1 de outubro de 2014

Ter ou não ter Passaporte...

Nova evangelização versus missão ad gentes
Ide, pois, fazei discípulos de todas as nações, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Mateus 28, 19

No envio missionário, Jesus mandou os seus apóstolos pelo mundo inteiro para fazerem discípulos, de todas as nações e povos e não de um só povo ou nação, a própria nação. Hoje, porém, obcecada pelo decréscimo de fiéis e pela “Nova Evangelização”, como única solução para o problema, a Igreja, sobretudo a europeia, voltou-se para dentro de si mesma e colocou a “Missão Ad Gentes”, o objectivo para o qual Cristo a constituiu, em segundo plano.

Provando esta tendência a própria conferência episcopal portuguesa, que em toda a sua história só há bem pouco produziu um documento sobre a Missão, até colocou na mesma comissão Nova Evangelização e Missão Ad Gentes.

Antigamente havia sacerdotes diocesanos que se queriam fazer missionários, hoje o movimento é inverso; são cada vez mais os missionários que se fazem diocesanos. Depois de terem possuído a vocação mais perfeita da igreja, como dizia o nosso fundador José Allamano, dão agora as costas à Missão; depois de serem pescadores de homens, contentam-se em serem pastores; depois de serem águias contentam-se agora em serem galinhas de capoeira. Por outro lado, talvez para justificar “teologicamente” o ficar por cá, foi diluído o conceito “Ad gentes”; hoje toda e qualquer actividade pastoral é considerada “Ad Gentes”. Quando tudo é “Ad Gentes” nada é “Ad Gentes” O que é de todos, não é de ninguém; o sal e o açúcar desapressem da vista quando são diluídos; o “Ad gentes” torna-se em “Ad Nientes”.

Se os 12 apóstolos tivessem como objectivo converter todo o povo de Israel, e se para tal tivessem permanecido no seu país, o cristianismo não teria a dimensão universal que hoje tem e os judeus também não se teriam convertido.

A tese do livro “A terceira Igreja às portas” de Otto Kuss defende que serão os evangelizados, de outros países, que voltarão a evangelizar o velho continente. A nova evangelização portanto não vai ser feita por nós, mas por aqueles a quem, há muitas gerações atrás, fomos evangelizar; de facto já há entre nós, missionários, clero e movimentos laicais desses países a tentar talvez não uma “Nova Evangelização”, no entender de João Paulo II, ou seja evangelizar outra vez, mas sim uma “Evangelização Nova”, no entender do cardeal Martini, ou seja uma nova forma de evangelizar.

Houve um tempo em que a Europa dava, desde a sua abundância, à igreja universal; hoje, ante a escassez, é natural pensar mais em si e fechar-se em si mesma; pode ser natural, mas não é evangélico. Não é isso que aprendemos no Antigo Testamento, no episódio da viúva de Sarepta que fez um pão para o profeta Eliseu da última farinha que tinha reservado para ela mesma e para o seu filho, antes de ambos morrerem de fome. A mesma ideia vem vincada no Novo Testamento, como no episódio da viúva pobre que deu do que lhe era preciso para sobreviver. Do ponto de vista do evangelho não tem quem retém, mas sim quem dá.

Pastoral de manutenção
Que vos parece? Se um homem tiver cem ovelhas e uma delas se tresmalhar, não deixará as noventa e nove no monte, para ir à procura da tresmalhada? Mt 18, 12

A triste realidade é que as paróquias não saem fora da sua rotina de “business as usual” traduzindo-se numa pastoral de manutenção que graficamente pode ser representada na inversão da parábola da ovelha perdida: tudo o que o pastor faz é manter e entreter uma ovelha dentro do redil e não se importa com as 99 que andam tresmalhadas. De facto, ir à procura delas é trabalho de um “bom pastor” e o bom pastor é mais parecido com o pescador, pois deixa a sua zona de conforto para ir em busca. Como não vejo, na nossa igreja, grandes iniciativas de “Nova Evangelização” não será que esta foi inventada para contra restar, tirar força à Missão Ad Gentes? E portanto um pretexto para não fazer nem uma nem outra?

Cartão do cidadão ou passaporte?
Quando nascemos o nosso nome é escrito no registo civil e mais tarde é-nos dado um DNI (documento nacional de identidade), que nos define juridicamente à semelhança do nosso DNA, ou ADN, que nos define biologicamente. Mais tarde é-nos dada uma cédula de Baptismo, quando o nosso nome é registado no livro da comunidade cristã.

O cartão do cidadão só nos define como Portugueses em Portugal, enquanto o passaporte, apesar de não ser mais que um duplicado do cartão do cidadão, define-nos como Portugueses no mundo; abre-nos as portas de todos os países que constituem este planeta. Todos os portugueses têm um cartão de cidadão, mas nem todos têm um passaporte; analogamente todos os registados no livro do baptismo são cristãos, mas nem todos são missionários.

“Todo cristão é missionário” dizia-se aqui há uns tempos, e teoricamente é verdade mas na pratica não é assim; há cristãos que o são de portas para dentro, são cristãos evidentemente, tal como uma vela não precisa de estar acesa para ser vela, mas não são missionários, ou seja são velas apagadas. Como todos os talentos, a fé cresce quando se partilha e decresce quando não se partilha; ou se apega ou se apaga; o cristão que não é missionário, que não partilha a sua fé, tarde ou cedo, como todo talento que não se exercita, perde o que não dá deixando de ser cristão.

O missionário é aquele que para além do cartão do cidadão, que o define para dentro do país, tem também um passaporte, que o define para fora do país e o capacita para responder à chamada de Cristo, de deixar a sua terra e os seus, e ir pelo mundo inteiro anunciando a Boa Nova. O cristão é membro da Igreja, o missionário é membro do Reino de Deus, que é o objectivo da missão. Cristo fundou a Igreja para alastrar o Reino de Deus no mundo, e não para ser um castelo, no meio de um mundo sem Deus como Rei.

A Alegria de ser missionário
Os setenta e dois discípulos voltaram cheios de alegria, dizendo: «Senhor, até os demónios se sujeitaram a nós, em teu nome!» Disse-lhes Ele: (…) não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem; alegrai-vos, antes, por estarem os vossos nomes escritos no Céu.» Lc. 10, 17,18,20

Como cristãos os nossos nomes estão escritos no livro da paróquia; se queremos que estejam também escritos no céu temos que ser mais que isso, temos que ser missionários. Nem todo cristão é missionário, como nem todo discípulo é apóstolo. Cristo chamou os doze como discípulos e enviou-os como apóstolos, é como apóstolos, que têm os nomes escrito no céu, e não como discípulos.

A salvação é para todos, salvamo-nos na medida em que contribuímos para que outros se salvem; da mesma maneira que só somos felizes quando contribuímos para a felicidade dos outros. A Missão é coisa de todos os cristãos; Cristo disse estas coisas não no contexto da missão dos 12, mas sim no contexto da missão dos 72, que significa os membros do sinédrio, que eram os  representantes do povo judeu. Analogamente todo povo cristão está chamado a ser missionário, de longe ou de perto.
Pe. Jorge Amaro, IMC

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