15 de março de 2016

Este ano em Jerusalém!


A noite passada enquanto dormia/ Sonhei que estava diante do templo/ na cidade velha de Jerusalém/ Ali ouvi vozes de crianças que me pareciam anjos do céu a cantar Jerusalém, Jerusalém, levanta as tuas portas e canta/ Hosana nas alturas, Hosana ao teu Rei.
Musica de Stephen Adams; Letra de Frederick E. Weatherly

Tal como o Natal deixou de ser, para muitos, a celebração do nascimento de Jesus, para ser a festa do Pai Natal e do calor físico e afetivo da intimidade familiar que contrasta com o frio e a neve fora de casa; Assim também a Páscoa deixou de ser a comemoração da paixão, morte e ressurreição de Jesus, para ser a festa do ovo e do coelhinho, que simbolizam o renascer da natureza na Primavera depois do longo letargo do Inverno.

Não sabemos ao certo quando nasceu, nem quando morreu Jesus de Nazaré. A colocação do seu nascimento no solstício de Inverno e da sua morte e ressurreição no equinócio da Primavera foi intencional; mas a intenção não era, como muitos pensam, cristianizar as celebrações pagãs desses eventos astronómicos e mudanças climatéricas.

A intenção era claramente teológica: Jesus nasceu quando os dias começam a crescer, ao fim e começo de um novo ano solar, pois Ele é o Alfa e o Omega, o principio e o fim de tudo quanto existe. Tal como o nosso planeta obtém a sua vida ao revolver-se à volta do sol, Jesus é para nós o sol à volta do qual giramos para obter vida.

Por outro lado, Jesus morreu e ressuscitou quando a terra renasce da morte aparente do inverno; se o outono nos recorda a velhice e o inverno a morte, a primavera, que como diz a cantiga vai e volta sempre, nos recorda a eternidade que conquistamos com o renascer de Cristo.

A pré historia da nossa Páscoa
A Ceia Pascal é uma refeição ritual, que toda família judia celebra, para comemorar a libertação do povo de Israel da escravidão do Egipto. Como ordena o livro do Êxodo (23, 8) durante a refeição deve ser recontada a historia da saída do povo do cativeiro. Ao fim desta ceia os comensais declaram em tom jubiloso “No próximo ano em Jerusalém”. 

Jerusalém foi sempre o objeto da saudade dos judeus da diáspora, expulsos da sua própria pátria; é bem conhecido o lamento destes no cativeiro da Babilónia: se me esquecer de ti, Jerusalém, fique ressequida a minha mão direita! Pegue-se-me a língua ao paladar, se eu não me lembrar de ti, se não fizer de Jerusalém a minha suprema alegria! (Salmo 137, 5-6)

No próximo ano em Jerusalém – Esta frase com a qual termina a ceia pascal é vista por muitos como anacrónica; sendo Israel hoje um estado moderno, ocupando mais ou menos a mesma terra que ocupava no tempo do rei David; vivendo hoje confortavelmente tanto os judeus de Israel com os da diáspora, não faz sentido repetir esta frase, e muito menos para os Judeus que vivem em Jerusalém permanentemente, a menos que a frase tenha um sentido mais escatológico.

Neste sentido para os judeus tradicionais refere-se á vinda do Messias e a reconstrução do templo; para os judeus liberais que não aceitam a ideia do Messias, nem de um judaísmo baseado no templo, a frase pode ter inúmeras interpretações que têm mais que ver com uma Jerusalém ideal e utópica e até celeste que está para vir que com a Jerusalém onde me encontro agora.

A última ceia de Cristo
Depois, tomou o cálice, deu graças e entregou-lho. Todos beberam dele. E Ele disse-lhes: «Isto é o meu sangue da aliança, que vai ser derramado por todos. Em verdade vos digo: não voltarei a beber do fruto da videira até ao dia em que o beba, novo, no Reino de Deus.» Após o canto dos salmos, saíram para o Monte das Oliveiras. (Marcos 14, 24-25)

Alguns dizem que a última ceia de Cristo foi decalcada da tradicional ceia pascal dos judeus, outros opinam que é algo novo. Como a ceia pascal dos judeus comemora a libertação da escravidão do Egipto enquanto que a de Cristo marca o momento de uma libertação maior, a de todo o género humano, qualquer que seja a conclusão da discussão serve o nosso objetivo.

Tal como os judeus de todos os tempos dizem ao fim da ceia pascal, “no próximo ano em Jerusalém” querendo com isto significar a esperança de um mundo melhor, assim como na continuação da vida na Jerusalém celeste, Jesus na última ceia com os seus discípulos ao dizer: não voltarei a beber do fruto da videira até ao dia em que o beba, novo, no Reino de Deus, afirma que esse futuro está para chegar e se cumpre Nele mesmo.

Jerusalém, Jerusalém...
Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas aqueles que te são enviados! Quantas vezes Eu quis juntar os teus filhos, como a galinha junta a sua ninhada debaixo das asas, e não quiseste! Agora, ficará deserta a vossa casa. Eu vo-lo digo: Não me vereis até chegar o dia em que digais: Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor! Lucas 13, 34-35


Jerusalém está dividida em 4 quarteirões: o muçulmano, o Judeu o cristão Arménio e o cristão árabe ou palestino, porque as três religiões do livro a têm por cidade santa. Para o Judaísmo é santa porque está construída à volta do Templo, o centro da fé judaica. Para os cristãos porque Jesus a visitou muitas vezes como bom judeu que era, nela morreu e ressuscitou.

Para os muçulmanos é santa porque estes afirmam que o profeta Maomé numa noite viajou de Meca para Medina e de Medina para Jerusalém, desde onde ascendeu ao céu mais precisamente no Templo no santo dos santos, onde hoje se encontra a mesquita da Rocha; em consequência, para os muçulmanos Jerusalém é a terceira cidade santa depois de Meca e Medina, por esta razão foi invadida logo após a morte do profeta.

Contra a ascensão ao céu de Maomé à imagem e semelhança de Jesus, fala o facto histórico da morte de Maomé, provavelmente por envenenamento, e o seu tumulo na mesquita verde de Medina. Para dar mais força à lenda da ascensão do profeta ao céu, atualmente a Arábia Saudita, contra o parecer de muitos muçulmanos, quer destruir e mesquita e o tumulo, exumando o corpo do profeta, sepultando-o numa sepultura anónima.

Infelizmente, para os que hoje exigem controlo total sobre Jerusalém, esta visita só pode ter sido um sonho, por muito que lhes custe admitir não existe qualquer evidencia ou prova que Maomé tenha viajado em carne e osso a Jerusalém, pois ainda não havia aviões supersónicos naquele tempo.

O que os muçulmanos alegam como facto histórico, o próprio profeta alega ter sido um sonho cujo contexto histórico era o de convencer os mais céticos que ele pertencia à linhagem dos profetas do judaísmo, Abraão, Moisés, Jesus. Ainda em relação a esta vinda a Jerusalém Aicha, a esposa favorita de Maomé, insistiu posteriormente de que nunca se tratou de uma deslocação real, mas sim de uma experiencia espiritual.

A ligação da fé muçulmana à cidade de Jerusalém é extremamente ténue, quando a comparamos com a que existe em relação ao judaísmo e ao cristianismo. A verdadeira razão pela qual os muçulmanos reivindicam Jerusalém como cidade Santa para eles é porque o judaísmo e o cristianismo, que eles a todo custo sempre quiseram suplantar, a declaram santa antes.

Durante todo o ano pelas ruas de Jerusalém observamos peregrinos judeus e cristãos de todo o mundo; os únicos muçulmanos que vemos são os que cá vivem; de facto a cidade está formatada para este tipo de peregrinos, por todo o lado se vêm lojas de souvenirs judeus e cristãos e nenhuma para muçulmanos; por si só a falta de peregrinos muçulmanos é uma prova contundente de que para eles esta cidade não é importante, e muitos deles nem acreditam que Maomé alguma vez esteve aqui.

Sendo a religião muçulmana uma mistura de judaísmo e cristianismo, adaptada â cultura beduína, desde Maomé até aos nossos dias que olham para estas religiões com uma certa inveja e crescem com a mentalidade de “nós também”, se os outros são nós também somos, se os outros têm nós também temos. A invasão de Jerusalém nada tem de diferente da invasão e exterminação do cristianismo em todo o norte de Africa e Turquia; e na Europa desde a península Ibérica até Posters, na França, onde foi parada.

Possuindo já eles duas cidades santas, ao declararem Jerusalém a terceira, estabelecendo-se na colina do templo, coração da fé judaica, deixaram os judeus sem lugar santo, com apenas a parede ocidental do templo, em frente da qual ainda hoje rezam e se lamentam feridos na sua fé e nacionalismo como quem tem um espinho enterrado na carne.

Hoje lugar proibido para os Judeus, a esplanada do Templo, é ocupada por duas mesquitas: a mesquita de Al Aksa ou a da cúpula de prata, e a mesquita da rocha ou a da cúpula dourada, construída sobre o santo dos santos do templo de Salomão, sendo a rocha o lugar onde Abraão ia sacrificar o seu filho Isac. A cúpula dourada pode ser vista desde qualquer angulo da cidade e arredores pelo que é hoje, anacronicamente, o ex libris de Jerusalém.

O conflito entre Israel e a palestina é fundamentalmente um conflito político e não religioso; a religião, no entanto é invocada e instrumentalizada por ambas as partes como desculpa para evitar fazer concessões, pois o que vem mandado por Deus não se discute ou põe em causa ou se abdica.

Uma ponte não se começa a fazer pelo meio, mas sim pelas margens que pretende unir. Do lado de Israel é fundamental que reconheçam o direito da palestina a uma Pátria, como eles tiveram e o mundo lhes deu. Do lado muçulmano é importante que reconheçam que muito do seu comportamento é governado por mitos lendas, e crenças que desafiam a razão pelo que é importante que purifiquem a sua fé de tudo o que está em colisão frontal com a ciência e até mesmo com o sentido comum.

Este ano em Jerusalém
Sobre este monte, (refere-se ao monte Sião Jerusalém) o Senhor do Universo há-de preparar para todos os povos um banquete de manjares suculentos, um banquete de vinhos deliciosos. (…) há-de tirar o véu que cobria todos os povos, o pano que envolvia todas as nações; Ele destruirá a morte para sempre. O Senhor Deus enxugará as lágrimas de todas as faces e fará desaparecer da terra inteira o opróbrio que pesa sobre o seu povo. Isaías 25, 6-8

Como missionário, ao longo de 30 anos de ministério, já celebrei a Páscoa em diferentes países e localidades. Inspirado na tradicional frase de júbilo, que os judeus exclamam ao final de cada ceia Pascal, apetece-me dizer com igual júbilo e com a mesma esperança: Este ano em Jerusalém! Esta é a quarta vez que aqui venho, e espero que ainda não seja a última vez que piso a terra que o redentor pisou, mas é a primeira em que celebro a Páscoa do Senhor onde esta teve lugar há 2000 anos.

Jerusalém significa cidade de Paz, e, no entanto, anacronicamente, hoje dividida em quarto povos antagónicos que continuamente se digladiam, é difícil encontrar lugar que tenha sido palco de tantas guerras. Rezemos para que um dia Jerusalém faça jus ao seu nome e cumpra a profecia de Isaías de um banquete de manjares deliciosos e vinhos generosos.
Pe. Jorge Amaro, IMC

2 comentários:

  1. Gostei muito deste momento riquíssimo ,um dos grandes sonhos é de um dia ir a Jerusalém e com certeza irei se Deus quiser ,um grande abraço .

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  2. é sempre bom saber um pouco dessa cidade Santa, e dos seus habitantes, mas também saber que quando escreves dás noticias de ti agora nessa terra distante e cheia de problemas temerosos para todos!

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