7 de setembro de 2024

Acreditar depois de Sigmund Freud

A religião e o sentimento religioso permeiam todas as esferas do pensamento e da vida humana. Karl Marx viu os efeitos da religião ou de uma certa religião na economia e na relação entre pobres e ricos. Freud vê a mesma religião desde uma outra perspetiva, a dos traumas sobretudo os de origem sexual.

Se para Marx a religião aliena o ser humano desde uma perspetivas sociologia e económica, para Freud a alienação atua a nível inconsciente e psíquico, a religião é neste sentido uma ideologia que impede o ser humano de ser livre, de ser ele mesmo, de aceitar a realidade e de se aceitar como tal.

Biografia de Sigmund Freud (1856- 1939)
Sigmund Schlomo Freud nasceu em Freiberg, na Morávia, então pertencente ao Império Austríaco, no dia 6 de maio de 1856. Filho de Jacob Freud, pequeno comerciante, e de Amalie Nathanson, de origem judaica, foi o primogênito de sete irmãos.

Tal como o pai de Marx, o pai de Freud também era um cristão convertido do judaísmo. A este respeito chegou a dizer que sempre se tinha considerado alemão, até ao dia em que os judeus começaram a ser perseguidos. Já refugiado em Londres, considerava-se judeu.

Aos quatro anos de idade, sua família mudou-se para Viena, onde os judeus tinham melhor aceitação social e melhores perspetivas econômicas. Na universidade de Viena se formou em medicina e mais tarde um mestrado em neuropatologia. Da neurologia passou para a psiquiatria e desta para a +psicologia ao estudar o inconsciente até se dedicar exclusivamente à psicanalise.

Durante dez anos, Freud trabalhou sozinho no desenvolvimento da psicanálise. Em 1906, a ele juntou-se Adler, Jung, Jones e Stekel, que em 1908 se reuniram no primeiro Congresso Internacional de Psicanálise, em Salzburg.

A religião como neurose obsessiva
Freud vê a religião como uma repressão dos instintos básicos do homem, sobretudo do sexual. Isto acontece porque a religião perverte os instintos naturais do ser humano, declara-os maus, impuros feios, sujos e animalescos e, como tal, devem ser reprimidos.

A religião é também um código moral que culpa os indivíduos de sentirem e expressarem os seus instintos. - Este tema vai ser retomado por Nietzsche na sua contraposição moral dos escravos, ou seja, entre a moral judaico-cristã e a moral dos Senhores, por outras palavras, a ética natural.

Segundo Freud, esta repressão conduz inexoravelmente a uma neurose obsessiva: o corpo pede algo, a mente não lho dá, esta acaba por entrar em curto-circuito e os fusíveis fundem-se. Tal como para Marx o socialismo e o comunismo seriam a solução para a alienação da religião, para Freud a psicanálise vai resolver a questão - removendo os traumas do passado, a pessoa reconcilia-se com ela mesma e com a sua verdadeira natureza.

Tal como acontecia com Marx, também Freud pouco sabia de religião, olhando mais o papel desta numa sociedade repressora e puritana. A sua teoria é mais que tudo uma reação ao puritanismo, como a de Marx era uma reação ao capitalismo desumano da época resultante da primeira revolução industrial na Inglaterra onde até crianças trabalhavam nas fábricas de sol a sol.  

Até agora, o único que tratou o assunto religioso do ponto de vista teórico foi Feuerbach na sua obra “A essência da religião”. Parafraseando o título desta obra, Marx e Freud trataram o assunto religioso desde o ponto de vista existencial, ou seja, de como a religião era uma arma dos ricos contra os pobres (Marx) ou uma repressão da natureza humana pela ideologia puritana para controlar os instintos básicos.

A religião como uma ilusão infantil
Para Freud o sentimento religioso é uma ilusão infantil, algo assim como acreditar no Pai natal. A maturidade humana acontece quando a criança abandona o Princípio do Prazer e abraça o Princípio da realidade. A religião mantém o ser humano numa eterna infantilidade porque é uma ilusão não é real.

Na sua obra “O futuro de uma ilusão”, Freud está convencido de que a religião nada mais é do que uma quimera que teve a sua função no mundo antigo, mas da qual agora nos devemos livrar para encontrar a verdade. À medida que a ciência avança, o futuro desta ilusão tornar-se-á cada vez mais incerto.

O seu amigo pastor protestante Pfister provavelmente tendo em mente Pascal responde a esta obra dizendo: Se a realidade se resume a uma visão materialista e aleatória da vida, que futuro podemos esperar? Ao contrário, se a este mundo gelado e materialista veio um Deus de sabedoria e amor podemos desejar a felicidade aqui e agora e esperar por um futuro risonho.

O burro tem esperança de poder a vir a trincar a cenoura; a esperança é o que o motiva a esperança é o que lhe dá uma razão de vida. É a esperança em poder vir a comer a cenoura que motiva o seu presente que o faz andar para o futuro. O presente de andar para alcançar a cenoura é motivado pela esperança de a alcançar. Sem essa esperança o presente não teria sentido.

Quem não tem futuro, quem não tem esperança anda a roda. Dá voltas sobre si mesmo e dessa forma atinge o aborrecimento de sempre o mesmo, o enjoo e a náusea da qual os filósofos do nada falam, Nietzsche e Sarte. Sem futuro, o presente é nauseabundo por mais prazenteiro que seja. Assim o experimentou Sartre, Nietzsche antes dele e Camus depois dele: “se vens do nada, não há Fé, se vais para o nada, não há Esperança o mais certo é que não haja Caridade pelo que a vida carece de sentido, é nauseabunda.

Não tem sentido a vida do ateu que afirma que vem nada e vai para o nada. O que vive instalado na pura mundanidade, vive num presente sem passado nem futuro como aconselham as filosofias e espiritualidades do extremo oriente como o Budismo. Só os animais não têm passado memoria histórica e futuro um objetivo para a vida. Os humanos só são humanos se vivem os três tempos, passado presente e futuro em harmonia.  

A Fé em Deus Pai abre-nos à Esperança que encontramos no Filho pela sua ressurreição e motiva um presente de Caridade, fazendo-nos ver a Cristo em cada irmão. E quem vê o Filho vê o Pai, como Jesus disse a Filipe. A Esperança é a filha unigénita da mãe Fé, como Cristo é Filho de Deus Pai e, tal como o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, assim a Caridade procede da Fé e da Esperança.

As três virtudes funcionam na nossa vida como um GPS: a Fé, conecta-nos com Deus, a nossa estrela orientadora ou satélite, dizendo-nos onde estamos e o que somos, ou seja, pecadores. A Esperança diz-nos para onde queremos ir e o que queremos ser, isto é, Santos. A Caridade é o único meio e roteiro para chegar à santidade.

Freud parece não saber que o sonho comanda a vida
Eles não sabem que o sonho /é uma constante da vida/tão concreta e definida/como outra coisa qualquer, /como esta pedra cinzenta/em que me sento e descanso, /como este ribeiro manso, /em serenos sobressaltos, /como estes pinheiros altos, /que em oiro se agitam, /como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.


Eles não sabem que o sonho/é vinho, é espuma, é fermento, /bichinho alacre e sedento, /de focinho pontiagudo, /que foça através de tudo/num perpétuo movimento. (…)

Eles não sabem, nem sonham, /que o sonho comanda a vida. /Que sempre que o homem sonha /o mundo pula e avança /como bola colorida /entre as mãos de uma criança.
António Gedeão

Como diz António Gedeão, no extrato da sua poesia acima citado, o sonho comanda a vida. A ilusão é sonho de facto em espanhola ilusão não tem sentido de quimera de imaginação de algo falso, mas sim sentido de sonho de sonhar com um futuro melhor e já no presente fazer por ele, ou seja, trabalhar para que esse sonho se torne realidade.

O ser humano não se coloca problemas que não tenham solução, se existe um problema é porque existe a solução para ele, porque o que não tem solução, como diz o povo, solucionado está. Da mesma forma o Homem não sonha com impossíveis, não sonharia com a água se a água não existisse.

A própria teoria da relatividade de Einstein foi um sonho, foi uma intuição. Neste sentido o sonho é a antessala da realidade. O sonho é uma utopia no sentido grego da palavra, algo que não é realidade agora, mas que pode ser e muitas vezes é no futuro.

O melhor está para vir
É provável que o Senhor tenha criado a esperança no mesmo dia em que criou a primavera. Bern Williams

Não caminhamos para o ocaso das nossas vidas, mas para a aurora da vida eterna. Por isso, por mais felizes que estejamos, o melhor está para vir; por mais sofrimento que tenhamos, decrépitos, limitados, enfermos e velhos, o melhor está sempre para vir, não é aqui nas circunstâncias e vicissitudes do aqui e agora que colocamos a nossa confiança, pois sabemos que não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a futura (Hebreus 13,14)

Conta-se que uma paroquiada, mulher de muita fé e esperança na vida eterna, padecia de uma doença incurável pela qual lhe restava pouco tempo de vida. Preparou o seu funeral de tal forma que fosse para todos uma lição sobre a fé e a esperança que a animava. No caixão entre os dedos das suas mãos em vez de estar o Rosário, empunhavam uma faca e um garfo.

O sacerdote explicou ao povo que estava estupefacto pela sua ousadia e disse que ela durante os anos da sua vida não perdeu um jantar de gala da paroquia e que sempre que ia a devolver o prato como talher lhe diziam fique com o garfo e com a faca porque o melhor está para vir.

A morte, portanto, não é o fim, mas a passagem para o melhor que está para vir. Isso motiva a vida do cristão por mais doloroso e limitado que seja o seu presente.

Conclusão – Freud diz que a religião é uma ilusão infantil, como acreditar no Pai Natal… Mas o Pai Natal em que as crianças acreditam existe mesmo… é a imagem de Deus Pai que tanto amou o mundo que enviou o Seu Filho e foi Natal.

Pe. Jorge Amaro, IMC

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