15 de maio de 2024

Cosmovisão do Vale do Indo

A sucessão e a cronologia das civilizações obedecem a muitos fatores, um deles e talvez o mais importante, é o fator geográfico. Todas as grandes civilizações nasceram nas margens dos grandes rios; todas dependeram da agricultura, pois sem agricultura excedentária não haveria tempo nem disposição para dedicar-se a outras atividades, ou seja, sem agricultura não haveria cultura.

Ligado ao fator geográfico está o clima. Todas as grandes civilizações nasceram em climas temperados ou subtropicais. O frio excessivo não permite a agricultura, por outro lado lutar contra o frio não deixa tempo nem disposição para criar cultura.

Quando à cronologia com que estas se sucederam, é claro que as primeiras surgiram perto de África, na ponte entre a África, a Ásia e a Europa. Os humanos que se estabeleceram nas bacias do Tigre e do Eufrates criaram cultura antes dos que decidiram continuar a colonizar a Ásia e a Europa.

 Por este motivo, as últimas culturas são as da América Central, pois foram precisos muitos anos até o ser humano colonizar toda a Ásia e depois fazer a travessia do estreito de Bering e descer o continente americano até à América Central onde encontraram um clima semelhante ao do crescente fértil, e assim poderiam desenvolver uma cultura baseada na agricultura do mais. Os índios da fria América do norte nunca constituíram uma civilização que se pudessem equiparar à dos Maias e Astecas, pelo que permaneceram primitivos até à vida dos colonos europeus.

Origem e descoberta da civilização do vale do Indo
Foram provavelmente nómadas provenientes do Crescente Fértil que se deslocaram mais para este, em busca de condições de vida semelhantes às do Nilo, do Tigre e Eufrates e encontraram o vale do Indo, na zona que hoje pertence ao Paquistão, perto da cidade de Carachi. O rio Indo é o rio mais longo do Paquistão; nasce nos Himalaias e percorre 3 000 km até ao Mar Arábico.

Nascida algum tempo depois da civilização Sumérica e Egípcia, a civilização Harappa é praticamente contemporânea destas duas, entre os anos 3 300 a.C.–1 900 a.C. Ainda não se sabe muito desta civilização e há quem diga que é anterior ao Egipto e Mesopotâmia. No entanto, penso que não faz sentido que o homem proveniente de África tenha construído uma civilização longe deste continente, antes de construir uma mais perto, quando as condições eram as mesmas em termos de rios e terra fértil.

As principais cidades ou locais arqueológicos desta civilização são Harappa, Mohenjo-Daro e Lothal. Enquanto que a Suméria foi descoberta em 1825, os locais arqueológicos da civilização do vale do Indo foram descobertos muito recentemente Harappa em 1921, Mohenjo-Daro em 1922.

Planeamento urbano
Antes da escavação destas cidades pensava-se que a civilização indiana tinha começado no vale do rio Ganges, quando imigrantes arianos da Pérsia e da Ásia Central povoaram a região por volta de 1 250 a.C. A descoberta da civilização do vale do Indo veio revogar esta teoria, dando à cultura indiana um começo muito mais antigo.

No seu auge, a Civilização do Vale do Indo pode ter tido uma população de mais de cinco milhões de habitantes. As cidades do Indo distinguem-se pelo seu elaborado planeamento urbano, que sugere a existência de um processo técnico, político e administrativo relacionado com a utilização racional da terra para a agricultura e a conceção do ambiente urbano. Os harappianos foram dos primeiros a desenvolver um sistema de pesos e medidas padronizados.

As casas eram feitas de tijolo cozido, todas elas da mesma dimensão, o que nos leva concluir que esta era uma sociedade igualitária sem grande estratificação social. As cidades possuíam um sofisticado e elaborado sistema de drenagem, esgotos e abastecimento de água.

Cada casa possuía um poço de água, enquanto as águas residuais eram direcionadas para canais cobertos nas ruas principais. Até as casas mais pequenas da periferia da cidade estavam ligadas ao sistema, apoiando assim a ideia de que a higiene e o saneamento eram uma questão de grande importância.

Possuíam também piscinas de água reservadas aos banhos públicos que já naquele tempo eram usados mais para purificação ritual espiritual do que para higiene corporal, algo muito característico da sociedade indiana ainda hoje. Na imagem que ilustra este texto podemos ver em primeiro plano um desses banhos públicos da cidade de Mohenjo-Daro.

Religião, língua e cultura
Pouco se sabe sobre a religião e a língua harappiana. Uma coleção de textos escritos sobre tábuas de argila e pedra desenterradas em Harappa, com uma datação de carbono de 3 300-3 200 a.C., contêm marcas em forma de vegetal e de tridente que parecem ser escritas da direita para a esquerda.

Há um debate considerável sobre se se tratava de uma língua codificada e se estará relacionada com as famílias indo-europeias e do sul da Índia. A escrita do vale do Indo permanece indecifrável, sem símbolos comparáveis e acredita-se que tenha evoluído independentemente da escrita na Mesopotâmia e no Antigo Egito. Os investigadores estão a usar os avanços tecnológicos e informáticos para tentar decifrá-la.

A religião harappiana também continua a ser um tema de especulação. Tem sido amplamente sugerido que os harappianos veneravam uma deusa mãe que simbolizava a fertilidade. Ideia que concorda com a primeira conceção do divino das sociedades pré-históricas. Em contraste com civilizações egípcias e mesopotâmicas, a Civilização do Vale do Indo parece não ter tido templos ou palácios que comprovem claramente a existência de ritos religiosos ou divindades específicas.

Muitos dos símbolos da escrita harappiana aparecem em selos e carimbos. Foi encontrado um selo em que um homem surge em posição ioga em meditação. Está rodeado por um búfalo, um rinoceronte, um elefante e um tigre, com dois veados aos seus pés. Está sentado debaixo de uma árvore Pipa e chamava-se Pashupati. É talvez uma representação daquele que seria depois conhecido no hinduísmo como o deus Shiva.

Sistema de governo
Registos escritos deram aos historiadores uma grande visão sobre as civilizações da antiga Mesopotâmia e do Egito, ao contrário, são muito poucos os materiais escritos foram descobertos no vale do Indo. Há quem opine que o sistema de governo era centralizado como o do Egito pelas medidas standard dos tijolos e outras medidas de peso e distância; assim como há quem entenda que eram cidades-estado com as da antiga Suméria.

Não possuímos dados suficientes para nos inclinarmos por uma ou outra teoria, ambas são formas antigas de governo, uma mais democrática, como a sociedade suméria e até mesmo a sociedade Maia da América Central e a outra mais ditatorial, como a do Egito e dos Astecas na América Central.

Sociedade pacífica
Acredita-se amplamente que a civilização harappiana foi uma civilização pacífica que não se envolveu em nenhuma guerra, mas não há evidências conclusivas para confirmar esta crença, e alguns arqueólogos consideram-na um mito generalizado. Alguns estudiosos argumentam que os harappianos eram pacíficos principalmente porque não tinham inimigos naturais, devido à localização geográfica das grandes cidades. Foram encontradas armas nos locais arqueológicos, mas debate-se se foram usadas em conflito com outros grupos ou como defesa contra animais selvagens.

Declínio da civilização do Vale do Indo
A Civilização do Vale do Indo colapsou por volta de 1 800 a.C. Os estudiosos debatem sobre quais foram os fatores que resultaram na morte da civilização. Uma teoria sugere que uma tribo nómada e indo-europeia, os arianos, invadiu e conquistou a Civilização do Vale do Indo, embora evidências mais recentes tendam a contradizer esta afirmação. A maior parte dos historiadores acredita que o colapso da Civilização do Vale do Indo foi causado por alterações climáticas. Alguns especialistas acreditam que a seca do rio Saraswati, que começou por volta de 1 900 a.C., foi a principal causa para estas alterações climáticas e das condições de vida.

Em 1 800 a.C., o clima do Vale do Indo tornou-se mais frio e seco, e um evento tectónico pode ter desviado ou perturbado os sistemas fluviais, que eram as linhas de vida da Civilização do Vale do Indo. Os harappianos foram obrigados a emigrar para a bacia do Ganges no Leste, onde podem ter estabelecido aldeias e usado os terrenos para praticar a agricultura.

Estas pequenas comunidades não teriam sido capazes de produzir os mesmos excedentes agrícolas para apoiar as grandes cidades. Com a redução da produção de bens, teria havido um declínio nas trocas comerciais com o Egito e a Mesopotâmia. Por volta de 1 700 a.C., a maioria das cidades da Civilização do Vale do Indo tinham sido abandonadas.

Daqueles que foram para a bacia do rio Ganjes, por volta do ano 800 a.C., alguns estabeleceram-se como eremitas (os Vedas) nas florestas do rio Ganjes. Inspirados na religião Dravidia, originária do vale do Indo, adoravam espíritos naturais. Estas religiões acreditavam que as almas adquiriam uma outra forma física depois da morte do corpo; nasceu assim a teoria da reencarnação, tão popular no hinduísmo.

Os Vedas, palavra que significa "conhecimento", são os textos mais antigos do hinduísmo. São derivados da antiga cultura indo-ariana do subcontinente indiano e começaram como uma tradição oral que foi passada através de gerações, antes de finalmente serem escritos em sânscrito védico, entre 1 500 e 500 a.C.

Conclusão: higiene física, saneamento e pureza ritual e espiritual, assim como organização urbana e precisão matemática em pesos e medidas, sugere que esta era uma sociedade avançada para o seu tempo, “democrática”, igualitária e pacífica. Pena que ainda não tenhamos decifrado os símbolos que nos deixaram para saber mais. A cosmovisão indiana acabou por influenciar o pensamento e a vida de todo o sul da Ásia.

Pe. Jorge Amaro, IMC


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