Morreu também o rico e foi sepultado. Na morada dos mortos, achando-se em tormentos, ergueu os olhos e viu, de longe, Abraão e também Lázaro no seu seio. Então, ergueu a voz e disse: 'Pai Abraão, tem misericórdia de mim e envia Lázaro para molhar em água a ponta de um dedo e refrescar-me a língua, porque estou atormentado nestas chamas.' Abraão respondeu-lhe: 'Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em vida, enquanto Lázaro recebeu somente males. Agora, ele é consolado, enquanto tu és atormentado. Lucas 16, 19-31
Na única “história aos quadradinhos” que Jesus contou, observamos reversão de cenários de vida e fortuna entre dois homens na sua passagem de este mundo para o outro. No primeiro quadradinho observamos um o céu de luxo e prazer do rico em contraste com o inferno também temporal de penúria e sofrimento do pobre Lázaro. No segundo quadradinho no qual tantos os papeis como os cenários são invertidos: O rico que vivia num Ceu temporal de prazer insolidário, vive agora no eterno inferno de penúria e sofrimento, ao contraio o pobre Lázaro que vivia na penúria a e no sofrimento vive agora no eterno céu de abundancia e consolação.
A morte, que na natureza não existe mais que como passagem entre duas diferentes formas de vida, também aqui é apresentada como ponte entre o quadradinho da vida na terra e o quadradinho da vida no céu. Contrariamente ao que a maioria pensa, a morte não é o grande raseiro, que a todos nos faz iguais. No entender da parábola, contada por aquele que um dia disse, “pobres sempre os tereis convosco” (Jo 12,8), as desigualdades sociais que encontramos na terra vamos encontra-las invertidas no céu. Por isso, a igualdade social é a utopia que em todo momento e lugar deve inspirar e guiar a nossa ação.
O pobre que se senta à nossa porta
A parábola não nos diz o nome do rico, não tem identidade humana porque é definido pelo seu modo de vida, como ainda hoje se definem muitos ricos:
Vestia de púrpura e linho fino – O rico não tem nome porque a sua identidade não é definida de dentro para fora, mas de fora para dentro. É a púrpura e o linho fino que o definem, o seu estatuto é-lhe conferido pelo tipo de roupa que veste. Quem se sente um Zé Ninguém usa certos subterfúgios para vestir o vazio da sua alma: a roupa de marca, telemóvel ultima geração, carro topo de gama…
Muitos adolescentes, nas nossas escolas, em vez de buscarem o prestígio no desempenho moral e académico, buscam-no na roupa de marca. Compram camisolas caras, que exibem no peito um determinado logotipo de exageradas dimensões. Caro lhes fica o tal “prestígio” que buscam, pois além de terem comprado bem cara a camisola, ainda fazem publicidade gratuita à marca sempre que a vestem. Eles exibem-se à custa da marca, a marca faz-se pagar bem e ainda se exibe á custa deles. No fim não sei quem ganha mais os adolescentes ou a marca.
Fazia todos os dias esplêndidos banquetes – O pobre tem banquetes muito de vez em quando, o rico é todos os dias. O pobre diverte-se de tempos a tempos, o rico vive para se divertir. Não vive a vida, goza a vida, consome a vida que para ele não é mais que um passatempo.
O rico não é criticado por ser rico, mas por ser insolidário; as riquezas no evangelho têm o mesmo valor que os talentos, não são para ser possuídas, mas para ser usadas para o bem comum, pelo que devem ser bem administradas. Quanto maior é o poder económico de um individuo, maior é a sua responsabilidade social. Como recorda o evangelho, a quem muito lhe foi dado muito lhe será exigido (Lc 12,48). O pobre que se senta à nossa porta, ou que se cruza no nosso caminho, nem sempre é o que necessita de pão e vestido; às vezes só necessita que lhe demos tempo e ouvidos; muitas são as necessidades da pessoa humana e muitas são as formas de ajudar.
Para o rico, Lázaro não era mais que um aspecto da paisagem à qual se tinha acostumado. O seu modo de vida na opulência tinha-o anestesiado, insensibilizado perante a miséria e o sofrimento do que jazia à sua porta. Ao contrário do rico, a parábola diz-nos o nome do pobre, Eleazar que em hebreu significa “Deus ajuda”. Sozinho, sem sustento e doente, este pobre está às portas da vida, do lado de fora, na esperança de poder alimentar-se com as migalhas caídas da mesa farta do rico, mas nem isso lhe é dado. Jesus, o autor da parábola, termina a primeira vinheta ou quadradinho dizendo que os cães vinham lamber as chagas ao pobre Lázaro. Os humanos têm para com Lázaro uma atitude inumana e irracional; ao contrário os cães, seres irracionais, têm para com o pobre uma atitude “humana”.
Na verdade, ele tomou sobre si as nossas doenças, carregou as nossas dores. (…) Ferido por causa dos nossos crimes, esmagado por causa das nossas iniquidades. O castigo que nos salva caiu sobre ele, fomos curados pelas suas chagas (Isaías 53, 4-5).
Segundo o canto de Yaveh de Isaías, as chagas de Cristo têm para nós poder curativo. Da mesma forma, a salvação do rico estava nas chagas do pobre Lázaro, porque como diz Mateus 25, o que fizestes a um destes pequeninos foi a mim que o fizestes. “Quem dá aos pobres empresta a Deus” diz o ditado. De facto se os ricos salvam os pobres nesta vida, são os pobres que salvam os ricos na vida futura. São os cães que se aproveitam das propriedades curativas das chagas. Recordemos que os judeus chamavam cães aos pagãos; são precisamente os pagãos que se salvam pelas chagas de Cristo.
Vale de prazeres – Vale de lágrimas
Eventualmente a morte chega para os dois, e como ela a parábola apresenta-nos o segundo quadradinho ou vinheta. Lázaro, que antes vivia num “vale de lágrimas”, passa agora a viver num “vale de prazeres”; ao contrário o rico, que vivia num “vale de prazeres”, passa agora a viver num “vale de lágrimas”. Invertem-se os cenários com a diferença de que na primeira vinheta tanto as lágrimas como os prazeres eram temporais; “não há mal que sempre dure nem bem que sempre ature”, na segunda os prazeres e as lágrimas são eternos.
Existe uma fatalidade na forma como a morte do rico é descrita; morre e é sepultado, como para dizer para ele acabou tudo. O inferno é, portanto, a morte eterna que se contrapõe á vida eterna. As poucas vezes em que, como aqui, na biblia aparece como sofrimento eterno tem um valor pedagógico de nos meter medo, como os pregadores antigos faziam baseados no facto de que temos mais medo do sofrimento que da morte.
Como quase sempre acontece “a morte abre os olhos aos vivos”. De facto o rico, que anteriormente não conseguia ver Lázaro, agora vê-o perfeitamente. Mas continua ainda egoísta; antes não via o pobre porque este não tinha nada para lhe dar, agora, vê-o porque precisa dele. Muitos de nós vemos a vida e as relações humanas como um grande buffet; relacionamo-nos com os outros, não pelo que lhes possamos aportar, mas, pelo que estes possam contribuir para uma melhoria na nossa vida.
O que antes se revestia de linho fino está agora revestido de chamas; e é no meio delas que se lembra de que tem Pai e irmãos e quer que Lázaro seja enviado para os salvar. Abraão refere-lhe que têm os mesmos meios que ele tinha para se salvar, a Lei e os Profetas, que Jesus resume em amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo.
Pensa o rico que se Lázaro ressuscitasse, os seus familiares iam acreditar nele e mudar de vida. Contrariamente a esta crença, sabemos muito bem que quando Jesus ressuscitou um Lázaro, não levou os judeus a acreditarem mais nele, apenas os levou a decidir matar o recém-ressuscitado Lázaro juntamente com Jesus.
A fé continua a ser a única porta para a salvação, não vai haver nenhum sinal do outro mundo, nenhum milagre que prove de forma irrefutável a verdade destas coisas; pela fé vivemos e na fé nos salvamos, não há garantias científicas, nunca as haverá, de que Deus existe e que sustem a vida dos que têm fé aqui agora como a susterá depois da nossa morte.
O pobre que se assoma à nossa janela
O ano passado a Oxfam informou, no Fórum económico Mundial em Davos na Suíça (21-24 janeiro 2015), que este ano 1% da humanidade possuirá mais riqueza que o resto dos 99%. Mais concretamente 1% da humanidade possuirá 54% da riqueza mundial, o resto dos 99% possuirão 46%.
Uma realidade que nos faz pensar… Depois de tanto progresso cientifico e técnico, a raça humana progrediu bem pouco em humanidade, o abismo cada vez maior entre os ricos e os pobres prova inequivocamente que, na raça humana, o que verdadeiramente guia e inspira o comportamento não é a inteligência nem a bondade, como seria desejável, mas sim o instinto egocêntrico e irracional que temos em comum com os animais.
Ao longo da historia da humanidade, a inteligência humana parece ter estado mais ao serviço do egoísmo que do altruísmo; o homem parece que é mais criativo para o mal que para o bem, só desta forma se explicam tantos factos como o holocausto dos judeus, e tantos outros genocídios (o aborto, os crimes de guerra e a própria guerra…). Temos que concluir tristemente que a raça humana supera os animais, não só na sua racionalidade como também na sua irracionalidade.
Nos países pobres ainda se morre de doenças que há muitíssimos anos têm cura: a lepra, a febre tifóide, a tuberculose, e todas as conectadas com a falta de higiene, água potável e alimentação precária… Nos países ricos morre-se pelo excesso de consumo; nos países pobres morre-se por falta de consumo do imprescindível.
Se partilhássemos nem os pobres morriam da pobreza nem os ricos da riqueza. Eramos todos mais saudáveis...
As leis ou o sistema que fez isto possível é simplesmente injusto. O fosso entre os ricos e os pobres vai sempre aumentando. Como o planeta não permite que todos vivam como nós vivemos, há mecanismos que fazem com que os ricos nunca percam a sua riqueza, e o seu nível de vida, e os pobres como Lázaro sejam sempre pobres e não possam sair da sua pobreza, porque se saíssem e consumissem tanto quanto nós consumimos o nosso planeta depressa se tornaria inabitável.
Uma e outra vez se reúnem as potências mundiais para discutir as mudanças climatéricas, que são um sintoma de que o nosso planeta está doente e a doença é provocada pelo nosso abuso dos seus recursos, e pouco se tem conseguido.
Todos sabemos quais serão as consequências e, no entanto, não conseguimos travar os comportamentos que inexoravelmente nos estão a levar a um suicídio coletivo. Há um mês a cidade de Pequim declarou pela primeira vez alerta vermelho, fechou as escolas e os edifícios públicos; o ar estava tão contaminado que além de ser irrespirável dificultava a visibilidade.
O facto de a pobreza ser um problema global cada vez mais difícil de resolver porque o fosso que separa os ricos dos pobres é cada vez maior, não deve motivar a nossa inação. Deus não me vai pedir contas pelos pobres do mundo, mas por aquele que se senta à nossa porta ou se cruza no nosso caminho.
Pe. Jorge Amaro, IMC
Um mundo duas realidades distantes amigo Jorge ,um grande abraço .
ResponderEliminarPobre
A invisibilidade da misérabilidade
de um pobre que se sustenta das sobras
dos opulentos para sua própria sobrevivência .
Desprovido, abandonado e desamparado
sem viva voz que se ouça ,lágrimas continuas
de sofrimento de tanta humilhação.
Um ser individualista pela falta de oportunidades
vive sem rumo nem perspectivas de vida
lutando pela sobrevivência exilado pelo mundo .
Vidas encobertas pela indiferença
invisíveis mas presente na sociedade
onde vivem ignorados pelo descaso do abastado .
Preconceitos e julgamentos de tal
seres menosprezados onde a soberba dita
vidas e confundem sentimentos .
Absurdo e intolerante desrespeito
do desprezo proveniente da inevitável
falta de amor pelo próximo ,num cruel
mas consentido abandono.
Emanuel Moura