só se vive uma vez.

Em que sentido último profeta? É porque o Islão tem uma doutrina mais refinada e num caminho ascendente que já chegamos ao topo? Mas o topo até parece o cristianismo com uma narrativa muito mais humana e humanizante, como por exemplo o amor aos inimigos; o Islão na sua prática e doutrina até se assemelha mais ao Antigo Testamento que ao Novo, quando pensamos que ainda hoje se apedrejam mulheres e Cristo foi contra isso já nos seus dias.

O Islão é em si violento por natureza, pois não se trata de amar a Deus que nos amou primeiro, não se trata de amor com amor se paga; Deus no Islão é o senhor do Antigo Testamento que ordena submissão, Islão significa submissão, a pessoa submete-se a Deus, não ama a Deus que já não nos chama servos, mas amigos. De facto, a forma histórica como o Islão se expandiu não foi pela missionação ou catequese, mas pela força e submissão armada ou pelo negócio.

Chamados a ser profetas

¿En dónde están los profetas, Que en otros tiempos nos dieron Las esperanzas y fuerzas para andar? En las ciudades, en los campos, entre nosotros están. Ricardo Cantalapiedra

Os discípulos de Emaús, são a perfeita imagem do homem de hoje que anda à procura de sentido; um homem que carece de uma razão, de uma ideia ou ideal que explique tudo, de uma cosmovisão que dê sentido a tudo. Também de uma opção fundamental que organize a sua vida desorganizada e feita de retalhos que não se harmonizam entre si; uma vida fragmentada que o deixa confuso e perdido.

O homem quer descobrir o sentido desta vida aparentemente sem sentido; o profeta do mundo moderno é aquele que faz como Jesus e explica o sentido das coisas e reorganiza as pedrinhas da experiência de cada um, de modo a que formem um mosaico harmonioso onde cada ato, cada pensamento, tem sentido num todo harmonioso.

O profeta é o que dá razões da sua fé e da sua esperança (1 Pedro 3, 15). É o que tem um olhar raio X que vê a essência das coisas, além das aparências, que sabe interpretar os sinais dos tempos, que vê o mundo prenhe de algo que está para nascer e adverte o povo para que se prepare. É um líder, um guia para sair de uma situação que parece não ter solução, mas que o profeta consegue divisar escondida dentro do problema.

O profeta é uma antena que capta a vontade de Deus e a transmite aos homens, o catalisador da vontade de Deus, para cada momento da vida do povo. É o que não tem medo de enfrentar o status quo mesmo com a própria vida, quando este não segue os desígnios de Deus.

Quando Jesus disse aos seus seguidores “vós sois o sal da Terra, vós sois a luz do Mundo” estava a chamar-nos a ser profetas. O sal evita a corrupção, derrete o gelo, ou seja, os planos dos maldosos para fazer cair os outros, dá sentido à vida e fixa a água fonte de vida no nosso organismo que é constituído por 75% dela. O profeta é Luz do mundo que expõe a mentira e revela a verdade.

REI
Numa democracia, segundo a tradição grega, ou república, segundo a tradição Romana, a monarquia é por si só à partida um sistema injusto, pois como a própria palavra indica, é o governo de uma só pessoa sobre o povo. “A lei sou eu”, dizia o Rei Sol de França – esta premissa estabelece a arbitrariedade como sistema de governo.

O rei pertence a uma classe social, a nobreza, que se diz ter um sangue diferente do sangue dos plebeus. Este sistema que estabelece que, ao nascer, a tua vida já está determinada, conforme segundo nasces no seio da plebe ou no seio da nobreza, é um sistema arcaico e bárbaro à luz da democracia grega e da república romana. No tempo dos gregos e dos romanos, só os bárbaros eram monos-governados por um rei, ou seja, por um ditador.

Se fosse hoje, o título de presidente ou primeiro ministro seria aplicado a Jesus e não o de rei. Porém, Jesus é um tipo diferente de rei, um rei que serve e não é servido, um rei sem privilégios que é pastor do seu povo, por quem dá a vida. Estamos também nós, pelo batismo, chamados a ser este tipo de rei em todos os momentos em que a vida deposite algum poder nas nossas mãos.

O Rei no Antigo Testamento

De Moisés a Samuel houve 14 juízes. Num sistema teocrático como era o de Israel, Deus ia suscitando Juízes para defender o povo dos inimigos circunvizinhos. Da mesma forma que suscitava profetas para guiar o povo moral e religiosamente, suscitava líderes políticos, os juízes, para defender e guiar o seu povo social e politicamente. Samuel é o último destes Juízes, uma vez que nem os filhos do sacerdote Eli nem os filhos do próprio Samuel eram dignos de substituir os seus pais nos seus ofícios.

O povo pediu um rei à semelhança das outras nações e Deus concedeu-lho, primeiro em Saúl, depois em David e Salomão. Cada um destes governou durante 40 anos, depois deles o reino dividiu-se entre Norte e Sul. Na mente do povo, David foi o rei ideal, por isso, o messias que estava para vir seria o seu descendente.

Quando teus dias forem completos, e vieres a dormir com teus pais, então farei levantar depois de ti um dentre a tua descendência, o qual sairá das tuas entranhas, e estabelecerei o seu reino. Este edificará uma casa ao meu nome, e confirmarei o trono do seu reino para sempre. 2 Samuel 7.12-13

É o profeta Samuel que se dirige ao Rei David, nestes termos. Embora como rei tenha sido justo, magnânimo, temente de Deus e amante e pastor do seu povo, também teve os seus defeitos. Depois dele, viria o rei idílico, o messias, aquele que iria governar o seu povo, todos os povos pela via da verdade e da justiça para todo o sempre.

Cristo e o Reino de Deus
Do princípio ao fim da sua pregação, Jesus falou da vinda do Reino de Deus e disse claramente que este havia começado com a sua vinda ao mundo (Mateus 12, 27). Portanto, implicitamente, Jesus estava a dizer que era Rei, embora usasse pouco este título pelo seu significado mais político que social. Apresentou-se certamente como líder e, para tal, preferiu usar o título metafórico de Pastor, para evitar equívocos.

Jesus não é o tipo de líder que envia as suas tropas para a frente de combate, ficando Ele na retaguarda. Pelo contrário, Jesus vai à frente, não comanda nem exige nada aos outros que Ele mesmo não tenha feito. Dizia-se de Mussolini que disse aos seus sequazes, “armemo-nos e parti”, Jesus parte com os seus e vai à frente. De facto, foi o primeiro a cair na frente de combate contra o mal e a injustiça.

Jesus é Rei, mas não tem as regalias de tal posição, não é rei de sangue azul, é o servo de Yahveh que veio para servir e não para ser servido (Mateus 20, 28). Que está no meio de nós como quem serve e não como quem é servido. (Lucas 22,27)

Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou. Ora, se eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros. João 13, 13-14

Eis outro título que Jesus não aceitou em vida por estar em direta contradição com a sua ideia de messias. O povo de Israel esperava um Messias guerreiro, um outro David; de facto, alguns dos que foram curados por Jesus dirigiram-se a Ele como “Jesus filho de David, tem piedade de mim”. Depois da multiplicação dos pães, o povo queria fazê-Lo Rei, mas Jesus fugiu. Ao fim da sua vida quando estava prestes a subir ao seu patíbulo, que seria o seu trono, reconheceu ser rei quando Pilatos lhe perguntou diretamente se era Rei, mas acrescentou que o seu Reino não era como os deste mundo.  

Aos seus discípulos que sonhavam sentar-se à sua direita e à sua esquerda no seu reinado disse, “Bem sabeis que pelos príncipes dos gentios são estes dominados, e que os grandes exercem autoridade sobre eles. Não será assim entre vós; mas todo aquele que quiser entre vós fazer-se grande, seja o servo de todos”. Mateus 20, 25-26

Chamados a ser reis
Qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo. Mateus 20, 27

Os grandes na nossa vida são os que nos serviram, os pequenos e vis na nossa vida são os que se serviram de nós. Entre os primeiros incluem-se os nossos pais que deram a sua vida por nós em dedicação e serviço, sempre buscando o nosso bem, às vezes sacrificando-se a si mesmos para que nós estivéssemos bem e não nos faltasse nada; depois deles, os nossos irmãos mais velhos, os nossos professores, catequistas, etc.

O mesmo acontece na História da humanidade que é composta por heróis, os que serviram uma causa humana, e por vilões, os que se serviram dos seus semelhantes. Nas relações humanas não há meio termo: ou serves os outros ou te serves deles. A autoridade que não é serviço é manipulação e submissão autoritária dos outros.

Todos queremos ser grandes, ser populares, ter fama, e que toda a gente goste de nós. O caminho para estes objetivos é o do serviço. A única coisa que os ditadores obtêm é o ódio do povo e, como tal, estão sempre com medo que o povo se vingue, vivem sempre inseguros e paranoicos. São falsamente grandes, mas só aos seus olhos, pois aos olhos do povo são um vexame, uma vergonha, uma ignomínia.

Durante a nossa vida, todos temos algum poder, como pais, sacerdotes, líderes nesta ou naquela organização; exerçamos o nosso poder como serviço à instituição, aos outros e seremos grandes não só segundo o evangelho, mas segundo a História dos homens.

Conclusão - Todo o batizado é sacerdote para mediar os conflitos, profeta para ler os sinais dos tempos, denunciar a corrupção e as injustiças, rei para liderar pela via do serviço.  

Pe. Jorge Amaro. IMC