15 de setembro de 2024

Cosmovisão Muçulmana

Sem comentários:


Cosmovisão rival com a vocação implícita, explícita e até histórica (pelas tentativas) de conquistar o mundo, suplantar o cristianismo e impor a sua forma de ver a vida e o mundo, a sua cosmovisão. Esta vocação ainda não a perdeu, sendo este o objetivo principal da jihad de hoje, do terrorismo, da imigração invasora e do crescimento demográfico de muçulmanos nos países ocidentais.

Como aconteceu na Idade Média, quando uma cultura inferior, mais agressiva e violenta, se impôs a uma cultura superior, seguindo-se um tempo de trevas e ignorância, o mesmo poderia acontecer no Ocidente. A história pode repetir-se e as mudanças sociais não são sempre progresso e melhoria.

Inconsistências teológicas da narrativa do Corão
Do ponto de vista teórico ou teológico, o cristianismo que nasceu na cultura ocidental tem sido ao longo dos séculos exposto à crítica, ao refinamento e purificação pela cultura racional ocidental. O mesmo não acontece com a narrativa muçulmana que, apesar de pretender ser histórica, continua envolta no mito e vive de uma fé muito pouco razoável, plausível ou humanamente credível, como, por exemplo, que o Corão foi ditado por Deus ao profeta Maomé que escreveu tim tim por tim o que Deus lhe ditou. Eis outras inconsistências:

Maomé, o último profeta, Jesus o filho de Deus
O Islão aceita como válida a tradição religiosa judaica descrita no Antigo Testamento que eles consideram também seu. Maomé é, portanto, o último dos profetas que Deus enviou ao mundo, sendo o penúltimo Jesus.

Se a humanidade viver mais 10 000 ou 20 000 anos, que sentido faz que o último tenha vindo no ano 524? Mais mudanças sofreu o mundo e a humanidade desde o ano 524 que em todos os milhões de anos anteriores; por que motivo então antes desta data os profetas se sucediam uns aos outros com frequência e depois do ano 524 deixaram de ser precisos?

Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e por meio de quem fez o mundo. Hebreus 1, 1-2

No caso do cristianismo, mesmo que a humanidade viva até ao ano 20 000, faz sentido que a revelação tenha acontecido no ano zero. Como explica o autor da carta aos Hebreus, o enviado não é um profeta mais, mas sim o próprio Deus que vem viver entre nós.

Há aqui um salto qualitativo; os profetas trazem mensagens para um tempo, a palavra de Deus é eterna para todos os tempos e lugares porque Deus não precisa de falar duas vezes. Por outro lado, Cristo não é só uma palavra proferida, é uma palavra vivida e só se vive uma vez.

Em que sentido é o último profeta? É porque o Islão tem uma doutrina mais refinada e, num caminho ascendente, já chegámos ao topo? Mas o topo até parece o cristianismo, com o amor aos inimigos. O Islão, na sua prática e doutrina, até se assemelha mais ao Antigo Testamento que ao Novo, quando pensamos que ainda hoje se apedrejam mulheres e Cristo foi contra isso já nos seus dias.

Deus é uno e trino, é comunidade
O Islão herdou o monoteísmo simples dos hebreus. Por isso, tanto judeus como muçulmanos não têm forma de fundamentar teologicamente que o homem é feito à imagem e semelhança de Deus. Se Deus é amor e o amor que não sai fora de si mesmo é egocentrismo, Deus é mais que um; Deus é uma família, Pai, Filho e Espírito Santo e nela encontramos o modelo da família humana: pai, mãe e filho(a).

Deus é uno e trino, tal como uma família humana é chamada a ser uma unidade de três pessoas onde a existência de uma só não é possível sem a existência das outras duas; um homem não é pai sem ter uma mulher e um filho(a); uma mulher não é mãe sem ter um filho(a) e um marido; e um filho(a) não existe por si mesmo sem ter um pai e uma mãe.

Como Cristo é o modelo para a vida humana individual, a Santíssima Trindade é o modelo para a vida humana social; um modelo de paz, harmonia e amor. O Judaísmo e o Islão carecem de modelos, de pontos de referência teológicos para a vida em família e em sociedade, concebendo a Deus como um grande solitário.

O profeta Isa (Jesus) filho de Maria sempre virgem
Com um capítulo inteiro (sutra) dedicado só a ela, a Virgem Maria é a única mulher indicada com o seu próprio nome no livro do Alcorão; de todas as outras se fala em relação a um varão; por exemplo, não há referências a Sara, mas sim à mulher de Abraão. Sobre a virgindade de Maria, o Alcorão afirma claramente que está em pecado aquele que não acredita nela ou a põe em causa.

Segundo as duas tradições, tanto a cristã como a muçulmana, tanto Maria como o profeta Maomé recebem a visita do Arcanjo Gabriel que a ambos sopra a Palavra. A Palavra em Maomé tornou-se num livro, o Alcorão, em Maria, num homem, Jesus de Nazaré. Pelo que, dizem alguns estudiosos do Islão, Jesus ou o profeta Isa como é chamado no Islão, é o Alcorão em forma de homem e o Alcorão é Jesus em forma de livro.

Face a estes factos, vejamos outra inconsistência na religião muçulmana; se para a fé muçulmana, como para nós, Maria, a mãe de Jesus é virgem, quem é o pai de Jesus? É óbvio que não pode ser José, o carpinteiro, pois se fosse, Maria não poderia ter permanecido virgem.

E se José não é o pai de Jesus e Maria permanece virgem depois de conceber, então a conceção não pode ter sido natural e o pai não pode ter sido humano; se não é obra humana, só pode ser obra de Deus e, se é obra de Deus, então Deus tem um filho e não é como o Judaísmo o concebe, um Deus solitário, mas sim como o concebe o cristianismo e como nos foi revelado por Jesus Cristo, um Deus de amor, família, comunidade.

Quem não deve não teme
Nunca somos tão violentos como quando lutamos pela nossa sobrevivência. Enquanto a religião cristã, posta em causa pela revolução francesa, pela idade da razão, pelo iluminismo e, ultimamente, pelas filosofias ateias sobreviveu, a religião muçulmana opõe-se a todo o pensamento crítico interno e externo e ameaça de morte quem o faça.

“Quem não deve não teme”, esta agressividade mais não é que uma forma de esconder as graves deficiências do ponto de vista filosófico, histórico e teológico. Alimentada pelo petróleo e pelo ódio contra o Ocidente, a expansão muçulmana é como um gigante com pés de barro: no dia em que as deficiências vierem à luz da razão, talvez não fique pedra sobre pedra.

Segundo Carl Jung, o fanatismo é uma forma de sufocar uma dúvida interior. Assim explicava Jung o fanatismo de S. Paulo contra os cristãos antes da sua conversão. A dúvida de S. Paulo era entre a segurança que dá a lei, uma falsa segurança e a liberdade da graça que S. Estêvão oferecia.

É claro, até pela forma como tratam as mulheres como seres humanos de segunda categoria, que a religião muçulmana estava bem para a Idade Média, mas não para o mundo de hoje. Como a forma de pensar de hoje se infiltra de muitas formas, mesmo nos países muçulmanos, pela TV, pela Internet, eles sentem-se intimidados e temem perder fiéis, temem que a sua religião não aguente o embate da razão, como o cristianismo aguentou reformulando-se.

Islão e violência
Há dois conceitos que foram talvez mal interpretados, ou interpretados de forma a satisfazer, justificar e abençoar a sede de poder de alguns. O certo é que foi esta “má interpretação” dos conceitos que escreveu História e fez correr muito sangue. Refiro-me ao conceito de JIHAD, que significa esforço, luta, guerra santa, e o conceito de ISLÃO que significa submeter-se à vontade de Deus.

Como dizem os estudiosos, a JIHAD refere-se à luta que todo o ser humano deve travar dentro de si mesmo contra o mal. O caso é que, historicamente, a luta interior que devia permanecer interior, tornou-se numa luta exterior; na prática, essa luta traduziu-se e ainda atualmente se traduz na luta contra os que o Islão considera infiéis, declarando-lhes uma guerra que se justifica por si mesma porque é santa, por ser por uma boa causa. Nesta altura, não tinham ainda entendido que “Os fins não justificam os meios”.

O cristianismo tem também a sua versão de guerra santa, as cruzadas. A primeira cruzada nasceu como resposta ao pedido do Imperador cristão do Oriente, Aléxis I, para o ajudarem a reconquistar a cidade santa de Jerusalém e libertar os cristãos orientais do domínio muçulmano. No entanto, rapidamente se transformou numa forma de travar o avanço dos muçulmanos que ameaçavam acabar com o mundo cristão. Começou por ser um direito à autodefesa que rapidamente se transformou em agressão, conquista e massacre em nome de Cristo.

Islão significa submeter-se a Deus; a base da religião muçulmana reside nesta submissão simbolicamente representada pela postura física que os muçulmanos adotam quando rezam. Era este o propósito da Jihad, o esforço, a luta para submeter toda a personalidade de cada pessoa a Deus; aliás, é mesmo isso que significa adorar a Deus, submeter-se à sua vontade. Os cristãos fazem-no por gosto, não por dever, porque o seu Mestre lhes diz “já não vos chamo servos, mas amigos” … (João 15, 15)

Enquanto a religião não passou da esfera pessoal, enquanto se manteve reflexiva e intransitiva tudo correu bem e sem problemas; mas não é desta submissão que reza a história. Submeter-se a Deus rapidamente se transformou em submeter os outros a Deus. Por isso, tal como o judaísmo chama gentio a todo o que não é judeu, o Islão chama infiel a todo aquele que não é muçulmano.

Ao contrário do cristianismo que nasceu num mundo adverso dominado pelos romanos e durante 5 séculos foi uma religião clandestina e perseguida que se propagava pelo exemplo de vida e pela pregação, o Islão nasceu numa conquista bélica de Meca e na submissão dos cristãos e politeístas que ali havia à nova fé.

Ressentimento contra o mundo ocidental cristão
Com a vitória dos cristãos contra os muçulmanos na batalha de Lepanto, em 1571, a cultura e civilização cristãs acabaram de uma vez por todas com a constante ameaça do Islão e cresceram até serem o que são hoje, ao passo que a civilização muçulmana, cujo auge tinha sido Averróis e Avicena, estagnou numa mentalidade medieval.

O mundo muçulmano ainda não recuperou do ressentimento e ódio que essa derrota causou; e do sucesso da civilização ocidental que se sobrepôs ao reto do mundo. Este ódio motiva as ações da Al Qaeda, Estado islâmico e outras organizações, em especial contra os Estados Unidos, que representam o mundo ocidental.

Atualmente não há nenhum país tradicionalmente cristão que persiga muçulmanos só pelo facto de o serem, enquanto nos países tradicionalmente muçulmanos os cristãos são sistematicamente perseguidos: Egito, Paquistão, Irão, Iraque, Indonésia…

Os muçulmanos no Ocidente estão amparados pela democracia e o direito à liberdade religiosa; os cristãos no mundo árabe não têm direitos, estão à mercê do fanatismo. Os muçulmanos no Ocidente podem construir as suas mesquitas, os cristãos no mundo árabe não têm direito a construir igrejas nem a reparar as que existem há seculos e, na Arábia Saudita, os cristãos não podem sequer usar um crucifixo ao pescoço.

Diferenças na vivência de valores
Como já dissemos, a cosmovisão muçulmana é fundamentalmente uma reedição do judaísmo do Antigo Testamento para árabes.

Unidade - Ou união é um valor humano tanto para muçulmanos como para cristãos, porém enquanto que os cristãos advogam a unidade na diversidade, desde Jesus que escolheu um grupo de pessoas tão diferentes que até eram inimigas, para os muçulmanos união é uniformidade, unicidade, não aceitam nem toleram a diferença.

Tempo - Em relação ao tempo, os cristãos estão mais orientados para o futuro, os muçulmanos ficaram parados no passado. Agarrados às suas tradições que lhes dão identidade e segurança, temem o futuro e a mudança. Mudança no Ocidente é progresso, no mundo muçulmano é perda de identidade, insegurança.

Família – Ao contrário do que acontece no Ocidente, a família alargada tem mais importância que o núcleo familiar de pai, mãe e filhos. E há mais solidariedade entres os membros de uma família. Com a submissão da esposa ao marido, a taxa de divórcios é baixa. O Ocidente é mais individualista e livre, pelo que a família nuclear é a única que conta.

Paz – É a saudação dos judeus e dos muçulmanos, significa não só a ausência de conflito como no Ocidente, mas também sucesso, prosperidade e felicidade.

A honra – É um valor muito importante no Islão; a desonra é a pior tragédia que pode acontecer numa família. O Ocidente valoriza a honra de igual forma, mas só a aplica individualmente, ou seja, os membros da família não pagam pelos desacatos de um deles.

Estatuto – Nos muçulmanos é atribuído ou herdado. No Ocidente nem é herdado nem é atribuído, mas sim conquistado a pulso pelo próprio mérito.

Individualismo – O muçulmano não valoriza a independência, a liberdade, a autonomia, mas mais a interdependência e o sentido social e comunitário da vida. Por isso, suportam mais facilmente as ditaduras dos seus países. A conformidade e a obediência são valores mais importantes.

Secularismo – Nos países muçulmanos o Césaro-papismo é ainda aceite. A religião mete-se na política e vice-versa. A religião nos países ocidentais é matéria privada, não transparece na vida pública desde Jesus que disse “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, existe uma divisão nítida entre os dois poderes.

Conclusão: Parado no tempo, o mundo muçulmano parece que ficou preso no passado, olha para o presente e para o futuro com ansiedade; resiste à mudança e ao progresso, pois teme que lhe roubem a paz interior, a segurança e a identidade. 

Pe. Jorge Amaro, IMC








7 de setembro de 2024

Acreditar depois de Sigmund Freud

Sem comentários:

A religião e o sentimento religioso permeiam todas as esferas do pensamento e da vida humana. Karl Marx viu os efeitos da religião ou de uma certa religião na economia e na relação entre pobres e ricos. Freud vê a mesma religião desde uma outra perspetiva, a dos traumas sobretudo os de origem sexual.

Se para Marx a religião aliena o ser humano desde uma perspetivas sociologia e económica, para Freud a alienação atua a nível inconsciente e psíquico, a religião é neste sentido uma ideologia que impede o ser humano de ser livre, de ser ele mesmo, de aceitar a realidade e de se aceitar como tal.

Biografia de Sigmund Freud (1856- 1939)
Sigmund Schlomo Freud nasceu em Freiberg, na Morávia, então pertencente ao Império Austríaco, no dia 6 de maio de 1856. Filho de Jacob Freud, pequeno comerciante, e de Amalie Nathanson, de origem judaica, foi o primogênito de sete irmãos.

Tal como o pai de Marx, o pai de Freud também era um cristão convertido do judaísmo. A este respeito chegou a dizer que sempre se tinha considerado alemão, até ao dia em que os judeus começaram a ser perseguidos. Já refugiado em Londres, considerava-se judeu.

Aos quatro anos de idade, sua família mudou-se para Viena, onde os judeus tinham melhor aceitação social e melhores perspetivas econômicas. Na universidade de Viena se formou em medicina e mais tarde um mestrado em neuropatologia. Da neurologia passou para a psiquiatria e desta para a +psicologia ao estudar o inconsciente até se dedicar exclusivamente à psicanalise.

Durante dez anos, Freud trabalhou sozinho no desenvolvimento da psicanálise. Em 1906, a ele juntou-se Adler, Jung, Jones e Stekel, que em 1908 se reuniram no primeiro Congresso Internacional de Psicanálise, em Salzburg.

A religião como neurose obsessiva
Freud vê a religião como uma repressão dos instintos básicos do homem, sobretudo do sexual. Isto acontece porque a religião perverte os instintos naturais do ser humano, declara-os maus, impuros feios, sujos e animalescos e, como tal, devem ser reprimidos.

A religião é também um código moral que culpa os indivíduos de sentirem e expressarem os seus instintos. - Este tema vai ser retomado por Nietzsche na sua contraposição moral dos escravos, ou seja, entre a moral judaico-cristã e a moral dos Senhores, por outras palavras, a ética natural.

Segundo Freud, esta repressão conduz inexoravelmente a uma neurose obsessiva: o corpo pede algo, a mente não lho dá, esta acaba por entrar em curto-circuito e os fusíveis fundem-se. Tal como para Marx o socialismo e o comunismo seriam a solução para a alienação da religião, para Freud a psicanálise vai resolver a questão - removendo os traumas do passado, a pessoa reconcilia-se com ela mesma e com a sua verdadeira natureza.

Tal como acontecia com Marx, também Freud pouco sabia de religião, olhando mais o papel desta numa sociedade repressora e puritana. A sua teoria é mais que tudo uma reação ao puritanismo, como a de Marx era uma reação ao capitalismo desumano da época resultante da primeira revolução industrial na Inglaterra onde até crianças trabalhavam nas fábricas de sol a sol.  

Até agora, o único que tratou o assunto religioso do ponto de vista teórico foi Feuerbach na sua obra “A essência da religião”. Parafraseando o título desta obra, Marx e Freud trataram o assunto religioso desde o ponto de vista existencial, ou seja, de como a religião era uma arma dos ricos contra os pobres (Marx) ou uma repressão da natureza humana pela ideologia puritana para controlar os instintos básicos.

A religião como uma ilusão infantil
Para Freud o sentimento religioso é uma ilusão infantil, algo assim como acreditar no Pai natal. A maturidade humana acontece quando a criança abandona o Princípio do Prazer e abraça o Princípio da realidade. A religião mantém o ser humano numa eterna infantilidade porque é uma ilusão não é real.

Na sua obra “O futuro de uma ilusão”, Freud está convencido de que a religião nada mais é do que uma quimera que teve a sua função no mundo antigo, mas da qual agora nos devemos livrar para encontrar a verdade. À medida que a ciência avança, o futuro desta ilusão tornar-se-á cada vez mais incerto.

O seu amigo pastor protestante Pfister provavelmente tendo em mente Pascal responde a esta obra dizendo: Se a realidade se resume a uma visão materialista e aleatória da vida, que futuro podemos esperar? Ao contrário, se a este mundo gelado e materialista veio um Deus de sabedoria e amor podemos desejar a felicidade aqui e agora e esperar por um futuro risonho.

O burro tem esperança de poder a vir a trincar a cenoura; a esperança é o que o motiva a esperança é o que lhe dá uma razão de vida. É a esperança em poder vir a comer a cenoura que motiva o seu presente que o faz andar para o futuro. O presente de andar para alcançar a cenoura é motivado pela esperança de a alcançar. Sem essa esperança o presente não teria sentido.

Quem não tem futuro, quem não tem esperança anda a roda. Dá voltas sobre si mesmo e dessa forma atinge o aborrecimento de sempre o mesmo, o enjoo e a náusea da qual os filósofos do nada falam, Nietzsche e Sarte. Sem futuro, o presente é nauseabundo por mais prazenteiro que seja. Assim o experimentou Sartre, Nietzsche antes dele e Camus depois dele: “se vens do nada, não há Fé, se vais para o nada, não há Esperança o mais certo é que não haja Caridade pelo que a vida carece de sentido, é nauseabunda.

Não tem sentido a vida do ateu que afirma que vem nada e vai para o nada. O que vive instalado na pura mundanidade, vive num presente sem passado nem futuro como aconselham as filosofias e espiritualidades do extremo oriente como o Budismo. Só os animais não têm passado memoria histórica e futuro um objetivo para a vida. Os humanos só são humanos se vivem os três tempos, passado presente e futuro em harmonia.  

A Fé em Deus Pai abre-nos à Esperança que encontramos no Filho pela sua ressurreição e motiva um presente de Caridade, fazendo-nos ver a Cristo em cada irmão. E quem vê o Filho vê o Pai, como Jesus disse a Filipe. A Esperança é a filha unigénita da mãe Fé, como Cristo é Filho de Deus Pai e, tal como o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, assim a Caridade procede da Fé e da Esperança.

As três virtudes funcionam na nossa vida como um GPS: a Fé, conecta-nos com Deus, a nossa estrela orientadora ou satélite, dizendo-nos onde estamos e o que somos, ou seja, pecadores. A Esperança diz-nos para onde queremos ir e o que queremos ser, isto é, Santos. A Caridade é o único meio e roteiro para chegar à santidade.

Freud parece não saber que o sonho comanda a vida
Eles não sabem que o sonho /é uma constante da vida/tão concreta e definida/como outra coisa qualquer, /como esta pedra cinzenta/em que me sento e descanso, /como este ribeiro manso, /em serenos sobressaltos, /como estes pinheiros altos, /que em oiro se agitam, /como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.


Eles não sabem que o sonho/é vinho, é espuma, é fermento, /bichinho alacre e sedento, /de focinho pontiagudo, /que foça através de tudo/num perpétuo movimento. (…)

Eles não sabem, nem sonham, /que o sonho comanda a vida. /Que sempre que o homem sonha /o mundo pula e avança /como bola colorida /entre as mãos de uma criança.
António Gedeão

Como diz António Gedeão, no extrato da sua poesia acima citado, o sonho comanda a vida. A ilusão é sonho de facto em espanhola ilusão não tem sentido de quimera de imaginação de algo falso, mas sim sentido de sonho de sonhar com um futuro melhor e já no presente fazer por ele, ou seja, trabalhar para que esse sonho se torne realidade.

O ser humano não se coloca problemas que não tenham solução, se existe um problema é porque existe a solução para ele, porque o que não tem solução, como diz o povo, solucionado está. Da mesma forma o Homem não sonha com impossíveis, não sonharia com a água se a água não existisse.

A própria teoria da relatividade de Einstein foi um sonho, foi uma intuição. Neste sentido o sonho é a antessala da realidade. O sonho é uma utopia no sentido grego da palavra, algo que não é realidade agora, mas que pode ser e muitas vezes é no futuro.

O melhor está para vir
É provável que o Senhor tenha criado a esperança no mesmo dia em que criou a primavera. Bern Williams

Não caminhamos para o ocaso das nossas vidas, mas para a aurora da vida eterna. Por isso, por mais felizes que estejamos, o melhor está para vir; por mais sofrimento que tenhamos, decrépitos, limitados, enfermos e velhos, o melhor está sempre para vir, não é aqui nas circunstâncias e vicissitudes do aqui e agora que colocamos a nossa confiança, pois sabemos que não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a futura (Hebreus 13,14)

Conta-se que uma paroquiada, mulher de muita fé e esperança na vida eterna, padecia de uma doença incurável pela qual lhe restava pouco tempo de vida. Preparou o seu funeral de tal forma que fosse para todos uma lição sobre a fé e a esperança que a animava. No caixão entre os dedos das suas mãos em vez de estar o Rosário, empunhavam uma faca e um garfo.

O sacerdote explicou ao povo que estava estupefacto pela sua ousadia e disse que ela durante os anos da sua vida não perdeu um jantar de gala da paroquia e que sempre que ia a devolver o prato como talher lhe diziam fique com o garfo e com a faca porque o melhor está para vir.

A morte, portanto, não é o fim, mas a passagem para o melhor que está para vir. Isso motiva a vida do cristão por mais doloroso e limitado que seja o seu presente.

Conclusão – Freud diz que a religião é uma ilusão infantil, como acreditar no Pai Natal… Mas o Pai Natal em que as crianças acreditam existe mesmo… é a imagem de Deus Pai que tanto amou o mundo que enviou o Seu Filho e foi Natal.

Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de setembro de 2024

Cosmovisão Cristã

Sem comentários:


O poder divino deu-nos tudo o que contribui para a vida e a piedade, fazendo-nos conhecer aquele que nos chamou por sua glória e sua virtude
. 2 São Pedro 1, 3

O cristianismo, como herdeiro do judaísmo, assumiu, assimilou e implementou tudo o que de bom os judeus trouxeram ao mundo. Jesus de Nazaré é fundamentalmente um judeu que veio, não abolir o judaísmo e as suas leis (Mateus 5,17), mas sim purificá-lo; o importante não é a letra da lei e o seu cumprimento formal, mas o espírito da lei e a sua vivência na vida real.

Como Jesus se apresentou ao Homem como o único modelo de humanidade, medida de referência, paradigma, único caminho, única verdade e única forma de viver a vida, (João 14, 6), ser cristão e ser autêntica e genuinamente humano são uma e a mesma coisa. Não há uma moral cristã e uma moral ou ética humana, porque Cristo é o único padrão de referência para nos medirmos e avaliarmos até que ponto somos humanos.

Para além de um programa de salvação individual, caminho, verdade e vida para a saúde mental, espiritual, moral e física do ser humano de acordo com a sua natureza, Cristo apresentou também um programa de salvação da sociedade, do ser humano enquanto ser social: o Reino de Deus que é, como diz São Paulo (Romanos 14.17), justiça e paz.

A cosmovisão cristã é enxergar o mundo, é ver e entender o mundo com os olhos de Cristo, a partir da sua perspetiva, da sua ótica. Partindo desta perspetiva, a cosmovisão tem que ver também com a forma como atuamos com o mundo e no mundo, o lugar que nele ocupamos. Enquanto a cosmovisão materialista responde com NADA à pergunta sobre a nossa origem, o nosso destino e o sentido da nossa vida, a cosmovisão cristã responde a estas mesmas perguntas da seguinte forma:

De onde vimos? – Vimos de Deus, criador do Universo, de tudo e de todos, do tempo, do espaço e da matéria ou energia. Tudo fez bem feito e criou por amor. A nós, humanos, criou-nos à sua imagem e semelhança. Ou seja, para além de sermos, como tudo o resto, seres espácio-temporais que ocupam um espaço durante um tempo, ao contrário das outras criaturas, temos em nós uma semente de eternidade, uma vertente espiritual que está em nós para que a façamos crescer, para entrarmos na eternidade com Deus.

Para onde vamos? – Vamos para Deus que sustém a nossa vida para além da morte, pelo que esta não é o nosso destino final, mas uma passagem para a eternidade. Como o nascimento foi uma passagem do seio da nossa mãe para o seio do mundo, a morte será o nascimento para o Céu, ou seja, a passagem do seio deste mundo para o Seio de Deus, o regresso à casa Paterna parafraseando a parábola do filho pródigo, ou o fim da nossa peregrinação.

Que sentido tem a vida? – “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (João 10, 10). O sentido, o objetivo da nossa vida é dar glória a Deus. Dar glória a Deus que nos criou é a melhor forma de usarmos os talentos recebidos e de nos autorrealizarmos, atingindo a felicidade que é a vida em abundância que Deus quer para nós.

Fomos tirados do nada para fazermos alguma coisa com as nossas vidas, para que, usando o nosso corpo físico, recursos, matérias e talentos de que dispomos, como andaimes do corpo espiritual, façamos germinar a tal semente de eternidade que está em nós.

Todo o bem material pode ser espiritualizado no alambique da nossa vida, tal como de toda a fruta ou vegetal se pode destilar álcool ou extrair um perfume de flores que sobe a Deus. Criados do nada à imagem e semelhança de Deus, está em nós fazer alguma coisa com a nossa vida, ou voltar ao nada que seria a morte eterna.

Vivendo como Cristo e medindo-nos constantemente em relação a Ele, como modelo e paradigma de humanidade para a humanidade, adquirimos a filiação divina, transformamo-nos em filhos adotivos de Deus, segundo o direito romano com os mesmos direitos que o Filho Unigénito de Deus, Cristo. (Romanos 8,14-16)

Por outro lado, como somos um ser não só individual e cultivador de liberdade, mas também um ser social cultivador de igualdade, lutamos como Cristo por um mundo melhor, de mais justiça, paz e fraternidade, buscamos alargar o reino de Deus, projeto que Cristo trouxe à Terra.

É nesta luta que nos realizamos individualmente, pelo que não há autorrealização individual sem dimensão social. Quem não é útil para os outros é um inútil para si mesmo. Quem não vive para servir não serve para viver, não serve para nada e o que não serve para nada é lixo.

O evangelho, a melhor narrativa humana de todos os tempos

O cristianismo no Novo Testamento, em especial nos evangelhos que relatam a vida, o talante e os ditos de Jesus de Nazaré, possui a narrativa mais fascinante de todos os tempos. A cosmovisão, a ética, a filosofia de vida, os direitos humanos, o que é verdadeiramente humano, está exposto no evangelho.

O cristianismo é uma religião histórica porque os evangelhos não são relatos mitológicos, como os livros sagrados de outras religiões. Os evangelhos falam de uma personagem histórica, Jesus de Nazaré, da sua vida, do seu comportamento em situações do dia a dia, dos seus milagres e curas, dos seus feitos e das suas pregações e ensinamentos.

Desde que foram escritos por quatro autores diferentes, têm sido objeto de estudo e pesquisa. Nunca nenhuma obra literária foi tão submetida à critica literária, histórica, hermenêutica, gramatical, minuciosamente palavra por palavra.

A parábola do Filho Pródigo talvez seja o conto mais pequeno e mais significativo que a humanidade criou. Inspirou poetas, pintores, músicos, a literatura e formatou a ideia universal do perdão incondicional. É difícil falar de perdão sem mencionar esta parábola.

A parábola do Bom Samaritano entrou na mente e no imaginário de todos os homens como sinónimo de solidariedade com o que sofre ou com o que pontualmente precisa da nossa ajuda. Samaritano hoje, mais que habitante de Samaria, significa pessoa empática que chora com quem chora e sofre com quem sofre.  

O evangelho é a magna carta da vida humana, o padrão de referência, o critério máximo de humanidade que serve de genuína e autêntica referência a cada indivíduo. Não há no mundo qualquer narrativa que supere os evangelhos em humanidade. Os evangelhos têm sido o texto inspirador da civilização ocidental, o farol que a ilumina.

A carta dos direitos humanos das Nações Unidas, que quase todos os países assinaram, está clarissimamente decalcada do evangelho. O cristianismo desempenhou um importante papel na extinção de práticas como o sacrifício humano, a escravidão, o infanticídio e a poligamia. De forma geral, afetou o estatuto das mulheres, condenando o infanticídio (bebés do sexo feminino tinham maior probabilidade de serem mortos), o divórcio, o incesto, a infidelidade, o controlo de natalidade, o aborto e defendendo o casamento e a família como célula da vida social.

O cristianismo é a religião mais praticada no planeta, mãe e mentora da civilização ocidental, que é a mais desenvolvida e mais estendida no mundo. Por isso, o cristianismo formatou não só a mente dos cristãos, mas também a mente de quase todos os seres humanos habitantes deste planeta, mesmo até de muitos que se recusam a reconhecê-l’O, como as sociedades muçulmanas.

As festas da Páscoa e do Natal são marcadas universalmente como feriados; o calendário gregoriano (do Papa Gregório XIII) foi adotado internacionalmente como o calendário civil; e o próprio tempo é medido pelo Ocidente a partir da data calculada do nascimento de Jesus de Nazaré: a AD (Anno Domini). Na lista das 100 pessoas mais influentes na história humana, 65% são figuras cristãs de diversas áreas.

Libertação das mulheres

O direito das minorias em relação às maiorias, o respeito pela orientação sexual de cada um, a libertação das mulheres, os valores próprios da civilização ocidental que a colocam na vanguarda dos direitos humanos, não se explicam sem o evangelho.

Jesus foi a pessoa mais feminista que o mundo conheceu; o único fundador de uma religião que nunca fez uma afirmação contra as mulheres, que as tratou como iguais aos varões, que teve discípulas - coisa nunca vista antes ou depois dele (ainda hoje os rabinos não têm discípulas). É certo que os seus discípulos seguiam a mentalidade patriarcal do mundo circundante mais que o comportamento do mestre. Porém, não podemos negar a importância do evangelho na conversão das mentes e dos corações para a igualdade de género, que começou na civilização ocidental e, pouco a pouco, vai sendo assumida pelas outras civilizações, sendo a muçulmana a mais reticente na matéria.

É certo que nem no Ocidente a mulher goza ainda de plena igualdade, mas é certamente no Ocidente cristão que a mulher goza de mais direitos. O que faz variar o grau de igualdade de género não é a riqueza ou pobreza; ou seja, não é necessariamente nos países mais ricos que a mulher é tratada de igual para igual. A Arábia Saudita é rica e, no entanto, as mulheres ali são tratadas como cidadãs de segunda classe. O fator determinante é a cultura, não a riqueza.

O Japão e as Filipinas são dois países asiáticos não muito distantes um do outro; o primeiro é bem mais rico que o segundo e, no entanto, há muito mais igualdade de género nas Filipinas que no Japão. Como países asiáticos que são, há elementos culturais que são comuns. A grande diferença é que as Filipinas são um país cristão desde há 500 anos, enquanto que no Japão o cristianismo nunca conseguiu penetrar de forma a influenciar a cultura. Os restaurantes onde a comida é servida no corpo nu de um adolescente não existem nas Filipinas e é de todo impensável que alguma vez possam existir.  

Consciência moral e objeção de consciência
Num dia de sábado, o Senhor caminhava pelos campos e seus discípulos, andando, começaram a colher espigas. Os fariseus observaram-lhe: “Vede! Por que fazem eles no sábado o que não é permitido?”. Jesus respondeu-lhes: “Nunca lestes o que fez Davi, quando se achou em necessidade e teve fome, ele e os seus companheiros?

Ele entrou na casa de Deus, sendo Abiatar príncipe dos sacerdotes, e comeu os pães da proposição, dos quais só aos sacerdotes era permitido comer, e os deu aos seus companheiros”. E dizia-lhes: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado; e, para dizer tudo, o Filho do Homem é senhor também do sábado. Marcos, 2, 22-28

Num dos seus discursos inflamados, com o intuito de guiar o povo alemão para a II Guerra Mundial, Hitler reconheceu que a consciência moral foi invenção judaica. A lei aplicada, sei epiqueia, transforma-se em injustiça, pelo que os antigos romanos diziam “sumum jus summa injuria”: uma coisa é ser justo, outra é ser justiceiro. A consciência moral como a objeção de consciência, são criações do cristianismo.

Sobre a nossa consciência moral não há nenhum poder, é na nossa consciência moral que somos livres, pessoas de direitos e deveres, de responsabilidade e de opções livres. Posso objetar em pegar em armas e ir para a guerra matar irmãos meus; posso objetar praticar um aborto ou auxiliar alguém a morrer. O Estado não pode obrigar-me a nada a que a minha consciência moral não me obrigue.

Outros valores mais altos se levantam, como diria Camões. A nossa consciência moral, bem formada e informada pelo evangelho, doutrina e tradição da Igreja, numa hierarquia de valores discerne em cada situação com a ajuda do Espírito Santo o que fazer ou não fazer. Se eu estiver a caminho de uma Igreja num domingo para participar na Eucaristia e alguém me pedir a ajuda urgente, eu devo deixar o valor da eucaristia para assistir o meu irmão.

O texto acima cita Jesus que diz que é Senhor do Sábado, todos somos senhores do Sábado, da lei, da regra, da norma; aí está a dignidade e liberdade da pessoa humana. Jesus cita a exceção de David que, pelos vistos, também já usava a sua consciência moral para discernir o que fazer em cada momento. Roubar é pecado, mas roubar para comer não é pecado, diz o povo.

Pecado está naquele que tem em demasia e não compartilha com o que não tem. “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado. A lei existe em função da vida, da autorrealização e da felicidade humana e não ao contrário.

Liberdade e igualdade
O valor humano da dimensão individual do ser humano é a liberdade; o valor humano da dimensão comunitária do ser humano é a igualdade. Liberdade e igualdade são os valores sobre os quais assenta a vida humana e sobre os quais assentam os sistemas políticos e económicos da sociedade.

O capitalismo exacerba a liberdade, o socialismo exacerba a igualdade. O equilíbrio ou harmonia da liberdade e da igualdade são tão difíceis de interiorizar para o indivíduo como para a sociedade. O mundo mundano não tem uma fórmula ideal para harmonizar as duas dimensões; mas o cristianismo tem: o mandamento do amor.

A cruz, símbolo do cristianismo, é onde a verticalidade do amor a Deus sobre todas as coisas e a horizontalidade do amor ao próximo como a si mesmo se encontram e harmonizam. Sem liberdade não há vida humana, sem igualdade não há vida social, sem fraternidade não há uma nem outra.

Estado social

O Reino dos Céus é semelhante a um pai de família que saiu ao romper da manhã, a fim de contratar operários para a sua vinha. Ajustou com eles um denário por dia e enviou-os para sua vinha. (…) pela undécima hora, encontrou ainda outros na praça e perguntou-lhes: “Por que estais todo o dia sem fazer nada?” Eles responderam: 

“É porque ninguém nos contratou”. Disse-lhes ele, então: – Ide vós também para minha vinha. Ao cair da tarde, o senhor da vinha disse a seu feitor: “Chama os operários e paga-lhes, começando pelos últimos até os primeiros”. Vieram aqueles da undécima hora e receberam cada qual um denário. Mateus 20, 1-2, 6-9

O Estado Social não foi inventado por Karl Marx quando disse que o Estado deveria exigir de cada um segundo as suas possibilidades e dar a cada um segundo as suas necessidades. O Estado Social, como tantas coisas que hoje assumimos como parte da nossa cultura, foi criado por Jesus e já aplicado pelos apóstolos na primeira comunidade cristã de Jerusalém, onde tinham tudo em comum e a cada um se lhe dava segundo as suas necessidades (Atos dos Apóstolos 2 44- 47).

Quando, como diz a parábola acima descrita, o patrão pagou aos que trabalharam uma única hora o mesmo que os que trabalharam o dia todo, o patrão não pagou segundo o trabalho feito, mas segundo as suas necessidades.

Os trabalhadores que estiveram na praça o dia inteiro porque ninguém os contratou tinham as mesmas necessidades que os que trabalharam o dia todo, uma mulher e filhos para sustentar. O patrão, consciente disso, pagou-lhes o mesmo que aos que suportaram o peso do dia e o calor. Nisto Jesus inventou o Estado Social onde a cada um é exigido segundo as suas possibilidades e dado segundo as suas necessidades.

O cristianismo é uma religião não religiosa, mas civil
Os justos lhe perguntarão: “Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos peregrino e te acolhemos, nu e te vestimos? Quando foi que te vimos enfermo ou na prisão e te fomos visitar?”. 

Responderá o Rei: “Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes. (…) todas as vezes que deixastes de fazer isso a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer”. “E estes irão para o castigo eterno, e os justos, para a vida eterna”. Mateus, 25, 37- 40, 45, 46

Quando Jesus aparece a Paulo, não lhe pergunta “Porque persegues os meus discípulos?”, mas sim “Porque me persegues?”. Jesus, o irmão maior, o irmão universal, está do lado do injuriado contra o injuriador, do lado do pobre contra o rico, do lado do oprimido contra o opressor, é Ele que faz com que a injustiça não tenha última palavra.

Se uma adolescente regressasse a casa de noite sozinha e fosse alcançada por um grupo de delinquentes com o intuito de a violar, decerto essa violação seria consumada, pois a menina não teria como defender-se. Porém, se um desses delinquentes reconhecesse a moça como sendo a irmã de um polícia temido e destemido, o grupo pensaria duas vezes antes de consumar a violação e muito provavelmente buscaria outro alvo. Cristo é o nosso irmão maior, o nosso irmão temido e destemido, com Ele a nosso lado nada temos a temer.

O verdadeiramente revolucionário no texto de Mateus é que Jesus converte a religião numa questão civil; já o tinha feito ao dizer que os únicos dois mandamentos que valem são o do amor a Deus, garantia de liberdade, e o do amor ao próximo, garantia de igualdade. Neste último texto, não há nenhuma pergunta religiosa, as perguntas do Juízo Final não são acerca da religião que praticaste, a que igreja ias ou mesmo se eras ou não ateu; todos serão julgados pelo grau de humanidade e não pela sua prática religiosa.

Cristo, de facto, veio ao mundo para ensinar o Homem a ser homem; os que, com Cristo ou sem Cristo, mostraram na vida do dia a dia um alto grau de humanidade, entram na vida eterna; os que ao contrário viveram para si mesmos cultivando valores temporais, reduziram a nada a sua vida e ao NADA voltarão, morrendo eternamente.

Conclusão: O cristianismo revela a natureza humana e mostra o caminho como esta pode ser vivida, de modo a alcançar a plenitude da vida neste mundo e no próximo. Ser autêntica e genuinamente humano e ser cristão são uma e a mesma coisa. 

Pe. Jorge Amaro, IMC