1 de agosto de 2023

V Mistério: A profecia de Simeão sobre Maria e o Seu Filho - 2ª Parte

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Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua mãe: “Eis que este menino está destinado a ser uma causa de queda e de surgimento para muitos homens em Israel, e a ser um sinal de contradição, a fim de serem revelados os pensamentos de muitos corações. E uma espada trespassará a tua alma. Lucas 2, 34-35

Há muitas interpretações sobre esta espada, algumas demasiado espirituais ou teológicas. Eu prefiro ver nesta profecia o puro sofrimento humano de Maria. “Em guerra, caça e amor, por um prazer cem dores”. Assim foi com Maria: Jesus deu-lhe mais dor que alegria, desde a conceição à sua morte e ressurreição.

O nascimento, vida e morte de Jesus foram para Maria uma paixão contínua de dor e sofrimento. Tudo começou no dia em que deixou de ser possível esconder a sua gravidez ou explicá-la.

Natal de Jesus, paixão de Maria
Na volta da visita à sua prima Isabel que durou vários meses, Maria apareceu grávida. Que podia ela dizer? Como podia ela explicar o sucedido? Engravidar por obra e graça do Espírito Santo não tinha precedente, era um acontecimento único na história da humanidade; nunca acontecera, nem nunca mais ia acontecer. Esperava-se que o Messias, que o povo de Israel aguardava e ainda aguarda, surgisse de uma forma natural na casa de David.

O Natal de Jesus foi a Páscoa ou paixão de Maria. A paixão do Senhor foi também a paixão de Maria. Ainda hoje, mesmo numa sociedade não puritana nem machista, o escândalo sexual faz as delícias da boca de muita gente. Parece que a nossa autoestima cresce, quando vemos os outros a afundarem-se. Não há nada mais degradante e estigmatizante que o escândalo sexual: todos te apontam o dedo, vives sem honra nem bom nome, é como morrer em vida.

“Calunia, que algo queda” diz um provérbio espanhol; lança a dúvida sobre alguém em áreas de comportamento sexual que a má fama dessa pessoa a acompanhará até à sepultura. Pode até vir a provar-se que era mentira, não importa, as pessoas ficarão sempre na dúvida, agarrar-se-ão à primeira notícia como sendo verdadeira e ao desmentido como sendo mentira. Estes escândalos abrem os noticiários da televisão e fazem primeira página nos jornais; os desmentidos aparecem como um quadradinho perdido dentro do jornal que ninguém lê.

A morte física por apedrejamento esteve também muito perto… Maria era considerada uma adúltera, pois era prometida de José e, embora estes ainda não vivessem juntos, para os efeitos da lei ela já estava casada. Uma tal relação já não era separável, a menos que houvesse divórcio. Bem sabemos qual era o castigo que sofriam as adúlteras… (João 8, 1-11) eram apedrejadas.

Acontecia em Israel regularmente o que ainda hoje acontece nalguns países muçulmanos, onde se aplica a lei da Sharia; aí estão os vídeos em certos sites da Internet que documentam estes tristes factos em pleno século XXI.

Já muitos, sedentos de sangue, tinham as pedras na mão, preparadas, esperando José, o ofendido, para lançar a primeira pedra. Lançar a primeira pedra era um direito que pertencia ao ofendido. Lançar a primeira pedra era, ao mesmo tempo, a declaração do veredito pela pessoa injuriada e o primeiro ato da execução da sentença que os hipócritas, ávidos de sangue, cumpriam com prazer.

Para Jesus, no episódio da mulher adúltera (João 8, 1-11), o direito a lançar a primeira pedra, ou seja, a julgar e aprovar uma sentença de morte, não é direito do injuriado nem do que tem autoridade por delegação ou eleição, mas sim do que tem autoridade moral, ou seja, do que não tem pecado.

Jesus não acredita na justiça retributiva, pois é apenas uma vingança legalizada, é o antigo “olho por olho e dente por dente”. Jesus acredita na justiça reparadora, aquela que Deus pratica, pois não quer a morte do pecador, mas que este se converta e viva. (Ezequiel 18,23-32)

Jesus, o filho de Maria
Maria, conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração (Lucas 2,19) e sofria em silêncio, não podendo defender-se das calúnias… O sofrimento durou toda a sua vida, como é natural nestes casos.

Aqui e além no evangelho, este estigma transparece, por exemplo numa das polémicas que Jesus tem com os fariseus, no evangelho de João. A um dado momento, estes dizem «Nós não nascemos da prostituição” (João 8, 41) subentendendo “como tu nasceste”.

“Não é Ele o carpinteiro, o filho de Maria e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? E as suas irmãs não estão aqui entre nós?” Marcos 6, 3.

Numa sociedade patriarcal, ninguém é conhecido como filho de sua mãe, ou seja, ninguém é conhecido por referência à sua mãe, mas sim por referência ao seu pai. Recordemos que Jesus, ao dirigir-se a Pedro de uma forma pessoal para lhe perguntar se O ama, chama-o pelo seu nome de família, por referência ao pai de Pedro e não à sua mãe: “Simão, filho de João… (João 21, 15-19).

O evangelista Marcos, apesar de ser hebreu de Jerusalém, escreve o seu evangelho em Roma para romanos e não está com meias medidas: relata a verdade tal como ela é. Jesus é chamado por referência à sua mãe e não por referência ao seu pai. Mesmo que o pai tivesse morrido, nunca um hebreu seria chamado por referência à sua mãe; se o fizeram, foi porque Jesus era, para os do seu tempo, filho de pai incógnito, para vexame de sua mãe e d’Ele próprio.

Mateus, o evangelho escrito para os judeus, corrige e diz: “Não é Ele o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas?” (Mateus 13, 55-56). Lucas, no seu evangelho, também menciona o episódio da visita do Senhor à sua terra natal, porém, por respeito ao Senhor não copia Marcos, mas também não diz uma mentira como Mateus, pelo que, omite o que os seus conterrâneos lhe chamaram.

Maria e a viúva de Naim
No dia seguinte, dirigiu-se Jesus a uma cidade chamada Naim. Iam com ele diversos discípulos e muito povo. Ao chegar perto da porta da cidade, eis que levavam um defunto a ser sepultado, filho único de sua mãe que era viúva; acompanhava-a muita gente da cidade. Vendo-a o Senhor, movido de compaixão para com ela, disse-lhe: “Não chores!”. E, aproximando-se, tocou no esquife, e os que o levavam pararam. Disse Jesus: “Moço, eu te ordeno, levanta-te. Lucas 7, 11-14

É dos poucos milagres que Jesus faz sem que ninguém lho peça, e sem inquirir sobre a fé da pessoa que vai ser agraciada com o milagre. A alta capacidade de empatia de Jesus faz com que entenda que o sofrimento daquela pobre viúva era tão grande que não podia comportar dialogar com ninguém. Vemos neste evangelho a empatia de Lucas na forma como descreve a cena. Concentra o máximo de sofrimento num mínimo de palavras: 

“levavam a sepultar um rapaz filho único de sua mãe que era viúva”. Não deve haver sofrimento maior do que o de uma mãe que perde um só dos seus filhos, pois vai contra a natureza da vida. Espera-se que os filhos sepultem os pais e não que os pais sepultem os filhos. Uma mãe que está disposta a morrer pelo seu filho, ter de o ver morrer sem poder fazer nada, é sofrimento que não cabe no coração humano.

Dentro desta categoria, o sofrimento desta mulher é ainda agravado pelo facto de ela já ser viúva e de este ser o único filho. Era ele a única garantia de ficar viva na sociedade, pois as mulheres daquele tempo não podiam viver sozinhas uma vez que não podiam deter propriedade. Por isso, o seu único filho era também a sua garantia de vida.

Jesus devolve a vida ao rapaz... Sempre vi neste episódio uma projeção pessoal de Jesus; Jesus viu na viúva de Naim a sua própria mãe, que dentro em pouco também sepultaria o seu filho único, sendo ela, Maria, já viúva.

Conclusão: Por causa do seu filho, a vida de Maria foi uma contínua paixão e morte. Tudo começou no dia em que deixou de ser possível esconder a sua gravidez ou explicá-la. Não há no mundo pior calúnia que aquela que Maria sofreu toda a sua vida.

Pe. Jorge Amaro, IMC