1 de maio de 2021

3 Marias: Mãe de Jesus - Madalena - Mulher de Cleopas

“As três Marias” é uma expressão popular que se pode aplicar a qualquer grupo de três mulheres que façam algo em conjunto; é nome de filmes e novelas, é também o nome de três estrelas extremamente brilhantes na constelação de Oríon.

O nome “três Marias” refere-se às três mulheres que estavam ao pé da cruz de Jesus no momento da sua crucificação. No referente à identidade destas mulheres, Marcos (15, 40-41) diz que são Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago Menor, irmão do Senhor e Salomé. No início do capítulo seguinte, Marcos diz que estas mesmas três mulheres são as que visitam o sepulcro no primeiro dia da semana.

Em Mateus (27, 55–56) são Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago Menor e mãe dos filhos de Zebedeu. Lucas não menciona, mas não deviam estar longe, pois estão presentes na sua sepultura se bem que não aos pés da cruz do Senhor (23, 55-56). A sua identidade, porém, é-nos revelada quando vão ao sepulcro, como sendo Maria Madalena, Joana e a mãe de Tiago Menor, irmão do Senhor. João coloca aos pés da cruz do Senhor Maria, sua mãe, a sua irmã também chamada Maria e mulher de Cléofas e Maria Madalena.

Por ser mencionada nos quatro evangelhos, damos Maria Madalena como segura aos pés da cruz do Senhor, como diz João, ou à distância, como dizem os sinópticos. Depois desta, a mais provável é a mãe de Tiago Menor e irmão do Senhor, mencionada por Marcos, Mateus e Lucas. Se Cléofas, como diz a tradição, é irmão de José, esposo de Maria, ele e a sua esposa, são cunhados de Maria. A terceira Maria seria então a mãe de Tiago Menor e irmão do Senhor que João menciona como sendo a mulher de Cléofas.

Como Maria, a mãe do Senhor, só é mencionada no evangelho de João, o mais provável é que não tenha estado lá e que no seu lugar esteja a mãe dos filhos de Zebedeu, como menciona Mateus e que seria a Salomé do evangelho de Marcos.

Assim sendo, aos pés da cruz do Senhor ou à distância, estavam Maria Madalena, Maria mãe de Tiago Menor também conhecida por mulher de Cléofas, e Maria, mãe dos filhos de Zebedeu (Tiago Maior e João), também conhecida por Salomé.  

Se em vez de nos referimos às mulheres testemunhas da morte, sepultura e ressurreição de Jesus, nos referirmos às três mulheres mais importantes da vida de Jesus, segundo nos falam os evangelhos, Maria, sua mãe, vem em primeiro lugar, seguida de Maria Madalena e Maria de Betânia. Ao fazermos uma síntese das mulheres mais significativas para Jesus durante a sua vida e no fim desta, ficamos com Maria, sua mãe, Maria Madalena, líder das discípulas de Jesus e uma incógnita Maria sobre a qual não existe consenso, pelo que a designamos como Maria X.

Neste texto falaremos de Maria, mãe do Senhor e de Maria Madalena. Sob o título de Maria X falaremos das outras discípulas de Jesus, com nome ou sem nome, assim como de todas as mulheres que se cruzaram com o Senhor e que fizeram parte do seu ministério.

MARIA – MÃE DE JESUS
Os nossos irmãos protestantes têm uma certa relutância em chamar a Maria mãe de Deus. Porém é lógico que assim seja, o que pode ser demonstrado por um silogismo simples. O silogismo é uma forma logico-dedutiva de raciocinar que consta de duas afirmações ou premissas verdadeiras com uma conclusão lógica deduzida das duas premissas. Primeira premissa: Maria é mãe de Jesus, segunda premissa Jesus é Deus, logo Maria é mãe de Deus. Se as duas premissas são verdadeiras até para os protestantes, não aceitar que Maria é mãe de Deus é desafiar a lógica.

A nossa mãe é histórica e cronologicamente anterior a nós, não é neste sentido que Maria é mãe de Deus, pois não preexiste a Deus Pai nem à segunda pessoa da Santíssima Trindade. Maria é mãe do Verbo encarnado, por isso também têm alguma razão os protestantes quando dizem que Maria é mãe só da parte humana de Jesus. Porém Jesus é verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus; tal como quando meia célula proveniente do homem se une a meia célula proveniente da mulher, formando uma célula indivisível, assim também a união da natureza divina e humana na pessoa de Jesus são indivisíveis.

Algumas parábolas de Jesus ilustram a encarnação de Deus como um casamento entre o filho de Deus e a humanidade. Quando Deus enviou o seu filho ao mundo casou com a humanidade; o casamento é a união de dois destinos num só destino. O matrimónio é indissolúvel, por isso a segunda pessoa da Santíssima Trindade possui um corpo humano, ainda hoje sentado à direita do Pai. Foi isso mesmo que nos quis dizer Jesus quando disse que nos ia preparar um lugar; Jesus levou para o Céu a nossa humanidade.

Maria ficou a ser mãe da segunda pessoa da Santíssima Trindade no momento em que a segunda pessoa da Santíssima Trindade encarnou no tempo em Jesus de Nazaré. Maria é hoje mãe de Deus porque é mãe da segunda pessoa da Santíssima Trindade.

Apesar de ser mãe de Deus, Maria não é divina, não é Deus, permanece humana pois é a sua humanidade que a liga a Deus, não a sua divindade que é de todo inexistente. A existência de Maria, para além de dar um rosto humano ao filho de Deus, leva o género feminino para um Céu excessivamente masculinizado e patriarcal, representando hoje o rosto feminino de Deus.

É neste sentido que o Papa João Paulo I disse um dia que Deus não é só Pai, também é mãe. Se Jesus representa a Deus na sua masculinidade e na sua paternidade, Maria, sua mãe, passou a representar a Deus na sua maternidade e feminilidade. Graças a Maria, temos uma visão mais equilibrada de Deus; por ela e com ela, o ser humano reconcilia-se com as suas raízes, com o tempo em que conceptualizava a Deus como Mãe. De facto, nos primórdios da civilização humana, na mente do homem primitivo, Deus antes de ser Pai foi Mãe.

Conceptualização de Deus como Mãe
Somos o objeto do amor imortal de Deus. Sabemos: Ele tem sempre os olhos postos em nós, mesmo quando parece estar escuro. Ele é o nosso pai; mas acima de tudo, Ele é nossa mãe. Papa João Paulo I – Angelus, 10 de setembro e 1978

Segundo as lendas contadas pelos antigos para conseguirem os seus objetivos políticos “Deus é Pai”. Segundo o que realmente sabemos, “Deus é Mãe”. João Paulo I – numa audiência com bispos filipinos a 28 de setembro de 1978.

Existe absoluto consenso entre os antropólogos de que a primeira divindade adorada pelos seres humanos era uma deusa, não um deus. Reverência era dada à divindade como a mãe de todas as coisas vivas, e era identificada com a terra ou o solo. A terra, até hoje, é feminina na maior parte das línguas e mitologias de todo mundo. O facto de ainda hoje nos referirmos à Natureza como “Mãe Natureza” é uma prova incontornável de que na mente do homem primitivo o Ser Superior em que a humanidade sempre acreditou era mulher, não homem, Deusa não Deus.

Os homens primitivos observam como a vida das plantas nasce ou brota da terra, o mesmo acontecendo com as fêmeas dos animais e sem exceção com as fêmeas humanas. A fertilidade da fêmea humana era a origem tanto dos varões como das mulheres. A mulher era dadora de vida individual e de imortalidade para a sua tribo. Além do dom reprodutivo da própria vida, o homem também era atraído pela mulher por prazer e alívio sexual.

Como a conexão entre o ato sexual e o parto ainda não tinha sido estabelecida, as mulheres da tribo detinham o verdadeiro poder. A inteligência dos homens primitivos era ainda muito reduzida, ainda viviam em simbiose com a Natureza, como se a ela estivessem ligados por um cordão umbilical, não destacados dela, como hoje nos entendemos; a autoconsciência era ainda muito reduzida.

Pela inteligência que hoje possuímos, torna-se difícil entender como os humanos não se davam conta de que os bebés eram o resultado de um ato sexual, mas assim era, porque a causa, o ato sexual e o efeito estavam separados por nove meses; era demasiado tempo para que os primitivos pudessem estabelecer uma ligação de causa-efeito.

A analogia sobre o melhor veneno para matar ratos ajuda-nos a entender este ponto. Se colocarmos um determinado veneno de cor amarela num canto da casa um rato passa por ali e come o veneno e morre logo a seguir; os outros ratos são capazes de estabelecer uma ligação de causa e feito e nenhum outro rato tocará no veneno.

Porém, em vez do pó amarelo podemos colocar um outro pó apetitoso que não provoca nada, mas liquefaz o sangue de tal modo que se o rato que o comeu tiver uma luta ou um acidente e sangrar, sangra até à morte. Como o efeito está longe da causa, os ratos não conseguem estabelecer a conexão. Recordemos que houve um tempo em que a nossa inteligência não era muito superior à do rato de hoje.

Conceptualização de Deus como Pai
Quando a conexão entre o coito e o parto foi estabelecida, o estatuto do homem começou a subir. O varão começou a ser então percebido como crucial para o processo reprodutivo que garantia a vida. A deusa original da Mãe Terra passou então a ser complementada por um consorte, primeiramente pensado como o Deus Pai do Céu. A chuva que ele envia do céu é o sémen divino que vai engravidar a Mãe Terra para que a vida possa dela brotar. No caso do coito, o homem começa a ter consciência de que a mulher é só o terreno fértil onde ele coloca o sémen, a semente do ser humano.

Com estes pensamentos, nasceu a autoconsciência do ser humano e a oposição do Ego à Natureza, do pensamento ao instinto. Pensa-se que a autoconsciência tenha nascido uns 7 000 anos antes de Cristo. O ser humano já não se vê ligado à Natureza por uma espécie de cordão umbilical, mas contraposto a esta desde o momento em que estabelece uma diferença entre a pessoa e o solo que sustenta a vida da pessoa.  

A história de Abraão, é a história de um homem que por obediência a um chamamento que escuta e sente no interior do seu Eu, se emancipa, rompe os laços com a terra que o viu nascer, Ur, e empreende uma viagem em busca da sua identidade e do Deus que a sustenta. O Deus Céu, o Deus Pai passa a ser agora mais importante que a Mãe Natureza, pois esta, sem a chuva vinda de cima, nada podia produzir. Este Deus Pai promete a Abraão uma grande descendência e obriga-o a romper com o culto dos sacrifícios humanos oferecidos às deusas da fertilidade.

Crescei, multiplicai-vos e dominai a terra (Genesis 1,28). A sobrevivência passa agora a ser menos uma função das capacidades reprodutivas da mulher e mais uma função da capacidade do homem de fazer a Natureza atender às suas necessidades. É esta a grande diferença entre o Neanderthal e o Homo Sapiens: o Neanderthal adaptava-se à natureza, o Homo Sapiens adapta a natureza a si mesmo.

A partir desta altura, Deus é masculino, Pai e dominador absoluto. O ser humano não só domina a terra e a natureza, mas também a mulher que era imagem e semelhança da Natureza. A chave da fertilidade para a terra era a chuva que vinha do alto e era enviada por Deus Pai. A fertilidade da mulher vem também de fora dela, pois é o homem que deposita nela a semente da qual surge o ser humano; depende, portanto, da vontade do varão e não da vontade da mulher.

Desde este tempo, até à descoberta do óvulo em 1928, a mulher era passiva no ato de dar à luz, era entendida apenas como o terreno onde crescia o ser humano, não se sabia que metade do material genético provinha dela como se sabe hoje. S. Tomás chamava ao sémen humano o homúnculo, ou seja, o pequeno homem. O ato de benzer com água que jorra do hissope, tão parecido com o ato de ejaculação do varão, faz-nos recordar o quão atado ainda está o ato de bênção ao domínio do varão.

Maria e a restauração da maternidade e feminilidade divinas
Quando se completou o tempo previsto, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sujeito à Lei, para resgatar os que eram sujeitos à Lei, e todos recebermos a dignidade de filhos. Gálatas 4, 4-5

Maria pode ser muito bem vista como uma deusa pois, por ela e nela, foi o mundo recriado ou salvo. De Maria e por Maria nasceu Jesus, sem concurso de varão, tal como o homem primitivo entendia que os seres humanos vinham ao mundo. Do ponto de vista humano, ela e só ela é protagonista, o varão não tem arte nem parte na vinda de Cristo ao mundo, na encarnação de Deus em ser humano.

Por isso, vemos em Maria a reposição da verdade, a tão esperada libertação da mulher da tutela e da escravidão a que o varão a submeteu ao longo da História. Em Maria, a mulher vê-se vingada. Afinal, Deus precisou de uma mulher para vir ao mundo e não de um homem. S. Paulo di-lo de uma maneira clara, Cristo é nascido de mulher por obra e graça do Espírito Santo, sem concurso de varão.

Contraposta a um mundo patriarcal onde a mulher é sempre propriedade de um varão, pertence ao pai até este a ceder ou mesmo vender ao futuro marido, em função de quem vive o resto dos seus dias, Maria é uma mulher livre da tutela do varão e não vive em função de nenhum varão, a não ser do seu filho. Isto é particularmente visível no livro sagrado dos muçulmanos, onde Maria é o único nome de mulher que ali aparece e a quem é dedicado um longo capítulo. Todas as outras mulheres ali mencionadas nunca aparecem com o nome próprio. Por exemplo fala-se de Sara, mas não como Sara, mas sim como mulher de Abraão; de Rebeca, mas não como Rebeca, mas sim como mulher de Isaac.

Em Maria dá-se uma compensação e um reequilíbrio entre o feminino e o masculino; em Maria dá-se uma restauração do poder feminino, os valores de virgindade e maternidade. O poder masculino do sexo foi destronado em Maria. Na sua Assunção, Maria leva a sua feminilidade para um Céu excessivamente masculino, habitado por Deus Pai e miríades de anjos masculinos e, de lá, recorda-nos como o papa João Paulo I o fez no seu tempo, que Deus é tanto Pai como Mãe e é até mais Mãe que Pai.

MARIA X
A outra Maria, não sabemos ao certo quem é. Queremos por isso que represente todas as mulheres que se cruzaram com Jesus. A humanidade de Jesus, o seu carácter, a sua personalidade, a sua forma de ser, é-nos revelada mais pela forma como se relacionou com as pessoas que se cruzaram no seu caminho do que pelos seus sermões e milagres. Vejamos então como se relacionou Jesus com as mulheres do seu tempo.

Uma história de vexame, humilhação, abuso e submissão
(…) como é da roupa que sai a traça, assim é da mulher que procede a malícia feminina. Menos dano te causará a malvadez de um homem do que a bondade de uma mulher (…) Eclesiástico Ou Bem Sira 42, 13-14

Desde que o varão estabeleceu a ligação entre o ato sexual e o nascimento, começou uma história de domínio da mulher em todas as culturas e civilizações que existiram à face da terra até ao presente momento. Em todas as cosmogonias, a mulher é culpada pela vinda do mal ao mundo; a cosmogonia judaica do Génesis e a caixa de Pandora da mitologia grega são dois exemplos retirados da cultura ocidental.

Não precisamos de ir ao passado para encontrar exemplos de abusos contra a mulher que representa um pouco mais de metade da população mundial. Quando encontramos abusos no momento presente, debaixo do nosso próprio nariz, em pleno século XXI não é difícil imaginar o que terá acontecido ao longo da História anterior a nós.

Nyotaimori – É o nome dos restaurantes japoneses onde a comida é servida em cima do corpo nu de uma mulher, geralmente uma adolescente. Muito popular no Japão e em muitos países para onde os japoneses emigraram, é algo impensável na cultura ocidental.

Se pensamos que o abuso da mulher divide o mundo rico do mundo pobre, estamos enganados. O abuso da mulher e a sua submissão, como dissemos, é comum a todas as culturas, a umas mais que a outras. A cultura ocidental é onde se abusa menos; prova disso é mesmo este restaurante impensável no pais vizinho do Japão, as Filipinas, culturalmente não muito distinto, sendo a única diferença marcada entre os dois a religião. As Filipinas são um pais cristão desde há 500 anos a esta parte e isso faz a diferença.  

O cristianismo é fundamentalmente uma religião patriarcal, mas quando a comparamos com todas as outras religiões e culturas dela resultantes é um mal menor. Foi no mundo ocidental que surgiu o movimento de libertação da mulher e é ainda na cultura ocidental onde a mulher mais se iguala ao varão em dignidade e direitos.

Apedrejamento da mulher adúltera – não me refiro ao episódio evangélico, mas a uma prática contemporânea em certos países muçulmanos, como o Afeganistão e o Paquistão. Se pensarmos que Jesus perdoou uma mulher apanhada em adultério há dois mil anos, parece impensável que as mulheres ainda hoje sofram esta pena capital, executada tantas vezes por hipócritas adúlteros. O mesmo pecado não tem o mesmo peso entre o homem e a mulher. O que Jesus quis dizer é que tão adúltero é o homem com a mulher, a mulher não comete o ato de adultério sozinha, porém só a mulher é punida.

Epidemia de violações na Índia – é notícia dos nossos dias a violação de meninas na Índia e a impunidade endémica que se verifica na sociedade e sobretudo nos tribunais e polícia. É frequente escutar em tribunais que a culpa é dela que não ia bem vestida, como se a mulher não fosse livre de se vestir como quiser para agradar a si mesma, ao seu marido ou ao seu namorado. Para este tipo de homens que não têm controlo sobre os seus impulsos, as mulheres têm que ir vestidas como um saco e burca para evitar espoletar a luxúria masculina.

Formas de vestir – a burca e o saco que vestem as mulheres muçulmanas em certos países é a forma mais deformadora da beleza feminina. Como se a beleza do corpo da mulher fosse intrinsecamente má, ou intrinsecamente provocadora. Uma mulher toda tapada dos pés à cabeça deslocando-se dentro de um saco, é como uma prisão ambulante. Se as formas e a beleza feminina perturbam alguns, o problema não está nessas formas e nessa beleza queridas e criadas por Deus; o problema e a maldade está em quem vê e interpreta.  

Circuncisão ou mutilação – na maior parte dos países de África ainda se pratica a circuncisão masculina que é relativamente simples e sem problemas; o mesmo não acontece com a circuncisão feminina. A circuncisão como preceito religioso é proveniente de Israel, mas ali nunca existiu a circuncisão feminina, pois a prática da religião era coisa de homens e não de mulheres.

A circuncisão feminina nasceu como instrumento de dominação, para limitar o prazer sexual das mulheres quando só a ponta do clítoris é cortada; esta é a circuncisão cristã da Etiópia. A circuncisão muçulmana consta da erradicação do clitóris desde a sua raiz de tal forma que uma mulher muçulmana nunca sinta o prazer sexual.

Rapto da noiva – na Etiópia, onde vivi como missionário, para além da circuncisão feminina, um outro instrumento de humilhação das mulheres é o ato do casamento. O varão escolhe a sua esposa e um belo dia, sem esta saber, rapta-a; assim, esta acaba casada contra a sua vontade com alguém que muitas vezes nunca viu. Não estou a falar do passado, estou a falar do que vivi na Etiópia e do que acontece ainda hoje.

Tudo isto porque o casamento tradicional fica muito caro; os pais das donzelas pedem preços exorbitantes para ceder a sua filha, então os noivos raptam-na e, depois da primeira noite, o preço desce vertiginosamente.

Virgindade física – sempre a entendi como objeto de domínio, vexação e humilhação. Por questões de anatomia feminina, a vagina está parcialmente fechada para evitar a entrada de agentes patogénicos que levariam a infeções. Não existe virgindade física masculina porque, sendo a uretra no homem mais longa que na mulher, as infeções são menos frequentes.

O uso cultural deste detalhe da anatomia feminina para controlar o comportamento da mulher em matéria sexual tem sido um instrumento de opressão ao longo da História em quase todas as culturas. Acuso a minha própria Igreja de ser conivente com esta ideologia, quando exalta a virgindade feminina esquecendo-se da masculina. Na Igreja quando se usa o termo “virgem” sempre nos referimos à mulher e não ao varão. Acaso há valores masculinos e valores femininos?

Violência doméstica – “quanto mais me bates mais gosto de ti” diz um provérbio português. Pobres mulheres que são levadas a olhar para a violência como normal, como fazendo parte do matrimónio. Muitas mulheres vivem um autêntico inferno matrimonial sem terem ninguém que as ajude, sofrem muitas vezes em silêncio praticamente toda a sua vida matrimonial.

Denunciar estes delitos numa sociedade onde a violência doméstica é vista como normal, agrava a situação. Porém a impunidade também a agrava e às vezes a denúncia já não vai a tempo. Todos os anos morrem mulheres nos países ocidentais, vítimas de violência doméstica e muitas mais no resto dos países.

Senhora de deveres não de direitos – em todos os países, a mulher é obrigada aos mesmos deveres que o varão e a muitos mais que o varão; porém, quando se trata de direitos, este tem mais que a mulher. Na Arábia Saudita, só agora a mulher foi legalmente autorizada a conduzir um carro; nos EUA, a mulher só alcançou o direito de voto a partir do princípio do século passado, em 1920. Em todos os países do mundo ocidental, mesmo fazendo o mesmo trabalho que o varão e às vezes com mais eficiência, a mulher recebe um salário que é sempre mais baixo.

A mulher antes de Jesus
“Mulher, perna quebrada e em casa” diz o provérbio português. A mulher devia viver fechada em casa e dedicar-se à vida doméstica. Moía o grão, fazia o pão, cozinhava, fiava, tecia, remendava, lavava a roupa, cuidava das crianças, lavava o marido, as suas mãos, face e pés e tratava-o por Senhor.

Todo o varão judeu no recitar da sua Shema Israel, Escuta Israel Amarás o Senhor teu Deus…, oração que funcionava com um credo para todo o judeu varão, a determinado momento depois de dar graças por tantos benefícios recebidos de Deus, dava também graças a Deus por o ter feito varão e não mulher.

A mulher é sempre vista como suspeita, frívola, sensual, perigosa; é interessante que a palavra “bruxo” em muitas línguas tenha uma conotação positiva ou não tão negativa como a palavra “bruxa” que é sempre negativa. A mulher era tida como preguiçosa, mexeriqueira, desorganizada, ignorante, pouco inteligente, tenho de viver submetida ao varão. De facto, era sempre propriedade do pai, até ser cedida por este e começar a ser propriedade do marido. Na rua, nunca andava sozinha, mas sempre acompanhada por um varão da família.

Não tinha deveres religiosos, porque era difícil que estivesse pura para poder praticar a religião. Todos os meses ficava impura 5 ou mais dias; quando dava à luz um varão ficava impura por uma semana; se desse à luz uma menina, ficava impura por duas semanas. Não era obrigada a ir a Jerusalém, nem ao Templo nem a pagar o imposto do templo; aliás, não teria com que pagar, pois a mulher não podia ter nada seu.

Por qualquer razão, porque não cozinhava bem, porque o marido encontrou outra mais bonita e mais jovem, ou até por mau hálito, uma mulher podia ser forçada a divorciar-se. Mas a mulher, nem que quisesse, não podia divorciar-se do marido. Se era repudiada pelo marido e se ainda fosse jovem, a solução seria a prostituição; se já não fosse jovem, partilharia a mesma sorte de tantas viúvas em Israel, abusadas e vituperadas.

A mulher depois de Jesus
Passamos por cima de Jesus para falar da forma com os primeiros cristãos tratavam as mulheres. Alguma influência da forma como Jesus tratava as mulheres ainda se encontra aqui e ali, quando nos damos conta da importância de certas mulheres na expansão do Cristianismo, sobretudo de mulheres que pertenciam à alta sociedade.

Porém, logo após a morte de Jesus, a Igreja nascente deixou-se levar muito mais pela cultura circundante do que pelo comportamento do Mestre em relação às mulheres; e isto acentuou-se aina mais quando o mundo antigo, culturalmente superior, foi conquistado pelos povos sem cultura do norte da Europa.

Propositadamente, deixámos a forma como Jesus se relacionava com as mulheres do seu tempo para o fim, para verificarmos que contrasta tanto com a forma como os varões tratavam a mulher antes dele como depois dele. Jesus foi um caso à parte sem antecedentes nem consequentes por muitos séculos.

O teólogo ou intelectual ou ideólogo dos primeiros tempos da Igreja é certamente S. Paulo e nenhum dos pescadores que Jesus escolheu como discípulos. Vejamos como pensava S. Paulo para daí inferir como eram tratadas as mulheres logo que Jesus deixou este mundo.

(…) as mulheres guardem silêncio nas reuniões. Não lhes é permitido tomar a palavra, mas que sejam submissas, como diz também a Lei. Se desejam informar-se sobre algum assunto, perguntem a seus maridos, em casa. Pois não fica bem para a mulher falar numa reunião. 1 Coríntios 14, 34-35

O homem não deve cobrir a cabeça, já que ele é imagem e reflexo de Deus, ao passo que a mulher é reflexo do homem. Pois a mulher é que foi tirada do homem e não o homem tirado da mulher. Mais: a mulher foi criada por causa do homem e não o homem por causa da mulher. 1 Coríntios 11, 7-9

Durante a instrução, a mulher fique escutando em silêncio, com toda a submissão. Não permito que a mulher ensine, nem que mande no homem. Ela que fique em silêncio. Com efeito, Adão foi formado primeiro; Eva, depois. E não foi Adão que se deixou seduzir, mas a mulher é que foi seduzida e se tornou culpada de transgressão. No entanto, ela será salva pela geração de filhos, se, perseverarem na fé, no amor e na santidade, com bom senso, unida à modéstia. 1 Timóteo 2, 11-15

Já em plena Idade Média, o grande teólogo Tomás de Aquino defende que a mulher é de uma natureza inferior ao homem, por essa razão o inferior deve servir o superior. Para ele não existiria nenhum impedimento para a ordenação das mulheres se estas fossem iguais ao homem em dignidade. E conclui que como não podemos ordenar um escravo sacerdote, tampouco se pode ordenar uma mulher.

Jesus e as mulheres do seu tempo
Mesmo do ponto de vista humano, colocando a fé de parte, Jesus é certamente a pessoa que chegou mais alto em humanidade, Ele e só ele pode ser considerado modelo, paradigma ou arquétipo de humanidade. Jesus é a medida padrão de humanidade; por isso, quando queremos saber se alguém é genuína ou autenticamente humano, é com Ele que nos comparamos e se procuramos ser 100% humanos é em relação a ele que nos medimos.

Igualdade de género
Nem antes nem depois de Jesus houve alguém em toda a História da humanidade que tenha tratado as mulheres de igual para igual, com a mesma dignidade e respeito que os homens, nem sequer os apóstolos, seus seguidores imediatos, assim trataram as mulheres; pelo contrário, imediatamente se deixaram influenciar pela cultura vigente no mundo circundante.

Habituadas ao tratamento que tinham tido com Jesus, as mulheres devem ter tido algum protagonismo na comunidade cristã após a morte de Jesus. Isto explicaria as duras palavras de S. Paulo como uma tentativa para as fazer regressar ao lugar que a cultura circundante lhes atribuía. S. Paulo, para as rebaixar à sua condição de inferiores, chega a citar o capítulo segundo do Génesis, para dizer que foram criadas em segundo lugar, em função do Homem.

Fulminou todos os preconceitos contra as mulheres
Em clara oposição e contraste com S. Paulo, ao falar do divórcio, Jesus citou antes Génesis 1, onde se diz “homem e mulher os criou”, afirmando assim a sua convicção da igualdade de género. Jesus é o único fundador de religião que nunca fez uma afirmação depreciativa sobre a mulher, nem as prostitutas ele criticou. Não fez como os rabinos do seu tempo, nunca alertou ninguém sobre o perigo no trato com elas pelos seus truques sedutores. Pelo contrário, advertiu os homens contra a sua própria luxúria e exortou-os a assumir a responsabilidade pelos seus impulsos e instintos. (Mateus 5,28-29)

Ignorando completamente o código de pureza, nunca as considerou como fonte de contaminação; falava com elas tanto em público com em privado, e comia com elas assim como com os que a sociedade declarava pecadores e proscritos. As mulheres sentiam-se bem e seguras na sua companhia; talvez por isso e apesar de todos os discípulos varões o terem abandonado, elas nunca o fizeram e foram as únicas testemunhas da sua morte, sepultura e Ressurreição.

Teve mulheres discípulas
Jesus percorria cidades e povoados proclamando e anunciando a Boa-Nova do Reino de Deus. Os Doze iam com ele, e também algumas mulheres que tinham sido curadas de espíritos maus e de doenças: Maria, chamada Madalena, de quem saíram sete demônios; Joana, mulher de Cuza, alto funcionário de Herodes; Susana, e muitas outras mulheres, que os ajudavam com seus bens. Lucas 8, 1-3

Só Lucas admite abertamente que Jesus tinha mulheres discípulas que o seguiam tal como os doze. Porém, os outros evangelistas, por muito que escondessem não conseguiram ocultar a verdade dos factos e, ao mencionarem que aos pés da cruz do mestre ou à distância estavam mulheres, tiveram que dizer que não estavam ali por casualidade, mas que o tinham acompanhado desde a Galileia.

As mulheres eram protagonistas nas suas parábolas
Dentro do tema da igualdade de género, porque Jesus pregava tanto para homens como para mulheres, tinha sempre o cuidado de incluir de forma equilibrada nas suas parábolas protagonistas homens e mulheres. Assim, ao contar a parábola da ovelha perdida, (Mateus 18,12-14) conta também a da moeda perdida (Lucas 15,8-10), a parábola do semeador (Marcos 4, 1-20) e a da levedura (Lucas 13, 20-21).

Na parábola do filho pródigo como as mulheres não podiam ter propriedades, apresenta um Pai com uma personalidade marcadamente feminina e maternal. Rembrandt soube captar este aspeto na sua pintura, onde se vê claramente que o Pai tem uma mão masculina – a que está sobre o ombro do filho – e uma feminina – a que está mais abaixo, sobre o coração do filho.

Opôs-se aos clichés da maternidade e trabalho doméstico
Enquanto Jesus assim falava, uma mulher levantou a voz no meio da multidão e lhe disse: “Feliz o ventre que te trouxe e os seios que te amamentaram”. Ele respondeu: “Felizes, sobretudo, são os que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática”. Lucas 11, 27-28

Neste episódio, a maternidade é colocada como sendo o ideal mais alto, quase obrigatório para a mulher, algo como a sua razão de ser, o seu lugar na sociedade. Jesus não desvaloriza nem a sua própria mãe nem o valor da maternidade na sua resposta, mas coloca-o em segundo lugar: o mais importante para todo o ser humano é ouvir a palavra de Deus e colocá-la em prática, tanto para homens como para mulheres.

Implicitamente neste texto coloca-se também o valor da paternidade, tão importante como a maternidade; a sobrevalor-ação da maternidade tem muitas vezes implícita a infra-valoração da paternidade e a aceitação da prática comum do pai ausente. Uma família humana equilibrada requer menos mãe e mais pai, menos a presença de uma mãe galinha e mais a presença de um pai solícito.

Implicitamente também está neste texto a aceitação de que a mulher também pode realizar-se profissionalmente, que a maternidade não deve ser um impedimento para que esta realize qualquer outra vocação. A maternidade é, como a paternidade, uma vocação básica e comum a mulheres e homens; por isso, não conta como vocação profissional.

 “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha com todo o serviço? Manda, pois, que ela venha ajudar-me!” O Senhor, porém, lhe respondeu: “Marta, Marta! Tu preocupas-te e andas agitada com muitas coisas. No entanto, uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”. Lucas 10, 40-42

Para além da maternidade, o outro serviço relegado à mulher era o serviço doméstico. O lugar reservado à mulher na sociedade era o de ficar em casa; a vida pública era só para os homens. Marta recorda esse estereótipo a Jesus quando implicitamente lhe diz que a sua irmã Maria está a comportar-se como homem na sua atitude de escutar o mestre como discípula.

Numa sociedade onde as mulheres nem sequer tinham deveres religiosos, como pagar o imposto do Templo, visitar Jerusalém, Jesus recorda a Marta que na sua escola há lugar para discípulas. Mais uma vez, fica aqui implícita uma oposição ao serviço doméstico como única realização profissional feminina; esta realização deve estar ao alcance de todos. O serviço doméstico dever ser feito sim, mas não é uma vocação, pelo que deve ser dividido por dois ou até por todos os restantes membros de uma família.

Jesus propõe certas mulheres como modelos a seguir
Nos dias de Jesus, quem colocasse uma mulher como modelo do que quer que fosse arriscava-se a ser apedrejado ou ridicularizado. Jesus não hesitou, contra os ventos e marés culturais do tempo, em utilizar certas atitudes de mulheres concretas como exemplos da humanidade autêntica a serem seguidos tanto por homens como por mulheres.

A profetisa Ana (Lucas, 2,36-38) – somos batizados como sacerdotes, profetas e reis; o Antigo Testamento só tem profetas varões, o Novo Testamento tem profetizas e teve diaconisas. A profetisa Ana é modelo de oração paciente e insistente e também modelo de missionária, pois a todos fala do menino Jesus.

Tal como a profetisa Ana, o evangelho apresenta-nos outras missionárias: a Samaritana (João 4, 1-42) que experimentou a salvação que Jesus lhe proporcionou e imediatamente fez desta experiência testemunho, entoou ante os seus conterrâneos o seu magnificat, “O Senhor (Jesus) fez em mim maravilhas…”

Os seus acreditaram nas suas palavras, vieram ver e também eles experimentaram a salvação ao ponto de acabarem por dizer “já não acreditamos pelo teu testemunho, mas nós mesmos experimentamos”. Neste episódio, vemos o ciclo completo da missão. Outra grande missionaria é Maria Madalena (João 20, 11-18), a única que é testemunha dos acontecimentos finais de Jesus – morte, sepultura e Ressurreição. Missionária dos Apóstolos, a ponto de ser chamada proto apóstolo.

A sogra de Pedro (Marcos 1, 29-31) – é a primeira mulher que aparece na vida pública de Jesus que nos ensina que a saúde é um dom de Deus, assim como a vida. Ao recuperar a sua saúde, coloca-se ao serviço de Deus em Jesus e dos irmãos, os discípulos colegas do seu genro Pedro. Viver é servir, quem não vive para servir não serve para viver. Jesus vai dizer sobre ele mesmo, “eu vim ao mundo para servir não para ser servido, e estou no meio de vós não para ser servido por vós, mas para servir”.

Tal como a sogra de Pedro, temos Marta e Maria de Betânia e as mulheres que seguiam Jesus, como Joana e Susana que colocaram os seus recursos, tempo e energias ao serviço do Mestre e da evangelização. Mulheres que, como a viúva que no templo, deu tudo por tudo (Marcos 12, 41-44);

A viúva de Nain (Lucas 7,11-17) – levavam a sepultar um rapaz, filho único de sua mãe que era viúva. Dificilmente algum escritor conseguirá colocar em tão poucas palavras tanto sofrimento. Jesus devolve a vida ao moço, sem que a mãe lho pedisse. Sempre vi neste episódio uma projeção pessoal de Jesus; Jesus viu na viúva de Nain a sua própria mãe, que dentro em pouco também sepultaria o seu filho único sendo já viúva.

Uma mulher impedida de ser mãe, uma menina empedidad de ser mulher (Marcos 5, 25-43) – pelo facto de que a mulher já sofria de hemorragias há 12 anos, o que a impedia engravidar e ser mãe, e a menina morria com a idade de 12 anos sem chegar à adolescência, ou seja, sem chegar a ser mulher, não é difícil ver a conexão entre os dois episódios. “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”.

Modelos de fé, esperança e resiliência – Jesus vai ao Antigo Testamento para nos falar da fé da viúva de Zarepeta (Lucas 4, 24-26) e da Rainha do Sul que veio de tão longe para ver a Salomão (Lucas 11, 31). A mulher sirofenícia não se deixa intimidar pelos testes de Jesus e insiste na cura da sua filha (Marcos 7, 24-30). As 10 virgens da parábola que, ao contrário dos três discípulos de Jesus, não adormecem e permanecem alerta e vigilantes (Mateus 25, 1-13) e, por fim, uma viúva que não cede ante um juiz corrupto e não desiste até a justiça ter sido reposta (Lucas 18, 1-8).

MARIA MADALENA – AMOR DE PERDIÇÃO
Havia três que sempre caminhavam com o Senhor: Maria, sua mãe, a irmã da sua mãe, e Madalena, aquela a quem chamavam de sua companheira. Sua irmã, sua mãe e a sua companheira todas as três se chamavam Maria. Evangelho apócrifo de Filipe do século III

Nenhum evangelista a consegue esconder, até mesmo Mateus que não gosta de nomear mulheres tem que se vergar perante ela. Desde o princípio ao fim, em todos os quatro evangelhos, ela está ali omnipresente. Sendo ela a única testemunha da morte e sepultura do Senhor e a primeira da sua Ressurreição, dá quase raiva que S. Paulo, o primeiro a escrever no Novo Testamento, tenha dito em 1 Coríntios 15, 5, “Cristo ressuscitou e apareceu a Cefas e depois aos 12”, colocando Maria Madalena de parte.

Outra forma de a deixar e lado vem da própria Igreja, que nos fez crer de que era uma prostituta convertida. O Papa Gregório, o Grande, que inventou esta teoria, pensava assim resguardar Jesus da sua relação com ela. Tudo o que o evangelho nos diz (Lucas 8, 1–3) é que era uma pessoa muito, muito doente: é este o significado dos sete demónios. Antes de Jesus, ela nunca tinha conhecido a saúde; encontrar Jesus foi para ela começar a viver.

Era agora livre, podia escolher marido ou disponibilizar-se para casar, mas não o quis fazer decidindo seguir Jesus, fonte e origem da sua saúde; seria fonte e origem da sua vida também, como discípula de Jesus e chefe das outras discípulas, tal como Pedro o era dos discípulos. Maria Madalena é a única mulher que aparece nos evangelhos sem referência a nenhum marido; Jesus, a quem ela se entregou de alma e coração, parece ser o único homem da sua vida. Também parece que, entre todos os amigos e amigas de Jesus, ela ocupava um lugar especial no Seu coração.

Sobre a natureza desta relação muito se tem dito, muito se tem inventado e fantasiado. Tendo em conta o único texto dos evangelhos que pode trazer alguma luz sobre o assunto, a aparição de Jesus a Maria Madalena depois da sua Ressurreição (João 20, 11-18) permito-me afirmar o seguinte:

Levaram o meu Senhor - a relação que tinham não era de igual para igual, ou seja, não era uma relação de amizade, mas sim uma relação amistosa. Jesus possui um círculo interno de discípulos composto por Pedro, Tiago e João e, para além deste, um discípulo amado do qual se desconhece a identidade, mas que, pelo evangelho de S. João, se sabe que era um homem. Por isso diz a sua mãe eis to teu filho e não filha.

Supõe-se que era mais íntimo com os três discípulos e até mesmo com o discípulo amado que com o resto dos doze, mas mesmo com estes, a relação era de Mestre-discípulo, ou seja, uma relação de autoridade e não uma relação de amizade, pois as relações de amizade são de igual para igual. Tal como acontece com as relações de professor-aluno, psicoterapeuta-cliente, estas relações podem e devem ser amistosas, mas não podem nem devem ser de amizade. Maria Madalena refere-se a Jesus, quando não vê o seu corpo no sepulcro, como o seu Senhor, não como o seu amigo, pelo que podemos concluir que era uma relação de autoridade.

Meu mestre – Jesus trata-a pelo seu primeiro nome ao chamá-la Maria; esta, porém, ao reconhecê-lo, responde em aramaico, a língua da Galileia, com o nome diminutivo de mestre, que podemos traduzir por mestrezinho, meu mestre ou querido mestre, mas sempre mestre. Portanto, mais uma vez concluímos que era uma relação amistosa de mestre-discípulo.

Não me detenhas, pois, ainda não subi para junto do Pai – dá impressão que Maria Madalena se atirou aos pés do Senhor e os abraçou, tal como a pecadora que verteu neles o perfume caríssimo; nisto manifestou todo o seu amor e entrega o que levou Jesus a ter de lhe dizer, “não me segures, não me amarres, não me detenhas, pois agora o mais urgente é que vás anunciar esta grande notícia aos meus irmãos”.

Conclusão – Quando as coisas ficaram feias para Jesus, Judas traiu-o, Pedro negou-lhe, o resto fugiu. Apesar deste facto vergonhoso, e ignorando a forma respeitosa como Jesus tratou as mulheres, os discípulos varões marginalizaram descaradamente as discípulas, apesar de estas, ao contrário daqueles, não terem abandonado o Mestre na Sua paixão e cruz, o terem acompanhado até ao seu túmulo, e serem as primeiras a vê-lo na Sua Ressurreição.

Pe. Jorge Amaro, IMC


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