15 de dezembro de 2021

3 Festas cristãs: Natal - Páscoa - Pentecostes

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Nos 365 dias do ano litúrgico a Igreja tem mais de um santo para cada dia; para além disto há outras festas ainda mais importantes relativas às verdades da nossa fé. Para além destas há solenidades relativas a Jesus e a sua Santíssima mãe; de entre estas solenidades há que destacar o Natal, a Páscoa e o Pentecostes.

São as solenidades mais importantes do ano litúrgico. Por serem tão importantes, cada uma delas tem um tempo de preparação: o Advento para o Natal, a Quaresma para a Páscoa e o Tempo Pascal para o Pentecostes.

A importância da festa
“Panem et circenses”, pão e diversão, no entender dos romanos, a diversão era para o ser humano tão importante como o pão. Por isso, as festas populares ou religiosas são manifestações culturais e aparecem em todas as sociedades, sejam elas primitivas, modernas ou pós-modernas, rurais ou urbanas, atrasadas ou economicamente desenvolvidas.

Festejar, celebrar sempre esteve presente desde a antiguidade mais remota, e continuará a ser assim na medida em que se trata de uma expressão humana que envolve uma variedade de elementos: lúdico, emocional, psicológico, social, estético, económico, simbólico, ritual e religioso. Para além dos elementos que envolvem, as festas têm várias funções tanto a nível individual como social:

Coesão social - As festas desempenham numa determinada sociedade uma função de coesão. As festas, os feriados, os dias de descanso são um momento adequado para expandir as relações sociais, para integrar socialmente indivíduos e grupos e reforçar os laços sociais.

Identidade e pertença – A nível individual, as festas são um momento de identificação e pertença a um determinado grupo social e cultural. Nas festas celebra-se a cultura e a idiossincrasia particular de cada grupo. É nas festas que um grupo se autorreconhece como tal, com as suas particularidades, sobretudo com o que o distingue dos outros grupos que não celebram essa festa. Na festa, tanto um grupo como qualquer indivíduo no interior desse grupo, tomam consciência da sua identidade e crescem e configuram-se ainda mais nela.   

As pessoas que participam numa determinada festa identificam-se com o santo padroeiro, com uma ermida, com um lugar, com uma bandeira, com um prato típico, com um bairro, etc. Em suma, o festivo traz personalidade a uma comunidade de indivíduos.

A festa, com o banquete que a integra, é o único momento na vida humana onde a alegria e prazer estão de mãos dadas. A alegria de estar com quem mais amamos, amigos e familiares, une-se ao prazer de uma boa refeição constituída pelos pratos tradicionais da nossa infância e regada com os melhores vinhos. É um “Non plus ultra” na vida humana. Por isso, também na Bíblia, o Reino dos Céus é muitas vezes comparado a um banquete de manjares deliciosos e suculentos, regados com vinhos generosos, para todos os povos. (Isaías 25, 6ss)

Alternância cíclica – Tal como um marcador dentro de um livro, as festas distribuem-se ao longo do calendário anual e cíclico, marcando solstícios e equinócios. São momentos-chave que servem para sinalizar mudanças de um período para outro, de uma estação para outra, de um ciclo para outro.

Catarse libertadora - As festas são uma catarse libertadora, têm a função de desafogar o grupo e o indivíduo, porque rompem com a monotonia e rotina diária. São uma trégua na luta diária, como os jogos olímpicos eram na Antiguidade, um tubo de escape para repressões sociais e individuais. Desencadeiam-se os instintos, por um momento vem ao de cima o que verdadeiramente somos e que se esconde durante a rotina diária.

Rompem-se e violam-se deliberadamente normas, regras, padrões sociais e até a própria decência. Durante o tempo festivo, é como se tudo mudasse por momentos, de modo a que a pessoa aguente a monotonia do resto do ano.

Comunicação com o divino – para além da comunicação entre indivíduos e do estreitamento de laços sociais, a festa é também um momento de comunicação com o divino e um estreitamento de laços com esse ser superior em quem acredita a maior parte dos habitantes deste planeta. Certos festivais desempenham, portanto, uma função religiosa.

São uma expressão de devoção popular e piedade para com Cristo, a Virgem Maria ou os santos. Os festivais populares de conteúdo religioso são momentos propícios ao cumprimento de uma promessa, à realização de um sacrifício ou penitência ou ao pedido de uma graça. Nestes casos e nestes momentos, fazem-se presentes uma série de rituais, símbolos, valores, crenças e virtudes relacionados com a espiritualidade e religiosidade de um grupo de indivíduos pertencentes a determinada crença ou religião.

Iniciação – Em certos casos, as festividades cumprem uma função de iniciação. Para certos grupos sociais, as festividades representam a passagem de uma fase da vida para outra, ou seja, da infância à adolescência, da adolescência à juventude, etc. É tempo de adotar novos papéis sociais, novas atitudes e novos comportamentos. Assim, por exemplo, os adolescentes aproveitam as festas para começar a beber álcool ou a fumar, prometem amor, chegam mais tarde a casa, etc.

Função económica - Finalmente, as festividades desempenham uma função económica. Muitas das festividades atuais estão associadas a antigas feiras de origem medieval. Mas, sem dúvida, hoje em dia todos eles são um meio de motivar o consumo de bens e serviços em diferentes sociedades.  

O sentido do ano litúrgico
Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e pelos séculos. Hebreus 13,8

“Primavera vai e volta sempre, mocidade não volta mais”. Neste pequeno provérbio ou frase popular se resumem duas conceções diametralmente opostas do tempo. A circular, pela qual a Primavera vai e volta sempre; todas as festas pressupõem esta dimensão pois se celebram uma e outra vez, todos os anos. A mocidade não volta mais, alude à dimensão retilínea do tempo; será por isso que alguns de nós não gostamos de celebrar o dia de anos quando deixamos de ser jovens?

O tempo cósmico: o Círculo – Partindo do objetivamente observável, na Antiga Grécia e no Extremo Oriente prevaleceu sempre uma compreensão circular do tempo: do ponto de vista cósmico, os 365 dias que a Terra leva a dar uma volta ao sol; do ponto de vista da Natureza, mais propriamente das mudanças climatéricas, as quatro estações do ano, Primavera, Verão, Outono e Inverno. A partir destes factos, nasceu para a Filosofia o mito do “eterno retorno”, para a Ciência a ideia de que “Não há nada de novo debaixo do sol” e para a Religião a crença na “reencarnação”.

O tempo humano: a Reta – Do ponto de vista existencial e humano, cada dia que passa é um dia mais que vamos viver e um dia menos que nos resta de vida. Conceber o tempo como uma reta, que vem do passado, passa pelo presente e se dirige ao futuro, não é nada que possa observar-se na natureza. O tempo em linha reta é o tempo da história individual e comunitária, o tempo que integra a ideia de progresso: hoje foi melhor que ontem, amanhã será melhor que hoje. Na Filosofia, a máxima “não nos banhamos duas vezes nas águas do mesmo rio”, de Heráclito, partilha desta compreensão do tempo, verificando-se o mesmo na Cosmologia e na Religião que veiculam as noções do princípio e do fim do mundo.

Esta é também a conceção judaica do tempo: a saída do Egito (terra de escravidão), a passagem pelo deserto (lugar de sofrimento, penitência, purificação e esforço) e a entrada na Terra prometida, onde corre leite e mel (terra da liberdade, do esforço recompensado e da obra acabada). Este é o arquétipo do progresso e da vida humana preconizado até pela teoria de Karl Marx, segundo a qual: o Egito seria o capitalismo, o deserto seria a ditadura sobre o proletariado e a terra prometida seria o socialismo e a sociedade sem classes.

O tempo cristão: a Espiral – É a síntese entre a reta e o círculo, dado que é um círculo em contínuo movimento para a frente. O dicionário da língua Portuguesa define espiral como sendo “uma linha curva, ilimitada, descrita por um ponto que dá voltas em torno de um polo, do qual se afasta progressivamente” como uma hélice, uma mola ou uma escada em caracol.

Este é o tempo cristão e, inclusive, o humano (é de notar que é sob a forma espiral que o ADN do nosso código genético é representado). Como indica a figura, cada ano é constituído por 365 dias à volta do Sol – Sol que é Cristo, que ilumina e dá sentido à nossa vida, que é o princípio e é o fim, quer do Universo quer das nossas vidas individuais. Um movimento helicoidal é também o que descreve o nosso planeta arrastado pelo sol que orbita à volta do centro da Galáxia.

O tempo cristão, portanto, nem é um círculo nem é uma reta, ou seja, cada Natal e cada Páscoa são diferentes, dado que o ano em que estamos e as condições situacionais em que vivemos são diferentes. No entanto, Cristo é a constante durante toda a nossa vida, Ele é o eixo à volta do qual gravitamos, “É nele, realmente, que vivemos, nos movemos e existimos” (Atos dos Apóstolos 17,28).

Cada ano que passa, meditamos em torno do mistério de Cristo, desde a sua Encarnação até à sua Morte, Ressurreição e Ascensão aos céus. Em última análise, para irmos saindo do nosso “Egito” pessoal, configurando a nossa vida cada vez mais com a d’Ele, no sentido de um dia chegarmos à Terra Prometida e podermos dizer como S. Paulo: “Já não sou eu que vivo é Cristo que vive em mim”. (Gálatas 2,20).

Uma festa para cada uma das 3 pessoas divinas
Ao fim de três anos de discorrer sobre a dimensão Trinitária ou tridimensional da Criação que espelha a realidade e identidade do seu Criador, também Ele uma unidade de três pessoas distintas, neste último texto, o número 63, queremos celebrar a Criação e o seu Criador nestas três mais importantes solenidades que a Igreja celebra em cada ano: Natal – Páscoa – Pentecostes.

Como a Igreja tem reservado o domingo depois de Pentecostes para celebrar a Santíssima Trindade, a união e comunhão das três pessoas divinas, é justo que tenha uma solenidade para cada uma das três pessoas divinas. Ao ver que Pentecostes é claramente a celebração de Deus Espírito Santo, desejei ver nas outras duas, Páscoa e Natal, as celebrações do Pai e do Filho, e deparei-me com o problema de que as duas, tanto o Natal como a Páscoa, parecem ser celebrações do Filho, ficando o Pai sem celebração individual.

Não é justo que o Filho tenha duas festas e o Pai nenhuma, por isso pensei qual das duas dar ao Pai e com que critério; podia ser a Páscoa, porque Jesus morre fazendo a vontade do Pai (Lucas 22, 42) ou o Natal, pelo que o próprio Jesus diz no seu diálogo com Nicodemos: “Porque Deus tanto amou o mundo que lhe deu o seu Filho Unigénito (João 3, 16-21).

Para dirimir a questão, recorremos à gramática e ao que esta nos diz sobre voz ativa e voz passiva. Na Páscoa, parece que é Jesus que dirige a ação quando diz, “não são eles que me tiram a vida sou eu que a dou” (João 10,18). Na Páscoa, Jesus é o ator principal, ninguém tem maior amor que o que dá a vida pelos seus amigos (João 15,13). Não cabe a menor dúvida então que a Páscoa é a festa do Filho, pois nela é Ele o protagonista.

O mesmo já não acontece no Natal, Jesus não é o protagonista do Natal, porque gramaticalmente é pessoa passiva, Jesus não nasce, é dado à luz. Por isto nunca gostei da formulação do terceiro mistério gozoso que em todas as línguas diz, contemplamos o nascimento de Jesus. Como se Jesus tivesse caído do Céu de paraquedas ou como se Ele mesmo tivesse provocado o seu nascimento. Este mistério deveria dizer: “No terceiro mistério gozoso contemplamos Maria que dá à luz a Jesus”.

O Natal tem dois grandes protagonistas um divino e outro humano. Deus Pai é o protagonista divino e Maria é a protagonista humana. A ação começa em Deus Pai que envia o seu Filho unigénito ao mundo. Se bem que entre o Pai e o Filho não haja ordem de importância, do ponto de vista gramatical e humano, é mais importante quem envia do que quem é enviado; quem envia provoca a ação, quem é enviado sofre a ação.

Maria, a protagonista humana, não é passiva também é ativa; ela representa toda Humanidade que diz Sim ao plano de Deus. Um Sim livre porque foi dito de uma forma ponderada e sem nenhuma coação por parte de Deus que o propôs; um Sim que, por ser livre, podia ter sido Não. Tão importante é o que envia como o que recebe. Se um Rei envia um mensageiro a um outro Rei, este último é livre de receber ou não receber o mensageiro enviado.

Falemos então das solenidades mais importantes do ano litúrgico, sendo o Natal uma celebração do Pai por nos ter enviado o seu Filho, a Páscoa uma celebração do Filho que restaurou a humanidade na dignidade com que Deus a tinha criado, e Pentecostes a celebração do Espírito Santo que veio para ficar connosco até ao fim dos tempos como companheiro de caminho para Deus.

Três solenidades, três noites - Na azáfama do dia muitas coisas nos escapam e perdemos a perspetiva real de tudo. Olhamos para o céu e o que vemos é irreal; há um gaz nas altas camadas da atmosfera que em contacto com a luz pinta o céu de azul que deixa de ser o espaço.

À noite cessam as atividades olhamos para o céu e reconhecemos a nossa pequenez na imensidão do universo. A noite é tempo de realismo, a noite é tempo de meditação; a noite é tempo de salvação. De noite nasceu Cristo, de noite ressuscitou e de noite veio a nós para ficar connosco, o Espírito Santo.

NATAL
Foi por essa razão que o Verbo de Deus se fez Homem - para que o Homem se tornasse filho de Deus.
Sto. Ireneu de Lyon

Sendo o Cristianismo a religião que tem mais seguidores e sendo o Natal a festa mais popular no mundo cristão, podemos facilmente concluir que o Natal é a festa mais celebrada de todas as festas celebradas neste planeta. É sem dúvida a que reúne mais pessoas a nível mundial, não só na sociedade ocidental.

Religião e revelação
Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos Profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho. Hebreus 1,1-2

Esta frase, da carta aos Hebreus, pode resumir todas as religiões para além da cristã. Religião, do latim “religare”, significa relação com Deus e com o próximo. Desde que a espécie humana tomou consciência de si mesma que acredita na possível existência de um ser superior, transcendente a tudo e a todos, por ser Criador de tudo e de todos.

Em todo o tempo e em todo o lugar, o homem procurou comunicar-se com este ser superior, Deus, para obter o seu beneplácito. Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, resume todas as religiões que em relação à religião cristã ocupam o lugar que o Antigo Testamento ocupa na Bíblia. Todas elas são acerca de profetas enviados por Deus; o cristianismo não apresenta mais um profeta, mas sim o próprio Deus connosco, o Emanuel.

As ondas de telemóvel, de televisão e de rádio cruzam o nosso espaço e nós não as ouvimos nem as vemos, mas sabemos que existem porque, quando temos os instrumentos adequados, captámo-las. Analogicamente, Deus também procurou comunicar-se com o homem e o homem com Deus. Mas também esta comunicação não é acessível a todos, é preciso ter uma sensibilidade especial para entrar nesta comunicação.

Sempre houve pessoas com uma sensibilidade especial para comunicar com Deus. Na tradição bíblica, os profetas eram os catalisadores dos desígnios de Deus para o povo e das petições do povo a Deus. A comunicação, no entanto, não se fazia sem dificuldades; tal como no campo das telecomunicações, havia muitas “interferências”; a personalidade e caráter do profeta, defeitos e preconceitos, filtravam a mensagem que não chegava ao destinatário tal como tinha saído do emissor. Por outro lado, estes profetas entendiam frequentemente que o Céu estava fechado e Deus envolto em silêncio.

Meu Deus, clamo por ti durante o dia e não me respondes; durante a noite, e não tenho sossego. Salmo 22, 2. O povo de Israel nunca se contentou com esta comunicação, tão deficitária, e vivia num contínuo desassossego.

O meu coração murmura por ti, os meus olhos te procuram; é a tua face que eu procuro, Senhor. Salmo 27, 8. O verdadeiro amor nunca se acostuma à ausência.

O cristianismo não é uma religião, pois não representa apenas o esforço ou tentativas do homem em chegar a Deus, pelo contrário, o cristianismo é uma revelação porque é Deus que busca o homem e se revela a ele. Como diz Jesus no evangelho, não fostes vós que me escolhestes; fui Eu que vos escolhi a vós e vos destinei a ir e a dar fruto, e fruto que permaneça; e assim, tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome Ele vo-lo concederá. João 15, 16

No Natal celebramos a grande verdade, que Deus não está envolto em silêncio, mas sim em panos e depositado numa manjedoura. Com o nascimento de Jesus, Deus rompe o silêncio, elimina a distância e desfaz a inacessibilidade. Jesus é o Emanuel, Deus connosco, à nossa beira, companheiro de viagem na nossa vida como o foi com os discípulos de Emaús.

À volta da fogueira
O povo que jazia nas trevas viu uma grande luz; e aos que jaziam na sombria região da morte surgiu uma luz.  Mateus 4,16

O culto do sol era muito importante em Roma. No século III o Rei sol era o padroeiro principal do império. É o sol que ilumina, que aquece; na ausência deste no inverno faziam-se fogueiras e recordava-se o sol pela sua ausência.

A invenção do fogo não só tornou possível a fusão de vários ingredientes numa comida ou de vários minerais numa liga metálica. A invenção do fogo e a necessidade de aquecer-se fez com que se fundissem várias vontades numa só; para ter um lugar à volta da fogueira e aquecer-se muitos abdicavam dos pontos de vista individuais e adotavam os pontos de vista comunitários, para serem aceites no circulo à volta da foguiera.

O calor do fogo do lar fez nascer o amor entre as pessoas. Quantos fogos tem uma aldeia significa quantas famílias tem. Ainda hoje se contam as famílias de uma aldeia por fogos. O fogo cozinhav a comida dava luz e aquecia. À noite, quando nada se podia fazer, à volta da fogueira a cultura passava de pais para filhos pela tradição oral.

Os romanos celebravam uma grande festa no solstício de Inverno, o dia mais curto do ano, o dia em que o sol começa a voltar ao hemisfério Norte e os dias começam a crescer. A Igreja, consciente da importância da vinda de Cristo ao mundo, batizou esta festa com o nascimento de Jesus.

Na verdade, se o sol ilumina o nosso caminho, Cristo ilumina a nossa vida; se o sol aquece e dá vida ao nosso corpo, Cristo aquece e dá vida à nossa alma. Cristo veio e a história ficou dividida em duas os anos antes de Cristo e os anos depois de Cristo. Cristo marca o início de uma nova era, os anos contam-se a partir do seu nascimento.

Solstício de inverno e solstício de verão
Vós mesmos sois testemunhas de que eu disse: 'Eu não sou o Messias, mas apenas o enviado à sua frente. O esposo é aquele a quem pertence a esposa; mas o amigo do esposo, que está ao seu lado e o escuta, sente muita alegria com a voz do esposo. Pois esta é a minha alegria! E tornou-se completa! Ele é que deve crescer, e eu diminuir. João 3, 28-30

Parecida com a noite de Natal, o dia 24 de dezembro, é a noite de S. João no dia 24 de junho. Ambas as noites são uma festa de luzes e ambas marcam dois solstícios; a noite de S. João acontece quando os dias já estão a minguar, depois do solstício de verão que assinala o dia maior do ano. João veio preparar o caminho, mas deve decrescer; o mesmo devem fazer os pais e professores: devem viver em função dos filhos/alunos, mas sem buscar o protagonismo. A noite de Natal acontece quando os dias já estão a crescer, após o solstício de Inverno que assinala o dia mais pequeno do ano; Cristo deve crescer até ser tudo em todos.

A Festa do Pai
Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna. João 3, 16

Jesus não é a razão da estação ou quadra do Natal, o Pai é que é. Nesta festa, Jesus é dado à luz: os verbos que se referem a Jesus nesta quadra vêm em voz passiva. O Natal, como encontro entre Deus e a Humanidade, tem uma protagonista humana, uma mãe, Maria que recebeu Jesus no seu seio e contribuiu com o seu material genético; e tem um Pai divino, Deus.  

Noutro tempo, também eu critiquei a importância que a sociedade civil dá à figura mítica do Pai Natal. Hoje entendo que é um desses casos de “voz do povo, voz de Deus”. O Pai Natal representa Deus Pai que enviou o seu Filho ao mundo. Venerável senhor idoso que não esconde a idade nem quer aparentar ser mais jovem, e que se desfaz em amabilidades dando presentes às crianças, acariciando-as e tomando-as ao colo. No imaginativo de todas as pessoas Deus Pai é sempre representado como um homem idoso de cabeleira e barba branca. O Pai Natal coincide com este imaginário coletivo.

As suas vestes vermelhas de um bispo porque, historicamente, o Pai Natal está associado ao Bispo São Nicolau, razão pela qual se chama Santa Claus em inglês ou apenas Santa. Vive no Polo Norte, lugar apartado de tudo e de todos numa região branca, num mundo puro que apela ao imaginário coletivo da forma como se conceptualiza o Céu, morada de Deus.  

Visita-nos durante a noite, pois, como dissemos, a noite é tempo de salvação. Nunca é visto, mas fala pelas suas obras traduzidas nas graças e presentes que nós, como crianças e seus filhos, lhe pedimos. Podendo entrar por janelas ou portas, entra sempre pela chaminé porque se desloca voando, vem de cima para baixo e entra pela única parte da casa que está sempre aberta e em vigia, assinalando que nós devemos estar sempre em oração abertos ao Altíssimo, olhando para cima de onde nos vem o auxílio.

De repente, juntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste, louvando a Deus e dizendo: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado. (…) os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido, conforme lhes fora anunciado. Lucas 6, 13-14, 20

O Natal como festa do Pai foi celebrado no Céus pelos anjos que disseram Glória a Deus nas alturas, e na Terra pelos pastores que voltaram de Belém glorificando e louvando a Deus.

O banquete messiânico
O Natal é a festa que une os homens com Deus, é a festa que une a Terra com o Céu. A encarnação é um matrimónio entre o Filho Unigénito de Deus e a Humanidade, o Natal é um banquete de bodas que celebra esta união indivisível e para sempre. Um matrimónio é a união de dois destinos num só destino. No Natal, Deus Pai casa o seu Filho com a Humanidade, ou seja, une a natureza da segunda pessoa da Santíssima Trindade à Natureza Humana.

A união das duas naturezas numa só pessoa deu-se no seio de Maria. Ela é, com todo o direito, a Mãe da criança que vai nascer pois não só emprestou o seu seio, como também contribuiu com o seu material genético. Deus, por obra e graça do Espírito Santo, é o Pai tanto da segunda pessoa da Santíssima Trindade como desta mesma encarnada em Jesus de Nazaré.

Jesus de Nazaré que nasce em Belém é o resultado dessa união, é a união inseparável e indivisível das duas naturezas: humana e divina. Deus fez-se filho do Homem, único título que Jesus dá a si mesmo, para que o Homem, que é criatura de Deus, se faça também filho de Deus.

O tempo de Jesus entre nós corresponde ao banquete messiânico profetizado muitos séculos antes por Isaías 25, e declarado por Jesus numa das suas parábolas em Mateus 22, 1-14. Por ser o tempo do banquete messiânico, é um facto que a vida pública de Jesus começa com um banquete de bodas em Caná da Galileia e termina no banquete Eucarístico na Quinta-feira Santa em Jerusalém, no qual Ele é a comida. Entres estes dois banquetes, Jesus participou em muitos com os seus discípulos e muito dos seus ditos foram proferidos no contexto de uma refeição.

Depois, foram ter com Ele os discípulos de João, dizendo: «Porque é que nós e os fariseus jejuamos e os teus discípulos não jejuam?» Jesus respondeu-lhes: «Porventura podem os convidados para as núpcias estar tristes, enquanto o esposo está com eles? Porém, hão-de vir dias em que lhes será tirado o esposo e, então, hão-de jejuar. Mateus 9, 14-15

Por ser o tempo de Jesus entre nós, o tempo do banquete messiânico, os seus discípulos, ou seja, os amigos do esposo não devem jejuar, mas devem celebrar. É tempo de festa, tempo de celebração, não tempo de penitência nem de tristeza.

Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, como teria dito eu que vos vou preparar um lugar? E quando eu tiver ido e vos tiver preparado lugar, virei novamente e hei de levar-vos para junto de mim, a fim de que, onde eu estou, vós estejais também. João 14, 3

Os dias de jejum virão em que o esposo voltará para a casa do Pai levando com Ele a nossa natureza humana redimida na sua pessoa e pela sua pessoa, sentando-a à direita do Pai.

PÁSCOA
Purificai-vos do velho fermento, para serdes uma nova massa, já que, sois pães ázimos. Pois Cristo, nossa Páscoa, foi imolado. Celebremos, pois, a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da malícia e da corrupção, mas com os ázimos da pureza e da verdade. 1 Coríntios 7, 7-8

A morte de Cristo pode ser vista como o pagamento do resgate da morte eterna à qual a humanidade estava destinada. Mas também pode ser vista como a morte de um profeta, ou seja, como o pagamento do preço da ousadia de trazer o Reino de Deus a uma Terra que há muito havia renegado Deus.

Tanto é salvadora por ser o pagamento de uma dívida como por ser a morte daquele que morre pela justiça e pela verdade. A Páscoa só é verdadeiramente salvadora porque é passagem da morte à vida. É a Ressurreição de Cristo que confere valor salvífico à Sua morte, quer a vejamos como pagamento da dívida da humanidade pecadora, quer a vejamos como a morte do profeta que prova, com a Sua Ressurreição, que o mal não tem a última palavra.

Páscoa judia, arquétipo da vida
Como já dissemos noutro texto sobre o arquétipo do progresso ou até mesmo do sucesso: Egito – Deserto – Terra Prometida; a Páscoa é a celebração deste arquétipo. O termo em si mesmo significa passagem e celebra tanto a passagem do deserto entre o Egito e a Terra Prometida, como a passagem do rio Jordão e entrada na Terra Prometida, como a passagem do Mar Vermelho, e ainda a passagem do anjo exterminador de todos os primogénitos dos egípcios.

Na Páscoa é imolado um cordeiro, para recordar aquele cordeiro cujo sangue pintado na ombreira da porta faz passar ao longe o anjo exterminador dos primogénitos dos egípcios. Assim se inicia o sistema sacrificial. Segundo o autor da carta aos Hebreus, o objetivo da religião é o de aceder à amizade com Deus. Este objetivo era conseguido pela obediência à lei que Deus deu a Moisés.

Como era muito difícil conseguir obedecer sempre à lei sem nunca prevaricar, foi instituído o sistema sacrificial para que os fiéis, por intermédio de um sacrifício oferecido a Deus, obtivessem o perdão das suas culpas e assim reatassem a relação de amizade com Deus. Como ninguém é perfeito, sem o sistema sacrificial a Lei seria completamente inútil.

Jesus morre pelos pecados da humanidade segundo a carta aos Hebreus
Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo! João 1, 29

Foi precisamente João Batista, o que pertencia a um movimento que acedia ao perdão de Deus por intermédio de uma purificação ritual de água e não pelo oferecimento de um sacrifício, que apresentou a Jesus como o cordeiro de Deus, talvez por entender que era o último dos cordeiros, como Maomé é para os muçulmanos o último dos profetas.

É o dia de salvação para a Humanidade. O sacrifício de Cristo, por ser perfeito (se é perfeito só pode haver um, e Cristo só pode morrer uma vez) substitui de uma vez por todas os sacrifícios da antiga lei. Por que é perfeito? Este sacrifício é perfeito porque confluem nele aspetos que se deram uma vez na história da humanidade.

Cristo é o perfeito Templo e altar: “Destruí este Templo e Eu o levantarei em três dias”. O tempo é o lugar da presença de Deus. Cristo era Deus.

Cristo é o sacerdote perfeito: Sendo Deus e homem, era a perfeita ponte (intermediário pontifex) entre Deus e os homens. Não precisava de oferecer um sacrifício por si próprio para se purificar como faziam os sacerdotes de Jerusalém antes de oferecer um sacrifício pelo povo. No sacrifício de Cristo Ele mesmo é o sacerdote porque Ele mesmo oferece o sacrifício a Deus. “Não são eles que me tiram a vida”, diz Jesus “sou Eu que a dou” (João 10, 18).

Cristo é o cordeiro perfeito: “Tudo o que abre o ventre é meu”. Cristo é o primogénito, o único Filho de Deus e, como não cometeu pecado, é a vítima perfeita sem mancha requerida pela Lei. Ele pagou o nosso resgate.

Jesus como cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo
(…) Perdoou-nos todas as nossas faltas, anulou o documento que, com os seus decretos, era contra nós; aboliu-o inteiramente, e cravou-o na cruz. Colossenses 2,13-14

Em Romanos 6, 23, S. Paulo diz que o salário do pecado é a morte. Nós pecamos pelo que merecemos morrer ou devemos pagar com a morte eterna o nosso pecado. Deus perdoa-nos a nossa falta, mas alguém tem de morrer no nosso lugar e de preferência um inocente. Esta ideia tem muito de antropológico, mas pouco de teológico.

Um Deus que perdoa, mas não esquece e que requer que a pena seja um Deus, que exige retribuição, pagamento, é um Deus semelhante à justiça humana que é uma forma de retaliação, mas pouco tem a ver com o Deus de que nos fala Jesus, que perdoa, esquece, vira página.

Jesus como bode expiatório – “paga o inocente pelo pecador
Quando os judeus buscavam reconciliação e perdão dos seus pecados, um macho caprino era trazido e todo o povo projetava sobre ele os seus pecados. Este era depois libertado no deserto para que lá morresse como bode expiatório dos pecados do povo.

Na corte de Inglaterra, o “weeping boy” era um rapaz que era punido no lugar do príncipe quando este fazia algo de condenável.

A ideia de pagar pelo pecado de outrem tem mais a ver com uma justiça retributiva que com um Deus que é amor e pura gratuidade, que coloca como única condição para nos perdoar que nós perdoemos também gratuitamente e de coração sem nada exigir aos que nos ofenderam.

Morreu no lugar de alguém
Entendemos a ideia de dar a vida pelo outro, de morrer por alguém, porque o que dá sentido à nossa vida deve também dar sentido à nossa morte, ou seja, a razão pela qual vivemos minuto a minuto, pode requerer que demos toda a nossa vida num minuto. Uma mãe vive pelo seu filho e estaria disposta a morrer por ele… Num campo de concentração Nazi o sacerdote polaco Maximiliano Kolbe ofereceu-se para morrer no lugar de um condenado à morte.

Morrer para salvar
Também entendemos, como aliás vemos muitas vezes nos filmes, que alguém se meta entre o assassino e a vítima e acabe por morrer no lugar desta. A nível físico, quando se abre uma ferida no nosso corpo e estamos sob uma ameaça de bactérias, germes, e vírus, há um tipo de glóbulos brancos, os neutrófilos, que ingerem as bactérias, germes ou vírus, e acabam por lhes causar a morte, evitando assim uma infeção generalizada; morrem para nos salvar.

No filme Dia da Independência, o nosso planeta está sob ataque de extraterrestres e a única maneira de nos livrarmos deles é bombardear a sua nave com uma bomba atómica. Um piloto oferece-se para pilotar o avião que transporta a bomba atómica, mas, no momento de a disparar, ela fica encravada. Decide então imolar-se pela humanidade, conduzindo o seu avião contra a nave espacial. Morreu para salvar a humanidade.

Estas razões e outras têm sido usadas para explicar a ideia de que Jesus morreu para nos salvar; mas não vemos como possam aplicar-se a Jesus e à sua morte.

Jesus morre como profeta segundo o evangelho de Lucas
Para Lucas, a morte de Jesus não tem poder salvífico por si só. Não fornece expiação para os pecados. Ao contrário, Jesus morre como consequência do seu compromisso de abençoar todas as pessoas, especialmente os pobres e pecadores, o que faz até mesmo quando já está pregado na cruz. A sua ressurreição vinga-O como o Salvador do mundo, como Aquele que traz a humanidade à presença de Deus.

A interpretação da morte de Jesus como a morte de um profeta não é só a forma como Lucas encara a morte do Senhor, por ser alheio à cultura sacrificial dos judeus. Não faz sentido que Jesus tenha visto a sua morte como pagamento exigido por Deus para salvar a humanidade, pois Ele mesmo era contra o sistema sacrificial de Jerusalém, contra o Templo e os seus sacerdotes.

Como já referimos noutros textos, Jesus associou-se a um movimento que já vinha de trás que preconizava a obtenção do perdão dos pecados através de uma limpeza ritual de água. Isto faziam os monges de Qumram. João Batista trouxe este ritual para fora dos mosteiros, oferecendo-o a todos nas águas do rio Jordão; Jesus levou-o ainda mais longe, para o meio do povo nas aldeias e cidades onde ia, reduzindo-o apenas a uma declaração “Os teus pecados são perdoados”. (Lucas 7, 48)

(…) hoje, amanhã e depois devo seguir o meu caminho, porque não se admite que um profeta morra fora de Jerusalém. Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas aqueles que te são enviados! Quantas vezes Eu quis juntar os teus filhos, como a galinha junta a sua ninhada debaixo das asas, e não quiseste! Lucas 13, 33-34

Por este texto, pelo facto de a figura de Jesus chegar a ser confundida com a de João Batista que tinha regressado à vida (Mateus 14, 1-2); pelo facto de os discípulos de Emaús assim interpretarem a morte de Jesus, profeta poderoso em obras e palavras (Lucas 24, 13 35), entendemos que o próprio Jesus viu a Sua morte como a morte de um profeta.

Não há nenhum texto no qual Jesus se apresente a si mesmo como o cordeiro de Deus que, com o seu sacrifício, limpa a humanidade de toda a culpa. A única metáfora que Jesus usa para explicar a sua morte é a do grão de trigo que, se não morre, não dá fruto (João 12, 24). O que parece aludir indiretamente à salvação não pela morte, mas pela Ressurreição que indica que o bem venceu o mal.

Jesus viveu pelo Reino e morreu pelo Reino
Com sugere a citação bíblica que abre esta reflexão, Jesus morreu não para pagar o preço dos nossos pecados, mas sim para pagar o preço da Sua vida. Morreu pelos valores que deram forma e sentido à Sua vida. Veio ao mundo para instaurar e inaugurar um Mundo Novo, o Reino de Deus. E como um mundo novo se faz com homens novos, Ele foi a primeira pedra, o primeiro Homem Novo, o primeiro cidadão-modelo do Reino de Deus.

Quando uma estrutura nova substitui uma velha, esta última deve ser destruída. Assim, ao mesmo tempo que anunciava um mundo novo e se apresentava como modelo Caminho, Verdade e Vida, Jesus denunciava as estruturas antigas.

Não o fez impunemente pois os poderes que mantinham o status quo depressa o calaram. O fogo já tinha alastrado e continua a devorar os corações dos seguidores de Jesus. “Se me perseguiram a mim, também vos hão-de perseguir a vós.” João 15, 20. Como já Jesus tinha dito, tiveram também de pagar o preço pela sua ousadia.

A morte de Cristo pelo Reino salva-nos porque morreu pelo modelo de sociedade que verdadeiramente é salvação para todos e não só para alguns; salva-nos individualmente porque morreu pelos únicos valores que dão sentido, forma e conteúdo ao nosso viver, que nos permitem transpor o umbral da morte e viver eternamente com Deus.

Os que diretamente intervieram na morte de Jesus fizeram-no por atitudes que ainda hoje motivam muitos dos nossos atos, pelo que não foram só eles os culpados, mas toda a humanidade. Cristo, portanto, não morreu pelos nossos pecados, mas foram os nossos pecados que O mataram.

Jesus morre como profeta pela salvação do mundo
Não havendo nenhum texto que prove que Jesus tenha entendido a sua morte como o sacrifício do cordeiro para redimir a humanidade, podemos concluir de forma perentória que Jesus entendeu a sua morte como a morte de um profeta. Porém, não podemos fazê-lo.

Os profetas de Israel são famosos não só pelas suas palavras, mas também pelos seus atos, sobretudo pelos seus gestos dramáticos e teatrais. Por exemplo, Isaías andou nu no meio do povo para mostrar o que estava para acontecer aos que iam ser exilados. O profeta Oseias casou com uma prostituta para que a sua vida fosse um audiovisual da infidelidade do povo a Deus.

Jesus, como profeta também teve estes gestos teatrais e dramáticos. A expulsão dos vendilhões do templo, (João 2, 13-25) o provar que tinha o poder de perdoar os pecados ao curar um paralítico e dizer aos fariseus que, para Ele, era o mesmo dizer “os teus pecados são perdoados” ou “levanta-te e anda” (Mateus 9,5). e, finalmente o lavar os pés aos seus discípulos (João 13, 1-17).

Em linha com os gestos dramáticos e teatrais que os profetas e Jesus usaram para passar uma mensagem de uma forma audiovisual, mais difícil de esquecer, entendemos que Jesus usou a sua própria morte como um gesto dramático e teatral. O facto de Jesus ter escolhido Jerusalém, o único lugar onde se ofereciam sacrifícios, e o facto de ter escolhido a festa mais importante do calendário litúrgico hebreu, a Páscoa, e não outra como a dos Tabernáculos, não pode ter sido senão para passar uma mensagem.

É certo que Jesus morreu como profeta e como tal entendeu a sua morte, mas o ter escolhido morrer em Jerusalém e na Páscoa não pode passar-nos despercebido. Jesus quis destruir o Templo com a destruição do seu corpo (João 2, 19); Jesus de alguma maneira quis dizer aos judeus que Ele era o último cordeiro a ser sacrificado em Jerusalém antes de ela ser destruída como tinha vaticinado. De facto, ao expirar, o véu do templo rasgou-se (Mateus 27, 51).

De uma forma simples ou simplistica podemos concluir que Jesus morreu uma more sacificial para os judeus e uma morte de profeta para o resto da humanidade que como São Lucas, para quem o sistema sacroificial não fazia parte da sua cuktura ou religião.

Jesus ressuscitou como a luz que vence a sombra

Como el grano de trigo que al morir da mil frutos,
RESUCITÓ EL SEÑOR.
 
Como el ramo de olivo que venció a la inclemencia, 

RESUCITÓ EL SEÑOR.
 
Como el sol que se esconde y revive en el alba,
RESUCITÓ EL SEÑOR.
 
Como pena que muere y se vuelve alegría,
RESUCITÓ EL SEÑOR.
 
El amor vence al odio, y el sencillo al soberbio,
RESUCITO EL SEÑOR.
 
La luz vence a la sombra y la paz a la guerra,
RESUCITO EL SEÑOR.

José António Olivar    

Como o grão de trigo que quando morre dá mil frutos, 

O SENHOR RESSUSCITOU.
 
Como o ramo de oliveira que superou o tempo inclemente, 

O SENHOR RESSUSCITOU.
 
Como o sol que se esconde e renasce ao amanhecer, 

O SENHOR RESSUSCITOU.
 
Como uma pena que morre e se torna alegria,
O SENHOR RESSUSCITOU.
 
O amor vence o ódio, o simples o soberbo,
O SENHOR RESSUSCITOU.
 
A luz vence a sombra e a paz a guerra,
O SENHOR RESSUSCITOU.

Como muito bem diz esta canção que tantas vezes cantei durante o meu estudo de teologia em Espanha, é na realidade a Ressurreição de Jesus que confere valor salvífico à sua morte, tanto como morte de profeta como morte sacrificial, assim como tudo o que o mestre disse durante a sua vida, tudo o que fez e a forma como se comportou em vida. É a sua Ressurreição que confere valor normativo a toda a sua vida, nascimento, vida e morte e que faz da pessoa de Jesus de Nazaré o único modelo de humanidade, o único Caminho, Verdade e Vida. (João 14, 16)

PENTECOSTES
Se me tendes amor, cumprireis os meus mandamentos, e Eu apelarei ao Pai e Ele vos dará outro Paráclito para que esteja sempre convosco, o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; vós é que o conheceis, porque permanece junto de vós, e está em vós.(…) Fui-vos revelando estas coisas enquanto tenho permanecido convosco; mas o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, esse é que vos ensinará tudo, e há-de recordar-vos tudo o que Eu vos disse. João 14, 15-17, 25-26

Invisível, talvez, mas real. O Espírito Santo é provavelmente a pessoa menos compreendida da Trindade. Confunde-se com as próprias manifestações e tem sido apresentado como uma figura acidental que aparece momentaneamente. No entanto, é vital para a Igreja e para cada um de nós. Por isso devemos conhecê-Lo melhor, aprender a relacionar-nos com Ele e compreender como se manifesta.

Já não vivemos no tempo do Pai, que foi o Antigo Testamento, nem no tempo do Filho, que foi o Novo Testamento, vivemos no tempo do Espírito, pois Ele é a alma da Igreja da qual somos parte. Deus Pai é Deus Criador, Deus acima de nós; Deus Filho é Deus Salvador Deus connosco o Emanuel; Deus Espírito Santo é Deus santificador, Deus dentro de nós.

O maior teólogo católico do século XX, um dos líderes do Concílio Vaticano II disse “a Santíssima Trindade tem sido tão negligenciada ao longo da história cristã que a maioria dos cristãos são, na sua vida prática, monoteístas absolutos”. Em relação ao Espírito Santo, chamou ateus aos cristãos, e eu diria especialmente aos católicos. Não porque não acreditem na existência do Espírito Santo, mas porque pensam e atuam como se não existisse.

Com a exceção do povo português das Ilhas dos Açores, onde o Espírito Santo tem muitos adoradores e festas populares celebradas em seu nome, acredito que o que diz Karl Rahner é verdade. Se quiser fazer uma pesquisa teológica sobre o Espírito Santo encontro muito mais material na teologia protestante que na católica. Não é por acaso que o movimento carismático que tenta evangelizar a Igreja católica sobre o Espírito Santo tenha nascido na Igreja Pentecostal e não na Igreja Católica.

Uma das razões desta situação creio ser o facto de que é fácil conceptualizar a Deus como Pai e a Deus como Filho que se fez homem como nós, pois são categorias humanas com as quais nos identificamos. Quando se trata do Espírito Santo, por não termos tal categoria na família humana, torna-se difícil conceptualizar, o que dificulta a relação com Ele.

Quer queiramos quer não, sempre seremos antropomórficos na nossa relação com Deus, ou seja, sempre conceptualizaremos Deus à maneira humana, pois é o que conhecemos. Quanto ao Espírito Santo não sabemos bem onde o encaixar.

Quem é para nós o Espírito Santo?
Como pessoa que é, o Espírito Santo tem sentimentos; pode ficar triste ou zangado, e outros podem insultá-Lo e blasfemar contra Ele (Isaías 63, Mateus 12:31; Atos 7:51; Efésios 4:30; Hebreus 10:29). Como pessoa tem intenções e objetivos, manifesta ter força de vontade e ponderação, ama, comunica, testemunha, ensina e reza. Estas são algumas das qualidades que O distinguem como pessoa.

Ninguém pode dizer: «Jesus é Senhor», senão pelo Espírito Santo. Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; há diversidade de serviços, mas o Senhor é o mesmo; há diversos modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. A cada um é dada a manifestação do Espírito, para proveito comum. A um é dada, pela ação do Espírito, uma palavra de sabedoria; a outro, uma palavra de ciência, segundo o mesmo Espírito; a outro, a fé, no mesmo Espírito; a outro, o dom das curas, no único Espírito; a outro, o poder de fazer milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, a variedade de línguas; a outro, por fim, a interpretação das línguas. Tudo isto, porém, o realiza o único e o mesmo Espírito, distribuindo a cada um, conforme lhe apraz. 1 Coríntios 12, 3-11

O Espírito Santo habita em nós porque somos o seu Templo, é Deus em nós. Neste sentido, o Espírito Santo é a fonte e fornecedor de tudo o que precisamos, (os seus dons) para que a nossa vida seja santa e feliz para um serviço eficaz no seio da comunidade.

Símbolos que o representam
Ao faltar-nos uma categoria humana para conceptualizar na nossa mente a pessoa do Espírito Santo, a Bíblia oferece-nos símbolos que O representam na sua ação. O positivo destes símbolos é que atuam como metáforas para nos ilustrar a ação e a personalidade do Espírito Santo. O problema destes símbolos é que nos ficamos pelas metáforas que em pouco nos ajudam a conceptualizá-lo como pessoa, pois nos deixam mais a imagem de que é uma força, uma energia, uma eletricidade, uma cola que une.

Pomba, (Mateus 3, 16; Marcos 1, 10; Lucas 3, 22; João 1, 32) - A pomba como símbolo do Espírito Santo comunica beleza, gentileza e paz. A pomba também vem de cima, de alguma forma sugerindo vir do Céu.

Fogo - O fogo pode ser símbolo da presença de Deus, (Êxodo 3, 2) meio de purificação (1 Pedro 1, 7) ou julgamento (Levítico 10, 2 Hebreus 12, 29;) dependendo do contexto em que aparece na Bíblia. Atos 2,1-4 é o texto em que mais explicitamente o Espírito aparece como línguas de fogo no dia de Pentecostes. Desobedecer ao Espírito é como deitar água sobre o fogo, apagando-o, refere S. Paulo (1 Tessalonicenses 5, 19).

Vento - A palavra grega para Espírito (pneuma) tanto pode ser traduzida como respiração ou como vento. Talvez então não seja surpreendente que o Espírito Santo seja visto e comparado com o vento. Dois versos no Novo Testamento comunicam isto mesmo. Em Atos 2, 4 Lucas escreve: "De repente um som como um vento violento soprando, veio do Céu e encheu toda a casa onde estavam sentados."

E em João 3, 8, João descreve: "O vento sopra onde quer que ele vai, e ouve-se o som que faz, mas não sabemos de onde vem e para onde vai. Assim é com todos os que nascem do Espírito." A imagem do vento comunica que o Espírito Santo é poderoso, invisível, imaterial e soberanamente sopra onde pretende e quer porque é livre.

Água – A água é também uma metáfora ou símbolo do Espírito Santo: No último dia, o mais solene da festa, Jesus, de pé, bradou: «Se alguém tem sede, venha a mim; e quem crê em mim que sacie a sua sede! Como diz a Escritura, hão-de correr do seu coração rios de água viva. Ora Ele disse isto, referindo-se ao Espírito que iam receber os que nele acreditassem; com efeito, ainda não tinham o Espírito, porque Jesus ainda não tinha sido glorificado. João 7, 37-39

Esta mesma água que jorra de dentro e dá vida, é a que Jesus oferece também à Samaritana (João 4, 5-43). Como a água física é necessária para a vida física, assim a Água viva do Espírito Santo é necessária para a vida espiritual.

O Espírito Santo no Antigo Testamento
No princípio, quando Deus criou os céus e a terra, a terra era informe e vazia, as trevas cobriam o abismo e o espírito de Deus movia-se sobre a superfície das águas. Génesis 1, 1

No princípio o termo “Espírito Santo” não era usado, mas sim o termo “Espírito de Deus”. Este não aparece como entidade diferente e inseparável de Deus; de facto, os termos Espírito de Deus ou Deus eram usadas com o mesmo sentido. Diz-se que o Espírito de Deus atuava por intermédio dos antigos profetas e do Rei David. Em Juízes 14, 61 o Espírito de Deus é invocado para dar força a Sansão.

A primeira vez que na Bíblia aparece o termo “Espírito Santo”, é no Salmo 51, 13 onde se diz: “Não me afastes da tua presença, nem me prives do teu santo espírito!” A outra é em Isaías 63, 10, “Mas eles revoltaram-se e ofenderam o seu santo espírito”.

O Espírito Santo no Novo Testamento
Cheio do Espírito Santo, Jesus retirou-se do Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto… Lucas 4,1
Impelido pelo Espírito, Jesus voltou para a Galileia Lucas 4, 14

Nesse mesmo instante, Jesus estremeceu de alegria sob a ação do Espírito Santo e disse: «Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Lucas 10, 21

O Espírito Santo esteve presente em todos os momentos da vida de Jesus desde a sua conceição (Lucas 1.35), no dia do seu Batismo (Mateus 3, 16) e, como revelam os textos acima citados, sempre o acompanhou no seu ministério.

É claro que desde Pentecostes, desde que como língua de fogo entrou em cada um dos apóstolos, nunca deixou de ser a alma da Igreja, o elemento de coesão que dá os seus dons necessários a cada membro para ao mesmo tempo se autorrealizar como pessoa e se colocar com esses mesmos dons ao serviço da comunidade para a edificar.

Estando eles a celebrar o culto em honra do Senhor e a jejuar, disse-lhes o Espírito Santo: «Separai Barnabé e Saulo para o trabalho a que Eu os chamei. Atos 13, 2

Com este texto fica claro que é o Espírito Santo que comanda a Igreja que a inspira e a guia, assim como cada um dos seus membros, pois estes são templo do Espírito Santo (1 Coríntios 6, 19- 20).

Eucaristia e Igreja
A sala do andar de cima onde Jesus celebrou a Ceia Pascal e onde instituiu a Eucaristia, foi também a incubadora ou o seio onde nasceu a Igreja no dia de Pentecostes. A Igreja e a Eucaristia têm a mesma morada, partilham o mesmo ventre, são como dois gémeos verdadeiros e por isso inseparáveis. Ao instituir a Eucaristia, Jesus criou o corpo da Igreja que é o seu corpo místico; ao enviar o Espírito Santo, este corpo adquire uma alma. O Espírito Santo é a alma do corpo místico de Cristo que é a Igreja.

“Fazei isto em minha memória” - Inseparáveis como são, não vivem um sem o outro. Se um dia a Eucaristia deixar de ser celebrada, não morre só a Eucaristia, mas também a Igreja. A Eucaristia é a reunião dos cristãos para celebrar a memória do seu Salvador. Se os cristãos não se reúnem, a Eucaristia não é celebrada e, se não é celebrada a Eucaristia, os cristãos não se reúnem pelo que ao desaparecer uma desaparece a outra. Um grupo de pessoas, clube, associação que não se reúne deixa de existir.

Os católicos que deixam de participar na Eucaristia dominical deixam de fazer parte do corpo místico de Cristo. Como não há pianistas não praticantes nem futebolistas não praticantes, mas ex-pianistas ou ex-futebolistas, também não há católicos não praticantes, mas sim ex-católicos. Quem não celebra a memória de Cristo rompe a comunhão com o corpo mistico de Cristo que é a Igreja. Porque não faz corpo com os outros cristãos o catolico não praticante excomunica-se a si mesmo da Igreja.

Conclusão - No Natal celebramos o amor do Pai, na Páscoa a entrega do Filho, no Pentecostes a inspiração e orientação do Espírito Santo.  

Pe. Jorge Amaro, IMC
















1 de dezembro de 2021

3 Instâncias depois da morte: Céu - Purgatório - Inferno

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(…) não temos aqui cidade permanente, mas procuramos a futura. Hebreus 13, 14

Já quase no fim destes três anos em que tratamos realidades tridimensionais criadas por um Deus Uno e Trino, eis que chegamos ao tratado das coisas últimas, matéria que em teologia se chama escatologia. Esta palavra provém do grego eschatom que significa as coisas últimas; fezes excrementos, para não usar a palavra mais popular é verdadeiramente o significado primigénio da palavra eschatom. E eu já sabia isto à idade de 4 anos, quando estando eu no alto de uma parede olhando para baixo para ver o meu pai, este me diz “Sai daí que podes cair e morrer”, e eu respondi, “Morrer é enterrar as fezes”. Foi esta a minha primeira observação filosófica.

Para além da nossa morte, deparamo-nos com duas realidades diametralmente contrárias e derradeiras, o Céu e o Inferno e uma passageira ou processual, o Purgatório. Caronte, o barqueiro de Hades, que carrega as almas dos recém-mortos sobre as águas do rio Estige e Aqueronte, que dividiam o mundo dos vivos do mundo dos mortos e a quem se paga com uma moeda que nos colocam no olho (a Jesus também lha colocaram), leva-nos a uma destas três realidades.

A bofetada da morte
Sono io la morte e porto Corona,
io Son di tutti voi signora e padrona,
e così sono crudele, così forte sono e dura
che non mi fermeranno le tue mura.
(…) e davanti alla mia falce
il capo tu dovrai chinare
e dell 'oscura morte al passo andare.

https://www.youtube.com/watch?v=YOBYzpzBxvc

Eu sou a morte e carrego Corona,
Sou de todos vós senhora e patroa
tão forte tão dura e cruel que
nenhum dos teus muros me vai parar.
Ante a minha foice inclinarás a cabeça
E inexoravelmente caminharás
rumo à morte escura.

O cantautor italiano Angelo Branduardi reformula nesta canção uma dança macabra medieval. Por causa da peste negra e porque a esperança de vida na Idade Média era muito curta, a morte era um tema muito popular, o horizonte inexorável e escuro que paira sobre a criança que vem a este mundo.

Num conceito do tempo linear judaico-cristão, a vida desenvolve-se historicamente em linha reta. A morte, que sempre se representou como uma foice, é agora uma ceifeira mecânica que corta e destrói tudo o que lhe aparece pelo caminho, nada nem ninguém lhe pode fazer frente. Tal como qualquer produto no mercado, temos prazo de validade.

Já não é o sexo o tabu dos nossos tempos; nestes tempos modernos, o tabu é a morte, porque esta é a recordação incómoda da nossa indigência e limitação. Para uma sociedade tão orgulhosa dos seus progressos em todas as matérias, a morte é como uma humilhante bofetada em plena cara. Ri-se de nós e das nossas invenções com todos os dentes da sua caveira.

Desde que se colou a nós como uma carraça quando fomos expulsos do Éden, nunca mais conseguimos desenvencilhar-nos dela. Ilusoriamente, vingamo-nos dela expulsando-a, tanto quando podemos, da nossa mente e da vida pública e social, fazendo dela um tabu. Porém, de tempos a tempos esta reaparece, para nos avisar que a melhor maneira de lhe fazer frente não é ignorando-a. É preciso apanhar o touro pelos cornos.

O valor da morte
É difícil imaginar e tentar conceptualizar o que seria a vida na terra se fossemos eternos. Suponho que não haveria valores, não amaríamos, nem odiaríamos, nada do que faz sentido faria sentido. Morreríamos, valha a redundância de pasmo, ficaríamos deprimidos. Em todos os filmes que vi e que tratam deste assunto, aquele que tem o dom da eternidade quer morrer, prefere viver intensamente e depois morrer que viver eternamente sem sentido.

A morte, a nossa finitude, é a verdadeira mãe e génese de todos os valores humanos. Só os seres humanos possuem autoconsciência e sabem que vão morrer; porque sabemos que vamos morrer, temos a vida nas nossas mãos, enquanto que os animais estão inconscientemente nas mãos da vida. Os animais são possuídos pela vida por isso não a têm nem a programam. Ao contrário, nós possuímos uma vida e como temos consciência de que a possuímos por um tempo e que depois deixaremos de a possuir, procuramos vivê-la com sentido; daí nascem todos os valores humanos.

Por exemplo, a dignidade humana, as igualdades, nascem da morte; a morte é o grande raseiro. Nós nunca somos iguais nem perante os outros, nem perante a lei. Só perante Deus e perante a morte é que somos todos iguais, porque esta é o destino comum de pobres e ricos, brancos e pretos, famosos e infames, ilustres e envergonhados, vitoriosos e derrotados.

Na natureza a morte não existe
“Sei l’ospite d’onore
del ballo che per te suoniamo
Posa la falce e danza tondo a tondo
Il giro di una danza e poi un altro ancora
E tu del tempo non sei più signora.”    

É a convidada de honra
da dança cuja música te tocamos
Atira com a foice e entra na roda
Roda que roda e volta a rodar
Por agora não és senhora do tempo."

No refrão da canção de Branduardi a morte é a convidada de honra numa dança de roda. Ao contrário da reta, que tem princípio e fim, a roda é símbolo de eternidade, alude ao mito do eterno retorno. Uma vez entrada na dança de roda, a morte perde a sua foice e deixa de ser senhora do tempo.

Lavoisier dizia que na Natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. A Natureza observa o mito do eterno retorno, nela não há morte no sentido de ausência de vida; na Natureza a morte e a vida são fases do mesmo processo, sendo a morte só a passagem de uma forma de vida para outra forma de vida. Se não há vida que não leve à morte, também não há morte que não leve a uma outra vida.

É este o princípio da cadeia alimentar, na qual toda a forma de vida é alimento para outra forma de vida, pois só da vida sai vida, só a vida dá vida. A erva, que é uma forma de vida, cresce livremente até que a gazela uma dia a come, a erva morre mas a sua vida é integrada e absorvida e passa a fazer parte do corpo da gazela, que um dia também ela morre nos dentes do leão; este, já velho e doente, expulso do seu harém por outro mais jovem, vai ser alimento dos abutres e das hienas que, por sua vez, morrem e são alimento de uma infinidade de pequenos seres que decompõem os cadáveres e que, à sua morte fertilizam a terra onde volta a crescer a erva.

Nesta roda viva, a constante é a vida absoluta que se alimenta de vida. A morte é só uma passagem, de uma forma de vida para outra forma de vida. A vida dura mais tempo que a morte que é só um breve instante, sendo a vida a contínua e ilimitada constante.

O que acontece na natureza acontece também com o nosso corpo físico. Também este é um processo vital onde a morte é passagem e a vida, neste caso crescimento, é a constante. Hoje possuímos triliões de células, porém quando começou a nossa vida fomos uma única célula que resultou da união de outras duas células, o óvulo por parte da nossa mãe e o espermatozoide por parte do nosso pai.

Unidas ou fundidas as duas partes, nascemos nós, uma célula humana com um código genético único na história da humanidade; em pouco tempo, esta célula subdivide-se em outras células para formar um corpo humano adulto, constituído por 37 triliões de células.

Cada uma das nossas células segue a lei geral que rege a vida neste planeta: nascer, crescer, reproduzir-se e morrer; as únicas células que se recusam a morrer são as células cancerígenas. Assim se explica o crescimento e envelhecimento do nosso corpo. De facto, à exceção das células do nosso cérebro, os neurónios, todas as outras seguem a regra geral. Podemos dizer que a cada 5 anos mudamos de corpo, cada 5 anos temos um corpo biologicamente diferente.

Numa vida média de 85 anos, temos 17 corpos diferentes. Com qual dos 17 ressuscitaríamos? Com nenhum deles pois não é o corpo físico que ressuscita, mas sim o corpo espiritual que é uma síntese de todos eles, mas não é nenhum deles em particular.

Princípio da realidade, princípio do prazer
Se alguém quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perder a sua vida por minha causa, há de encontrá-la. Mateus 16, 24-25

O negar-se a si mesmo de Jesus é, na linguagem psicológica de Freud, a aquisição da maturidade humana que acontece quando o indivíduo deixa de se guiar pelo princípio do prazer para se deixar guiar pelo princípio da realidade. As coisas não são como gostaríamos que fossem, mas são como são. A busca desenfreada do prazer é a vida infantil enquanto o indivíduo não sabe onde o prazer o levará: à própria aniquilação, pois, como disse Erich Fromm, a satisfação ilimitada dos nossos desejos não produz bem-estar, não é o caminho da felicidade nem tão pouco um meio para atingir o prazer máximo.

Uma vez que conhecemos a realidade, devemos abraçar-nos a ela, ela é a nossa cruz, a ela devemos obedecer negando-nos a nós mesmos, ou seja, ao princípio do prazer. Só assim somos discípulos de Jesus que também obedeceu até à morte e morte de cruz, ou seja, abraçado à sua cruz, à vida que escolheu para si, à qual depois foi fiel até ao fim.

Negar-se a si mesmo é dizer não a nós próprios para dizer sim a Deus. É recusar fazer a nossa vontade para fazer a vontade de Deus. É repetir em todos os momentos da nossa vida as palavras de Jesus no Jardim das Oliveiras (Mateus 26, 43). É submeter a nossa vontade a Deus e deixar de ter vontade própria. É pôr em prática o que repetimos na oração do Pai Nosso que contém o mais importante do evangelho: “Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu” (Mateus 6, 10).

Se não nos negamos a nós mesmos, é difícil não negar a Cristo. Foi precisamente o que fez Pedro, negou o mestre porque não se negou a si mesmo, e fugiu da própria cruz. Ele que tinha sido chamado a pedra angular da Igreja, num momento se transformou em pedra de tropeço, quando antepôs a sua vontade à vontade do mestre em ir a Jerusalém.

A morte como passagem
Muitas pessoas que já estiveram entre a vida e a morte, falam de um túnel e de uma luz para além do túnel. Se estas experiências são verdadeiras, é interessante como o processo da morte guarda semelhanças com o processo do nascimento. Vivemos durante 9 meses num lugar, num paraíso, depois passamos por um túnel apertado, a vagina da nossa mãe, num processo doloroso para o bebé e para a mãe.

Ao fim desse túnel, vemos a luz do dia; de facto, nascer em português diz-se “ser dado à luz”. A nossa mãe deu-nos à luz. Por isso, quando morrermos, já não é a primeira vez que o fazemos é a segunda, a primeira morte foi o nosso nascimento. O crescimento psicológico e espiritual, à imagem do físico, também integra a morte ou deixa para trás coisas e realidades às quais estávamos apegados. Se o nosso nascimento foi uma morte à vida intrauterina, e um nascer para esta vida, a nossa morte é uma morte para a vida na Terra e um nascimento para a vida eterna no Céu.

Tanto o nascimento como a morte são passagens de uma forma de vida para outra forma de vida. Se a vida intrauterina era diferente da vida que temos na Terra, a vida eterna também será diferente da vida terrestre. Também aqui a constante é a vida e a morte só uma passagem entre uma forma de vida e outra forma de vida.

A crença na Ressurreição
No ventre de uma mãe havia dois bebés. Um perguntou ao outro: "Acreditas na vida após o parto?" O outro respondeu: "É claro. Tem que haver algo após o parto. Talvez nós estejamos aqui para nos prepararmos para o que virá mais tarde." "Disparate", disse o primeiro. "Que tipo de vida seria essa?" O segundo disse: "Eu não sei, mas haverá mais luz do que aqui. Talvez nós possamos andar com as nossas próprias pernas e comer com as nossas bocas. Talvez tenhamos outros sentidos que não conseguimos entender agora." O primeiro retrucou: "Isso é um absurdo. O cordão umbilical fornece-nos nutrição e tudo o mais de que precisamos. O cordão umbilical é muito curto. A vida após o parto está fora de cogitação."

O segundo insistiu: "Bem, eu acho que há alguma coisa e talvez seja diferente do que é aqui. Talvez a gente não vá precisar deste tubo físico." O outro contestou: "Além disso, se há realmente vida após o parto, então, por que ninguém jamais voltou de lá?" "Bem, não sei", disse o segundo, " mas certamente vamos encontrar a Mamã e ela vai cuidar de nós." O primeiro respondeu: " Mamã? Acreditas mesmo na Mamã? Isso é ridículo. Se a Mamã existe, então, onde está ela agora?" "Ela está ao nosso redor. Estamos cercados por ela. Nós somos dela. É nela que vivemos. Sem ela este mundo não poderia existir." Disse o primeiro:" Bem, eu não consigo vê-la, então, é lógico que ela não existe." Ao que o segundo respondeu: "Às vezes, quando estás em silêncio, se te concentrares e realmente ouvires, vais perceber a presença dela e ouvir a sua voz amorosa”.

Este foi o modo pelo qual um escritor húngaro explicou a existência de Deus.

No início, o crente israelita não professava a fé na ressurreição. Estava alheio à possibilidade de uma existência depois da morte. A vida é relação com Deus e com os outros membros do povo, termina nesta vida e todos vão parar ao Sheol.

Isto, é claro, levanta algumas questões. Será a morte mais forte que Deus? Será verdade que o amor é dizer àqueles que amam, "não podes morrer"? Não é isto que Deus nos quer dizer quando nos ama? E, ao dizê-lo, não significa que consegue "impor-se" à morte? De que serve ser fiel a Deus se, no final de tudo, ser fiel a Ele ou não, é a mesma coisa? Eis um problema de carácter teológico, ou seja, é uma questão de responder à pergunta: em que Deus acreditamos? Num Deus fiel aos seus fiéis ou num Deus impotente ante a morte?

Há de facto, na Bíblia, três salmos (16, 49 e 73) que, à sua maneira, expressam a esperança do salmista num amor e fidelidade de Deus mais forte que a morte. Não há neles ainda uma afirmação clara e inequívoca na ressurreição, mas já estão presentes os elementos incipientes que levarão o povo hebreu a afirmá-la ainda antes do nascimento de Jesus.

Argumento de Pascal
Segundo o famoso argumento ou aposta de Pascal, suponhamos que dois amigos - um ateu e outro religioso - apostam uma quantia de dinheiro na hipótese da existência ou não existência de Deus e da vida para além da morte. O ateu aposta que Deus não existe, o religioso que sim, existe. À morte dos dois se o ateu ganhar a aposta, ou seja, se não houver nada para além da morte, não vai poder receber o prémio, não vai sequer saber que ganhou, e o que a perdeu o religioso também não vai saber que perdeu.

Ao contrário, se houver vida para além da morte e Deus que a sustenta, o religioso ganhou essa vida eterna e o ateu perdeu-a. Concluímos que quem acredita tem tudo a ganhar e nada a perder; quem não acredita, tem tudo a perder e nada a ganhar.

Não há forma de saber o que está para além da morte. A existência de Deus e de que Ele sustenta a nossa vida para além da morte é matéria de fé. É de facto uma aposta onde não temos nada a perder e muito a ganhar. A crença no Além será sempre matéria de fé. Só quando passarmos para lá saberemos se tínhamos ou não razão, se estávamos ou não corretos. Mas se não estávamos corretos, ainda assim, a vida cristã é sempre a melhor forma de autorrealizar-se e ser feliz, pelo que nada perdemos se de facto não houver nada. Ao contrário de provar que Deus não existe como alguns pensavam que um dia a ciência conseguiria, nos últimos anos a ciência tem feito com que seja mais fácil e mais lógico o acreditar que o não acreditar; é claro que nunca a ciência chegará a provar a existência ou não existência de Deus. Sempre necessitaremos da fé.

INFERNO
Toda a esperança abandonai ó vos que aqui entrais
Canto III O Inferno, A Divina Comédia, Dante Alighieri

Existe ou não existe?
Já são raros os pregadores que fazem sermões sobre o inferno; ninguém deseja abordar a questão. Parece que, também aqui, se aplica a lei do uso-abuso-fora de uso. De facto, outrora era tema obrigatório de um bom sermão… Naqueles tempos, o temor de Deus interpretado como medo levava mais gente à Igreja do que agora o consegue o amor de Deus.

Apesar de ser palavra recorrente em toda a Bíblia há já muitos cristãos e até teólogos e sacerdotes que não acreditam na existência do Inferno. O inferno é aqui, dizem alguns. E é verdade, nós humanos temos a capacidade de fazer da nossa vida e da dos outros um céu ou um inferno. Mas nem este Céu nem este inferno são os últimos. “Não há mal que sempre dure nem bem que sempre ature”.

A misericórdia de Deus é infinita o seu amor não tem medida; de Deus, é muitíssimo mais o que não sabemos que o que sabemos. Condenar-se-á alguém? Em que termos? Nem sequer podemos dizer que Hitler está no Inferno. O inferno não é algo querido por Deus neste sentido, nem o purgatório o é; o que Deus quer é o Céu para todos. Estaríamos a pôr em causa a misericórdia divina. Seria bem pior que a misericórdia humana, se os atos temporais tivessem castigos eternos; há aqui uma desproporção entre o ato e o castigo.

No entanto, temos que admitir que existe uma possibilidade real de condenação. Se Cristo veio para nos salvar, veio para nos salvar de algo. Senão a sua vinda não teria sentido; se há salvação então tem de haver condenação, a existência de um dos conceitos supõe a existência do outro. Se não existisse a possibilidade de condenação, não seriamos verdadeiramente livres; não seria possível rejeitar a Deus, não haveria alternativa; seríamos umas marionetas condenadas a fazer o que Deus quisesse de nós.

Se não existisse a possibilidade de condenação, não haveria prémios nem castigos nem existiria diferença entre o bem e o mal. É óbvio que uma ação sem objetivo é fútil e não faz sentido; se uma coisa não é boa para alguma coisa não vale nada. A bondade não pode ter só valor por si mesma, tem que valer além de si própria.

Banir a ideia de recompensa e castigo da religião equivale a dizer que a injustiça tem a última palavra. Não é lógico que o fim do homem que se esforçou toda a sua vida por ser bom, tenha o mesmo fim do que não só não se esforçou, como foi deliberadamente mau. Significaria que Deus não se importa se os homens são bons ou maus. Digamo-lo de uma forma grosseira e sem rodeios: não adianta ser bom se olharmos para o mundo à nossa volta e concluirmos que talvez seja mais proveitoso ser mau, corrupto, desonesto, mentiroso, irresponsável, ladrão, criminoso e cruel.

A ideia de inferno existe em todas as culturas e religiões deste planeta. Por mais simplista que pareça, sem um juízo final no fim desta vida e a existência da eternidade do Céu para os bons e da eternidade do Inferno para os maus, cairia por terra a ideia do bem e do mal, do justo e do injusto. E se esta ideia desaparecesse do nosso coeficiente mental, não haveria neste mundo polícia nem exércitos suficientes para manter a ordem e a organização vigentes na nossa sociedade e conter os baixos instintos do ser humano. Reinaria a barbárie, a lei da selva, ou seja, do mais forte.

Sorte têm os ateus e agnósticos que vivem num mundo onde a maior parte das pessoas são religiosas e acreditam na existência de um Deus que é justo e bom e que os recompensará dos muitos esforços, sofrimentos, de não terem tomado a justiça nas próprias mãos apesar das injustiças sofridas. O Inferno existe, mas pode não ser, a fornalha ardente que todos pensam, mas sim, como o ilustramos neste artigo, o nada um buraco negro.

O que é o inferno
… Lançado à Geena, onde o verme não morre e o fogo não se apaga. Marcos 9,48

A ideia de um inferno que arde eternamente, onde as almas se queimam sem nunca se queimarem totalmente. Onde sofrem os tormentos da morte sem nunca morrer, tem aterrorizado incontáveis gerações de pessoas ao longo da História da humanidade.

Sabemos que não é Deus que condena, mas sim o homem que se autocondena, quando livremente escolhe o mal. Mesmo assim, como pode um Deus, descrito na Bíblia, como pai misericordioso e amoroso presenciar, impávido e sereno, um espetáculo de eterna tortura? As pessoas que estão a ser torturadas pedem a morte ao seu algoz para acabar o sofrimento; recusaria Deus dar um golpe de misericórdia se Lho pedissem?

Quando nenhum tribunal na terra condena à tortura o mais criminoso dos criminosos; quando a tortura mais leve e pelo mais curto espaço de tempo está totalmente proibida no mundo, como pode um Deus que é amor criar uma câmara de tortura eterna? Nos tribunais humanos a punição é proporcional ao crime. Uma eternidade de tortura como punição não é proporcional nem sequer a uma vida de 100 anos toda votada ao crime. Como pode o tribunal divino ser infinitamente mais injusto que os tribunais humanos?

Na Bíblia o Inferno não vem descrito só como sofrimento eterno, mas também como morte eterna. De facto, das 54 vezes que a palavra inferno é nomeada, só em 12 significa lugar de fogo e tormento, nas restantes significa sepulcro, ou seja, morte eterna. Como o homem teme mais o sofrimento que a morte, não é descartável um intuito pedagógico no apresentar o Inferno como sofrimento eterno, sabendo que, mais que a morte, o que o homem verdadeiramente teme é o sofrimento. Isto é claro na parábola do rico epulão e do pobre Lázaro, Lucas 16,19-31.

Logicamente, à vida eterna contrapõe-se a morte eterna, não o sofrimento eterno. Tanto amou Deus o mundo que enviou o seu próprio Filho para que todo o que crê não pereça, mas tenha a vida eterna. O texto diz não pereça ou morra, não diz não sofra João 3,16. Tudo o que arde é combustível e o combustível não pode arder eternamente sem de extinguir ou queimar.

A Geena era a lixeira de Jerusalém; o fogo nunca se acabava porque sempre estava a chegar outro lixo; o verme nunca morria porque o lixo se decompõe dando origem aos vermes. Ezequiel 18,4 Malaquias 4,1-3 e os Salmos 37,10 68,2; Mateus 13,40 sugerem que o fogo acaba com a existência, não os tortura indefinidamente.

Antropologia hebraica
Que o Deus da paz vos santifique totalmente, e todo o vosso ser - espírito, alma e corpo - se conserve irrepreensível para a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo. 1 Tessalonicenses 5, 23

A antropologia hebraica, subjacente à antropologia bíblica, é fundamentalmente unitária. Isto significa que pretende contemplar toda a realidade pessoal de uma determinada perspetiva. E assim a pessoa humana é, toda ela basal, isto é, carne. Em segundo lugar, a pessoa humana é nefes isto é, possui uma personalidade que podemos abordar do ponto de vista psicológico (psique). E, finalmente, a pessoa humana é também toda ela, ruah, isto é, espírito, na medida em que nos entendemos com um ser aberto ao transcendente. Desta antropologia do Antigo Testamento e, em última análise, unitária pois contempla toda a realidade humana de uma determinada perspetiva, encontramos um testemunho claro em 1 Thes 5.23.

A única objeção ao Inferno entendido como morte eterna é a crença grega da eternidade da alma que infetou o cristianismo até aos dias de hoje e que não tem nada a ver com a antropologia judaica na base da qual está escrita a Bíblia. Na antropologia judaica o homem não tem um corpo mortal e uma alma imortal; o homem é todo ele mortal se está fora de Deus e imortal se está com Deus.

Se a alma é imortal, então o inferno é tortura eterna, se a alma é mortal o inferno é morte eterna, pois à vida eterna não se contrapõe tortura eterna, mas sim morte eterna. Alguns teólogos católicos chegam a dizer que o inferno é o nada, mas não uma nada nihilista pós-moderno, algo assim como um analgésico que nos pouparia ao sofrimento de não ter vivido a vida que Deus nos tinha reservado, será um nada, mas um nada que dói como o fogo. Acho esta posição pouco diferente da clássica católica: o nada não pode doer e se dói não é nada, mas sim um eterno sofredor.

O Inferno como anti-génese ou morte eterna
Todas as vidas me pertencem, tanto a vida do pai como a do filho, todas me pertencem. O que pecou é que morrerá. Ezequiel 18, 4

Mas agora, que estais libertos do pecado e vos tornastes servos de Deus, produzis frutos que levam à santificação, e o resultado é a vida eterna. É que o salário do pecado é a morte; ao passo que o dom gratuito que vem de Deus é a vida eterna, em Cristo Jesus, Senhor nosso. Romanos 6, 22-23

O homem que se converteu numa alma vivente pelo sopro divino, Génesis 2,7 é advertido pelo mesmo Deus que se comer do fruto proibido morrerá Génesis 2,16-17; S. Paulo corroborando tantos outros textos bíblicos, afirma perentoriamente que o salário do pecado é a morte Romanos 6,23. Jesus diz-nos para não temermos os que só podem matar o corpo e nada podem fazer à alma. O que devemos temer é o que pode matar tanto o corpo como a alma. Mateus 10,28

O Inferno entendido como morte eterna preserva tanto a bondade de Deus como a liberdade do homem. Mas o que é a morte eterna? É regressar ao nada de onde tudo foi criado. Regressa livremente ao nada quem responde “Nada” às 3 perguntas que todo ser humano se faz quando atinge a idade de autoconsciência: De onde vimos? Para onde vamos? Que sentido tem a vida?

Quem nega a existência de Deus na sua mente e no seu coração dizendo que vimos do nada e vamos para o nada e depois o nega também no decorrer da sua vida, cultivando valores temporais caducos em vez de valores eternos, a morte eterna como regresso ao nada é o resultado lógico da sua vida. É difícil encontrar alguém que negue a Deus de uma forma tão radical na sua mente, no seu coração e nas suas obras e só estes se condenariam.

O homem foi criado à imagem e semelhança de Deus; por isso todos os valores humanos (amor, paz, justiça, música, arte, etc.) são atributos de Deus. Com o pecado reteve a imagem, mas perdeu a semelhança. Mas, à medida que cultiva, ou seja, que dá aos valores eternos a sua temporalidade, estes dão-lhe a sua eternidade e a semelhança com Deus.

Quem cultiva valores caducos como o poder, a riqueza, o prazer, está a viver só para si mesmo, e em vida, já está a cultivar a morte; está a investir na sua vida, comprando ações que não valem nada no mercado de valores do Céu; cultiva o nada e, quando eventualmente morrer, que pode esperar?

Quem vai para o inferno
Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, por não crer no Filho Unigénito de Deus. E a condenação está nisto: a Luz veio ao mundo, e os homens preferiram as trevas à Luz, porque as suas obras eram más. João 3, 18-19

Com a nossa morte, a fase espácio-temporal da nossa vida termina e começa a eternidade. Por isso tanto o Céu como o Purgatório e o Inferno não são lugares, mas sim estados. Assim como a água se encontra na Natureza em estado sólido, líquido e gasoso, assim a pessoa pode encontrar-se em estado de Céu, Purgatório ou Inferno.

Se o Inferno existe e a possibilidade de condenação é real; podemos deduzir pela famosa lei de Murphy que alguém se condenará. Só que a lei de Murphy não se aplica a Deus; para muitos o Inferno existe, mas não está lá ninguém nem ninguém vai para lá; cumpriria assim só a função que sempre teve de nos meter medo.

É um mistério que não conseguimos explicar nem nunca conseguiremos ter a ciência certa, o alcance da misericórdia divina e a liberdade humana e de como estas se conjugam finalmente. Da Escritura deduzimos que a possibilidade de se condenar é real e desta premissa partimos para responder à pergunta “quem são os que se condenam e vão para o Inferno?”

Nem todo o que me diz: “Senhor, Senhor” entrará no Reino do Céu, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está no Céu. Mateus 7, 21. Não podemos evitar a velha questão da fé e a das obras, que a um tempo dividiu católicos e protestantes. Somos salvos pela fé ou pelas boas obras que fazemos?

Vai para a geena o lixo, vai para o inferno quem não serve, o que não serve vai para o lixo, quem é lixo queima-se, destrói-se. Quem não vive para servir não serve para viver. Cristo mostrou o Caminho, Verdade e Vida quando disse “Eu vim para servir e não para ser servido”, os que na vida só são servidos e não servem ninguém, não servem para nada nem ninguém.

É sem dúvida a Fé que nos salva, mas não uma Fé simples constituída por um mero aceno positivo da nossa cabeça, mas sim uma Fé total ou holística. É um “Meu Deus eu creio adoro, espero e amo-Vos” … É uma Fé professada pela nossa mente, sentida no nosso coração, que se transforma em convicção nas nossas vísceras e se verifica nas nossas mãos, no nosso talante, no nosso comportamento e nas nossas ações.

A Fé que não é holística que é puro pensamento ou sentimento e nunca se concretiza, nem encarna, nem motiva, nem transforma a nossa vida. No nosso dia-a-dia é, como diz S. Tiago, uma Fé morta. Tiago 2, 14-26. O próprio S. João que no texto, acima citado diz no versículo 18 que quem não acredita já está condenado, afirma no versículo seguinte que a causa da condenação tem a ver com as obras más praticadas. As obras de facto podem chegar a substituir as palavras, mas as palavras nunca chegam a substituir as obras e até são desacreditadas por estas.

“De boas intenções está o inferno cheio”. É a posse de uma Fé holística que nos salva “ipso facto”. Só uma descrença holística poderia condenar-nos “ipso facto”. O mais provável é que poucos possuirão uma Fé total, assim como poucos possuirão uma descrença total. Uns afirmam a Deus só no pensamento, outros no pensamento e no sentimento, mas não O colocam nas obras; outros negam-n’O tanto no pensamento como no sentimento, mas afirmam-n’O nas obras.

Se a razão da vinda de Cristo ao mundo era para que o homem fosse autenticamente homem. Quem é verdadeiramente homem é como dizia Karl Rhaner na sua teoria dos cristãos anónimos, verdadeiramente cristão, mesmo não o sendo por batismo e confissão do Seu Nome. Pois ser cristão e ser homem autêntico são uma e a mesma coisa.

PURGATÓRIO
Numa aldeia um dia apresentou-se diante do pároco uma mulher que afirmava ter aparições de Deus. Querendo provas da autenticidade das aparições, o padre disse-lhe, “Da próxima vez que lhe apareça Deus, peça-lhe que lhe conte os meus pecados pois só Ele os conhece. A mulher voltou um mês depois, e o Padre perguntou-lhe se tinha voltado a ver a Deus; ao responder que sim ele continuou “E pediste-lhe o que te mandei?” “Sim disse ela; “E que te respondeu?” Que já se tinha esquecido.

A Bíblia fala do conceito de Purgatório, mas não se refere a ele como um lugar tal como se refere ao inferno. De facto, os nossos irmãos protestantes não acreditam na sua existência. O Purgatório é uma passagem, um processo. É assim que o vê e representa Dante na Divina Comédia. Não é nunca um lugar definitivo, mas um lugar de purificação, de purga. Definitivos são o Céu e o Inferno, mas quem está destinado ao Céu e ainda não está preparado para entrar porque negou a Deus na sua mente, no seu coração ou nas suas obras, deverá completar este processo para chegar à visão beatífica e à vida com Deus.

Deus não quer nem precisa do purgatório
… Perdoou-nos todas as nossas faltas, anulou o documento que, com os seus decretos, era contra nós; aboliu-o inteiramente, e cravou-o na cruz. Colossenses 2 13-14

“Anulou” pode dizer-se de duas maneiras em grego: kiastren que significa colocar um X por cima da fatura para dizer que já não é válida. Colocar um X por cima não me impede de ler a fatura pelo que é possível voltar atrás e considerá-la válida. A palavra que S. Paulo usa é exalaifein que significa apagar; naqueles tempos os documentos eram escritos em pele de cabra com uma tinta que podia apagar-se para voltar a usar a pele. A fatura foi então apagada não é possível lê-la e para que não reste a menor dúvida do perdão, S. Paulo acrescenta que foi destruída: esse é o significado de cravar na cruz.

Se Deus perdoa a quem se arrepende e pede perdão e esquece a ofensa, para que serve o Purgatório? Deus perdoa e esquece, nós, às vezes, perdoamos e esquecemos as ofensas dos outros; mas não perdoamos assim tão facilmente nem esquecemos as nossas ofensas. O Purgatório é o processo pelo qual chegamos a perdoar-nos a nós próprios.

Deus ama-nos mais do que nós nos amamos a nós próprios. Podemos chegar a amar os outros incondicionalmente, mas dificilmente nos amamos a nós próprios incondicionalmente; precisamos de provar a nós próprios o que valemos; deprimimo-nos quando a nossa vida não corre como gostaríamos e emitimos juízos de valor negativos sobre nós mesmos. O Purgatório é um processo pelo qual reconquistamos a nossa autoestima.

Jogando à bola na minha rua, parti o vidro à minha vizinha. A minha vizinha que é muito minha amiga diz-me para eu não me preocupar que não é nada. Eu aceito o perdão da minha vizinha, mas não me sinto bem enquanto não repuser o vidro, enquanto não pagar a despesa. O Purgatório é o processo pelo qual compensamos, contrabalançamos e satisfazemos as nossas dívidas.

Cristo expiou os nossos pecados, pelo que não precisamos já de os expiar; por outro lado, Deus perdoa e esquece: para que existe então o purgatório? Somos nós que não perdoamos e esquecemos os outros ou nós mesmos; o purgatório é uma exigência da nossa natureza. Vemos isso no Evangelho, no episódio da conversão de Zaqueu:

…”de pé, disse ao Senhor: «Senhor, vou dar metade dos meus bens aos pobres e, se defraudei alguém em qualquer coisa, vou restituir-lhe quatro vezes mais.». (Lucas 19,8) Jesus já tinha perdoado a Zaqueu, não lhe exigiu nada como preço desse perdão; o que Zaqueu ofereceu como expiação foi de sua livre vontade, como consequência da sua conversão e de ter obtido perdão, e não como requisito desta.

Habituados desde sempre a viver na escuridão do erro e do pecado, quando pela morte nos apresentamos diante da face de Deus, não aguentamos o seu resplendor; então por um tempo desviamos os olhos para gradualmente nos habituamos. O Purgatório é esse processo de purificação e habituação para chegar a ver a Deus cara a cara.

Salva-nos uma Fé que seja holística, ou seja, que afirme a Deus na nossa mente, amá-l’O no nosso coração, e ser-Lhe fiel no nosso comportamento e obras do dia-a-dia João 14,15. Inversamente, condena-nos um negar a Deus na nossa mente, odiá-l’O ou ser-lhe indiferente com o coração e viver para si, cultivando valores mundanos como o poder, o prazer e a riqueza, sem se importar minimamente com o outro ou até sendo-lhe adverso.

A maior parte de nós, se não todos, encontramo-nos vitalmente numa das mil e uma variações e gradações entre estes dois opostos; afirmamos ou negamos a Deus parcialmente, pelo que o Purgatório vem completar o que em vida deixámos incompleto. Seria injusto que alguém mesmo negando a Deus na sua mente e no seu coração, mas sendo um homem autêntico e filantropo, se condenasse. Como seria injusto que alguém que afirmou a Deus na sua mente e no seu coração, mas constantemente O negou nas suas obras, fosse direito ao Céu.

Homo simul justus et peccator disse Sto. Agostinho e repetiu Lutero muitos anos mais tarde. O homem em processo de aperfeiçoamento, depois de encontrar a Cristo como caminho, verdade e vida, vai sempre progredindo no caminho da santidade sem nunca vencer por completo o pecado. O Purgatório é o completar o que ainda falta para a perfeição.

Deus criou o Céu; o Purgatório e o Inferno foram criados pelos homens. O Purgatório para quem nega a Deus e o próximo parcialmente, e o Inferno para quem nega a Deus e o próximo totalmente; na sua mente, no seu coração e nas suas mãos; ou seja, nos seus pensamentos, nos seus sentimentos e nas suas obras.

Se um é agnóstico ou ateu, mas é um filantropo, ama o seu próximo e os seus semelhantes, então está salvo porque está amando a Deus indiretamente no seu próximo. Como o capítulo 25 de Mateus diz o que fizeste ou não fizeste aos outros, foi a mim que o fizeste ou não fizeste.

CÉU
O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, o coração do homem não pressentiu, isso Deus preparou para aqueles que o amam. 1 Coríntios 2, 9

O Céu como visão beatifica
Ver Deus significa, divinizar-se, cristianizar-se ou cristificar-se, revestir-se de Cristo como diz S. Paulo, tornar-se como Ele, ser do seu próprio nível. Por esta razão o que se diz em 1 João 3,2: “seremos como Ele porque vamos vê-lo como ele é”, torna-se realidade, como um presente, o que o homem pretendia "conquistar" no início da história (Génesis 3:5): ser como Deus. Porém, e tal como diz a bem-aventurança, este Deus só pode ser visto pelos puros de coração (Mateus 5, 8).

O Céu como vida eterna
A vida terrena, não é quantidade de anos, mas sim o cessar do tempo e do espaço. Como seres espácio- temporais, torna-se difícil entender o que possa ser uma vida para além do tempo e do espaço. Por isso é mais fácil dizer o que o Céu não é, do que o que o Céu é. A vida eterna, a vida no Céu ou em Céu, é finalmente a vida sem prazo de validade. Aquela vida a que Jesus se referia quando dizia “Eu vim para que tenhais vida e a tenhais em abundância” (João 10, 10).

Um voltar ao paraíso
O Céu é o nosso lar, a nossa casa é o paraíso que perdemos com o pecado que nos obrigou a andar errantes como filhos pródigos; o Céu é um voltar ao paraíso, e um restaurar a nossa dignidade de filhos de Deus, é voltar à casa paterna. É esta a nossa fé, a qual afirmamos milhares de vezes sempre que repetimos a doxologia: Glória ao pai e ao Filho e ao Espírito Santo, assim como era no princípio, agora e sempre, pelos séculos dos séculos, Ámen.

O corpo espiritual com que ressuscitamos
Isto é tudo muito confuso, explique-me lá senhor padre: quando morremos o nosso corpo vai prá terra, a nossa alma vai para o Céu e nós, para onde vamos nós?

O corpo que ressuscita é o corpo espiritual que é composto pela nossa vida histórica, a nossa identidade, o que vamos construindo, o que vamos fazendo, o que vamos encarnando e como vamos encarnando a palavra de vida do evangelho. A palavra de Deus é como um sistema operativo da nossa vida, fazendo-se patente em atos e atitudes, espiritualizando a matéria e definitivamente acumulando tesouros no céu.

Depois de Eisntein, que nos diz que a energia é uma forma de matéria, e que a matéria é uma forma de energia, é mais fácil acreditar na nossa existência como corpo espiritual. Na terra somos um corpo físico, somos matéria, no céu somos energia, um corpo energético, um corpo espiritual, virtual, mas real. O corpo espiritual é formado por tudo o que fomos, os valores humanos que cultivamos, o que fizemos e os tesouros acumulados no Céu enquanto vivíamos.

A metáfora da Borboleta - Na natureza há seres vivos que mudam de forma durante a sua vida; a rã é um deles, a borboleta é outro. A mudança de forma obriga também a uma mudança de meio, tanto no caso da rã como no caso da borboleta. A borboleta nasce sendo uma lagartixa que arrasta o seu ventre pela terra, comendo folhas até ao dia em que aparentemente morre.

O que aparentemente é uma morte é só uma mudança de forma que, guardando semelhanças com a anterior, é diferente da anterior. A nossa vida na Terra é como a da lagartixa, a nossa vida no Céu é como a da borboleta; o nosso corpo fisco é como o da lagartixa muito apegado à Terra o nosso corpo espiritual como o da borboleta mais livre, voando de flor em flor.

A metáfora da água – Se o Céu não é um lugar, mas sim um estado, serve-nos para descrever o nosso corpo espiritual os diferentes estados da água. A água, sem perder nenhuma das suas características sem deixar de ser o que é, sem modificar a sua essência, existe em três estados diferentes. Para a água, tal como para nós, uma coisa é a existência, outra é a essência. Sem modificar a sua essência, a água existe em três estados: sólido, líquido e gasoso.

Assim nós existimos no seio da nossa mãe, no seio do mundo e no seio de Deus. Temos formas diferentes nesses três estados como a água. A água é visível e tangível no estado sólido e no estado gasoso; nós somos visíveis e tangíveis no seio da nossa mãe e no seio do mundo, invisíveis no seio de Deus tal como a água em estado gasoso é invisível, permanecendo sempre a mesma água na sua essência.  

Como se cultivar a Vida eterna
Vai cercando qua, vai cercando là,
Ma quando la morte ti coglierà
Che ti resterà delle tue voglie?
Vanità di vanità.

Sei felice, sei, dei piaceri tuoi,
Godendo solo d'argento e d'oro,
Alla fine che ti resterà?
Vanità di vanità.

(…) Tutto vanità, solo vanità,
Vivete con gioia e semplicità,
State buoni se potete...
Tutto il resto è vanità.

Tutto vanità, solo vanità,
Lodate il Signore con umiltà,
A lui date tutto l'amore,
Nulla più vi mancherà.

Vai ver aqui, vai ver ali,
Mas quando a morte te apanha
O que resta dos seus desejos?
Vaidade da vaidade.

Se és feliz nos teus prazeres.
Vivendo apenas de prata e ouro,
No fim com que ficas?
Vaidade da vaidade.

(...) Tudo é a vaidade, e só vaidade,
Vivei com alegria e simplicidade,
Dai o melhor de vós mesmos
Tudo o resto é vaidade.

Toda a vaidade, só vaidade,
Louvando o Senhor com humildade,
Dá-lhe a Ele todo o vosso amor.
Que nunca vos faltará nada.

Angelo Branduardi
https://www.youtube.com/watch?v=BXcXyCeHOCo

“Ars lung vita brevis” (a arte é eterna, a vida é curta)
O amor é uma arte, todos os valores humanos são artes. Cultivando valores caducos temporais cultivamos a própria morte, cultivando valores eternos cultivamos a vida eterna. Dá-se uma simbiose: nós damos ao valor eterno a nossa temporalidade, o nosso tempo, a nossa energia ao nosso amor e dedicação, fazendo-o crescer e frutificar, levando-o a um expoente superior.

Assim fez Beethoven e Mozart fizeram com a música, Gandhi com a não violência, Picasso com a pintura. Esse mesmo valor eterno dá-nos a sua eternidade na memória dos homens e na memória de Deus. Tudo o resto, como diz Branduardi, é vanidade. 

Conclusão: Deus só criou o Céu. O Purgatório e o Inferno foram criados pelo Homem. O Purgatório para quem nega a Deus e o próximo parcialmente. O Inferno, não como tortura eterna pelo fogo, mas como morte eterna e regresso ao nada, para quem nega a Deus e o próximo totalmente, isto é, nos seus pensamentos, nos seus sentimentos e nas suas obras.

Pe. Jorge Amaro, IMC