15 de maio de 2018

CNV - Sentir sem subterfúgios


O que são as emoções ou sentimentos?
Sentimentos ou emoções, são sinais que recebemos do nosso corpo ou do nosso espírito, alertando-nos para o estado atual das nossas necessidades - satisfeitas ou insatisfeitas.

Como provêm tanto do corpo como do espírito, podem consistir em sorrisos, olhares, expressões faciais, dores de cabeça ou estômago, e emoções como raiva, medo, frustração, culpa, deceção.

Só há uma natureza humana que não muda, nem ao longo do tempo, de geração em geração, nem ao longo do espaço, de cultura em cultura ou civilização: os sentimentos ou emoções, tal como as necessidades que lhes são subjacentes, são universais. Todas as pessoas têm as mesmas emoções ou experimentam os mesmos sentimentos, porque estes derivam dessa natureza humana que não muda.

A chave para identificar e expressar sentimentos é concentrarmo-nos em palavras que descrevam a nossa experiência interior, em vez de palavras que descrevam as nossas interpretações das ações dos outros. Por exemplo: "sinto-me só" descreve uma experiência interior, enquanto que "sinto que tu não me amas" descreve uma interpretação dos sentimentos do outro.

Sentimentos e pensamentos
Os pensamentos são processos cognitivos ou intelectuais que visam a descoberta da verdade; seguem um procedimento dialético, lógico e dedutivo que parte de uma ou mais premissas e leva a uma conclusão que, às vezes, é uma decisão. Os pensamentos podem ser abstratos, mas a maior parte das vezes debruçam-se sobre realidades qualificáveis, quantificáveis e verificáveis.

Quanto à sua natureza, podem incluir crenças, ideais, opiniões, projetos. Os sentimentos são o que de mais pessoal e intransferível existe no ser humano; os pensamentos podem ser copiados, os sentimentos não: de alguma forma, estão sujeitos a “copy-right” ou direitos de autor.

Le cœur a ses raisons que la raison ne connaît point – Como muito bem entendeu Pascal, os sentimentos são mais difíceis de definir, pois não surgem da cabeça, mas vêm do profundo do nosso ser. Não são provocados por nós, ou seja, não estão sujeitos à nossa vontade, não há nada que eu possa fazer para sentir uma emoção particular. Os sentimentos afloram à nossa consciência, automaticamente, sem querermos e sem serem anunciados: são imprevisíveis. Precisamente por causa disto, os sentimentos ou emoções não foram objeto de estudo de nenhuma ciência, nem mesmo da psicologia.

De certa forma, não somos responsáveis pelos nossos sentimentos pois não temos nenhum poder sobre eles nem podemos produzi-los, evitá-los ou apagá-los; no entanto, eles são nossos, porque vêm de dentro de nós e não são provocados por outras pessoas ou circunstâncias.

Quando afloram à nossa consciência não nos resta outra alternativa senão assumi-los e responsabilizarmo-nos por eles. São alertas valiosos, mensageiros do nosso estado tanto físico como moral e espiritual. Ignorá-los é estar divorciados de nós mesmos, é não saber a quantas andamos, é estarmos perdidos. Os nossos sentimentos são um dedo apontado para uma necessidade satisfeita ou insatisfeita.

Espiritualmente, os sentimentos são um pouco como a própria vida: como não temos poder sobre a nossa vida, também o não temos sobre os nossos sentimentos; não podemos comandá-los, não podemos deixar de sentir ou começar a sentir qualquer sentimento especial; tal como acontece com a vida, a única coisa que podemos fazer é administrá-los.

Ao fazê-lo, podemos optar por ignorá-los, reprimi-los, escondê-los ou expressá-los. Para isso, precisamos ter alguma inteligência emocional para os identificarmos e nomearmos. Alguns são hábeis nesta tarefa, porém a maioria, em virtude da nossa educação e formação cultural, é emocionalmente analfabeta.

Os indivíduos “cerebrais” tendem a ver o mundo a preto e branco, não gostam da imprecisão. Entendem que as pessoas são muito incertas e inconstantes, pelo que tendem a concentrar-se mais em coisas tangíveis, fáceis de conceptualizar, buscando a verdade, quantificando e qualificando, aplicando regras gerais. Estas pessoas são vistas pelas sentimentais como frias, sem coração, pedantes e robôs calculistas.

Os emocionais ou sentimentais estão mais voltados para as relações e considerações sociais; estão à escuta do seu coração e têm em conta os sentimentos dos outros. Para os sentimentais, as coisas materiais valem na medida em que estão ao serviço da existência humana que é o mais importante.

No trabalho são sociáveis e prestáveis, as suas decisões baseiam-se mais em valores humanos que em regras gerais. Para os cerebrais, os sentimentais não são pessoas confiáveis, pois os sentimentos são volúveis.

No interior da pessoa humana, os pensamentos e sentimentos estão destinados a entenderem-se porque estão tão interligados que uma confusão emocional é também uma confusão mental. As pessoas emocionalmente sensíveis tendem a ver e experimentar o mundo através das suas emoções. Alguns sentem, mas não conseguem nomear ou identificar as emoções nem as razões ou causas delas. Por outro lado, como as emoções são a sua principal maneira de experimentar os eventos de vida, podem chegar a rotular os seus pensamentos como emoções.

Por exemplo, quando alguém diz, “sinto-me estúpido," tanto o pensamento como o sentimento são expressados de forma inadequada. Entendendo a expressão como pensamento, seria "sou estúpido"; como sentimento, está relacionado com vergonha, tristeza ou dor. Se uma pessoa sente emoções, mas não consegue rotulá-las, torna-se mais difícil lidar com elas. Os rótulos ou etiquetas são fundamentais na gestão das emoções.

Alfabetização emocional – o afetivo é eficaz
A nossa cultura não nos treina para identificarmos sentimentos e, frequentemente, não sabemos como nos sentimos; não temos palavras para expressar o que sentimos emocionalmente ou sentimentalmente, pelo que somos iletrados.

Ser emocionalmente letrado significa saber diferenciar pensamentos e sentimentos, assim como ser capaz de nomear os nossos sentimentos e os dos outros, avaliar a sua intensidade, o que os causa e o que fazer com eles, assumindo a responsabilidade pela forma como os nossos sentimentos pode afetar os outros. É também ser capaz de lidar com as nossas emoções e com as dos outros, de maneira a melhorar a qualidade de vida de ambas as partes. A alfabetização emocional consiste em fazer com que as nossas emoções atuem a nosso favor e não contra nós.  Melhora as relações humanas, cria laços afetivos entre as pessoas, facilita o trabalho em grupo, possibilita a cooperação entre indivíduos desenvolvendo o sentido de comunidade.

Todos temos algo a aprender sobre as nossas emoções. Algumas pessoas crescem com um alto nível de alfabetização emocional, outros são emocionalmente analfabetos. As emoções existem como parte essencial da natureza humana: quando estamos desconectados delas, perdemos um aspeto fundamental do nosso potencial humano. É no reconhecimento e gestão dos nossos sentimentos e na resposta adequada às emoções dos outros, que aumentamos o nosso poder pessoal, tanto na vida profissional como na vida privada.

Ser emocionalmente letrado significa estar capacitado para identificar as emoções que eu e os outros sentimos, a sua intensidade, o que as causa e o que fazer com elas; ser emocionalmente letrado significa saber como lidar com as nossas emoções porque as compreendemos. Também significa desenvolver empatia e aprender a assumir a responsabilidade pela forma como as nossas emoções afetam os outros.

Os jornais estão cheios de histórias de como pessoas bem-sucedidas e inteligentes cometem graves erros emocionais, acabando por arruinar a sua vida. Emoções como a raiva, o medo, a vergonha, o prazer sexual, fazem com que pessoas espertas se comportem de maneira estúpida.

Verdadeira fortaleza
Não descubras o teu peito/ por maior que seja a dor /pois quem o seu peito descobre/ de si mesmo é traidor.

Todos em geral, mas mais os varões, crescemos ignorando as nossas emoções ou sentimentos, na crença de que é vergonhoso, fraco e assustador falar sobre eles. O que fazemos connosco fazemos com os outros, pelo que igualmente desprezamos e ignoramos as emoções e os sentimentos dos outros quando estes têm a coragem de os expressar.

A nossa cultura tende a reservar a vivência dos sentimentos para o seio da família. Fora desta, na vida profissional, no trabalho e nas relações sociais públicas não se devem expressar, pois estas relações querem-se funcionais, neutras, inócuas, impessoais; na esfera da vida pública não se aconselha a que nos envolvamos pessoalmente e, por isso, usamos um sem número de máscaras, que fazem de nós robôs e das nossas relações uma farsa.

Como os sentimentos dizem mais de nós que os pensamentos, a tendência é escondê-los, pois seria dar parte de fraco mostrar o nosso lado vulnerável e ser presa fácil nas mãos dos outros. Só nos abrimos com os amigos e, mesmo com estes, estamos de pé atrás, não vá dar-se o caso de serem falsos; “Livre-me Deus dos meus amigos que dos meus inimigos me livro eu”.

Quando vires a sombra de um gigante, olha a posição do sol para ver se não se trata da sombra de um anão. (Friedrich Novalis)

Aplicamos a lógica que funciona entre os animais: diz-se que um cão consegue farejar o nosso medo e, quando isto acontece, ataca-nos mais facilmente. Escondemos a nossa debilidade projetando uma identidade que não é a nossa. Um jogo que pode não ser bem-sucedido, pois se o outro o percebe terá todo o gosto em nos tirar o tapete debaixo dos pés e assim obrigar-nos assumir a nossa verdadeira identidade com vergonha e desonra.

Por isso me comprazo nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições e nas angústias, por Cristo. Pois quando sou fraco, então é que sou forte. 2 Cor 12, 10

Para Rosenberg, longe de ser contraproducente revelar os nossos sentimentos, é antes uma mais valia. Cita vários exemplos para provar o que já S. Paulo tinha percebido dois mil anos antes: quando assumimos as nossas debilidades com valentia, passamos a ser fortes pois estamos na verdade; e não há posição mais vulnerável que colocar-se na mentira e projetá-la para os outros.

Rosenberg refere a visita que fez a uma escola secundária, para falar da linguagem não violenta; ao entrar numa sala de aulas, os alunos, que até então estavam animados a conversar uns com os outros, ficaram em silêncio; Rosenberg disse “bom dia” e ninguém respondeu, o silêncio era sepulcral. “Senti-me desconfortável” diz, mas prosseguiu de uma forma profissional como se nada fosse. A turma não parecia interessada no seu discurso e cada um continuou a fazer as suas coisas; o desconforto foi aumentando, mas Rosenberg ignorou-o.

Por fim, um aluno confrontou-me dizendo “Não gostas de negros, pois não?” Apercebi-me imediatamente, diz Rosenberg, que eu tinha sido o culpado desta falsa perceção por parte dos estudantes porque pretendi esconder o desconforto que eu sentia por não estar a conseguir ligar-me com eles. O meu erro foi pretender esconder o que a minha linguagem corporal revelava claramente; o erro dos estudantes foi em interpretar essa linguagem corporal como racismo da minha parte.

Reconhecendo desta vez os meus sentimentos respondi: “Sinto-me nervoso, mas não porque sejais negros, mas sim porque não conheço nenhum de vocês e estava ansioso se iria ou não ser aceite”. Esta expressão de vulnerabilidade foi a varinha de condão que transformou uma turma desinteressada no tema, numa turma participativa e interessada.

Houve um tempo em que se dizia que os homens não choram e em psicologia não se estudavam as emoções pois entendia-se que era impossível abordá-las cientificamente. Depois que vimos lágrimas nos olhos de algumas figuras públicas, em especial de políticos, depois que Daniel Goleman publicou um livro chamado “A Inteligência Emocional” que foi um “best seller”, os sentimentos são agora mais valorizados e já não são tão associados à fraqueza, mas sim ao caráter humano. Ser humano é ser capaz de compaixão e misericórdia ante o próprio sofrimento e o sofrimento dos outros.

Os psicopatas podem facilmente operar sem as restrições que limitam os outros mortais. Podem mentir, roubar, extorquir, mutilar e matar sem se sentirem culpados. Quando ganham poder sobre outras pessoas, podem tornar-se extremamente perigosos. Recordemos o imperador romano, Calígula, Adolf Hitler ou Estaline. A História está repleta de exemplos que se encontram em todas as facetas da vida individual, familiar, na política, nos negócios, nas ruas, etc.

Lista de sentimentos quando as nossas necessidades não estão satisfeitas
Zangado – irritado – em causa – confuso - dececionado – desanimado - angustiado - envergonhado - frustrado - indefeso - infeliz – impaciente - irritado - solitário - nervoso - oprimido - perplexo - relutante – triste - desconfortável - confuso

Lista de sentimentos quando as nossas necessidades estão satisfeitas
Maravilhado - confortável - otimista - confiante - energético – repleto – realizado - inspirado – alegre - feliz esperançoso – orgulhoso - aliviado – grato - surpreendido - sensibilizado - confiante

Identificação de sentimentos
Expressão de sentimentos que contêm uma autoavaliação
“Sinto que não fui tratado com justiça” - Rosenberg adverte para o facto de, frequentemente, confundirmos pensamentos com sentimentos. Por isso, quando a expressão “sinto…” é seguida por qualquer outra palavra que não um adjetivo, não estamos a expressar sentimentos, mas sim pensamentos ou opiniões: “Sinto-me como se estivesse a falar com uma parede” é um pensamento disfarçado de sentimento. Por outro lado, para expressar um sentimento, nem precisamos de dizer “eu sinto”, podemos expressá-lo diretamente: em vez de “sinto-me irritado” pode dizer-se simplesmente “estou irritado”.

Sinto que sou um fracasso como guitarrista” – Não estou a expressar um sentimento, mas uma autocrítica depreciativa da minha habilidade como guitarrista. O sentimento seria, “sinto-me frustrado (impaciente, dececionado) comigo mesmo por causa do meu desempenho na minha última atuação.

Expressão de sentimentos que contêm uma avaliação dos outros
“Sinto que não sou importante para o meu patrão” – Esta é uma descrição de como eu acho que o meu patrão me avalia, não a genuína expressão de um sentimento que seria “sinto-me triste ou desencorajado”. Quando expressamos sentimentos, os outros não fazem parte da equação, pois, como dissemos, os sentimentos são o que há de mais pessoal e privado. Os outros podem espoletar em nós sentimentos, mas a causa destes está sempre em nós e não nos outros.

“Sinto-me incompreendido” – Eis mais uma avaliação da capacidade de compreensão do outro; o sentimento seria “sinto-me ansioso, ou irritado”.

“Sinto-me ignorado” – Mais uma vez, esta é uma interpretação negativa das ações dos outros. A mesma situação ou evento poderia ter duas leituras opostas: se gostamos da pessoa que nos ignora, sentimo-nos magoados, pois queríamos estar envolvidos, mas se não gostamos da pessoa que nos ignora até nos sentimos aliviados.

Para evitar confusões, evitemos a expressão “sinto…” para não cairmos na tentação de expressar um pensamento ou uma avaliação; pelo contrário, usemos o nosso vocabulário emocional e expressemos diretamente o adjetivo que melhor qualifica o nosso estado de espírito: “estou confuso, estou preocupado…”

Como se relaciona a observação com os sentimentos
Depois de ter expressado ao nosso interlocutor o que objetivamente observámos, implicamo-nos pessoalmente nessa observação, não emitindo uma crítica ou uma avaliação, mas expressando o sentimento que a observação desencadeia em nós, nomeando a emoção ou o sentimento que experimentamos, sem nenhuma apreciação moral, o que permite ligarmo-nos à pessoa em questão num espírito de respeito mútuo e cooperação.

Devemos executar esta etapa com o objetivo de identificar com precisão a sensação ou emoção que nós ou a outra pessoa estamos a experimentar naquele preciso momento, não com o intuito de envergonhar o outro pelo seu sentimento nem para tentar impedi-lo de sentir o que sente. Como os sentimentos são difíceis de colocar em palavras, devemos fazer isto tentativamente, consultando e certificando-nos junto do nosso interlocutor se estamos certos ou errados. Vejamos alguns exemplos:
  •  “Já só falta uma hora para o início do programa, vejo que aceleraste o passo, (observação) estás nervoso (indaga acerca do sentimento do outro)?”
  • "Vejo o teu cão a correr e a ladrar sem trela (observação). Tenho medo (sentimento)".
  • "Vi que o teu nome não foi mencionado nos agradecimentos (observação). Ficaste ressentido porque não te apreciam e valorizam como mereces?" (indaga acerca do sentimento do outro)”
Pe. Jorge Amaro, IMC

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