O mundo europeu entende que não há uma continuidade cultural, científica e filosófica entre o mundo antigo e a Idade Média. A Idade Média foi como um trauma que paralisou o mundo, que o colocou a dormir por muito tempo. A cidade é o lugar da cultura, pois é na cidade que se concentra o maior número de pessoas, onde acontece um sem-número de transações, comunicações e onde se pratica um sem-número de profissões.
No bucólico campo só se pratica a agricultura, as pessoas vivem isoladas umas das outras. O mundo medieval era um mundo rural. É certo que é do campo que se vive e se come, mas uma vida que se dedica só à autossubsistência dificilmente se pode chamar humana, os animais são os que se dedicam exclusivamente à autossubsistência.
A agricultura é, portanto, a base da cultura. No entanto, o objetivo da agricultura não deve ser a autossubsistência, mas sim criar excedentes que depois serão a base do comércio, que permitirão adquirir outros bens e promoverão o relacionamento entre pessoas, fazendo surgir outras atividades. Em suma, fomentarão a cultura e o desenvolvimento.
No Renascentismo começaram a surgir outra vez as cidades. A Europa, ao dar-se conta da descontinuidade cultural entre a Idade Antiga e os 10 séculos de Idade Média, tentou fazer um bypass, passando por cima da Idade Média e indo ao passado do mundo greco-latino para ressuscitar esta cultura sem a mediação ou as lentes da Igreja.
Inspirado nos valores da antiguidade clássica, o homem renascentista tem a ideia de que tudo o que é medieval é mau e tudo o que pertence ao mundo antigo é bom. Esta perspetiva está equivocada em muitos pontos. A filosofia, por exemplo, embora seja de inspiração cristã, avançou na Idade Média; a arquitetura, sobretudo a gótica, representou um enorme avanço. A arquitetura algo tosca da época grega e romana, foi recriada no renascimento com um estilo monumental que perdeu em beleza para o gótico; não é nada bela, é somente monumental, ou seja, grande, enorme. Por exemplo, a basílica de S. Pedro é monumental, é renascentista; mas não é certamente mais bela que a mais singela catedral gótica.
Com o aparecimento do burgo, termo que significa cidade, no fim da Idade Média, nasceu uma outra classe social no seio do povo, o burguês, ou seja, literalmente o habitante da cidade, que não se dedica, é claro, à agricultura, mas sim ao comércio, artes e ofícios que vão surgindo à medida que a vida se vai diversificando e deixa de girar à volta da subsistência. Esta vertente física é confiada ao povo e ao seu trabalho na agricultura, a vertente espiritual e moral é confiada ao clero e a segurança é confiada aos nobres.
Origem do Renascimento
Na península itálica, as cidades nunca desapareceram totalmente e os povos não deixaram de praticar o comércio, nem de usar moeda. Houve, sim, uma diminuição dessas atividades durante a Idade Média. Em virtude da situação geográfica da península itálica no meio do Mar Mediterrâneo, várias cidades ribeirinhas como Veneza, Génova, Florença, Roma, entre outras, beneficiaram do comércio com o Oriente. Marco Polo terá aberto o caminho.
Estas regiões enriqueceram com o desenvolvimento do comércio no Mar Mediterrâneo, dando origem a uma rica burguesia mercantil. A fim de se afirmarem socialmente, estes comerciantes patrocinavam artistas e escritores, que inauguraram uma nova forma de fazer arte. A Igreja e a nobreza também foram mecenas de artistas como Miguel Ângelo, Domenico Ghirlandaio, Pietro della Francesca, entre muitos outros. A nova classe social burguesa que surgiu no Renascimento tinha dinheiro, mas não tinha estatuto, como o clero e a nobreza; por outro lado, como tinha dinheiro, não se enquadrava nos servos da gleba. Assim, procurava investir esse dinheiro patrocinando obras de arte, a fim de serem reconhecidos socialmente.
Renascer
Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer de novo não poderá ver o Reino de Deus”. Nicodemos perguntou-lhe: “Como pode um homem renascer, sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no seio de sua mãe e nascer pela segunda vez?”. Respondeu Jesus: “Em verdade, em verdade te digo: quem não renascer da água e do Espírito não poderá entrar no Reino de Deus.” João, 3, 3-5
Em meados do século XIV começou uma transição entre os mundos medieval e moderno. Esta transição é conhecida como o Renascimento ou nascer de novo, como sugere o evangelho.
O movimento começou em Itália que tinha sido o centro da cultura greco-romana e o seu último reduto, o centro do Império Romano. Foi também o lugar mais dominado pela Igreja, pois quase toda a Itália no fim da Idade Média era um Estado Pontifício, formado por terras que Carlos Magno deu à Igreja. Por isso, os que chamam a Igreja de obscurantista esquecem-se que esta foi a maior promotora da Renascença no campo da arquitetura, pintura, escultura e outras artes. E que a cultura greco-romana renasceu precisamente no lugar onde tinha sido extinta pelos bárbaros.
O Renascentismo abrangeu quase todas as facetas da vida, economia, política, filosofia e arte entre tantas e, em especial, da ciência. Os principais contribuintes para o Renascimento (como Petrarca, Leonardo Da Vinci e Dante) classificaram o período medieval como lento e escuro, um tempo de pouca educação ou inovação. Viram o período medieval como uma interrupção da cultura entre o mundo clássico da Grécia e Roma e o Renascimento.
A ideia de comunidade distinguiu o período medieval. As pessoas – clero, nobreza e povo – enfrentaram ameaças reais de fome, doenças e guerras que são perigos que fomentam a dependência da comunidade em áreas como o trabalho, a religião e a defesa. Por exemplo, um artesão medieval pertencia a uma associação que ditava todos os aspetos do seu negócio. A ideia era que todos os artesãos ganhassem a vida equitativamente e não que uns ganhassem mais que outros. A uniformidade era norma; cada profissão tinha a sua forma de vestir, até as prostitutas tinham o seu hábito, uma forma de vestir que as distinguia das outras mulheres.
A Renascença, por outro lado, veio sublinhar a importância dos talentos individuais. Esta ideia, conhecida como individualismo, é visível na filosofia e na arte da época. Além disso, enquanto estudiosos medievais tinham estudado documentos gregos e romanos antigos para aprender sobre Deus e o Cristianismo, os estudiosos renascentistas estudaram-nos para descobrir mais sobre a natureza humana. Esta nova interpretação era conhecida como humanismo.
Nasceu assim um humanismo não diretamente ligado ao cristianismo, ou seja, um humanismo laico que cresceria exponencialmente durante toda a Idade Moderna. Aliás o Renascimento foi a primeira pedra da cosmovisão humanista materialista contraposta a uma cosmovisão espiritualista, que reinou durante toda na Idade Média.
A arte renascentista também reflete o humanismo. Enquanto a arte medieval se destinava a ensinar uma lição, talvez uma história bíblica, como os vitrais das catedrais góticas, a arte renascentista glorificou a humanidade dos indivíduos retratados. As estátuas medievais tendem a ser de santos e numa posição mística não natural. Em contraste, o David de Miguel Ângelo, a Pietá e Moisés parecem ser mais realistas. As estátuas deixaram de ser imagens congeladas de piedade e passaram a revelar emoções humanas, parecendo prontas para a ação.
Valores renascentistas
Racionalismo – A razão era o único caminho para se chegar ao conhecimento. Tudo podia ser explicado pela razão e pela ciência. A escolástica medieval valorizava também a razão, mas não em exclusivo. A fé é uma outra forma de conhecer, que o renascimento ignora, tal como a cultura em geral depois deste.
Cientificismo – Para os renascentistas, todo o conhecimento deveria ser demonstrado através da experiência científica. É deste tempo a expressão “a experiência é a mãe da ciência”. Hoje sabemos que a experiência não é a única mãe de todas as ciências. Não só da lógica e dedução se faz ciência, mas também da intuição, como aconteceu com a teoria da relatividade.
Individualismo – O ser humano procurava afirmar a sua própria personalidade, mostrar os seus talentos, atingir a fama e satisfazer as suas ambições, através do conceito de que o direito individual estava acima do direito coletivo. Assim nasce o liberalismo em todas as suas vertentes. Teremos que esperar pela revolução socialista para voltar a falar de igualdade, pois a igualdade da revolução francesa era uma igualdade onde uns são mais iguais que outros, como diz George Orwell.
Antropocentrismo – Coloca o homem como a suprema criação de Deus e como centro do universo. É deste tempo a frase “o homem é a medida de todas as coisas”. Deus começa a ser posto de lado, até ser completamente substituído pelo super-homem de Nietzsche.
Classicismo – Os artistas procuram a sua inspiração na Antiguidade Clássica greco-romana para realizar as suas obras. Qualquer momento do passado é melhor que este, era a ideia.
O renascimento das letras
São deste tempo grandes escritores ainda hoje mundialmente famosos, porque escreveram obras mundialmente reconhecidas, para todos os tempos, além de se tornarem ex libris ou representativas da cultura onde surgiram.
- Dante Alighieri: escritor italiano, autor do grande poema "Divina Comédia". Trata das três instâncias depois da morte – Céu, Inferno e Purgatório – e é uma joia da literatura universal e o ex libris da cultura italiana.
- Maquiavel: autor de "O Príncipe", obra precursora da ciência política onde o autor dá conselhos aos governantes da época.
- Shakespeare: considerado um dos maiores dramaturgos de todos os tempos. Abordou na sua obra os conflitos humanos nas mais diversas dimensões: pessoais, sociais, políticas. Escreveu comédias e tragédias, como "Romeu e Julieta", "Macbeth", "A Fera Amansada", "Otelo" e várias outras. Ex libris da cultura inglesa.
- Miguel de Cervantes: autor espanhol da obra "Dom Quixote", uma crítica contundente da cavalaria medieval. Ex libris da cultura espanhola.
- Luís de Camões: teve destaque na literatura renascentista em Portugal, sendo autor do grande poema épico "Os Lusíadas", ex libris da nacionalidade portuguesa.
O renascimento das artes
Destacamos Leonard da Vinci que é o ex libris, estereótipo ou protótipo do homem renascentista; o homem dos cem ofícios; foi matemático, físico, anatomista, inventor, arquiteto, escultor e pintor, foi o homem renascentista que dominou várias ciências. Por isso, é considerado um génio absoluto. A misteriosa Mona Lisa e a Última Ceia são as suas obras-primas. Quando alguém nos fala da última ceia de Cristo, a imagem que nos vem à mente é sempre a do quadro de Leonado da Vinci.
Renascimento científico
O Renascimento foi marcado por importantes descobertas científicas, nomeadamente nos campos da astronomia, da física, da medicina, da matemática e da geografia. O polaco Nicolau Copérnico negou a teoria geocêntrica defendida pela Igreja, herdada de Aristóteles e Ptolomeu, ao afirmar que "a Terra não é o centro do universo, mas simplesmente um dos tantos planetas que gira em torno do Sol". O novo centro era agora o sol. Hoje sabemos que nem a terra nem o sol são o centro do Universo. O universo talvez não tenha centro…
Galileu Galilei descobriu os anéis de Saturno, as manchas solares, os satélites de Júpiter. Perseguido e ameaçado pela Igreja, Galileu foi obrigado a negar publicamente as suas ideias e descobertas. “E, no entanto, move-se” dizem que disse Galileu ao sair do tribunal onde foi obrigado a mentir. A Igreja estava enganada ao olhar para a Bíblia como um livro de ciência.
Galileu disse que era a Terra que andava à volta do sol, mas nunca conseguiu prova-lo, pois o que vemos é o sol que anda à volta da Terra: a experiência empírica aqui diz-nos o contrário da verdade. Ao pobre Galileu bastava-lhe ter dito que quando cavalgamos ou nos deslocamos numa carruagem de cavalos, sabemos que somos nós que nos movemos; no entanto, os nossos olhos vêm as árvores a moverem-se. Da mesma maneira, vemos que é o sol que se move, apesar de sabermos que está fixo em relação a nós porque nós, habitantes deste planeta, estamos montados no movimento de um astro que se move, como a carruagem.
Na medicina, os conhecimentos avançaram com trabalhos e experiências sobre a circulação sanguínea, métodos de cauterização e princípios gerais de anatomia. São deste tempo as primeiras autópsias para investigar a causa da morte e para aprender sobre o corpo humano e o seu funcionamento.
Conclusão: ao despertar de um sonho que durou mil anos, o renascentista deu-se conta de que a Idade Média, pelo trauma das invasões bárbaras, não era uma continuação lógica da Idade Antiga que tinha sido sepultada viva. O Renascimento foi um bypass do mundo clássico até à atualidade, sem passar pela Idade Média. Foi um ir beber às fontes e lançar raízes na Idade Antiga como modelo de inspiração, pondo de lado a Idade Média como se esta nunca tivesse acontecido.
Pe. Jorge Amaro, IMC
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