20 de setembro de 2024

Acreditar depois de Nietzsche


"É pelas nossas virtudes que somos mais severamente punidos." - Nietzsche

Nietzsche aborda a sua crítica à religião partindo da moral ou ética, compreendendo que a moral não deriva da verdadeira natureza humana, mas sim de uma religião que impede o Homem de ser feliz. São as nossas próprias virtudes, ou o esforço que fazemos para as incarnar, que nos punem e nos tornam infelizes.

Biografia de Friedrich Nietzsche (1844-1900)

Nietzsche fez da moral e da religião o alvo dos seus combates, considerando que a sua guerra pessoal contra ambos foi a sua maior vitória. "Além do Bem e do Mal" é o centro dessa guerra, sendo o primeiro livro entre os seus escritos negativos e críticos, conforme ele próprio declara em Ecce Homo (1888), publicado postumamente.

Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em Röcken, Alemanha, a 15 de outubro de 1844. Era filho, neto e bisneto de pastores protestantes. Aos cinco anos, perdeu o pai e ficou aos cuidados da mãe, da avó e da irmã mais velha. Em 1869, com 25 anos, foi contratado pela Universidade da Basileia como catedrático de Filologia Clássica.

A Moral dos Senhores vs. a Moral dos Escravos
Nos seus livros Genealogia da Moral e Para Além do Bem e do Mal, Friedrich Nietzsche demonstra que a moral não é inata, imutável, nem derivada da natureza humana, mas sim um produto da História. Na pré-história, quando a linha entre o humano e o animal ainda não estava bem definida, alguns homens subjugavam outros pela lei do mais forte e mais capaz, uma regra que vigorava entre os animais. Os vitoriosos tornavam-se senhores, enquanto os derrotados se tornavam escravos.

Os senhores, ao triunfarem, julgavam a realidade com base em si mesmos e nos seus atos, devido à posição privilegiada que conquistavam após a vitória. Para eles, o "bom" era tudo aquilo que representava a sua forma de ser e agir: a violência, a guerra, a aventura, o risco, o poder, o prazer, a crueldade, a força física, a ação, a liberdade e a autonomia. Estes valores é que os colocavam numa posição de superioridade em relação aos outros.

Os senhores, aqueles que podem, querem e mandam, exteriorizam todos os seus instintos, agindo sem limitações. Podem matar, roubar, violar, banquetear-se e embebedar-se, pois ninguém os questiona — são eles que ditam a lei. Um exemplo disso, ainda nos dias de hoje, é o patrão, que tem mais liberdade para expressar os seus instintos em comparação com o empregado.

Os sacerdotes, ressentidos pela derrota e desejosos de vingança, ao não conseguirem vencer fisicamente os nobres, elaboram um plano para os superar mentalmente. Como a raposa que, não conseguindo alcançar as uvas, as declara verdes, assim fazem os sacerdotes à moral dos senhores.

Desta forma, nasce a moral dos escravos, que, não conseguindo impor-se no mundo real, inventam um mundo ideal, ascético, espiritual — Deus. Refugiam-se em mosteiros e negam a vida real, afirmando ser esta um "vale de lágrimas", para se concentrarem na vida do Além, onde serão felizes novamente. Negam a terra para afirmarem o céu, transferindo o valor da vida para fora da própria existência.

Em nome de Deus e da vida futura, abdicam desta vida, dos seus instintos sexuais, do poder, do prazer, e de tudo o que antes possuíam quando eram senhores. Os valores passam a ser o pacifismo, a humildade, a obediência, a pobreza, a prudência, o jejum, a abstinência, a igualdade e a fraternidade.

Nietzsche identifica os judeus como um "povo sacerdotal", e a moral dos escravos é, de facto, a moral do judaico-cristianismo, que gradualmente se impôs. Tanto o judaísmo quanto o cristianismo nasceram da escravidão: os judeus foram escravos no Egito, e os cristãos, durante séculos, foram a classe mais pobre, perseguida pelo Império Romano, até prevalecer sobre ele.

A moral dos senhores é autónoma, com valores definidos a partir da experiência individual; já a moral dos escravos é heterónoma, com valores impostos externamente, surgindo de normas como "Deus disse" ou "a Bíblia manda". A moral dos senhores é vital, baseada no corpo e nas suas necessidades e apetites; enquanto a moral dos escravos é abstrata, negando e sacrificando a vida real.

Teísmo e Ateísmo
No que diz respeito à existência de Deus, Nietzsche segue os passos dos seus predecessores ateus. Para ele, a fé em Deus provém de um sentimento de impotência que o Homem experimenta em relação às realidades que o cercam.

Feuerbach, Marx e Freud, por exemplo, tiveram ligações ao cristianismo, seja pela sua formação teológica ou pela conversão dos seus pais. Parece que o ateísmo nasce do teísmo, ou é uma espécie de teísmo invertido, uma dialética semelhante à relação entre matéria e antimatéria no universo.

O ateu vive insatisfeito, sempre assombrado pela dúvida, à procura de mais provas para se convencer de que Deus não existe. O teísta também duvida, mas essa dúvida culmina num cogito ergo sum. O teísta opta por acreditar, encontrando na fé um sentido para o universo, o mundo e a sua própria vida, enquanto o ateu se instala no vazio, o que pode causar tormento e sofrimento.

Nietzsche, por exemplo, acabou os seus dias louco. Outros ateus preenchem esse vazio com a busca de poder, prazer, beleza ou dinheiro, dedicando-se quase religiosamente a essas causas. Muitos ateus, na verdade, podem ser considerados mais politeístas do que propriamente ateus.

Conclusão
Ao contrário do que Nietzsche propunha, a moral dos senhores, caracterizada por excessos e pela exaltação dos instintos, não conduz à verdadeira felicidade, mas sim a um vazio existencial. A moral cristã, longe de ser uma moral de submissão ou escravidão, fundamenta-se no amor e no cultivo de valores que dignificam o ser humano. Sem amor e sem a prática consciente desses valores, o homem não transcende a mera condição de ser vivo; permanece num estado de sobrevivência, privado de significado e propósito autêntico.



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