1 de outubro de 2024

Cosmovisão dos Bárbaros


Para os Gregos, os povos ao norte das suas fronteiras, falavam uma língua que os gregos não entendiam. Para eles balbuciavam algo como um bar-bar, o que deu origem à palavra bárbaro, que passou a designar o estrangeiro. Mais tarde, para os romanos, o termo latino barbarus, era aplicado aos povos estrangeiros que não falavam latim e não seguiam as leis romanas e também não participavam da sua civilização.

Os bárbaros que conquistaram o Império Romano do Ocidente eram tribos germânicas que nunca criaram cultura ou civilização nem estiveram sequer interessados em criá-la. Falamos dos hunos, dos vândalos, de onde vem a palavra vandalismo, dos godos, dos francos, dos lombardos e dos saxões e, mais tarde, já em plena Idade Média, dos vikings. Apelidar estes povos de bárbaros pode parecer depreciativo, mas estes povos eram de facto bárbaros, com uma cultura bem primitiva comparada à greco-romana, poucos valores humanos, dedicavam-se a destruir, matar, roubar, pilhar e violar.

Como ainda não conheciam a escrita, embora ela já existisse há muito tempo, viviam ainda na pré-história, por altura da Idade do Ferro, sendo o ferro o elemento mais importante para as suas guerras. De resto, o seu desenvolvimento cultural ou civilizacional tinha um atraso de mais de 2 000 anos em relação à cultura greco-romana.

A Grécia podia ter considerado a invasão romana como sendo uma invasão bárbara, uma vez que já possuía uma cultura em geral muito mais desenvolvida que a romana, embora os romanos fossem melhores em coisas como a administração do Estado, o Direito e a Arquitetura. A invasão romana da Grécia não foi tida como uma invasão bárbara pelos gregos porque os romanos, apesar de poderosos, eram também mais humildes que os gregos ao não imporem a sua cultura, nem a sua religião nem a sua língua como os gregos tinham feito aos povos dominados.

Os romanos aceitavam a cultura dos outros, respeitavam e eram tolerantes com os seus usos e costumes, e às vezes deixavam, como no caso da Galileia, que fossem governados pelos seus próprios reis, desde que pagassem tributo a Roma. De facto, Roma só fez valer a sua cultura nos povos que a não tinham, ou seja, em todo o Ocidente. Por isso no Ocidente se falam hoje línguas neolatinas; o português, o espanhol, o italiano, o francês, o romeno e 50% da língua inglesa.

No Oriente prevaleceu o grego que foi mais tarde a língua do Império de Bizâncio, o Império Romano do Oriente que durou bastante mais tempo, sendo suplantado por um império político-religioso, o Império Otomano que só acabou depois da I Guerra Mundial.

Com a queda do Império Romano, o mundo ocidental mergulhou naquilo a que os historiadores ingleses chamam a Idade das Trevas. Em relação à Idade Antiga, a Idade Média representou um retrocesso a todos os níveis. Os bárbaros que conquistaram o Império só estavam interessados nas suas riquezas, não em construir uma cultura ou uma civilização. A cultura teve de refugiar-se e esconder-se nos mosteiros, onde foi preservada uma versão cristã do mundo antigo. A Idade Média pode ser vista como um longo período em que a Igreja pacientemente foi educando estes bárbaros que detinham o poder político, com a cultura greco-romana que tinha herdado.

Causas da queda do Império Romano
Dado que o Império tinha crescido desmesuradamente, era imenso e difícil de governar. No século III, o Imperador Diocleciano dividiu-o em dois, entre Ocidente com a capital em Roma e Oriente com capital em Constantinopla ou Bizâncio. A curto prazo esta parecia ser uma boa medida para melhor governar um império tão vasto. No entanto, com o tempo, as partes começaram a divergir; no Ocidente falava-se apenas o latim, no Oriente falava-se apenas o grego. Sem inimigos, o Oriente cresceu em poder e riqueza, enquanto que o Ocidente foi definhando pouco a pouco, tanto a nível económico como militar.

Uma das principais causas da queda do Império Romano do Ocidente foi a invasão dos bárbaros, protagonizada pelos povos germânicos que habitavam a região a leste das fronteiras do Império. Entre outras causas contam-se também a decadência da economia baseada nos escravos que trabalhavam a terra e eram artesãos, a desestruturação militar assim como o gasto militar em guerras fronteiriças que nunca terminavam.

O processo de entrada dos povos germânicos no Império Romano ocorreu inicialmente de forma gradual. A nordeste da Península Itálica, as fronteiras do Império Romano tinham como limite os rios Danúbio e Reno. Os povos e tribos que habitavam para além desses rios eram considerados pelos romanos como germanos.

Desde o tempo de César que os romanos tinham conhecimento da existência desses povos. Estavam organizados em clãs, não possuíam uma instituição estatal como a romana, e as suas leis eram baseadas na tradição, transmitida oralmente, pois não conheciam a escrita. Dedicavam-se à agricultura e ao pastoreio. Pelo clima frio em que viviam eram destemidos e aguerridos. Eram povos guerreiros, o que lhes valeu a fama de serem violentos e cruéis.

Ao princípio no espírito da famosa Pax Romana, os romanos estabeleceram pactos com estas tribos; como dissemos anteriormente, os romanos só estavam interessados no pagamento do tributo a Roma e, quando os povos dominados o faziam, era-lhes concedido um elevado grau de autonomia. Porém, com o enfraquecimento do poder central, estes povos foram adquirindo cada vez mais autonomia e independência, constituindo-se em autênticos reinos que a enfraquecida Roma já não tinha poder para enfrentar.

Por volta do ano 300 d.C., grupos bárbaros como os godos invadiram as fronteiras do Império. Os romanos resistiram a uma revolta germânica no final do século IV, mas em 410 o Rei visigodo Alarico saqueou com sucesso a cidade de Roma. O Império passou as décadas seguintes sob ameaça constante, antes de "a Cidade Eterna" ser invadida novamente em 455, desta vez pelos vândalos.

Finalmente, em 476, o líder germânico Odoacer encenou uma revolta e depôs o Imperador Romulus Augustulus. A partir daí, nenhum imperador romano voltaria a governar a partir de um posto na Itália, levando muitos a citar 476 como o ano em que o Império Ocidental sofreu o seu golpe mortal.

Origem das tribos germânicas
Os povos germânicos são originários das planícies da Dinamarca e do sul da Escandinávia. Existem vestígios de assentamentos humanos nesta zona que datam do Neolítico, quando o homem começou a controlar a Natureza, domesticando a terra e as plantas assim como algumas espécies de animais para o seu sustento.

Quando falamos de tribos germânicas, falamos de muitas tribos das quais as mais importantes são os hunos, os vândalos, os godos, os visigodos e os ostrogodos, os francos, os lombardos, os saxões e os anglo-saxões.

Os vikings eram também fundamentalmente uma tribo germânica que habitava mais a norte, na Escandinávia e que assolou a Europa como piratas durante a Idade Média, quando as tribos germânicas já estavam estabelecidas, formando os primeiros Reinos depois da queda do Império Romano.

Como a população germânica crescia e o Império enfraquecia, os povos germânicos começaram a emigrar em todas as direções, mas mais para o sul e oeste, em busca de melhores terras pois as suas já não chegavam. Ostrogodos, visigodos e lombardos entraram em Itália; vândalos, e francos e visigodos conquistaram grande parte da Gália e dos celtas que ali habitavam, vândalos, suevos e visigodos invadiram a Península Ibérica. Destes, os vândalos chegaram a estabelecer-se no norte de África, em Cartago e os alanos estabeleceram-se no Reno e nos Alpes.

Na Grã-Bretanha, os saxões uniram-se aos anglos e a outras tribos locais, formando os anglo-saxões que dominaram a Inglaterra até à conquista dos normandos, já na Idade Média. No resto das ilhas, Escócia, País de Gales e Irlanda continuaram a ser maioritariamente celtas. Os celtas não eram uma tribo germânica. Tinham cultura própria e habitavam a Europa Central. Eram os famosos habitantes da Gália, os gauleses conquistados por Júlio César. Também tinham invadido a Península Ibérica antes dos romanos, unindo-se aos primeiros povos que a tinham invadido, os iberos, provenientes do norte de África.

Cultura e organização das tribos germânicas
A sociedade germânica primitiva caracterizava-se por um rigoroso código de ética, que valorizava sobretudo a confiança, a lealdade e a coragem. Adquirir honra, fama e reconhecimento era uma ambição primordial. A independência, a autonomia e a individualidade eram valores muito enfatizados.

É provavelmente esta a razão pela qual os povos germânicos nunca constituíram um grande império ou mesmo um Estado germânico unificado. O ambiente em que os povos germânicos emergiram, nomeadamente a sua ligação à floresta e ao mar, desempenhou um papel importante na formação destes valores. A literatura oral germânica está cheia de desprezo por personagens que não conseguiram viver os ideais germânicos.

Na língua germânica, ger-man significa o homem da lança. Para os povos germânicos, a perda da lança ou do escudo era o equivalente à perda da honra. Os germânicos eram guerreiros por natureza, nasciam na guerra e para a guerra; desde pequenos, eram treinados na arte da guerra tal como os espartanos. A lealdade e devoção ao clã a que pertenciam e, por este, à tribo e ao seu líder, era um dos valores mais altos do germânico; este sentido de união conseguiu-lhes muitas vitórias.

A realeza é, portanto, um elemento fundamental que une a sociedade germânica. Como aconteceu com outros povos, a sua origem como instituição é sagrada e, por isso, o rei combina as funções de líder militar, sumo sacerdote, legislador e juiz.

A monarquia germânica era, em parte, eletiva; o rei era eleito pelos homens livres de entre candidatos elegíveis de uma família que pudesse traçar a sua ascendência até ao fundador divino ou semidivino da tribo. Embora a sociedade germânica fosse altamente estratificada entre líderes, homens livres e escravos, a sua cultura também enfatizava a igualdade. Ocasionalmente, os homens livres da tribo chegavam a anular as decisões dos seus próprios líderes.

Por influência do Império Romano, o poder dos reis germânicos sobre o seu próprio povo aumentou ao longo dos séculos, em parte porque as migrações em massa do tempo exigiam uma liderança mais severa.

Literatura
Como os germanos não conheceram a escrita antes do seu encontro com a cultura romana, a literatura germânica passava oralmente de geração em geração. O seu conteúdo estava ligado ao seu objetivo principal que era honrar os deuses ou louvar os antepassados tribais, chefes, guerreiros e seus associados, esposas e outros familiares.

Religião
Segundo o escritor romano Tácito, os povos germânicos adoravam principalmente "Mercúrio", mas também "Hércules" e "Marte". Estes eram geralmente identificados com Odin, Thor e Týr, os deuses da sabedoria, trovão e guerra, respetivamente. Também veneravam as deusas Nerthus e Freya.

As descobertas arqueológicas sugerem que os primeiros povos germânicos praticavam alguns dos mesmos rituais “espirituais” que os celtas, incluindo o sacrifício humano, a adivinhação e a crença na conexão espiritual com o ambiente natural que os rodeava. Como os romanos, havia uma diferença entre o culto doméstico e o culto da comunidade; em casa, o pai de família desempenhava o papel de sacerdote.

As cerimónias religiosas eram executadas em bosques, lagos e ilhas considerados sagrados, e não em templos; os povos germânicos não construíram templos para realizar os seus ritos religiosos. Para os sacrifícios oferecidos aos deuses, todo o tipo de gado era abatido, e até mesmo pessoas, sendo o sangue aspergido sobre o povo que depois fazia brindes aos deuses e comia a carne. As vítimas, tanto humanas como animais eram penduradas nas árvores. Uma das árvores do bosque seria a mais sagrada entre todas as outras e por baixo dela estaria um poço no qual um homem vivo seria sepultado.

Não se conhece nenhuma conceção comum a todas as tribos germânicas sobre a vida após a morte. Alguns acreditavam que os guerreiros heróis caídos iriam para Valhalla para viver felizes com Odin, enquanto que os maus poderiam perseguir os vivos depois de mortos; se isso acontecesse, teriam de ser mortos mais de uma vez para deixarem de perseguir os vivos. Provavelmente foi aqui que a série “Guerra dos Tronos” se inspirou para criar os “Walkers”, mortos-vivos que tinham de ser mortos pelo fogo para permanecerem mortos.

Depois da conquista do Império Romano, os povos germânicos foram-se paulatinamente convertendo ao cristianismo em diferentes períodos: os godos no século IV, os saxões nos séculos VI e VII, por pressão dos francos já convertidos; os dinamarqueses, sob pressão alemã, no decorrer do século X. O paganismo aguentou-se por mais tempo nas terras mais a norte, Islândia, Noruega e Suécia.

Conclusão: Apesar de levarem um atraso significativo de mais de 2000 anos em relação ao desenvolvimento cultural e à civilização greco-romana, os povos germânicos contribuíram para a Europa medieval com os seus valores de autonomia, independência e liberdade, fundamentados no princípio de que todos somos iguais em dignidade.

Pe. Jorge Amaro, IMC


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