1 de setembro de 2012

Acreditar depois de Karl Marx

"Até aqui, os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras; o que importa é modificá-lo."Karl Marx

Karl Marx é mais sociólogo e economista do que filósofo. Embora continue a reflexão filosófica ateísta, aceita as ideias de Feuerbach e procura aplicá-las nos campos da economia e sociologia na sua crítica ao capitalismo. Como ele próprio afirma, não está interessado em teorias que não tenham uma aplicação prática com o intuito de mudar o mundo.

Está interessado em compreender qual tem sido o desempenho da religião ao longo do tempo, para que tem servido e a quem tem servido. Descobre que tem sido um instrumento de opressão usado pelas classes dominantes contra os mais pobres. Esta é uma visão simplista, que até o próprio Marx deve ter reconhecido, mas é a que melhor serve a sua teoria. Ou seja, o materialismo dialético ao serviço do materialismo histórico.

Biografia de Karl Marx (1818-1883)
Karl Marx nasceu em 1818 na cidade de Tréveris, então território da Prússia, no seio de uma família de classe alta alemã. O seu pai foi um bem-sucedido advogado e conselheiro de governo. Aos dezassete anos, Marx ingressou no curso de Direito na Universidade de Bonn, seguindo os passos do pai.

No entanto, o jovem universitário envolveu-se em festas e numa vida boémia. Para interromper esse estilo de vida, Heinrich Marx, seu pai, transferiu-o para a Universidade de Berlim. Lá, o contestatário e desafiador Marx descobriu a Filosofia, área em que se licenciaria.

Aos 23 anos, Marx defendeu a sua tese em Filosofia, obtendo o título de doutor, o que lhe permitiu ingressar na carreira académica. Contudo, devido às suas críticas ao governo prussiano, foi impedido de lecionar em universidades, obrigando-o a trabalhar como jornalista.

As posições radicais de Marx levaram a que fosse expulso de vários territórios prussianos, alemães e franceses, sendo definitivamente expulso de Colónia, na Alemanha, em 1848. Já na Inglaterra, nesse mesmo ano, publicou o "Manifesto Comunista" em conjunto com Engels. Desde 1843 até ao fim da sua vida, Marx sobreviveu das heranças, da ajuda de Friedrich Engels e de artigos que escrevia ocasionalmente para jornais. Foi em Londres que escreveu a sua obra mais importante: "O Capital".

A Religião como Ópio do Povo

Filho de um judeu convertido ao cristianismo protestante, Marx chegou a casar-se pela Igreja. No entanto, foi um revolucionário. Na sua obra emblemática, “O Capital”, analisou os males do capitalismo e viu na religião um obstáculo ao progresso, ou seja, à evolução do capitalismo em direção ao socialismo e comunismo.

Marx concorda plenamente com Feuerbach: Deus é uma projeção do homem, e a religião é então “o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma época sem espírito. Ela é o ópio do povo.” Além de ser uma projeção, a religião é uma droga, um comportamento alienante que nos impede de sermos nós mesmos, de tomarmos as rédeas do nosso destino ou o leme do nosso barco. Em conclusão, constitui um entrave ao progresso.

O ateísmo de Marx é mais económico e social do que filosófico. Ele não tem interesse na essência da religião, seja ela judaica ou cristã, e de facto desconhece Cristo e os princípios sociais do cristianismo.

O que lhe interessa é o papel que a religião desempenha na sociedade. Portanto, o ateísmo de Marx pode dever-se ao tipo de religião praticada naquela época, que em si mesma poderia ter pouco a ver com o cristianismo de Cristo. De facto, a sociedade comunista sem classes do futuro poderia muito bem ser a Terra Prometida dos judeus, o Reino de Deus de Jesus de Nazaré e dos cristãos.

O que em Feuerbach era apenas uma ideia filosófica, em Marx é um manifesto, uma ideia operativa. No entanto, é preciso ressalvar que Marx acreditava firmemente que tanto o capitalismo quanto a religião cairiam por si só, sem necessidade de intervenção, como um fruto que amadurece, apodrece e cai da árvore.

Contudo, os seus seguidores entenderam que era preciso dar-lhes um empurrão, e foi precisamente isso que Lenine, Estaline e Mao Tsé-Tung fizeram com o ateísmo militante, que resultou na morte de milhões de pessoas durante a maior parte do século XX. O pobre Marx, ao perceber ainda em vida que havia tantas versões das suas teorias, chegou mesmo a declarar-se não marxista.

Escuta, Marx
A Marx, eu diria que até agora foram mais os religiosos que trouxeram benefícios à humanidade do que os ateus, que trouxeram gulags, ditaduras e perseguições religiosas, resultando na morte de cerca de 30 milhões de pessoas durante o século passado. A religião pode ser vivida como ópio do povo quando desligada da vida e da realidade social; porém, ópio do povo, na sua essência, não é.

Como dizia Karl Marx, o ser humano é o momento em que a Natureza ganha consciência de si mesma. De todos os seres vivos, somos os únicos com capacidade para pensar e com algum domínio sobre o nosso destino e a nossa vida. Não faz sentido que o nosso destino seja o mesmo do piolho e da pulga: o nada. Se assim fosse, eu e muitos outros preferiríamos não ter nascido, a partilhar com o piolho, a barata e a pulga o mesmo destino: o nada.

Aqui se verifica o absurdo do ateísmo: não faz sentido que um Universo ordenado inteligentemente, que progrediu até à vida humana, tenha o mesmo destino que o resto dos seres vivos. Para que teríamos chegado até aqui? Para termos maior consciência da nossa miséria e sofrermos mais que todos os seres vivos?

Precisamente no momento em que temos consciência de nós mesmos, da nossa existência e do poder relativo que temos sobre ela, também nos damos conta de que um dia morreremos, ou seja, de que um dia deixaremos de existir. Ao menos os animais, que também morrem, são poupados a este sofrimento. Não pensam, não sabem que existem e não sabem que hão de morrer.

Por que motivo temos consciência? Para experimentarmos de forma masoquista o sofrimento, a dor, a angústia e a ansiedade perante a morte, a nossa condição miserável em relação aos outros seres vivos?

Os animais não têm nenhum poder sobre as suas próprias vidas: a Natureza colocou-lhes no sistema um “chip”, o instinto, que governa automaticamente as suas vidas. Os seres vivos viajam em piloto automático; não podem enganar-se, nunca estão certos nem errados, ou melhor, estão sempre certos, sempre realizam a vocação para a qual foram criados. Ao contrário deles, os seres humanos têm algum poder sobre as suas vidas e podem transformá-las num céu ou num inferno ao se equivocarem. Não seria melhor vivermos também nós em piloto automático, visto que todos temos o mesmo destino?

Para os animais, a Natureza é uma mãe pródiga, que tudo lhes dá e até os veste. Ao sair do ventre das suas mães, já têm tudo o que precisam para viver. O ser humano nasce como o mais vulnerável e desamparado de todos os seres vivos e leva muito tempo até atingir a idade adulta: anos de educação, escola e universidade, e depois, para sobreviver, tem de trabalhar grande parte do dia para ganhar o pão com o suor do seu rosto, enquanto os nossos congéneres animais comem, dormem e se divertem. Para quê tudo isto? Não seria melhor a vida do animal se tudo acabasse em águas de bacalhau?

Conclusão
Embora certo tipo de religião possa tornar-se alienante, a religião de Jesus, longe de ser ópio, é o fermento de um mundo mais fraterno, baseado na igualdade e na justiça.o isto? Não seria melhor a vida do animal se tudo acabasse em águas de bacalhau?

Pe. Jorge Amaro, IMC


 

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