1 de outubro de 2021

3 Entidades do cristão: Sacerdote - Profeta - Rei

Deus todo-poderoso, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que vos libertou do pecado e vos deu uma vida nova pela água e pelo Espírito Santo, unge-vos com o crisma da salvação, para que, reunidos ao seu povo, permaneçais, eternamente, membros de Cristo sacerdote, profeta e rei.
Unção com o óleo do Crisma depois do Batismo

Cristo, sendo rico, fez-se pobre para nos enriquecer a nós (2 Coríntios 8, 9). Jesus de Nazaré é Deus encarnado no Homem que Deus criou antes do pecado. Jesus morreu por nós para nos salvar da morte eterna, viveu por nós e connosco como Caminho, Verdade e Vida, para ser o modelo, o arquétipo e o paradigma de humanidade para o Homem de todos os tempos.

Antes de voltar para o Pai, Cristo partilhou connosco todos os seus poderes, talentos e faculdades e até disse que se tivéssemos fé podíamos fazer obras superiores às suas. Como cumprimento de todas as profecias, Cristo encarnou em si as três figuras ou arquétipos dos servidores do povo de Deus, sendo ao mesmo tempo sacerdote, profeta e rei.

Como refere acima a oração que o sacerdote reza ao ungir o recém-batizado com o óleo do Crisma, todo o batizado, pelo facto de o ser, fica unido a Cristo como membro do seu corpo místico que é a Igreja, pelo que fica a participar no sacerdócio de Cristo, assumindo também a função de ser profeta e rei.  

O conceito de Sacerdote no mundo primitivo
Quando a sociedade agrícola, sobretudo com o cultivo de cereais, permitiu uma certa estratificação social, a figura do sacerdote foi das primeiras a surgir, pois a religião nas sociedades primitivas englobava a cultura em geral, todas as outras atividades, ou seja, tudo o que não era agricultura.

O sacerdote era a pessoa que executava os rituais religiosos à divindade, lia e interpretava os textos sagrados e mantinha o local de culto. Era um intermediário entre a divindade e o povo. Em todas as religiões judaicas, da Suméria, Egipto, Roma ou outra, no budismo, no hinduísmo, nas religiões tradicionais africanas ou latino-americanas esta é sempre a função do sacerdote.

Xamãs e médiuns seriam outras versões mais sofisticadas no buscar uma relação e comunicação entre este o mundo e o mundo espiritual e divino dos espíritos e de pessoas que já faleceram. Há um ressurgir destas práticas com a religião Nova Era que é um sincretismo de muitas religiões, incluindo as tradicionais americanas, asiáticas e africanas.

O conceito de Profeta no mundo primitivo
É difícil encontrar no mundo primitivo fora de Israel uma figura que se pareça de perto ou de longe com a figura de profeta, uma vez que um profeta na antiga Israel não é, como muitos pensam, primariamente um adivinho. Profeta e profecia têm na Bíblia um significado muito complexo como adiante veremos. No entanto, o sentido de adivinho e adivinhação estão também de alguma forma incluídos, embora não sejam os principais.

Mostra que és profeta, ó Cristo, advinha quem foi que te bateu? (Mateus 26, 68) Este texto do Novo Testamento deturpa a função do profeta na antiga Israel, assemelhando-a à do adivinho. O profeta adivinhava, mas não no sentido da pitonisa do passado e dos adivinhos do presente em todas as culturas.

O profeta era um bom observador, leitor e intérprete dos sinais dos tempos; ou seja, via no presente sinais de um futuro que estava por vir e frequentemente anunciava esse futuro, para que o povo se preparasse ou ainda para que o povo o evitasse, como no caso de Jonas.

Adivinhos, feiticeiros, bruxos e bruxas, leitoras de sina, sempre os houve no nosso mundo. Estas figuras seriam as mais parecidas com uma faceta secundária do ser profeta, mas que também aconteceu e fez história com muitos dos profetas de Israel.

O conceito de Rei no mundo primitivo
Como acontece com os animais próximos de nós na evolução das espécies, a liderança é um fenómeno natural. Ao formar-se um grupo de pessoas, essas pessoas começam a atuar e a interagir entre si, surgindo assim um ou mais líderes. Autocrática ou democrática, que serve os outros ou que se serve dos outros, a liderança nasce por geração espontânea. O que não é natural num grupo é a anarquia, ou seja, a falta de um líder.

O mundo antigo conheceu várias formas de governo de uma tribo, povo ou nação. Antes das civilizações grega e romana, o poder concentrava-se numa só pessoa e passava de pais para filhos, como acontecia com os reis dos sumérios, da Mesopotâmia, da Babilónia, com os faraós do Egito, até ao império persa. Os gregos inventaram a democracia na qual e pela qual o governo pertencia ao povo que delegava o seu poder em vários líderes; o mesmo se passou com os romanos, com um sistema mais complexo que a democracia grega ao qual chamavam república.

Quando os povos primitivos e bárbaros sem cultura do norte da Europa conquistaram o império romano, a Europa retrocedeu por vários séculos do ponto de vista cultural e político, voltando à monarquia absoluta, ao governo de uma única pessoa que passava o poder para os seus filhos de geração em geração.

Sacerdote – Profeta – Rei no Antigo Testamento
E vós me sereis um reino sacerdotal e o povo santo. Estas são as palavras que falarás aos filhos de Israel. Êxodo 19,6

Não só a Igreja, como também Israel, já estavam no seu tempo fadados para ser para Deus um Reino sacerdotal e profético. Os três ofícios do Antigo Testamento devem ser as três facetas da vocação de todo o judeu perante Deus.

Sacerdote – Muito antes de Israel se constituir como nação, já na sua pré-história aparece uma figura misteriosa chamada Melquisedeque (Génesis 14.17-20). É ao mesmo tempo sacerdote e rei. Abraão presta-lhe homenagem e paga-lhe o dízimo. Se bem que o sacerdócio instituído mais tarde em Israel fosse um sacerdócio praticado exclusivamente pelos membros da tribo de Levi, este primeiro ou primitivo sacerdócio permaneceu em estado puro e idílico.

Jesus que era da tribo de Judá, não podia ser sacerdote, mas será sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedeque, rei de Salem. Nome e título decomposto, significa sacerdote bom, justo rei da paz.

O sacerdote representa o povo diante de Deus e as suas vestes dizia isto mesmo: usava uma tiara com a inscrição “santidade ao Senhor”, no peito usava uma placa com 12 pedras preciosas, cada uma de cor diferente, que representavam as 12 tribos de Israel.

Profeta – Se o sacerdote representava o povo perante Deus, o profeta representava Deus perante o povo. Toda a sua vida, palavras, obras e comportamentos são facetas de uma mensagem que encarna na sua vida. Todo ele é um meio audiovisual dos desígnios que Deus tem para com o seu povo. O primeiro grande profeta foi Moisés, que não só libertou o povo do Egito, como também o guiou pelo deserto e por fim lhe deu uma lei para observar.

A lei e os profetas é outra maneira de designar o Antigo Testamento. De facto, fora dos 5 livros do Pentateuco, ou seja, a Lei e os livros dos profetas, só ficam de fora os livros sapienciais que são tardios e nem todos foram aceites no cânone hebreu.

Os sacerdotes tinham um ofício rotineiro, ordinário e regular, sem grandes mudanças, por isso não escreveram história. Ao contrário, os profetas iam surgindo em cada situação e contexto histórico, encarnando sempre a vontade de Deus para o seu povo naquele contexto histórico cultural preciso.

Por isso temos um livro para cada profeta, eles são Deus que caminha com o seu povo, revelam-se e atuam na história do seu povo, não o abandonando nunca e guiando-o como outrora o primeiro profeta Moisés fez no deserto. O sacerdote representa sempre o status quo, o profeta representa a critica a esse status quo e a inovação.

Rei – O ofício de rei não nasceu primeiramente da vontade de Deus. Israel era uma teocracia e tal como em cada tempo e situação histórica, tal como ia surgindo um profeta para guiar moralmente o povo, também ia surgindo um Juiz para o defender politicamente e o livrar dos povos inimigos circundantes. Os filhos de Samuel, profeta, Juiz e sacerdote, deviam suceder-lhe, mas como estes já em vida do pai não seguiam as suas pisadas, o povo pediu que fosse ungido um rei para serem governados como os outros povos o eram.

A Deus não lhe agradou este passo da teocracia à monarquia e a princípio sente-se rejeitado (ou melhor dizendo, assim o interpreta Samuel) mas cede. Deus escreve direito nas linhas tortas dos homens, e concede-lhes um rei, porém a experiência da monarquia não foi lá muito bem-sucedida; só os primeiros três reis, Saul, David e Salomão, foram capazes de manter o reino unido.

A modo de resumo simplificado, os três ofícios do Antigo Testamento podem ser entendidos do seguinte modo: o sacerdote representa os interesses do povo perante Deus, o profeta é a boca de Deus, representa a Deus perante o povo e o rei governa o povo conforme os desígnios de Deus.

O Messias que o povo de Israel esperava era alguém que encarnava de maneira ideal estes três ofícios. Neste sentido, Israel devia aguardar um sacerdote como Melquisedeque, um profeta como Moisés e um rei como David. (2 Samuel 7, 12-13, Isaías 55, 3). Jesus de Nazaré é o Senhor, é o Cristo que na sua vida encarna perfeitamente estes três ofícios e, depois d’Ele, todos os seus seguidores são chamados a fazê-lo como Ele o fez.

SACERDOTE
(…) também vós - como pedras vivas - entrais na construção de um edifício espiritual, em função de um sacerdócio santo, cujo fim é oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus, por Jesus Cristo. 1 Pedro 2, 5

O Sacerdote no Antigo Testamento
“O sumo sacerdote é um homem como qualquer outro, mas constituído para representar os homens nas suas relações com Deus”. Hebreus 5:1

O conceito universal de ser sacerdote é o de ser intermediário entre Deus e o povo. O sacerdote procura, através de rituais e sacrifícios, aplacar a ira divina e ganhar para o povo os benefícios que Deus outorga a todos os que observam os seus preceitos e obedecem à sua vontade.

Intercede pelo povo – O sacerdote é o “Cohen” palavra hebraica para sacerdote, na medida em que é o intermediário entre Deus e o povo. Vemos Moisés exercer essa função quando o povo de Israel, na sua travessia do deserto, enfrentou os Melequitas; enquanto Moisés permanecia com os braços levantados em atitude de oração, intercedendo pelo povo, Israel prevalecia, mas quando, por cansaço, baixava os braços prevaleciam os Melequitas. (Êxodo 17, 11-12)

Mediadores nos conflitos – Os sacerdotes tinham a função de educar o povo na Lei (Levítico 10:10,11; Deuteronómio 33:10; 2 Reis 17:27,28; 2 Crónicas 15:3; 17:7-9; Jeremias 18:18; Ezequiel 7:26; 44:23; Malaquias 2:6,7). Também eram responsáveis por certas áreas da jurisprudência, ocupando-se de determinados assuntos de natureza civil (cf. 2 Crónicas 19:8-11; Ezequiel 44:24). Em casos criminais complexos, cabia aos sacerdotes indicar a sentença correta, de acordo com o padrão da Lei (cf. Deuteronómio 21:5).

Era função do sacerdote fazer o diagnóstico de certos tipos de lepras. Os sacerdotes examinavam determinada pessoa e atestavam se ela estava limpa ou impura. Quando Jesus curou os leprosos, enviou-os ao sacerdote para que este os declarasse curados. (Lucas 17, 14)

Oferece sacrifícios – O sistema sacrificial era um meio para reatar as relações entre Deus e o povo, quanto este desobedecia à Lei de Deus. O perdão era obtido pela oferenda de um sacrifício de expiação. Para além destes sacrifícios que eram diários, um de manhã, outro de tarde, o povo dava as primícias das suas colheitas e 10% de todas elas para manter a classe sacerdotal. Os direitos dos sacerdotes estão bem descritos no livro do Deuteronómio 18, 1-8. Os sacerdotes cuidavam do templo, lugar de encontro entre Deus e os homens, custodiavam a Arca da Aliança e levavam-na em procissão. Também tinham a função de ensinar a Lei ao povo.

O sacerdote ideal está para vir – O Salmo 110, 4 volta a colocar Melquisedeque como o sacerdote ideal; o seu sacerdócio, ao contrário do sacerdócio de Aarão, será eterno. O sacerdote ideal de Israel, é o Messias e seguirá a ordem de Melquisedeque e não a ordem de Aarão. Será como Melquisedeque: bom, justo e Príncipe da paz. Todo o capítulo 7 da carta aos Hebreus apresenta Cristo como sendo esse sacerdote que estava para vir.

Cristo Sumo sacerdote
Onde Jesus, nosso precursor, entrou por nós, feito eternamente sumo sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque. Hebreus 6:20

Não sendo da tribo de Levi, o seu precedente sacerdotal é Melquisedeque como já dissemos. Cristo exerce por excelência todas as funções sacerdotais e leva-as a todas à perfeição inigualável e irrepetível, pelo que se transforma para todo o sempre em modelo e paradigma de todos os sacerdotes ministeriais e comuns dos fiéis.  

Intercessor – (Cristo) pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles. Hebreus 7, 25. O que faz de Cristo o verdadeiro intermediário entre Deus e os homens, a verdadeira ponte entre Deus e os homens, é o facto de nele se concentrarem a natureza divina e a natureza humana. A própria pessoa de Cristo é já o encontro harmónico entre Deus e os homens, em Cristo já se reconciliam a natureza humana com a natureza divina.

Cristo não se limita a ser intermediário, é salvador, pois ao encarnar na natureza humana traz Deus à humanidade, ao voltar para o Pai leva a humanidade para Deus. Cristo é a ponte perfeita pela qual Deus vem à humanidade e a humanidade vai a Deus.

Isto mesmo está patente e simbolizado na visita que Jesus fez a Jericó antes de subir a Jerusalém. Jericó, a cidade da lua, a mais velha e a mais baixa do mundo, significa o pecado; na parábola do bom Samaritano, este descia de Jerusalém, a cidade da paz e símbolo da graça, para Jericó, simbolo de pecado; ou seja, está caindo em desgraça.

Jesus entra em Jericó e fica em casa de Zaqueu, sai de Jericó seguido de uma grande multidão e ainda cura um cego que se junta a esta multidão. Jesus sobe com esta multidão de redimidos de Jericó, 400 metros a baixo do nível do mar, para a graça de Jerusalém, 800 metros a cima do nível do mar.

Oferece o sacrifício perfeito inigualável, insuperável, irrepetível – Era tarefa principal dos sacerdotes oferecer sacrifícios pelo povo, mas antes de oferecer qualquer sacrifício, devia oferecer um sacrifício por si mesmo, para poder estar puro e depois oferecer o sacrifício pelo povo e purificá-lo também. Jesus não precisa de oferecer este primeiro sacrifício pois já é puro: Ele mesmo é Deus e homem de forma plena e perfeita.

O sacrifício de Cristo é perfeito porque Ele mesmo é o sacerdote, o cordeiro, o templo e o altar. O templo é o lugar onde habita Deus; Cristo era homem e Deus, por isso Deus habitava n’Ele na sua plenitude. O altar era o lugar onde se oferecia o sacrifício; Cristo é esse altar porque o oferece na sua vida; Cristo é o cordeiro sem mancha porque era em tudo igual a nós, exceto no pecado.

Um sacrifício assim perfeito não pode ser aperfeiçoável ou superável, pelo que o sacerdote hoje atua segundo esse mesmo sacrifício de Cristo, celebra a memória desse sacrifício que, de uma vez por todas, redimiu a humanidade por ser perfeito e não poder ser aperfeiçoável.

Chamados a ser sacerdotes
Todos os cristãos, pelo facto de estarem batizados, estão chamados a ser profetas e reis. Porém, quando se trata de serem também sacerdotes, não deixa de ser suspeito o facto de haver dois tipos de sacerdócio: o sacerdote laical ou do leigo, também chamado comum dos fiéis, e o sacerdote ministerial clerical que se contrapõe ao povo e está a cima deste.

Sacerdócio ministerial versus sacerdócio comum dos fiéis
Sabendo que Jesus toda a sua vida foi contra o templo e os seus sacrifícios, é difícil entender que a sua morte tenha sido interpretada como um sacrifício requerido por Deus para expiar os pecados da humanidade.

Jesus identificou-se historicamente com um movimento que abandonou o templo como sendo o centro do judaísmo, os essénios. Eles adquiriram o perdão dos pecados sem oferecer nenhum sacrifício, mas através de contínuas purificações rituais de água. João Batista terá sido um essénio que entendeu que essa via de salvação devia ser oferecida a todos. Por isso deixou o mosteiro e começou a perdoar os pecados por médio de uma imersão nas águas do rio Jordão.

Jesus foi discípulo de João Batista, foi batizado por ele e batizou gente no mesmo rio, tal como João, num primeiro momento do seu ministério, levando depois o perdão dos pecados pelas vilas, aldeias e cidades por onde andou e pregou.

Eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo
. João 1, 29 – Só no tardio evangelho de S. João, Jesus é chamado pelo Batista de cordeiro de Deus. Mesmo neste evangelho, Jesus não se refere a si mesmo como sendo o cordeiro de Deus. Nos evangelhos sinópticos ninguém diz que Ele é o cordeiro de Deus nem Ele se vê como o cordeiro de Deus. Só a carta aos Hebreus, escrito que ninguém assinou e que gira à volta da ideia de Jesus ser o sacerdote, é referido o cordeiro, o altar e o cordeiro, o perfeito adscritício que de uma vez por todas tira o pecado do mundo.

Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto. Quem ama a sua vida perdê-la-á, e quem neste mundo odeia a sua vida, guardá-la-á para a vida eterna. (…) E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim. E dizia isto, significando de que morte havia de morrer. João 12, 24-25, 32-33

Mesmo no evangelho de João, quando Jesus fala da sua morte, interpreta-a como sendo a morte de mais um profeta, ou seja, de alguém que morre por uma causa, para dar testemunho da verdade, uma morte semelhante à morte de Sócrates. Jesus dá a vida pelo seu projeto de humanização do homem como ser individual e do homem como ser social: o Reino de Deus. É neste sentido que nos salva, que dá a vida por nós.

Nos evangelhos sinópticos, Jesus anuncia a sua própria morte, mas nunca a interpreta. Os únicos dois momentos em que Jesus parece interpretar estão na parábola dos vinhateiros homicidas (Mateus 21, 33-46). É claro que a vinha representa Israel, os vinhateiros homicidas os sacerdotes, escribas e fariseus a quem a vinha fora confiada; estes matam todos os mensageiros, ou seja, os profetas que o dono da vinha, Deus, lhes manda; por fim, envia-lhes o Seu próprio filho, ou seja, Cristo que também matam e atiram fora da vinha.

(…) As que dizem respeito a Jesus Nazareno, que foi homem profeta, poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo. E como os principais dos sacerdotes e os nossos príncipes o entregaram à condenação de morte, e o crucificaram. (…) começando por Moisés, e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras. Lucas 24, 19-20, 27

O outro momento em que Jesus parece interpretar a sua morte é no caminho de Emaús, ao explicar aos dois discípulos por que motivo o Messias devia morrer. Não sabemos textualmente o que Jesus lhes disse, mas pelos vistos, tal como na parábola dos vinhateiros, Jesus interpreta a sua morte como a morte de mais um profeta, pois vem no seguimento de Moisés e de todos os profetas antes d’Ele que tiveram o mesmo fim, como diz o texto.

O Deus de nosso Senhor Jesus Cristo é um Deus que perdoa e esquece que não necessita de satisfação. Não necessita que paguemos o preço da nossa redenção. Isto de oferecer sacrifícios de expiação dos pecados é um antropomorfismo, ou seja, é como nós entendemos a Deus, não o que Deus é segundo a forma como Jesus O revela.

O mesmo é dito do purgatório que não foi criado por Deus porque Ele necessite que nós expiemos os nossos pecados antes de entrar na Glória com Ele. Somos nós que a partir da nossa natureza humana necessitamos do purgatório para reconquistar a nossa autoestima e porque apesar de Deus nos perdoar facilmente desde o momento em que reconhecemos o nosso pecado, nós a nós mesmos não nos perdoamos facilmente e alguns nunca se perdoam como o apóstolo Judas.

Portanto, para perdoar a humanidade Deus não necessitava do sacrifício do seu filho. Assim foi interpretado pelos homens à luz dos sacrifícios da antiga lei, mas Jesus verdadeiramente morreu como um profeta; morreu pela humanidade, por todos nós, não porque Deus Pai assim o requeresse, para nos perdoar, mas porque esta Humanidade rejeitou o seu projeto de salvação. Jesus não só morreu por nós, também viveu por nós: a causa da sua morte foi a mesma causa da sua vida.

A vida e morte de Jesus, por si sós, não seriam redentoras, se depois da sua morte não tivesse ressuscitado. Seria a vitória do mal sobre o bem, como tantas vezes tinha acontecido na História. A sua Ressurreição veio provar e validar o seu projeto salvador, que Ele é a Verdade e o Caminho, ou seja, a única forma de viver a vida temporal que leva à vida eterna.

Última Ceia, Instituição da Eucaristia ou do sacerdócio ministerial?
A eucaristia é a celebração não só da paixão, morte e Ressurreição de Jesus, como também da sua vida. A Eucaristia é a celebração da memória total da pessoa de Jesus pelos seus discípulos. Jesus diz, “fazei isto em minha memória”, não acrescenta “da minha paixão, morte e Ressurreição”, mas sim da memória da sua pessoa e do que significou a sua vida para todos nós.

A última Ceia é a celebração da despedida de Jesus e a instituição do sacramento da Eucaristia, ou seja, uma forma de Ele estar connosco até estarmos juntos e podermos beber outra vez do fruto da vide, no Reino de Deus. A eucaristia é a concretização do que Jesus tinha dito, “onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles”. (Mateus 18, 20)

Fazei isto em minha memória – é dito à comunidade na sua totalidade, aos discípulos na sua totalidade. Já nenhum teólogo acredita que na Última Ceia estivessem presentes só os 12 discípulos. Também estavam presentes as discípulas, a sua Mãe, Maria Madalena e as outras que os apoiavam economicamente, certamente a mãe dos filhos de Zebedeu estaria presente, assim como as outras mulheres.

Se o seguiram desde a Galileia e estavam aos pés da sua cruz, certamente estariam presentes na sua despedida. A Ceia Pascal dos judeus não era uma coisa só de homens, não excluía as mulheres, muito pelo contrário, estas até davam início à Ceia com a cerimónia da luz, do acender das velas, ritual que era realizado sempre por uma mulher, a mãe da casa. No caso de Jesus, é bem provável que tivesse sido a Sua mãe, a Virgem Maria, a acender as velas.

Alguns, ainda justificando a foto que Leonardo da Vinci fez da Última Ceia, dizem que as mulheres estavam, mas a servir. Decerto haveria Martas a servir, mas também havia Marias em atitude de discípulas, (Lucas 10, 38-42). Haveria mulheres a servir, mas duvido que a mãe do Senhor e Maria Madalena estivessem a servir: estariam antes sentadas à mesa. Seja como for, servir por servir, também Jesus na Última Ceia serviu, lavando os pés aos apóstolos.

O simbolismo do número 12
A Igreja perverteu o simbolismo do número 12 ao dar sentido e significado a cada um dos 12. O número 12 vem certamente dos 12 filhos de Jacob: cada um é cabeça de tribo. Durante os séculos posteriores, o número 12 significou o povo de Israel. Jesus quer criar um novo povo, por isso recorre ao simbolismo do número 12 e chama aleatoriamente 12 pessoas, não uma de cada tribo.

O evangelho dá-nos o nome de cada um deles mas, à exceção de Pedro, não confere nenhum simbolismo nem significado a cada um enquanto pessoas individuais. De facto, quando Judas falta, a preocupação de Pedro é restaurar o simbolismo do número 12, mais nada.

Isto prova que não há nenhum significado inerente a cada um dos 12, por si só; é o facto de S. Paulo não ser um dos 12 e de se chamar a si mesmo apóstolo e de nenhum dos 12 originais lhe negar esse título. Por outro lado, o próprio Paulo chama apóstolos a muitos dos seus colaboradores e colaboradoras (Romanos 16, 7).

Para melhor entender o simbolismo do número 12, tomemos como exemplo a bandeira da Comunidade Europeia com as suas 12 estrelas. Não representam os Estados membros porque os Estados membros são 27. Uma ou cada uma das estrelas dessa bandeira carece de sentido por si só; apenas tem sentido no conjunto que forma com as outras. O mesmo acontece, com a comunidade cristã, “unos christianus nulus christianus”, dizia Santo Agostinho.

S. Paulo tem, portanto, razão ao considerar apóstolo cada membro do corpo de Cristo, que originalmente contava com 12. Por isto mesmo não faz nenhum sentido que os bispos se considerem sucessores dos apóstolos. Todos, não só os bispos, são sucessores dos apóstolos, como todos os judeus são sucessores dos 12 filhos de Jacob.

Porque Jesus se dirige aos seus discípulos na sua totalidade, tanto varões como mulheres, ao dizer “fazei isto em memoria de mim”, facilmente deduzimos o sacerdócio comum dos fiéis do seu mandato. Deduzir também daqui o sacerdócio ministerial, especialmente como o temos hoje, um sacerdócio contraposto clerical, que na Idade Média chegou a constituir uma classe social ao lado da nobreza e do povo, parece-me esticar demasiado o texto.

Como é a eucaristia que faz o sacerdote e não o sacerdote que faz a eucaristia, tanto vale a eucaristia celebrada por um sacerdote santo, como a celebrada por um criminoso. A Eucaristia, e não o sacerdócio ministerial, é o valor a preservar. Há 2 000 anos que o judaísmo sobrevive sem templo, sacerdotes e sacrifícios; estes provaram não ser essenciais para a vida do povo e para a sobrevivência da sua fé. O cristianismo foi “ressuscitar” um tipo de sacerdote, casta que Jesus, como leigo, sempre rejeitou. Ele mesmo e todos os seus apóstolos, sobretudo Paulo, nunca se apresentaram como sacerdotes.

Há cada vez mais comunidades cristãs sem eucaristia porque os sacerdotes ministeriais são uma espécie em vias de extinção. Na Europa, os sacerdotes são idosos e têm cada um entre 3 e 5 paróquias; até quando podemos continuar assim? Devemos continuar a pedir a Deus vocações para este tipo de sacerdócio? E se Ele de facto nunca entendeu ter este tipo de sacerdotes?

Não estamos no tempo em que o sacerdócio ministerial, o presbítero, devia nascer da comunidade, na comunidade e para a comunidade? Assim acontecia com os primeiros presbíteros, eleitos entre os anciãos, nas comunidades que Paulo ia fundando.

Tal como os presbíteros de antanho, que eram os anciãos nascidos e criados na comunidade e por esta eleitos para presidir à eucaristia, assim o sacerdócio ministerial deve surgir do sacerdócio comum dos fiéis. Todos somos chamados a interceder uns pelos outros, a celebrar a eucaristia e a mediar entre pessoas em conflito. Uma das bem-aventuranças é precisamente a de ser pacificadores.

PROFETA
Hoje, o termo "profecia" sugere uma variedade de significados. Falamos de "profetas da desgraça", que vêm o mundo e seu futuro de uma forma negativa. Houve indivíduos com visões sociais, às vezes radicais, que foram chamados de "profetas da nossa era" ou "profetas do seu próprio tempo".

Há também aqueles "prophets" que realmente devem ser chamados de "adivinhos", que afirmam prever o futuro. Mesmo quando há alguma referência à "profecia bíblica", a compreensão popular é muitas vezes distorcida por pregadores que dão a impressão de que os profetas bíblicos olhavam para a bola de cristal de Deus e previam o que estava para vir.

A palavra profeta vem da palavra grega “profetas”, que literalmente significa aquele que fala por outro, especialmente pelos deuses. E esta palavra grega, por sua vez, é uma maneira bastante precisa de mencionar o nabi hebraico, que se refere a quem comunica a vontade divina.

A figura do profeta no Antigo Testamento
Os profetas entenderam-se como enviados. Eles recebiam o seu mandato de Yahveh, "Vai e diz ao meu povo." De fato, as mensagens proféticas quase sempre começam com a fórmula "Assim diz Yahveh" e conclui com "o oráculo de Yahveh" ou "diz Yahveh" (Amós 1, 3-5; Jeremias 2, 1-3).

Na tradição do Antigo Testamento, o profeta é o homem certo para o momento certo; é o que sabe interpretar o momento presente da vida do povo à luz da vontade de Deus, de quem se sente mensageiro, por vezes também intermediário entre Deus e os homens. É sempre um líder natural e uma pessoa carismática; tanto criticava um comportamento que não era adequado aos olhos de Deus, como confortava e infundia esperança nas horas amargas, como durante o exílio da Babilónia. É o que vê o extraordinário no ordinário, é o que sabe ver os sinais dos tempos e vê neles um futuro que está para vir e comunica a sua visão ao povo para que este se prepare.

Eu não era profeta, nem filho de profeta. Era pastor e cultivava frutos de sicómoros (Amós 7, 14). Ao contrário dos sacerdotes de Jerusalém e dos doutores da lei, os profetas não provinham do establishment, não tinham pedigree. Era o Espírito que, aqui e ali, nos momentos em que era preciso, ia suscitando um guia para o seu povo.

Agora não há nem príncipe, nem profeta, nem chefe, nem holocausto, nem sacrifício, nem oblação, nem incenso, nem um local para te oferecer as primícias e encontrar misericórdia Daniel 3, 38. Como se nota pelo texto, o profeta era uma figura importante para o povo. Sem ele, o povo sentia-se desorientado, confuso, abandonado, sozinho, inseguro…

Atos simbólicos dos profetas de Israel
O comportamento dos profetas, do Antigo Testamento, era tão bizarro que, por comparação com os atuais padrões seculares de sanidade, acabariam institucionalizados ou, pelo menos, em alguma forma de terapia intensiva.

Estes profetas não eram apenas falantes da palavra, encarnavam-na nas suas vidas, no seu talante, no seu comportamento e atos; tudo neles fazia parte da mensagem; a sua escolha de roupas e até mesmo os seus corpos e linguagem corporal. Testemunhavam assim, na própria carne, o quão transformador e desconcertante pode ser a Palavra de Deus. “Palavras leva-as o vento”, os atos simbólicos e dramáticos dos profetas falavam bem mais alto e eram mais difíceis de esquecer.

•    Isaías, despiu toda a sua roupa e vagueava nu. (Isaías 20).
•    Jeremias, escondeu a sua roupa interior numa rocha, e depois de muito tempo veio à procura dela (Jeremias 13).
•    Oseias casou deliberadamente com uma prostituta e pôs o nome de Loruhama ou não amada à filha de ambos (Oseias 1)

A função da profecia
Jonas levantou-se e foi a Nínive, segundo a ordem do Senhor. Nínive era uma cidade imensamente grande, e eram precisos três dias para a percorrer. Jonas entrou na cidade e andou um dia inteiro a apregoar: «Dentro de quarenta dias Nínive será destruída.» Jonas 3, 3-4

Na Bíblia, a profecia nunca pretendeu ser um vaticínio, mas sim uma admoestação ou um aviso: “se continuais a viver desta maneira, vai acontecer esta ou aquela catástrofe”. Os habitantes de Nínive, como sabemos, converteram-se e o que o profeta Jonas anunciou estar para vir não veio.

Muitos dos profetas do nosso tempo encarnaram um movimento, uma tendência uma mudança. Mahatma Ghandi, Luther King, Nelson Mandela, Óscar Romero. Todos tiveram palavras de admoestação contra uma situação injusta, todos encarnaram e encabeçaram um movimento, todos sofreram ou foram assassinados pela sua ousadia de molestar o status quo.

Isaías é, do ponto de vista do cristianismo, o profeta mais significativo do Antigo Testamento. Ao contrário de Elias, o maior profeta na perspetiva judaica, Isaías não era nacionalista, mas universalista. Sonhava com um banquete para todos os povos na capital de Israel, Jerusalém; com a reconciliação entre inimigos viscerais, o lobo e o cordeiro; com a conversão de armas de guerra em instrumentos de paz; com a vinda do Messias e com a sua paixão e morte e o significado destas.

O profeta ideal está para vir
Eis lhes suscitarei um profeta do meio de seus irmãos, como tu, e porei as minhas palavras na sua boca, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar. Deuteronómio 18, 18

Cristo encarnou a palavra, a mensagem, muito mais que qualquer dos profetas, de tal forma que nunca disse que Deus lhe mandou dizer isto ou aquilo, falou em nome próprio, e até se contrapôs modificando o que até ali tinha sido dito com a forma repetidamente usada no sermão da Montanha, “sabeis o que foi dito aos antigos… Eu, porém, digo-vos…”

Jesus profeta poderoso em palavras e obras
Com a vinda de Cristo podemos olhar para trás e ver estes profetas como prenúncio, não só através das profecias, que falavam da sua vinda, como também através das suas ações proféticas. Cristo é, afinal, a palavra feita carne, da maneira mais rica e mais completa possível. E, tal como o dos profetas, o comportamento de Cristo foi totalmente bizarro, desconcertante e confuso quando comparado com os padrões sociais e convencionais da época.

Era, afinal de contas, alguém que garantiu que reconstruiria o templo em três dias, comia com prostitutas e cobradores de impostos, expulsou demónios para uma vara de porcos, curou um homem cego, esfregando nos seus olhos lama que fez com a sua saliva, e andou sobre as águas.

A mais chocante ação dramática, foi sem dúvida lavar os pés aos seus discípulos. Quis executar o ato mais servil para que nunca esquecessem o que já tinha dito em palavras: o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos. Marcos 10, 45

Jesus foi, no dizer dos discípulos de Emaús, um profeta poderoso em palavras e obras. Até esperavam que fosse algo mais, tinham fé de que fosse algo mais: o próprio Messias. As pessoas do seu tempo, viam n’Ele um profeta, tal como responderam os apóstolos à pergunta sobre a sua identidade.

Jesus que nunca se confundiu nem se teve como sacerdote, parece ter aceitado que o vissem como profeta. (Mateus 21, 11; Lucas 7, 16; João 4, 19). Chamou-se a si mesmo profeta ao dizer “nenhum profeta é bem recebido na sua pátria”. (Lucas 4: 24–27). Interpretou a sua morte como a morte de um profeta, ao programar a sua agenda para morrer em Jerusalém onde todos os profetas antes dele morreram (Lucas 13, 33).

Maomé, o último profeta, Jesus, o filho de Deus
O Islão aceita como válida a tradição religiosa judaica descrita no Antigo Testamento que eles consideram também seu. Maomé é, portanto, o último dos profetas que Deus enviou ao mundo, sendo o penúltimo Jesus.

Se a humanidade viver mais 10 000 ou 20 000 anos, que sentido faz que o último tenha vindo no ano 524? Mais mudanças sofreu o mundo e a humanidade desde o ano 524 que em todos os milhões de anos anteriores; por que será que os profetas se sucediam uns aos outros com frequência e depois do ano 524 já não foram mais precisos?

Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e por meio de quem fez o mundo
. Hebreus 1, 1-2

No caso do Cristianismo, mesmo que a humanidade viva até ao ano 20 000, faz sentido que a revelação tenha acontecido no ano zero. Como explica o autor da carta aos Hebreus, O enviado não é mais um profeta, mas sim o próprio Deus que vem viver entre nós.

Há aqui um salto qualitativo; os profetas trazem mensagens para um tempo, a palavra de Deus é eterna para todos os tempos e lugares, porque Deus não precisa de falar duas vezes. Por outro lado, Cristo não é só uma palavra proferida, é uma palavra vivida e só se vive uma vez.

Em que sentido último profeta? É porque o Islão tem uma doutrina mais refinada e num caminho ascendente que já chegamos ao topo? Mas o topo até parece o cristianismo com uma narrativa muito mais humana e humanizante, como por exemplo o amor aos inimigos; o Islão na sua prática e doutrina até se assemelha mais ao Antigo Testamento que ao Novo, quando pensamos que ainda hoje se apedrejam mulheres e Cristo foi contra isso já nos seus dias.

O Islão é em si violento por natureza, pois não se trata de amar a Deus que nos amou primeiro, não se trata de amor com amor se paga; Deus no Islão é o senhor do Antigo Testamento que ordena submissão, Islão significa submissão, a pessoa submete-se a Deus, não ama a Deus que já não nos chama servos, mas amigos. De facto, a forma histórica como o Islão se expandiu não foi pela missionação ou catequese, mas pela força e submissão armada ou pelo negócio.

Chamados a ser profetas

¿En dónde están los profetas, Que en otros tiempos nos dieron Las esperanzas y fuerzas para andar? En las ciudades, en los campos, entre nosotros están. Ricardo Cantalapiedra

Os discípulos de Emaús, são a perfeita imagem do homem de hoje que anda à procura de sentido; um homem que carece de uma razão, de uma ideia ou ideal que explique tudo, de uma cosmovisão que dê sentido a tudo. Também de uma opção fundamental que organize a sua vida desorganizada e feita de retalhos que não se harmonizam entre si; uma vida fragmentada que o deixa confuso e perdido.

O homem quer descobrir o sentido desta vida aparentemente sem sentido; o profeta do mundo moderno é aquele que faz como Jesus e explica o sentido das coisas e reorganiza as pedrinhas da experiência de cada um, de modo a que formem um mosaico harmonioso onde cada ato, cada pensamento, tem sentido num todo harmonioso.

O profeta é o que dá razões da sua fé e da sua esperança (1 Pedro 3, 15). É o que tem um olhar raio X que vê a essência das coisas, além das aparências, que sabe interpretar os sinais dos tempos, que vê o mundo prenhe de algo que está para nascer e adverte o povo para que se prepare. É um líder, um guia para sair de uma situação que parece não ter solução, mas que o profeta consegue divisar escondida dentro do problema.

O profeta é uma antena que capta a vontade de Deus e a transmite aos homens, o catalisador da vontade de Deus, para cada momento da vida do povo. É o que não tem medo de enfrentar o status quo mesmo com a própria vida, quando este não segue os desígnios de Deus.

Quando Jesus disse aos seus seguidores “vós sois o sal da Terra, vós sois a luz do Mundo” estava a chamar-nos a ser profetas. O sal evita a corrupção, derrete o gelo, ou seja, os planos dos maldosos para fazer cair os outros, dá sentido à vida e fixa a água fonte de vida no nosso organismo que é constituído por 75% dela. O profeta é Luz do mundo que expõe a mentira e revela a verdade.

REI
Numa democracia, segundo a tradição grega, ou república, segundo a tradição Romana, a monarquia é por si só à partida um sistema injusto, pois como a própria palavra indica, é o governo de uma só pessoa sobre o povo. “A lei sou eu”, dizia o Rei Sol de França – esta premissa estabelece a arbitrariedade como sistema de governo.

O rei pertence a uma classe social, a nobreza, que se diz ter um sangue diferente do sangue dos plebeus. Este sistema que estabelece que, ao nascer, a tua vida já está determinada, conforme segundo nasces no seio da plebe ou no seio da nobreza, é um sistema arcaico e bárbaro à luz da democracia grega e da república romana. No tempo dos gregos e dos romanos, só os bárbaros eram monos-governados por um rei, ou seja, por um ditador.

Se fosse hoje, o título de presidente ou primeiro ministro seria aplicado a Jesus e não o de rei. Porém, Jesus é um tipo diferente de rei, um rei que serve e não é servido, um rei sem privilégios que é pastor do seu povo, por quem dá a vida. Estamos também nós, pelo batismo, chamados a ser este tipo de rei em todos os momentos em que a vida deposite algum poder nas nossas mãos.

O Rei no Antigo Testamento

De Moisés a Samuel houve 14 juízes. Num sistema teocrático como era o de Israel, Deus ia suscitando Juízes para defender o povo dos inimigos circunvizinhos. Da mesma forma que suscitava profetas para guiar o povo moral e religiosamente, suscitava líderes políticos, os juízes, para defender e guiar o seu povo social e politicamente. Samuel é o último destes Juízes, uma vez que nem os filhos do sacerdote Eli nem os filhos do próprio Samuel eram dignos de substituir os seus pais nos seus ofícios.

O povo pediu um rei à semelhança das outras nações e Deus concedeu-lho, primeiro em Saúl, depois em David e Salomão. Cada um destes governou durante 40 anos, depois deles o reino dividiu-se entre Norte e Sul. Na mente do povo, David foi o rei ideal, por isso, o messias que estava para vir seria o seu descendente.

Quando teus dias forem completos, e vieres a dormir com teus pais, então farei levantar depois de ti um dentre a tua descendência, o qual sairá das tuas entranhas, e estabelecerei o seu reino. Este edificará uma casa ao meu nome, e confirmarei o trono do seu reino para sempre. 2 Samuel 7.12-13

É o profeta Samuel que se dirige ao Rei David, nestes termos. Embora como rei tenha sido justo, magnânimo, temente de Deus e amante e pastor do seu povo, também teve os seus defeitos. Depois dele, viria o rei idílico, o messias, aquele que iria governar o seu povo, todos os povos pela via da verdade e da justiça para todo o sempre.

Cristo e o Reino de Deus
Do princípio ao fim da sua pregação, Jesus falou da vinda do Reino de Deus e disse claramente que este havia começado com a sua vinda ao mundo (Mateus 12, 27). Portanto, implicitamente, Jesus estava a dizer que era Rei, embora usasse pouco este título pelo seu significado mais político que social. Apresentou-se certamente como líder e, para tal, preferiu usar o título metafórico de Pastor, para evitar equívocos.

Jesus não é o tipo de líder que envia as suas tropas para a frente de combate, ficando Ele na retaguarda. Pelo contrário, Jesus vai à frente, não comanda nem exige nada aos outros que Ele mesmo não tenha feito. Dizia-se de Mussolini que disse aos seus sequazes, “armemo-nos e parti”, Jesus parte com os seus e vai à frente. De facto, foi o primeiro a cair na frente de combate contra o mal e a injustiça.

Jesus é Rei, mas não tem as regalias de tal posição, não é rei de sangue azul, é o servo de Yahveh que veio para servir e não para ser servido (Mateus 20, 28). Que está no meio de nós como quem serve e não como quem é servido. (Lucas 22,27)

Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou. Ora, se eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros. João 13, 13-14

Eis outro título que Jesus não aceitou em vida por estar em direta contradição com a sua ideia de messias. O povo de Israel esperava um Messias guerreiro, um outro David; de facto, alguns dos que foram curados por Jesus dirigiram-se a Ele como “Jesus filho de David, tem piedade de mim”. Depois da multiplicação dos pães, o povo queria fazê-Lo Rei, mas Jesus fugiu. Ao fim da sua vida quando estava prestes a subir ao seu patíbulo, que seria o seu trono, reconheceu ser rei quando Pilatos lhe perguntou diretamente se era Rei, mas acrescentou que o seu Reino não era como os deste mundo.  

Aos seus discípulos que sonhavam sentar-se à sua direita e à sua esquerda no seu reinado disse, “Bem sabeis que pelos príncipes dos gentios são estes dominados, e que os grandes exercem autoridade sobre eles. Não será assim entre vós; mas todo aquele que quiser entre vós fazer-se grande, seja o servo de todos”. Mateus 20, 25-26

Chamados a ser reis
Qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo. Mateus 20, 27

Os grandes na nossa vida são os que nos serviram, os pequenos e vis na nossa vida são os que se serviram de nós. Entre os primeiros incluem-se os nossos pais que deram a sua vida por nós em dedicação e serviço, sempre buscando o nosso bem, às vezes sacrificando-se a si mesmos para que nós estivéssemos bem e não nos faltasse nada; depois deles, os nossos irmãos mais velhos, os nossos professores, catequistas, etc.

O mesmo acontece na História da humanidade que é composta por heróis, os que serviram uma causa humana, e por vilões, os que se serviram dos seus semelhantes. Nas relações humanas não há meio termo: ou serves os outros ou te serves deles. A autoridade que não é serviço é manipulação e submissão autoritária dos outros.

Todos queremos ser grandes, ser populares, ter fama, e que toda a gente goste de nós. O caminho para estes objetivos é o do serviço. A única coisa que os ditadores obtêm é o ódio do povo e, como tal, estão sempre com medo que o povo se vingue, vivem sempre inseguros e paranoicos. São falsamente grandes, mas só aos seus olhos, pois aos olhos do povo são um vexame, uma vergonha, uma ignomínia.

Durante a nossa vida, todos temos algum poder, como pais, sacerdotes, líderes nesta ou naquela organização; exerçamos o nosso poder como serviço à instituição, aos outros e seremos grandes não só segundo o evangelho, mas segundo a História dos homens.

Conclusão - Todo o batizado é sacerdote para mediar os conflitos, profeta para ler os sinais dos tempos, denunciar a corrupção e as injustiças, rei para liderar pela via do serviço.  

Pe. Jorge Amaro. IMC


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