28 de junho de 2024

Cosmovisão Greco-Romana

De leste para oeste, do Sul para norte
Nesta sucessão de impérios e deslocações de centros do poder, notamos um ligeiro movimento geográfico de sul para norte (do Egito para a Grécia, da Suméria para a Acádia) e um movimento bastante mais apreciável de leste para oeste (da Suméria para a Babilónia). A Grécia assimilou todas as culturas anteriores a ela, ao derrotar o Império Persa. Roma assimilou a Grécia, expandindo-se mais para norte e aproximando-se a oeste do fim do mundo conhecido - “Onde a terra acaba e o mar começa” citando os Lusíadas, de Camões.

De alguma forma, podemos dizer que Roma está para a Grécia como os bárbaros estão para Roma, uma vez que Roma era muito mais culta que os bárbaros do Norte e do leste da Europa no tempo da queda do império. Roma nunca se impôs no oriente e eram muito mais tolerantes que os gregos foram com os judeus; neste aspeto, imitaram os persas que também foram condescendestes com os povos dominados.

A Grécia era orgulhosa da sua sabedoria, como vemos no discurso de S. Paulo no areópago. Roma era poderosa, mas magnânima e tolerante. Por isso, só conseguiu impor a sua cultura e língua junto dos povos ignorantes do ocidente; o oriente continuou a falar grego e os romanos pouco se importavam com isso.

GRÉCIA
A cultura helénica influenciou a civilização ocidental em inúmeras vertentes; certamente em muitas mais vertentes que as outras duas cidades pilares da mesma.

Filosofia
Filo-sofia (amor pela sabedoria). Era a arte de pensar sem nenhum objetivo prático ou pragmático para além de divisar o sentido do cosmos, das coisas e da vida em geral. É um pensamento crítico racional e reflexivo. Acima de tudo, a filosofia grega contestava a visão mítica do mundo. Os mitos são a primeira tentativa de explicação das coisas e dos fenómenos para lhes dar sentido e significado. São narrativas simbólicas cujos personagens são deuses. Cada realidade era comandada por um deus, havendo assim um deus do tempo, Cronos, um deus da guerra, Marte, uma deusa do amor, Vénus, etc.

A filosofia olha para o mundo de uma forma racional e busca explicações racionais ou razoáveis para os fenómenos naturais, sem recorrer a mitos ou a lendas fantasmagóricas. Destacam-se os filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles e um grande número de filósofos pré-socráticos como Heráclito, Parménides, Zenão, Demócrito, Anaxágoras e muitos outros.

Só sei que nada sei – É a máxima socrática que leva a não nos contentarmos nunca com o que já sabemos e a mantermos sempre a humildade, tão importante para aprendermos mais e mais. Para além do seu método de conhecimento, Sócrates imortalizou-se pela sua maiêutica, a arte de ajudar a trazer à luz, baseada no princípio de que a sabedoria já está dentro de nós, só precisamos de alguém que nos ajude a iluminá-la. Ainda hoje este princípio é válido e é aplicado em psicoterapia, na psicologia não diretiva de Carl Rogers, e também em sociologia, pelo pedagogo brasileiro Paulo Freire.

Democracia
A cidade de Atenas é considerada o berço da democracia. Os cidadãos atenienses (homens, nascidos na cidade, adultos e livres) eram aqueles que podiam participar nas votações que ocorriam na Ágora (praça pública). Decidiam, de forma direta, os rumos da cidade-estado.

Ciência – O abandono das crenças e mitos é importante para o surgimento do pensamento empírico e científico. Neste sentido, a filosofia é a mãe das ciências, pois foi com ela que surgiu o pensamento racional, livre de lendas, mitos e crenças, para analisar a realidade e os fenómenos naturais.

Por outro lado, a atitude socrática de que “só sei que nada sei” é também importante para ir divisando o mistério que envolve qualquer ciência: quanto mais se sabe, mais há para saber. Ainda hoje, os termos técnicos e científicos derivam do grego e os novos conceitos formam-se a partir do grego.

Medicina – Hipócrates, considerado o pai da Medicina, foi o primeiro a entender que as doenças não eram causadas pelos deuses, mas tinham como génese um desequilíbrio. Hipócrates deixou-nos o seu juramento que é ainda hoje utilizado pelos médicos no início da sua carreira.

Matemática – Tales de Mileto e Pitágoras deixaram-nos os seus teoremas, curiosamente à volta do triângulo, a figura geométrica mais simples, sendo todas as outras constituídas por sérias de triângulos, incluído o círculo.

Arquitetura – Certamente herdeira de patrimónios anteriores, como o do Egito e da Mesopotâmia, a arquitetura grega imortalizou-se com a introdução das colunas que tornaram os edifícios mais elegantes e menos monolíticos que os anteriores do Egito e da Mesopotâmia. As colunas gregas diferenciavam-se pela forma que assumiam no seu topo, com três estilos diferentes: o dórico, o jónico e o coríntio.

Arte – O conceito de beleza e harmonia retratado na escultura e na pintura. Os escultores buscavam retratar no máximo detalhe o corpo humano, característica que mais tarde voltou a observar-se no Renascentismo europeu, que nos deu obras tão famosas como a Pietá e Moisés de Miguel Ângelo.

História – Os gregos foram os primeiros a tratar a história com caráter científico, separando os factos das lendas, dos mitos e das crenças religiosas, distinguindo entre ação humana e interferência ou intervenção divina. A própria palavra História vem de um termo grego que significa pesquisa, investigação. Destacam-se os autores Heródoto, considerado também o pai da História, Xenofonte e Tucídides.

Literatura – Destaca-se Homero com os seus poemas épicos: a Ilíada que descreve a guerra de Troia, e a Odisseia que descreve as viagens e peripécias de Ulisses. Diz a lenda que este herói fundou a cidade de Lisboa, Olissipona, a cidade de Ulisses, quando deixou Troia depois da guerra.

Teatro – O teatro, nas diferentes modalidades de tragédia e comédia, representava não só uma diversão para os gregos, bem diferente da diversão violenta dos romanos com os gladiadores na arena, como era também uma forma de educação da juventude. Os autores mais famosos foram Ésquilo, Sófocles, Aristófanes e Eurípedes. Como as encenações eram ao ar livre, a Grécia construiu inúmeros teatros, tanto a norte como a sul do Mediterrâneo, e as suas ruínas ainda hoje podem ser observadas.

Jogos Olímpicos – Tinham um carácter sagrado e, como o próprio nome indica, eram uma homenagem aos deuses do Olimpo. Foram os gregos que inventaram, o desporto, a preparação física; eram jogos pan-helénicos, ou seja, entre as cidades-estado gregas. Celebravam-se de quatro em quatro anos e duravam cinco dias.

Cosmovisão ptolemaica
Ptolomeu (70-147 d.C.), o mais célebre astrónomo da Antiguidade, colocou a Terra no centro do universo. Neste sistema, o sol, a lua e os planetas giravam ao redor da Terra. Esta visão geocêntrica do mundo foi assumida pela Idade Média, e associada à filosofia aristotélica. A cosmovisão medieval colocava o homem, e a Terra por ele habitada, no centro da criação.

ROMA
Senatus Populus Que Romanus (SPQR)
“O Senado e o povo de Roma”. Estas são as iniciais que os romanos levavam nos seus estandartes, na sua bandeira, nas expedições militares e que colocavam nos edifícios públicos. Se algo demonstram estas insígnias e símbolo do poder de Roma, é que a ideia de democracia do povo grego foi assimilada pelo povo romano. Democracia para os romanos equivalia a república; a república era governada por senadores, representantes do povo.

Os romanos eram um povo mais prático e pragmático, assimilaram o legado da Grécia e não tentaram impor a sua cultura. Pelo contrário, eram muito tolerantes com os povos que dominavam, nem sequer impunham a sua língua - desde que pagassem tributo a Roma podiam até manter os seus usos e costumes, a sua religião e os seus reis.

Os romanos tinham consciência da grandeza e superioridade da cultura helénica e, de facto, em muitas matérias, não avançaram muito. Há, porém, vários pontos em que os romanos superaram os gregos e são esses que mencionamos. Como dissemos, esta evolução está ligada ao seu caráter mais prático que teórico.

O direito e a organização do Estado
Este é, sem dúvida, o mais importante legado romano para o mundo moderno. Na base do Direito de todas as nações do nosso planeta está o Direito Romano.

A divisão e separação dos poderes que devem funcionar livre e autonomamente sem influências mútuas, vem de Roma. Curiosamente, estes poderes são três: o poder executivo, o poder judicial e o poder legislativo. Foi instituído o princípio de controlo entre eles, para que nenhum excedesse as suas competências.

Os romanos distinguiam três classes de direito: o Direito Político, que regulava os relacionamentos entre o Estado e os cidadãos; o Direito Privado, que regulava os relacionamentos entre cidadãos; e o Direito Internacional ou o direito das gentes, que regulava as relações entre os diferentes povos e nações.

Ideias legais como o julgamento por júri, os direitos civis, os contratos, a propriedade pessoal, os testamentos legais, as leis que regem as empresas, foram influenciadas pelo direito romano e pela maneira romana de ver as coisas.

Vejamos algumas máximas latinas ainda hoje usadas, tanto no contexto do Direito e dos tribunais como vulgarmente pelo povo.

Dura lex sed lex – A lei é dura e difícil de cumprir, mas é a lei; está estipulada e concede segurança. Mais duro seria a arbitrariedade e imprevisibilidade de um ditador. Esta máxima estabelece o primado da lei e de que ninguém está acima da lei.

Sumum ius summa injuria - Excesso de direito, excesso de injustiça. Axioma jurídico que nos adverte contra a aplicação demasiado rigorosa da lei, que pode dar margem a grandes injustiças. Para evitar isso, é necessário a jurisprudência ou epiqueia. Uma coisa é ser justo, outra é ser justiceiro.

Excusatio non petita accusatio manifesta – É mais um princípio psicológico que do direito. Quando alguém se desculpa sem que ninguém lhe tivesse pedido que se justificasse, está a acusar-se a si mesmo implícita e inconscientemente.

In dubio pro reo – No caso de dúvida, pelo réu; expressão baseada na presunção de inocência; também se refere como o benefício da dúvida. A incerteza sobre a prática de um delito ou sobre alguma circunstância relativa ao mesmo, deve favorecer o réu.

Conditio sine qua non - Condição sem a qual não pode ser; utilizada para dizer que uma condição é indispensável para a validade de algo, como uma teoria de equivalência das causas. Um exemplo clássico de conditio sine qua non é a vontade dos noivos como pressuposto para que um casamento seja válido.

Patria potestas – O poder do pai, poder que o chefe de família exercia sobre seus filhos e seus descendentes mais remotos na linha masculina, fosse qual fosse a sua idade, bem como sobre aqueles trazidos para a família por adoção.

Habeas corpus - Que tenhas o corpo; é a ação judicial que protege o direito de liberdade ameaçado por ato abusivo de autoridade, ou seja, uma ação para impedir que alguém seja preso ou que permaneça preso injustamente.

Arquitetura e engenharia
No campo da arquitetura, os romanos são muito superiores aos gregos. Com a invenção do arco romano, os romanos construíram grandes templos, palácios, estádios, aquedutos e pontes, anfiteatros e edifícios públicos que integravam arcos e abóbadas com tal eficiência que muitas destas obras ainda hoje estão de pé. O Coliseu de Roma, o Panteão de Roma, o aqueduto de Segóvia e inúmeras pontes romanas ainda hoje são usadas.

Os romanos distinguem-se pelas estradas. No mundo antigo, foram eles que abriram estradas. As principais vias da Europa, que existem atualmente, foram construídas sobre calçadas romanas. Os romanos inventaram as pontes para passarem os rios e inventaram o aqueduto para levar água às suas cidades. O aqueduto marítimo de Cesareia, que ainda se vê na praia desta cidade, tinha 6 km de comprimento.

Uma das razões pelas quais o Império Romano durou mais que todos os outros, quase um milénio, é porque estava bem ligado pelas estradas e pontes que construiu em toda a Europa. A construção de estradas e pontes era tão importante para os romanos que até o título do Imperador refletia esse esforço, ao ser chamado Pontifex Maximus, o que significa o Supremo Engenheiro de Pontes. Ironicamente, este é agora o título do Pontífice Romano, o Papa, o que significa que ele como o representante de Cristo é a ponte entre a humanidade e Deus.

Alfabeto romano
É o alfabeto que utilizam as línguas neolatinas, o castelhano, o português, o francês, o italiano e o romeno, o catalão, o galego e o provençal. O inglês que se transformou na primeira língua franca do mundo provém em 60% do latim e do grego; os restantes 40% são de origem saxónica.

É, ainda hoje, o alfabeto mais utilizado no mundo, mesmo nas línguas que não são neolatinas como o alemão e o inglês e todas as línguas da Europa ocidental, e também o turco, vietnamita, malaio, somali, suaíli e quase todas as línguas africanas, além do tagalog, língua nacional das Filipinas.

Dissemos que o grego é ainda usado para termos científicos, embora haja uma exceção; para os nomes científicos de plantas e animais é o latim, e não o grego, a língua universalmente usada. Os romanos possuíam também uma numeração que ainda usamos para designar os séculos e pouco mais. Porém, como não tem zero, não serve para a matemática. A numeração que se usa a nível mundial é a árabe.

O calendário de 365 dias, com 12 meses que hoje usamos foi inventado pelo imperador romano Júlio César. A Igreja mais tarde mudou o calendário juliano, que ainda hoje é usado pela Igreja Ortodoxa, para o gregoriano, introduzido pelo Papa Gregório e hoje usado universalmente. O nome dos meses também é de origem latina.

Cosmovisão antiga
No Crescente Fértil, desde a Suméria e o Egito, as sociedades e impérios foram-se formando, o posterior assimilando as conquistas do anterior, como numa corrida de estafetas. Por fim, temos a Grécia e Roma como herdeiras de um Crescente Fértil do ponto de vista da agricultura, mas também da cultura. Grécia e Roma formataram não só a civilização ocidental posterior a elas, como grande parte do pensamento mundial.

A cosmovisão e religião antigas entendem o Céu e a Terra como intimamente ligados. Cada acontecimento é uma combinação de ambas as dimensões da realidade. Se uma guerra começa na Terra, então deve haver, ao mesmo tempo, guerra no Céu, entre os anjos das nações no Conselho Celestial. Da mesma forma, os eventos iniciados no Céu são espelhados na Terra. Vemos isto claramente nas obras de Homero, sobretudo na Ilíada, a que melhor conheço, e que descreve a guerra de Troia.

Esta guerra não acontece só na Terra, mas também nos Céus, pois os deuses aliam-se com os gregos ou com os troianos e seguem os acontecimentos da Terra a par e passo. Esta é uma forma simbólica de dizer que cada realidade material tem uma dimensão espiritual e que cada realidade espiritual tem consequências físicas.

Não pode haver nenhum evento ou entidade que não consista, simultaneamente, do visível e do invisível. Aristóteles, que no confronto com o idealista e espiritualista Platão era materialista, entende que o universo é esférico e finito. Esférico, porque esta é a forma mais perfeita; finito, porque tem um centro que é o centro da Terra, e um corpo com um centro não pode ser infinito.

A matéria parece possuir qualidades místicas — preferências, aspirações para certos tipos de movimento — é animada. As coisas caem porque é seu desejo voltar à Terra. A matéria em movimento acaba por parar a menos que haja agentes invisíveis que a mantêm em movimento. As esferas cristalinas que sustentam os planetas são mantidas em movimento por "inteligências" invisíveis.

Esta forma de ver as coisas foi tomada por S. Tomás de Aquino e fez parte da cosmovisão de todos os que viveram até à física mecanicista de Newton.

Assim está formatado o pensamento dos povos antigos, desde os escritores da Bíblia, sobretudo os do Antigo Testamento, até aos romanos, gregos, babilônios, egípcio e Índia chinesa. Esta era a visão do mundo antigo. Os deuses do Olimpo e todas as suas vidas, o ódio e as guerras, acabam com invejas, são como os humanos.

Até ao aparecimento do cristianismo, com a ideia de um Deus único e pessoal, a religião não tinha nenhuma incidência na vida; ou seja, não havia nenhuma moral ou “modus vivendi” associado à religião, pois os deuses eram tão maus ou tão bons como os humanos. Ethos na tradição grega ou morus na tradição romana, a ética ou a moral, não emana da religião, mas sim da filosofia; a partir de Platão e Aristóteles, que se dedica ao estudo da lei natural, emana da observação da natureza.

É esta lei natural que é o fundamento de todos os valores e direitos humanos, como a liberdade igualdade, responsabilidade, dignidade humana, o sentido de justiça, verdade e paz.

Conclusão: Possuindo os deuses os mesmos defeitos que os humanos, na cosmovisão dos povos antigos, a religião não tem nenhuma incidência ética na vida do dia a dia. Antes do Cristianismo  a ética provém da filosofia não da religião.

Pe. Jorge Amaro, IMC


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