11 de outubro de 2024

Celebrar e viver a fé

Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem algo contra ti, deixa a tua oferta diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois volta para apresentar a tua oferta. Mateus 5:23-24

Alguém dizia que a vida do cristão decorre entre a Igreja e o mercado. "Ite missa est", dizia o sacerdote em latim ao despedir os cristãos após a celebração eucarística dominical. Esta expressão não só significa que a missa terminou, mas também que estamos em missão. O cristão ou está em missa, celebrando a sua fé, ou em missão, vivendo a sua fé. A celebração e a vida são inseparáveis. Celebramos o que vivemos e vivemos o que celebramos.

Não é possível ser cristão sem ter uma relação pessoal com Cristo, que se expressa na oração, e sem celebrar esse mesmo Cristo na Eucaristia, em comunhão com os outros que partilham a mesma fé. Se a oração e a penitência são a celebração individual de Cristo, a Eucaristia é a celebração comunitária de Cristo com a comunidade à qual pertencemos, pois não se pode ser cristão sozinho.

Celebra-se o que se vive, vive-se o que se celebra
Iludimo-nos ao pensar que, mesmo sem qualquer manifestação pública ou privada da nossa fé, continuamos a ser católicos. Mas isso não é verdade. Quem não consegue viver conforme aquilo em que acredita, tarde ou cedo começa a acreditar conforme vive.

Tudo o que é valioso na vida só se alcança com esforço; a passividade, o “dolce fare niente”, não nos leva a lado nenhum, pois na vida o que é bom ou custa dinheiro, ou custa esforço, ou ambas as coisas.

Os motores de um avião não só o impulsionam para a frente, como também o mantêm no ar. De facto, quando o piloto quer fazer o avião descer, o primeiro que faz é reduzir a potência dos motores, e assim o avião vai descendo gradualmente. Porém, se reduzir a potência para menos de 200 km/h, o avião cai. Neste mundo, pela lei da gravidade, o que não tem força para subir, desce.

A nossa natureza caída e os nossos instintos já exercem sobre nós uma força gravitacional para o mal; para vencermos o mal e crescermos como pessoas, temos de nos esforçar e contrariar essa força. A oração, o confronto com a Palavra de Deus e todas as práticas religiosas são uma ajuda essencial. Sem elas, estamos à mercê dos nossos instintos e dos valores que a sociedade promove. “Vigiai e orai para não cairdes em tentação.”

“O espírito está pronto, mas a carne é débil.” (Mateus 26:41). O próprio Jesus experimentou que a fraqueza da natureza humana requer a ajuda da oração como exercício de autoconsciência, para nos mantermos em estado constante de alerta, e como solicitação da assistência divina, pois, como disse Jesus: “Sem mim, nada podeis fazer” (João 15:5).

Dizer que alguém é "católico não praticante" é um contrassenso, uma falácia. Não há pianistas, cantores ou futebolistas "não praticantes". Os dons, talentos ou aptidões que temos, se não os utilizarmos, perdemo-los. A fé é um desses dons que só se mantêm na medida em que são vividos e exercitados. “O que não se usa, atrofia-se”, diz o provérbio.

“O amor é como a lua: quando não cresce, mingua.” A fé também é assim: ou está a crescer e a fortificar-se, ou está a minguar e a enfraquecer. A liturgia da fé são os sacramentos, sobretudo a Eucaristia, a oração e a escuta da Palavra de Deus.

O amor também tem as suas liturgias: se não se expressa em palavras, poesia, canções, carícias e intimidade, começa a decrescer. A fé leva à prática das boas obras, e estas fazem a fé crescer. O amor é a mesma coisa; amar é querer o bem do outro e colocar-se ao serviço desse bem.

Eucaristia e Caridade
O pão eucarístico repartido é uma imagem ou um ato simbólico que nos recorda que, para sermos cristãos, outros Cristos, devemos repartir o nosso pão com os necessitados. Neste sentido, a Eucaristia, além de ser a celebração da paixão, morte e ressurreição do Senhor, é também um sacramento da memória.

Não apenas dos factos históricos, mas um ato simbólico que nos lembra outros gestos de Cristo (como montar num jumento em Jerusalém, lavar os pés aos discípulos ou expulsar os vendilhões do templo). Tudo isso nos mostra que a celebração da Eucaristia ritual só tem valor para quem celebra também a Eucaristia existencial, ou seja, quem reparte o pão com os pobres.

O cristão autêntico, o cristão a 100%, é aquele que celebra a memória do Senhor com a comunidade na Igreja, mas também individualmente na sua vida, dando esmola, ajudando e pondo em prática as palavras de Mateus 25: "Tive fome e deste-me de comer…". Quem reparte o pão apenas na Igreja, mas não o faz na vida, é meio cristão, assim como quem reparte o pão na vida, mas não o faz na Igreja.

Cristo está no pão que se dá em alimento; assim também nós devemos transformar-nos em pão para os outros. Devemos repartir o nosso tempo, energias e recursos, até nos darmos a nós mesmos. Cristo é pão, o pão é Cristo, e o pão que repartimos é Cristo dado aos outros. Deste modo, a prática cristã une-se à praxis cristã. A Eucaristia estende-se pela vida. "Ite missa est": termina o ritual e começa o existencial. Quando repartimos o pão físico, após o espiritual, reconhecemos Cristo nos outros.

Conclusão – A fé é uma atitude ante a vida que se celebra nos sacramentos especialmente na eucaristia, e se vive na caridade para com os outros. Não se pode divorciar a vida da celebração nem a celebração da vida. Quem não celebra o que vive não vive o que celebra.

Pe. Jorge Amaro, IMC

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