Criticar os outros é quase sempre negativo; as tais ditas “críticas construtivas” não são mais que uma oportunidade, inconsciente e solapada, para punir e humilhar o outro exaltando-nos a nós próprios; de facto, sempre que humilhamos o outro, exaltamo-nos a nós mesmos, e sempre que nos enaltecemos humilhamos o outro. Há uma humilhação implícita em toda a exaltação.
Contigo em contradição/ pode estar um grande amigo/ livra-te daqueles que estão/ sempre de acordo contigo. António Aleixo
O que distingue uma crítica negativa de uma positiva, é a amizade provada que temos para com a pessoa que criticamos. Só temos “direito” de criticar a pessoa que amamos e na qual reconhecemos valores. E ainda neste caso a crítica vem sempre depois da afirmação desses valores. Se nunca reconhecemos nem afirmámos uma pessoa nos seus valores, não temos nenhum direito de a criticar e se o fazemos, a critica é negativa.
A Psicose geral dos nossos dias
Sem autoconsciência não nos conhecemos, sem autocrítica não há progresso nem crescimento pessoal. Como acima ficou dito, se por um lado é quase sempre negativo criticar os outros, por outro é quase sempre positivo criticar-se a si mesmo. O ser e o dever ser nunca coincidem; o que somos no momento presente e o que estamos chamados a ser no futuro nunca coincidem; é a consciência desta realidade que nos impulsiona a crescer, a progredir.
“O amor é como a lua, quando não cresce mingua” - Montados num planeta em movimento, devemos ser conscientes que a nível físico nada na realidade que nos rodeia e que forma o nosso ser é estático. O mesmo acontece a nivele espiritual e moral: quando não estamos a crescer, para ser melhores, estamos a minguar e a tornar-nos cada vez piores.
Viver é como andar de avião; sem o impulso dos motores, para manter a altitude ou subir, inexoravelmente descemos; não existe uma inercia nem uma lei da gravidade que nos impulsione para cima, sempre nos puxa para baixo. Automaticamente, sem esforço e sem autoconsciência, só fazemos o que a nossa natureza animal nos dita pelo instinto, o qual tanto a nível pessoal como social quase sempre é mal.
A morte da consciência
(…) João dizia a Herodes: «Não te é lícito ter contigo a mulher do teu irmão.» Herodíade tinha-lhe rancor e queria dar-lhe a morte, mas não podia, porque Herodes temia João e, sabendo que era homem justo e santo, protegia-o; quando o ouvia, ficava muito perplexo, mas escutava-o com agrado. (…) Herodes, pelo seu aniversário, ofereceu um banquete (…). Tendo entrado e dançado, a filha de Herodíade agradou a Herodes e aos convidados. O rei disse à jovem: «Pede-me o que quiseres (…) «Quero que me dês imediatamente, num prato, a cabeça de João Baptista.» Marcos 6, 17-26.
Quem não vive como pensa, pensa como vive – Quem, pelo esforço em melhorar, não consegue ajustar a sua vida, os seus atos e o seu comportamento aos ditames da sua consciência moral, acaba por ajustar a sua consciência moral à realidade da sua vida, justificando e racionalizando as suas ações e o seu comportamento. Se assim não fosse acabaria neurótico; para preservar a saúde mental, a luta não pode continuar indefinidamente; ou ganha a evolução ou ganha o status quo; ou ganha o modus vivendi ou ganha a consciência moral. Quem não consegue, ou não quer adaptar a sua vida à sua forma de pensar aos valores morais, acaba por adaptar a sua forma de pensar à sua forma de viver, matando assim a sua consciência moral.
A história da execução de João Batista, pode servir de parábola para ilustrar ou exemplificar a morte da consciência moral de Herodes. Herodes bem sabia que João Batista estava certo, que viver com a mulher do seu irmão era moralmente um erro. João era a consciência moral de Herodes, podia falar, mas não atuar por isso estava preso. Herodes gostava de ouvir a verdade, mas faltava-lhe a vontade para a pôr em pratica; assim andou sem se decidir até que as circunstâncias da vida decidiram por ele.
Psicose coletiva
O resultado da morte da consciência moral, que regula a nossa vida guia e julga os atos de cada dia, é a psicose. O psicótico é uma pessoa fria e cruel sem sentimentos, infringe ou presencia o sofrimento alheio sem compaixão; nos casos mais graves, pode chegar a torturar ou matar sem o mínimo sentimento de culpa ou remorso. A falta de uma consciência moral acusatória, hoje comum a muitas pessoas, poderia ser diagnosticada como psicose coletiva cronica.
Eu não tenho pecados ouvimos os que nos sentamos no confessionário. Por que a nossa vida está focada para a distância, e não para o perto, vemos o argueiro na vista do nosso vizinho e não a trave no nosso olho. A autoconsciência, que é o que nos distingue do resto dos seres vivos que habita o planeta, e que foi o resultado de uma evolução que durou cinco milhões de anos, nem sempre nos assiste. Muito do nosso comportamento, o que dizemos, o que fazemos e até muito do que pensamos, funciona independente da nossa vontade, ou seja, vivemos em piloto automático a maior parte do nosso dia.
Ao encontrar-se dois amigos, depois de algum tempo sem se verem, diz um ao outro; “Ouve lá, disseram-me que vendeste um chanfalho velho ao nosso amigo António por um preço exorbitante, o carro valia muito menos do que lhe pediste, tu enganas-te o homem”. “Não enganei nada, o que eu fiz foi um bom negócio” respondeu o vendedor. Entristecido, e abanando a cabeça num gesto de desaprovação, disse o amigo, “Ouve lá sei que tu és um católico praticante, quando te ajoelhas na confissão, o que é que contas ao padre? “Ao padre”, respondeu o vendedor, “conto-lhe os meus pecados não os meus negócios”
Ainda ontem estavas a sulfatar as couves e hoje já as vais vender? Constata o amigo de um produtor agrícola. Quero lá saber, responde o produtor, não sou eu que as vou comer! - No nosso mundo o lucro pessoal ou coletivo, é um valor que está por cima da saúde pública. Este senhor não come essas couves, mas consome outros produtos agrícolas que são produzidos da mesma forma assim como a comida produzida industrialmente. Quando o lucro está por cima da saúde pública ninguém ganha, e todos perdemos.
O mesmo vale para a fuga aos impostos, um pecado que em 31 anos de sacerdote nunca ouvi ninguém mencionar. Aparentemente ou a curto prazo, quem foge ganha, fica com mais dinheiro na algibeira, mas na realidade a longo prazo, todos perdem incluído o que foge.
O sacramento da autocritica
O sacramento da Penitência, ou confissão, é em si mesmo um exercício de autocrítica. Já poucos o usam e os poucos que o fazem, fazem-no por rotina ou para observar o preceito da Igreja popularmente chamado de “desobriga”, de se confessar e comungar pelo menos uma vez no ano por Páscoa florida. Não o fazem, portanto, por necessidade, e para crescer espiritualmente, mas sim por obrigação.
E porque é por obrigação e rotina, quando se ajoelham diante do confessor, não sabem que dizer e recorrem a uma lenha lenga tantas vezes repetida: matar não matei, roubar não roubei etc. Por mais que tente espiolhar, sem ter a curiosidade morbosa de alguns antigos confessores, não consigo arrancar nenhum pecado pessoal e frequentemente o que ouço são os pecados dos outros, do marido, dos filhos, dos cunhados e das noras, das sogras etc; quantas vezes tenho de parar o penitente na sua lamúria e recordar-lhe que eu não posso perdoar os pecados dos outros mas só os próprios…
Comparo a nossa consciência moral a uma peneira daquelas que todas as mulheres usavam para peneirar, purificar a farinha, retirando-lhe as impurezas, que constituíam o farelo que se dava às galinhas, ficando a farinha branca com a qual se amassava o pão. Quanto mais fina e fechada é a malha, ou rede da peneira, mais pura fica a farinha.
A consciência moral de muitas pessoas do nosso tempo está tão laxa, a rede é tão grossa, ou está tão cheia de buracos que ao peneirar os atos de um dia nada fica na peneira. Não é, portanto, verdade que não tenham pecados, têm-nos e fazem-nos, mas não são conscientes de os ter e de os fazer. O justo, diz a bíblia, peca sete vezes ao dia; sendo o sete o número perfeito significa que peca muitas vezes; quantas não pecaremos nós que somos injustos…
Afogar-se na culpa como Judas
Nas antípodas da consciência laxa, está a consciência escrupulosa; aquela que não se consegue libertar da culpa.
Uma mulher foi um dia ter com o seu pároco e revelou-lhe que Deus lhe aparecia muitas vezes. O pároco incrédulo, para confirmar a veracidade das aparições ou ironicamente para gozar com a senhora, autorizou-a a perguntar a Deus pelos seus pecados, pensando para consigo, “só Deus conhece os meus pecados, se ela me relatar algum então terei que acreditar nas aparições”. A senhora, tomando em sério a proposta do pároco sem se aperceber da ironia, foi-se embora. Passados uns dias voltou à presença do pároco e este com ar de troça perguntou; “então Deus voltou a aparecer-lhe”? “Voltou sim senhor”, respondeu ela, “e a senhora perguntou-lhe pelos pecados”? “Perguntei sim senhor padre” disse ela; “e que disse Deus”? Inquiriu o pároco, “a respeito dos seus pecados senhor padre, Deus disse-me que já se tinha esquecido”.
Não há miséria superior à misericórdia divina. Deus perdoa-nos e esquece, passa página coisa que nós não fazemos. Deus que nos conhece melhor do que nós nos conhecemos, que nos ama mais que nós a nós mesmos, por muita que seja a nossa autoestima, também nos perdoa muito mais do que nós nos perdoamos a nós mesmos.
Ao fim de uma guerra fratricida entre hindus e muçulmanos, nos alvores da independência da India, um hindu veio ter com Gandhi para que ele o ajudasse a libertar-se da sua culpa. Contou que um dia, durante a guerra, entrou numa casa muçulmana onde se encontrava uma mulher que ia dar de mamar a um bebé, que lhe retirou o bebé e o arremeçou contra a parede da casa. A imagem do bebé esmagado contra a parede e o seu sangue a escorrer, dizia, persegue-me para onde quer que vá, eu vivo num inferno… Gandhi, para o livrar da culpa, propôs-lhe adotar um bebé muçulmano, dos muitos que ficaram órfãos com a guerra, e de o educar na religião muçulmana.
Nos meus 31 anos de ministério, não foram poucas as mulheres que à idade de oitenta e tantos anos ainda confessavam obsessivamente, uma e outra vez, o aborto que tinham cometido quando eram adolescentes. O escrupuloso acredita mais num Deus vingativo, à maneira humana, que num Deus amor. É uma ofensa a Deus não acreditar no seu perdão, quando Deus não sabe fazer outra coisa…
Anulou o documento que, com os seus decretos, era contra nós; aboliu-o inteiramente, e cravou-o na cruz. (Colossenses 2, 14).
Deus perdoa e esquece, como sugere São Paulo, destrói a fatura da nossa dívida para não mais se recordar dela; somos nós, que pela nossa natureza, não nos conseguimos perdoar nem esquecer.
O purgatório, do qual a bíblia não fala diretamente, foi criado por Deus, não porque Ele precise de que expiemos a nossa culpa, mas sim porque nós precisamos.
Reconhecer e chorar o erro como Pedro
(Ante a quantidade de peixes resultante da pesca milagrosa) Simão caiu aos pés de Jesus, dizendo: «Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador”. (Lucas 5, 8)
‘In medio vírtus” – Entre o extremo da consciência moral laxa, e a consciência moral escrupulosa, está a consciência recta de Pedro, que nem é laxa, nem escrupulosa. Pedro, tem ante Deus a atitude correta; reconhece-se pecador ao ver os poderes de Deus manifestados em Cristo Jesus a quando da pesca milagrosa.
O episodio da pesca milagrosa vem provar que não foi a negação do mestre, pecado equivalente ao de Judas, que lhe deu a Pedro a consciência de ser pecador; Pedro sempre se teve como tal, consciente de que ante Deus não há justos.
Pe. Jorge Amaro, IMC
Belíssimo momento amigo Jorge ,é gratificante ler tão belas palavras ,um grande abraço ,Emanuel.
ResponderEliminarTexto profundo, consistente e esclarecedor. Vale a pena relê-lo.
ResponderEliminarTexto profundo, muito esclarecedor. Vale s pena voltar a lê-lo
ResponderEliminarTexto profundo, consistente e esclarecedor. Vale a pena relê-lo.
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