15 de abril de 2024

A Cosmovisão Pré-Histórica

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É comummente aceite pela antropologia e arqueologia que o ser humano atual é Homo Sapiens que descende de outras espécies de primatas já extintas. De há 4 a 6 milhões de anos, existiram outros hominídeos, ainda pertencentes ao reino animal: o Ardipithecus Ramidus na Etiópia; depois deste, veio o Australopitecus Afarensis, nome técnico da Lucy, que também habitou a Etiópia na região chamada Afar.

Sucederam-se o Homo Habilis e o Homo Erectus que habitaram o Leste da África. Deste descende o Homo Heidelbergensis que é o antepassado comum dos completamente humanos Neanderthal e Homo Sapiens. Temos antepassados comuns com os chimpanzés, macacos e gorilas. No entanto, evoluímos até ao que hoje somos, enquanto o mesmo não aconteceu com eles. Porquê?

A ciência nunca chegará a descobrir, porque o ser humano foi a única espécie de ser vivo que evoluiu. Nunca vai descobrir porque a resposta está em Deus que pensou em nós como expoente máximo da evolução das espécies, desde que a vida surgiu no Oceano em forma de um organismo unicelular chamado Arqueia.

Cosmovisão e autoconsciência
Sabemos que o Homo Sapiens adquiriu a mesma estrutura anatómica que hoje temos há 130 000 anos. Mas quando começou este a ser autenticamente humano, ou seja, a ter consciência de si mesmo? A maior parte dos paleontólogos pensa que isto começou a acontecer há cerca de 40 000 anos quando se deu o ponto de viragem na criatividade humana, quando o Homo Sapiens deixou África e chegou à Europa, desenvolvendo as ferramentas, primeiro de pedra, depois de metal, para agir sobre a realidade à sua volta. Num processo de conhecer e dominar a natureza à sua volta, o Homem foi-se conhecendo a si mesmo como diferente da realidade que o rodeava.

Para além das ferramentas, o pensamento abstrato e simbólico, próprio do homem moderno, pode ver-se também na decoração das paredes das suas cavernas com pinturas rupestres, que nos contam um pouco das suas vidas e mentes em esplêndidas pinturas de veados, cavalos e touros selvagens, assim como dos seus rituais funerários. O mesmo expressam os objetos de ornamentação corporais que usavam e as estatuetas modeladas em barro, exaltando a feminidade e fertilidade da mulher.

Tanto na Idade da Pedra (Paleolítico, Mesolítico, Neolítico) como na idade dos Metais (Calcolítico ou Cobre – Bronze – Ferro), o Homem não tinha ainda uma cosmovisão definida, pois para ter uma cosmovisão ou uma visão do cosmos ou mundo que o rodeava, era preciso, de alguma forma, ter a capacidade de se abstrair de si próprio. O homem pré-histórico ainda se encontrava, como todos os animais, vivendo maioritariamente em simbiose com a natureza. Dado que não se via como separado dela, não podia ter uma ideia dela.

Como o bebé que ao nascer corta o cordão umbilical com a natureza, assim o homem primitivo experimentou uma rutura através do processo de ganhar gradualmente consciência de si mesmo. Ao ganhar autoconsciência, o ser humano ainda se via na natureza, mas em oposição a esta que já não era tanto uma pródiga Mãe, mas mais madrasta, pois agora tinha de lhe arrancar o sustento, como o bebé tem de chorar se quiser mamar.

Cosmovisão e ciência
O Homem procurou emancipar-se, libertar-se das amarras e tutela da Natureza, ganhando independência e autonomia em relação a esta. Ainda hoje são estes os valores sobre os quais se fundamenta a vida do ser humano como ser individual. Nesta luta pela liberdade, criou instrumentos cada vez mais potentes para modificar a natureza e adaptá-la às suas necessidades. Com a descoberta do fogo pode combinar diferentes elementos criando outros novos.

Substituiu a caça pela domesticação dos animais, de modo a ter carne quando quisesse e não quando a Natureza permitia; substituiu a recoleção de frutos pela agricultura, para poder armazenar comida quando esta escasseava e poder ter tempo para outras coisas como inventar, descobrir, criar.

A cosmovisão como visão ou conceptualização do mundo à nossa volta, como mentalidade ou padrão em relação ao qual medimos e julgamos todas as coisas, vê-se afetada e confrontada por cada descoberta científica. Cada nova conclusão científica obriga a nossa mente a conceptualizar a realidade de outra forma, a olhar para o mundo de outra maneira. Por outras palavras, opera na nossa mente uma autêntica metanoia, ou seja, mudança de paradigma mental.

A descoberta do fogo
Esta descoberta modificou de tal maneira a vida das pessoas que o fogo passou a ser entendido mitologicamente como tendo sido roubado aos deuses. O fogo era para os nossos antepassados como a lâmpada de Aladino que, através de fricção, apareceria como que por magia, fazendo os homens com ele o que quisessem.

O fogo teve uma importância grande para a coesão de famílias e comunidades, pois todos se reuniam à volta da fogueira para se aquecerem. Como ninguém queria ficar de fora, ao frio, o fogo atuava como fator dissuasor de atitudes antissociais.

Permitiu estender a luz do dia pela noite adentro e, como de noite não se podia trabalhar, as duas ou três horas extra de luz ténue serviam para manifestações culturais, para o partilhar de experiências e para a transmissão da cultura de pais para filhos. A luz à noite aumentou a segurança dos seres humanos em relação aos animais que caçavam de noite, uma vez que servia para os afugentar.

No entanto, a utilização mais importante do fogo, nesta altura, foi a preparação dos alimentos. O alimento cozido ou assado melhorou a dieta do ser humano. Certos alimentos são mais nutritivos cozidos que crus. Ao fogo e ao cozinhar dos alimentos se deve o aumento populacional e a sobrevivência dos seres humanos. Por fim, foi precisamente o fogo que permitiu aos humanos passarem da Idade da Pedra à Idade dos Metais.

Sociedade igualitária da velha Europa
Num espaço de tempo que vai do Paleolítico superior, há 50 000 anos até ao princípio do Calcolítico (Idade do Cobre), o Homo Sapiens deixou-nos não só as famosas pinturas rupestres, mas também inúmeras estatuetas femininas onde os atributos sexuais da mulher são acentuados e até exagerados.

A arqueóloga Marija Gimbutas crê que estas estatuetas são a prova da existência de uma sociedade não matriarcal, mas sim mais igualitária na velha Europa, depois de o Homo Sapiens deixar África. Nestas sociedades antigas, as mulheres e os homens viviam como iguais em praticamente todos os aspetos da vida diária. Para além disso, às mulheres era-lhes atribuído um estatuto superior devido às suas capacidades reprodutivas. Na verdade, a identidade das mulheres como dadoras de vida ficou intimamente ligada à deusa mãe que dá vida e que serviu como o ponto focal da velha religião europeia.

O papel do pai na antiguidade pré-histórica era inexistente, como o é nos animais mais próximos de nós na evolução das espécies. Isto aconteceu porque o corpo feminino, pela sua fisionomia, dava provas de maternidade, enquanto que o corpo masculino não dava provas de paternidade. No Neolítico, assim como no Paleolítico superior, a religião estava centrada no poder da mulher em gerar vida.

Podemos concluir que a primeira divindade venerada pelos seres humanos era uma deusa, não um deus. A reverência era dada à deusa Mãe de tudo quanto vive, identificada tanto como Natureza ou solo. A Terra, como planeta ou como solo, a Natureza, assim como os nomes de todos os continentes são nomes femininos.

O varão observa com fascínio como do seio da terra vem a vida das plantas que são a vida dos animais, e ao seio da terra volta essa vida quando plantas e animais morrem. Observa também que à imagem da terra também a mulher e só ela, gera vida. Dada a inteligência rudimentar do ser humano naquele tempo, a conexão entre as relações sexuais e o parto ainda não tinha sido estabelecida, isto porque a causa e o efeito estavam separados por nove meses.

Num tempo em que os humanos não teriam mais inteligência que a que tem um rato de hoje, pensemos que se um rato comer um veneno e morrer, de imediato os outros ratos nunca mais tocam nesse veneno, pois estabelecem uma conexão entre a morte do seu congénere e o pó que comeu. Porém, se o veneno for um anticoagulante pelo qual o rato não morre, mas se perder todo o sangue no caso de ter um acidente ou brigar com um congénere, a conexão entre a morte e o anticoagulante não é estabelecida, o que faz do anticoagulante o melhor veneno.

Enquanto a paternidade não foi estabelecida, as mulheres da tribo detinham um certo poder e alta estima, sendo respeitadas pelos varões, apesar de estes, como é natural, possuírem maior força física. Por outro lado, basta olhar para os seres vivos mais perto de nós na evolução das espécies, para vermos situações semelhantes.

Olhemos para os cães, como reverenciam as cadelas, sobretudo quando acabaram de parir (dadoras de vida): não se chegam a elas e, embora fisicamente sejam mais fortes, não usam de violência física contra as mesmas, mostrando até uma certa “reverência”. Em caso de conflito, a fêmea prevalece, não só porque se torna muito agressiva, tirando forças da fraqueza, mas também porque o macho se afasta em sinal de respeito e não confronta a fêmea, embora o pudesse fazer por ter mais força física.

Em todas as culturas, a divindade é geradora de vida. Por outro lado, também, no entender de Rudolf Otto, a divindade é identificada em todas as culturas como sendo um “misterium tremedum et fascinans”, o qual podemos traduzir pelo amor e temor de Deus. Quando se representa Deus como sendo mulher, imediatamente todas as mulheres são uma imagem desse Deus, pelo que serão tão respeitadas quanto Deus o é.

Nunca houve e podemos dizer que nunca haverá uma sociedade que seja puramente matriarcal, enquanto o varão tiver uma força física superior à mulher. Sociedades matrilineares ou igualitárias existiram e podem ainda existir.

Quando a conexão entre o coito e o parto foi estabelecida, o estatuto do homem começou a subir. Começou então a ser visto como crucial para o processo reprodutivo que garantia a vida. A deusa original da Terra Mãe passou a ser complementada por um consorte, primeiro pensado como o deus Pai Céu. A chuva vinda do céu era o sémen divino enviado para engravidar a Mãe Terra para que a vida pudesse surgir.

Herbert W. Richardson, no seu livro Nun, Witch and Playmate, escreve que esta compreensão maternal de Deus e da vida humana prevaleceu até ao amanhecer da autoconsciência, quando uma divisão apareceu na vida humana entre o instinto natural e o ego emergente que se atreveu a enfrentar e confrontar-se com esse instinto.

Quando isto aconteceu, deu-se uma reviravolta na cosmovisão humana, ou seja, uma nova definição de todos os aspetos da vida. Quando a vida humana é definida de uma nova forma, o Deus adorado por causa da vida humana também passa a ser definido de uma nova forma. Os antropólogos entendem que isto aconteceu por volta de 7 000 AC.

Génese da cosmovisão andro-cêntrica na Bíblia
O bispo protestante John Shelby Spong no seu livro “Viver no pecado”, descreve muito bem como a Bíblia faz eco do processo de transição da conceptualização feminina (deusa Asherah) para a conceptualização masculina da divindade (Yahweh). Este processo não aconteceu de um dia para o outro, foi um processo demorado e doloroso, com inúmeras recaídas. O primeiro livro dos Reis (18:40) dá-nos um exemplo da perseguição que os seguidores de Yahveh moveram contra os seguidores dos deuses da fertilidade, no episódio do confronto entre os profetas de Baal e Elias, o profeta de Yahveh.

No século VII antes de Cristo, ainda existiam pequenos santuários dedicados à deusa da fertilidade Asherah e ao seu consorte Baal, nos quais se realizavam liturgias explicitamente sexuais que incluíam prostituição sagrada, tanto masculina como feminina. Nem a reforma do Deuteronómio nem a de Ezra, no século V AC, conseguiram extinguir completamente estas práticas.  

Yahweh era um deus masculino, solitário, que tudo criou por intermédio da Palavra pronunciada, sem precisar de uma parceira feminina. O culto a Baal, mais antigo, partiu da observação do poder sexual da reprodução.

John Shelby Spong vê na história de Abraão um eco bíblico do momento em que o ser humano ganhou autoconsciência. Rompeu com a natureza, como Abraão rompeu com a sua terra Natal Ur, na fértil Mesopotâmia, para peregrinar pelo deserto, descobrindo-se a si mesmo. Os deuses da fertilidade exigiam sacrifícios humanos, Abraão rompeu com essa tradição, ao não sacrificar o seu filho por um impulso interior.

Com o surgir da consciência e do pensamento, a sobrevivência do ser humano passou a não depender já tanto da Natureza seguir o seu curso, mas do pensamento humano que conhece, descobre e domina a natureza.

A supressão bem-sucedida do culto da fertilidade, com a sua divindade feminina, faz parte do contexto histórico da criação do Javismo, no qual a deusa Eva, mãe de todos os seres vivos, convive com o mal e é banida para sempre do paraíso pelo deus superior masculino.

Segue-se a insistência bíblica na natureza totalmente masculina de deus e a atribuição correspondente de prerrogativas divinas (ou seja, masculinas) aos homens, que sozinhos, argumenta o mito, foram criados à imagem deste Deus.

Nasceu assim a cosmovisão andro-cêntrica da vida, o domínio do varão sobre a mulher que se estende até aos nossos dias. Com o aparecimento da paternidade, não só se ofuscou o valor da maternidade, como se destituiu a mulher do seu lugar na sociedade. Como a paternidade não é tão patente como a maternidade, o estabelecer da paternidade passou a ser a pedra angular da sociedade patriarcal que insistiu em controlar o comportamento reprodutivo das mulheres. Assim nasceu o valor ou contravalor da virgindade e outras formas de domínio da mulher.

Conclusão – Enquanto Deus foi conceptualizado como Mãe, a mulher era respeitada, admirada e vivia em pé de igualdade com o varão. Com a conceptualização de Deus como Pai, a mulher foi destituída da sua dignidade, dominada, torturada, vituperada, vexada e ultrajada até aos dias de hoje, na sociedade ocidental e em outras sociedades.
Pe. Jorge Amaro, IMC


1 de abril de 2024

Cosmovisão, Ciência e senso comum

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Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a Terra. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se movem na terra.» Deus disse: «Também vos dou todas as ervas com semente que existem à superfície da Terra, assim como todas as árvores de fruto com semente, para que vos sirvam de alimento.

E a todos os animais da terra, a todas as aves dos céus e a todos os seres vivos que existem e se movem sobre a Terra, igualmente dou por alimento toda a erva verde que a terra produzir.» E assim aconteceu. Deus, vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa. Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o sexto dia.
Génesis 1, 28-31

A ciência veio substituir o mito na explicação da realidade. Os romanos viam as tempestades como batalhas entre os deuses; os gregos entendiam que os raios eram lanças dos deuses contra os humanos. Hoje sabemos que as tempestades se formam quando ar quente e húmido sobe rapidamente para as camadas mais altas e mais frias da atmosfera, formando nuvens e chuva. Os raios são uma forma de eletricidade que se desenvolve dentro das nuvens. O trovão é provocado pelo ar quente que se dilata até rebentar.

Desde as origens da humanidade, a nossa espécie tem perseguido afanosamente o conhecimento. Chamamos ciência ao conjunto de técnicas e métodos utilizados para alcançar o conhecimento. Substantivo proveniente do latim, “scientia”, faz referência ao verbo scire, ou seja, saber.  O Homem foi criado no último dia da criação, pois Deus descansou no sétimo, é a ciência que faz dele o rei da criação. Por ela, o Homem, domina, controla e administra os bens que Deus colocou nas suas mãos.

Ciência – arte – cultura – cosmovisão
O ser humano expressa a sua idiossincrasia, a sua forma de ser, de proceder, o seu pensamento, os seus valores, religião, crenças, filosofia, etc., nas artes e não na ciência. A arte expressa conhecimento, a ciência é um instrumento para conhecer, compreender o mundo à nossa volta, explorando as suas possibilidades no sentido de tornar, pela tecnologia, a nossa vida mais aprazível.

A ciência tem que ver com o nosso pão quotidiano; como tal, é pragmática, objetiva e é trabalho. A arte não tem que ver com o nosso pão quotidiano, pois é o que fazemos por amor; por isso é subjetiva. Há sempre um objetivo naquele que quer conhecer, enquanto o que se expressa numa arte não tem objetivo preciso, procura simplesmente uma forma de expressão. O objeto da ciência é o não conhecido, o da arte é o já conhecido.

O ser humano cultural não se expressa na ciência e a sua cosmovisão não é objeto da ciência nem interessa à ciência. Porém, esta tem o condão de modificar a nossa cosmovisão de um momento para a outro. Pensemos, por exemplo, na revolução copernicana, quando o Homem descobriu que não era o Sol que girava à volta da Terra, mas, pelo contrário, que era esta que girava à volta daquele. Qualquer descoberta científica pode virar o nosso pensamento do avesso e obrigar-nos a repensar as coisas e a olhar para a realidade com outros olhos.

A cultura evolui, a ciência revoluciona
Há revoluções sociais que não têm nada que ver com a ciência. A chamada Revolução Francesa, pode antes ser vista com uma evolução lenta da monarquia absoluta até se tornar obsoleta. Neste sentido, todas as revoluções sociais podem ser vistas como evoluções, para quem tiver olhos para ver e prever, como os profetas de um tempo.

Pura e verdadeira revolução é uma descoberta científica – não se previa e a todos apanha de surpresa. Tem a potencialidade de nos tirar o tapete debaixo dos pés, de nos deixar boquiabertos, confusos, escandalizados, traumatizados e até agressivos. Imaginemos o que foi para as pessoas religiosas quando Darwin descobriu que o ser humano tinha o macaco como parente mais próximo, numa evolução das espécies onde toda as formas de vida vêm de um tronco comum e estão emparentadas umas com as outras. Ainda hoje há gente que rejeita a ideia.

E não é só o povo que rejeita certas descobertas. O próprio Einstein que revolucionou o mundo com a sua teoria da relatividade teve dificuldades em aceitar um postulado essencial da física quântica, o chamado princípio de incerteza de Heisenberg, chegando a dizer que Deus não joga aos dados.

A cosmovisão materialista da qual falaremos largamente é a que governa o mundo da filosofia, ciência e política atuais. Os intelectuais de hoje, se são religiosos, ou seja, se têm fé na existência de Deus, têm vergonha de o afirmar em público, pois a tendência atual é os intelectuais serem ateus ou agnósticos.

Esta atitude materialista perante a vida e a realidade, melhor se coaduna com a física determinista e mecanicista de Newton, que vê o mundo funcionando mecanicamente com a precisão de um relógio, que com a física e mecânica quânticas de hoje, onde até mesmo as leis da natureza escapam ao determinismo. O mundo da física quântica é um mundo mágico, onde o material e o espiritual se tocam, onde o tangível e o intangível se abraçam e o milagre se dá.

As universidades, a política, os intelectuais estão, portanto, desfasados, atrasados, fora de moda, na medida em que ainda não se adaptaram à nova realidade, ainda vivem com uma cosmovisão falsa. Para se atualizarem têm de se divorciar de Newton e casar-se com Heisenberg. O mundo não é nem funciona como eles pensam que é e funciona.

As descobertas científicas que revolucionaram a nossa cosmovisão
No campo da energia

A descoberta do fogo, a aplicação da energia animal (cavalo, burro, boi), os moinhos de vento, as caravelas, os moinhos de água, os moinhos de marés, a máquina a vapor (carvão), os motores de explosão, o automóvel, o barco, o avião (petróleo), a energia hidroelétrica, a energia eólica, a energia solar, a energia nuclear, as baterias que alimentam um sem número de pequenas aplicações que usamos no nosso dia a dia – cada fonte de energia modificou o mundo e a nossa forma de olharmos para ele e de com ele nos relacionarmos.

No campo da biologia e da medicina
O físico inglês Robert Hooke (1635-1702) publicou os primeiros desenhos de células observadas ao microscópio, impulsionando as pesquisas sobre as unidades fundamentais da vida.

A Evolução das Espécies, de Darwin, veio destronar o livro de Génesis como um livro histórico, e provou que a vida no nosso planeta nasceu no mar e proveio de um tronco comum que faz com que tanto plantas como animais tenham relações de parentesco.

A penicilina – o primeiro dos antibióticos, descoberto por acidente pelo escocês Alexander Flemming em 1928 (embora já existissem estudos anteriores sobre o tema), foi um verdadeiro marco na história da medicina, já que passou a salvar incontáveis vidas de várias doenças infeciosas.

A anestesia – o médico americano Crawford Long (1815-1878) usou pela primeira vez o éter como anestésico geral durante uma cirurgia.

O raio X – o alemão Wilhelm Conrad Röntgen é considerado o grande inventor do raio X (apesar de outros cientistas terem estudado os seus efeitos antes e depois da descoberta), uma forma de radiação eletromagnética que consegue penetrar em objetos sólidos e que passou a permitir que os diagnósticos médicos fossem mais rigorosos, não se baseando apenas em sintomas e cirurgias.

A genética – o monge austríaco Gregor Johann Mendel (1822-1884) criou a ideia de gene, ao estudar os diferentes tipos de ervilhas que nasciam de sucessivos cruzamentos.

A dupla espiral do ADN: a belíssima estrutura do ADN foi creditada aos cientistas Francis Crick e James Watson em 1953. O que surgiu daí: a engenharia genética cresceu muito nos últimos 50 anos, chegando à discussão ética de poder “copiar” seres vivos o que se fez com a ovelha Dolly.

O inconsciente – o neurologista austríaco Sigmund Freud (1856-1939) publicou nesse ano o seu Estudo sobre a Histeria, demonstrando que o homem não domina completamente a mente e propondo a ideia de que o inconsciente é o responsável pelos desejos e sonhos e por tantos comportamentos reativos do nosso dia a dia.

No campo da guerra
Desde a descoberta do ferro, e da invenção da pólvora, o ser humano parece ser mais criativo e motivado pelo ódio que pelo amor. Muitas descobertas nasceram no âmbito da guerra e só depois foram encontradas aplicações pacíficas para as mesmas. A bomba atómica transformou-se em energia nuclear, o sistema usado nos mísseis teleguiados transformou-se em GPS para nos guiar a nós.

O radar – a equipa de pesquisadores liderada pelo físico escocês Robert Watson-Watt (1892-1973) criou o primeiro radar. Embora fosse originalmente um instrumento de guerra, o radar é atualmente fundamental para a navegação.

O raio laser – Theodore Maiman (1927-) construiu o primeiro laser. Entre outros usos, estes raios servem hoje como bisturis na medicina, réguas na ciência e arma militar.

No campo das comunicações
A prensa de Gutenberg, a fotografia, o cinema, a gravação de som, a rádio e a televisão, o computador que surgiu como uma máquina de escrever com memória, são hoje transversais a toda a atividade humana e integram a maior parte das máquinas que o homem criou, desde o automóvel ao avião, passando pela máquina de lavar.

O telégrafo, o telefone, o fax, a internet, o telemóvel, revolucionaram a forma como os humanos comunicam entre si   e transformaram o mundo já globalizado numa casa comum.

O transístor – os americanos John Bardeen (1908-1991) e Walter Houser Brattain (1902-1987) criaram o transístor. Imagine o mundo sem transístores: não haveria computadores pessoais nem telemóveis.

O satélite artificial – A extinta União Soviética lançou o Sputnik 1 – uma esfera de 58 centímetros de diâmetro e 84 quilos de peso. Os satélites revolucionaram o mundo das comunicações.

No campo da física e mecânica quântica  
A teoria do Big Bang, do padre Georges Lemaître, postula que o Universo teve origem na explosão de um ponto ínfimo, que condensava toda a matéria existente. Por esta teoria, já não é só a Bíblia que fala do princípio e do fim do mundo, pois estes são também o objeto da ciência. Por isso, muitos dizem agora que a Bíblia tinha razão.

A descoberta do telescópio por Galileu para observar a macro realidade e a do microscópio para observar a micro realidade, estão na base dos avanços registados na física moderna, a começar pela teoria da relatividade que revolucionou a forma como o ser humano entende o universo, o espaço e o tempo; que nos disse que a matéria é uma forma de energia e a energia uma forma de matéria. A descoberta das partículas subatómicas e do mundo mágico e imprevisível que elas formam ainda não mudou a nossa forma de pensar, a nossa cosmovisão, mas não tarda que isso aconteça.

Ciência e “cultura aplicada”, ou seja, senso comum
O senso comum é uma forma de conhecimento com base na experiência quotidiana e na opinião pública de um determinado grupo social ou cultura, que é transmitido de geração em geração. É composto por valores e tradições e opera com base numa lógica de probabilidades que garante a confiança do indivíduo de poder viver e relacionar-se da forma mais adequada com o seu mundo, ou seja, que garante a sua forma de ser e estar na vida.

Muito deste senso comum vem da nossa própria experiência, quando aprendemos com os nossos erros. No entanto, a vida é curta, não há tempo para efetuar todas as experiências, além de que seria perigoso fazê-lo, pelo que também podemos aprender com os erros dos outros. Por exemplo, não preciso tomar drogas para saber que são nocivas para a saúde.

Neste sentido, o senso comum é positivo. Por outro lado, o assimilar acriticamente postulados que vêm do passado sem os comprovarmos, abre a porta aos clichés culturais e preconceitos que vão passando de geração em geração, sem que ninguém os ponha à prova ou os confronte. No confronto com o conhecimento científico, com a realidade do presente, alguns destes postulados podem revelar-se como completamente irracionais e, no entanto, as pessoas continuam a agarrar-se a eles porque lhes dão um sentido de segurança. Há um provérbio que explica esta atitude: “Vale mais o mal conhecido que o bom por conhecer”.

O cientista é o que pesquisa para obter conhecimento, para esclarecer uma dúvida, para resolver um problema, para explicar uma reação ou um fenómeno da natureza. Ao contrário do senso comum que muitas vezes consta de uma crença que, mesmo sem verificação empírica, ninguém põe em dúvida, a ciência começa por duvidar de tudo e de todos, já que as aparências iludem.

A ciência nasce como reação ao senso comum. Porém, o senso comum integra a descoberta científica que passa a fazer parte da opinião pública e a ser sinónimo de senso comum. A ciência de ontem vulgarizada, ou seja, assimilada pelo povo, transforma-se em senso comum, da mesma forma que uma descoberta científica encontra a sua aplicação prática na tecnologia.

A ciência mudou a forma como olhamos para o mundo. Esta constatação deu origem ao positivismo como corrente filosófica, que entende que a ciência é o caminho para o progresso e ordenamento da sociedade. É precisamente neste ponto que choca com o senso comum que não quer perder o lugar que ocupa na mente das pessoas.

Há muito que a ciência deixou de ser a expressão da curiosidade inata do ser humano que quer conhecer pelo mero prazer de conhecer. A investigação de ponta requer dinheiro e gera muito dinheiro em patentes tecnológicas. A ciência não é desinteressada no nosso mundo capitalista, é uma mina de ouro. Por isso, o povo ataca-a com mil e uma teorias da conspiração, umas verdadeiras, outras falsas, disseminadas pelas redes sociais.

No caso da medicina, os médicos receitam químicos por tudo e por nada. Em vez de aconselharem as pessoas a fazer exercício, a mudar de dieta, dão um comprimido para reduzir o colesterol que vai desestabilizar o equilíbrio natural do corpo, isto porque os lucros das farmacêuticas são enormes. Uma das razões da morte da minha mãe, confirmada por um médico, foi o facto de estar excessivamente medicada. Não deixa de ser irónico, pois se estava excessivamente medicada é porque excessivamente a medicaram os próprios médicos.

Dissemos que a ciência parte da dúvida e que o senso comum assenta numa crença. Em relação à ciência em si, os cientistas têm uma crença cega na sua capacidade de construir um mundo melhor, enquanto o senso comum, hoje na vanguarda da cultura, duvida mais do que nunca da ciência e dos seus objetivos pouco claros.

A ciência dá lucro, o senso comum é grátis, está orientado para a defesa da vida humana; a ciência nem sempre é a favor da vida humana, procura solucionar o imediato sem ter em conta as repercussões ou efeitos secundários. Por exemplo, o trigo e o milho geneticamente modificados para combater as pestes, acabam por matar as borboletas monarca e desequilibram a natureza. Muitas vezes, a ciência soluciona um problema criando dois ou três. Como diz o povo e bem, não morreu da doença, morreu da cura.

Conclusão: Uma descoberta científica modifica primeiro a nossa maneira de ver a realidade, ou seja, a nossa cosmovisão; posteriormente, a aplicação tecnológica dessa descoberta vai, eventualmente,  modificar a cultura.
Pe. Jorge Amaro, IMC