A ovelha perdida
Chacais, hienas e lobos são os inimigos declarados das ovelhas. Enquanto a maior parte dos animais matam por necessidade, os lobos não se contentam em degolar uma ovelha e come-la em santa Paz; ao contrário degolam-nas todas e não descansam enquanto virem uma ovelha em pé; parece que sentem prazer em matar.
Quando era criança e pastor levava o meu pequeno rebanho para longe e alguma vez escondia-me das ovelhas para ver a sua reação; as ovelhas comiam tranquilas com um olho na erva outro no pastor, mas se deixavam de ver o pastor levantavam a cabeça, calavam-se os chocalhos, olhavam para todas as direções e se não me viam desatavam numa correria louca à desbandada para regressar a casa, eu levantava-me do meu esconderijo, assobiava e elas voltavam.
Tendo isto em conta, se um pastor estiver sozinho a tomar conta do rebanho, é de todo inverosímil que o abandone, que coloque em risco 99 ovelhas por uma que se perdeu. Ao sumo asseguraria primeiro as 99 e só depois iria em busca da perdida.
Este pastor é especial, e usa uma matemática diferente: para ele, 99 é igual a uma e uma igual a 99. Deus não tem as mesmas prioridades, as 99 são deixadas por uma única. Conta-se que a uma mãe de 9 filhos, a quem falecera um, lhe foi dito a modo de consolação que não devia chorar pois ainda ficava com 8; ela prontamente espondeu “tenho 8 mas não tenho aquele”. O lugar que ocupamos no coração de Deus não é ocupável por outra pessoa. É aqui que reside a dignidade da pessoa humana, somos únicos para Deus; pelo que, quando alguém se perde Deus fica à espera, como o pai do filho pródigo, que ele regresse. E de facto, no caso da parábola, o filho pródigo veio ocupar o lugar que só a ele pertencia e que ninguém mais podia ocupar.
No entanto, segundo a nossa mentalidade, as 99 têm razão para se ressentir e nós vemos esse ressentimento no filho mais velho da parábola dos dois filhos. Dando voz ao ressentimento do segundo filho, podemos dizer, essa ovelha que se perdeu se calhar não quer ser encontrada, tem o que merecia por se portar mal.
Para cúmulo, quando a encontra não a traz de rastos a xutos ou a pontapés, mas coloca-a aos ombros e não só faz uma grande festa como até tem o desplante de dizer que haverá mais alegria no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não precisam de se arrepender. (Lc 15, 7).
Pastoral ou Evangelização?
A contrário deste pastor divino, a Igreja pouco se importou com a ovelha perdida dizendo-se ainda temos 99 para cuidar. Para estas 99 apareceram montes de pastorais: pastoral universitária, pastoral da juventude, pastoral dos doentes etc…
Hoje estatisticamente 99 são as perdidas e uma só faz ainda parte do rebanho. Apesar de se ter invertido a parábola, a atitude passiva dos pastores, que agora se dedicam a engordar uma só ovelha, não mudou. Ainda temos uma, dirão agora…
Será que faz ainda sentido continuar a dizer pastoral disto ou daquilo? Quando dizemos pastoral universitária ou pastoral sanitária, não é muita pretensão da nossa parte considerar ovelhas do nosso rebanho os dois mil alunos de uma universidade ou as centenas de doentes de um hospital?
Se colocássemos a palavra evangelização onde antes colocávamos pastoral faríamos mais jus à realidade; seriamos mais honestos connosco próprios e por ventura esta realidade nua a crua nos levaria a trocar a atitude passiva do pastor pela proactiva do “pescador de homens” que Jesus tanto queria que fossemos.
Misericórdia & Missão
E a verdade é que tudo o que foi escrito no passado foi escrito para nossa instrução, a fim de que, pela paciência e pela consolação, que nos dão as Escrituras, tenhamos esperança. Que o Deus da paciência e da consolação vos conceda toda a união nos mesmos sentimentos, uns com os outros, segundo a vontade de Cristo Jesus. Romanos 15, 4-5
Neste sentido podemos ver a misericórdia como forma de Missão e a Missão como obra de misericórdia. E é precisamente isso que sugere o logotipo do ano da Misericórdia, proclamado pelo Papa Francisco. Ir em busca da ovelha perdida é ao mesmo tempo uma obra de misericórdia e missão como nova evangelização. De facto, no logotipo, a guisa de ovelha perdida, aos ombros do bom Pastor não vem uma ovelha, mas sim um ser humano, ou seja, o filho pródigo.
Não havendo melhor consolação que viver o evangelho, que nos acalenta e ser testemunhas dele para que outros usufruam dessa mesma consolação, façamos missão no sentido de Isaías que diz, "Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus". (Is 40,1)
A dracma perdida
Ou qual é a mulher que, tendo dez dracmas, se perde uma, não acende a candeia, não varre a casa e não procura cuidadosamente até a encontrar? E, ao encontrá-la, convoca as amigas e vizinhas e diz: 'Alegrai-vos comigo, porque encontrei a dracma perdida.' Digo-vos: Assim há alegria entre os anjos de Deus por um só pecador que se converte.» Lucas 15, 8-10
Ficamos escandalizados com a atitude de Jesus para com as 99. No entanto para Jesus as 99 também estão perdidas, a diferença é que a ovelha perdida e o filho pródigo perderam-se para fora do redil: a dracma, o filho mais velho, e as 99 nunca saíram de casa mas em casa, viviam como perdidos, de Deus e de si mesmos.
Uma dracma era um dia de trabalho, portanto foi muito o que se perdeu. A mulher varre a casa na esperança de a encontrar ao encontra-la faz festa; Deus faz festa por cada um de nós.
Os que lá vão são os piores
É certo que esta lamuria tem servido a muitos como justificação da sua não participação nos sacramentos, considerando-se, mesmo assim cristãos, mas não praticantes; porém o mau exemplo que dão, nos caminhos da vida, os cristãos praticantes, faz esta afirmação não poucas vezes verdadeira; ou seja, em nada se nota nas suas vidas que as práticas surtam algum efeito existencialmente.
Por esta razão seria bom que se criasse algum mecanismo pelo qual os cristãos pudessem fazer uma psicanalise às razões pelas quais praticam os sacramentos; que se verificasse o lugar que ocupa a pratica religiosa nas suas vidas e verificar se é motor de uma vida nova em continua conversão e progresso, ou se ao contrário, aliena e justifica um certo modus vivendi ou status quo..
Quando vivia na Etiópia verifiquei como a ignorância matava muitos doentes de tuberculose. Virgens aos antibióticos, os doentes etíopes aos dois meses de tomar a estreptomicina sentindo-se completamente curados abandonavam o tratamento. Bem sabíamos nós que não estavam completamente curados e quando a doença voltava era muito mais virulenta e resistente aos antibióticos pelo que muitos morriam.
Neste sentido, a Organização Mundial da Saúde alerta ao abuso de antibióticos para pequenas moléstias pois faz com que o corpo se habitue a eles e quando são realmente precisas já não surtem qualquer feito. Isto mesmo acontece a nível eclesial, os sacramentos são autênticos antibióticos para matar os micróbios e as bactérias do mal; mas quando se abusa deles, ou se praticam por rotina, deixam de surtir efeito.
Também a Palavra de Deus, que muitas vezes ouvem os cristãos praticantes, corre o risco de soar a “Dejà vu” pelo que já nem penetra no nosso íntimo, desta feita transformamo-nos no primeiro terreno da parábola do semeador.
Ao combinar as duas parábolas, concluímos que as 99 ovelhas não estavam menos perdidas que uma. No rebanho do Senhor nem estão todos os que são nem são todos os que estão.
Pe. Jorge Amaro, IMC
Uma mensagem muito forte Deus nos resgata tantas vezes e nos trás de volta à sua presença,é sempre maravilhoso amigo Jorge ler tão belos momentos ,um grande abraço .
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