15 de novembro de 2020

3 Caracteres arquétipos: Herói - Anti-Herói - Vilão


As figuras do herói e do vilão são arquétipos da humanidade; como tal, estes paradigmas, padrões de comportamento ou formas de ser, estar e atuar pertencem ao inconsciente coletivo da humanidade. Consciente ou inconscientemente, são referências inexoráveis em todos os campos da vida individual, social e institucional.

Este dualismo está mais patente nos filmes: a maior parte deles descreve uma luta acérrima entre o vilão e o herói e, como os guiões destes filmes raramente se desviam do arquétipo, todos os espectadores sabem de antemão como vai acabar o filme.

Na nossa pesquisa sobre a tridimensionalidade da realidade criada por um Deus Trinitário, encontramos este dualismo e achamos que tem de haver um outro personagem para além destes dois. A sua função é tão inócua, ignorada ou discreta que nem sequer é nomeado; mas existe e é tão real como os outros dois.

Quando de eletricidade se trata, o nosso discurso gira quase sempre à volta do polo positivo e do polo negativo e, muitas vezes, esquecemos o neutro. Mas este também é importante, tanto quanto os outros dois. O mesmo se passa aqui: quanto mais não seja, tanto o vilão como o herói precisam de uma audiência ou buscam seguidores no meio do povo, que entendem como neutros, apáticos indiferentes à causa do vilão e à do herói.

O perfil dos dois primeiros protagonistas do nosso texto está bem definido: como dissemos, é um paradigma, um arquétipo da humanidade. O terceiro protagonista do nosso texto tem muitas caras e muitos nomes e, por isso, é difícil de definir; como é um zero à esquerda, nada ou quase nada, talvez nem sequer chegue a ser arquétipo.

Anti-herói foi o nome que lhe demos, mas pode ter outros como: indiferente, desinteressado, displicente, impassível, insensível, frio, indolente, inerte, amorfo, letárgico, desanimado, desapaixonado, blasé, tíbio, pusilânime, irresoluto, parado, passivo, preguiçoso, ocioso, nulo, observador, espetador, neutro, imparcial. Estas são as características que o diferenciam tanto do herói como do vilão.

Tanto no presente como no passado histórico, o herói é recordado e amado, o vilão é recordado e odiado, como Pilatos no Credo. O apático não é recordado, é ignorado e, como tal, não é amado nem odiado, a sua existência foi uma inexistência. Desfez o que Deus fez, ou seja, Deus criou-o do nada para ser alguém e ele foi um zé ninguém na vida, regressou ao nada.

Política: herói - vilão - eleitores
Tanto em tempo de eleições, o único tempo em que o povo tem poder e é soberano, como em tempo de governação, cada partido, quer esteja no poder ou na oposição, procura vilipendiar o outro, transformando-o em bode expiatório de todos os males e apresentando-se a si mesmo como herói, salvador da pátria.

Esta tática resulta e apresenta resultados porque os políticos habilmente apelam, usam e abusam do arquétipo que está bem impresso na mente dos eleitores que formam o povo. Para os partidos liberais e conservadores de direita, que proclamam o valor da liberdade como absoluto, o herói é o indivíduo, a pessoa singular e as suas liberdades; o vilão é o Estado.

Para os partidos de esquerda, de orientação marxista, o herói é o coletivo, são os trabalhadores, é o proletariado e, quando estão no poder, o Estado; o vilão é a burguesia, os capitalistas, os ricos, os patrões. Para o populismo dos nossos dias, o herói é um líder carismático, que engana e faz crer ao povo que é ele mesmo, povo, o verdadeiro herói. O vilão divide-se em dois: um interno, que é o “status quo” ou o sistema corrupto, e outro externo, constituído pelo terrorismo, pelos imigrantes, pelos muçulmanos etc.

Para a América de Trump, o vilão interno é a classe política, à qual ele chamava o “pântano de Washington”, que é a raiz de todos os males; o externo são os imigrantes ilegais mexicanos, assassinos, violadores, ao serviço dos cartéis da droga. Para Boris Johnson, o vilão interno é a União Europeia que não é democrática e que é a raiz de todos os males que afligem o Reino Unido, o externo são os turcos, os imigrantes sírios, etc.

Estes políticos dão-se a si mesmos ares de messias, redentores e salvadores e fazem crer que são revolucionários e que interpretam e executam a vontade do povo. Mas, uma vez no poder, não são diferentes dos ditadores fascistas do século passado: Hitler, Estaline, Mussolini, Franco, Salazar e outros. Entendo que o populismo dos nossos dias é, na verdade, um neofascismo.

Este tipo de líder confia na total adulação, apatia e cegueira do povo, pois quando a realidade não lhe é favorável, inventa uma realidade alternativa e os seus seguidores, tão acomodados, aceitam a realidade alternativa e desprezam a realidade verdadeira. A verdade já não é imparcial e objetiva, confunde-se com a subjetividade do líder. Para tal, o líder necessita de estar em contínua comunicação com o povo, bombardeando-o com a sua realidade e verdade alternativa. Disto são exemplo os tweets contínuos de Trump. A mentira muitas vezes martelada equivale a verdade; a verdade pouco publicitada equivale a mentira.

Uma prova e amostra dos tempos que correm é a afirmação de Donald Trump de que se ele desatasse um dia a disparar e a matar qualquer pessoa na Quinta Avenida de Nova York que os seus seguidores não o abandonariam. Por menos crimes e abusos de poder outros líderes caíram e ele continua de pé; a impunidade é característica dos fascismos europeus e latino-americanos do século passado, assim como deste neofascismo chamado populismo.

Religião: herói - vilão – fiéis/pecadores
São Miguel Arcanjo, defendei-nos neste combate, cobri-nos com o vosso escudo contra os embustes e ciladas do demónio. Instante e humildemente vos pedimos que Deus sobre ele impere e vós, Príncipe da milícia celeste, com esse poder divino, precipitai no inferno a Satanás e aos outros espíritos malignos que vagueiam pelo mundo para perdição das almas. Amém

No imaginário de praticamente todas as religiões, Deus assume o papel de herói, o diabo o papel de vilão. O povo é fiel quando alinha com Deus e pecador quando alinha com o diabo. Segundo a oração acima citada, muito popular aqui na arquidiocese de Toronto e recitada depois da missa em muitas igrejas, o diabo parece mais proativo que Deus.

Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e por meio de quem fez o mundo. Hebreus 1, 1

Segundo a carta aos Hebreus, é teologia comum que Deus, ao mesmo tempo imanente e transcendente, à exceção de quando enviou o seu Filho, não atua diretamente na História da humanidade. A oração a São Miguel parece sugerir que o mesmo não acontece com o demónio, este e outros espíritos malignos, vagueiam pelo mundo para a perdição das almas.

Passados já tantos anos depois de o teólogo Rudolf Bultmann nos ter convidado a desmitificar o evangelho, ou seja, a limpar o evangelho de todos e quaisquer mitos, crenças e superstições do mundo antigo colocadas lá pela idiossincrasia e imaginário dos autores bíblicos, o mito da existência do diabo parece estar agarrado à nossa fé como uma carraça a um cão.

O diabo não existe, é a ausência de Deus; as trevas não existem, são a ausência de luz; o mal não existe, é a ausência do bem. A personificação do mal fora de nós é um mito; o mal existe sim, mas em nós e não fora de nós. Personificamos o mal quando fazemos ações maldosas ou quando deixamos de fazer o bem.

Não é o diabo que nos tenta, “cada qual é tentado pela sua própria concupiscência, que o arrasta e seduz. Em seguida, a concupiscência concebe o pecado e o dá à luz; e o pecado”, (Tiago 1, 14-15). A tentação faz parte da natureza humana, vem de dentro e não de fora; não precisamos de nenhum diabo para nos sentirmos inclinados e tentados a esta ou àquela ação.

(…) nada do que, de fora, entra no homem o pode tornar impuro, porque não penetra no coração (…) O que sai do homem, isso é que torna o homem impuro. Porque é do interior do coração dos homens que saem os maus pensamentos, as prostituições, roubos, assassínios, adultérios, ambições, perversidade, má fé, devassidão, inveja, maledicência, orgulho, desvarios.
Marcos 7, 18-23

O mal é como um vírus ou uma bactéria que infetou a humanidade. Os vírus e as bactérias não existem por si mesmos; são de natureza parasitária, precisam sempre de um hospedeiro que os acolha. O pecado original é como uma doença hereditária que passa de pais para filhos, de geração em geração. Como diz S. Paulo, quando um pecou, todos pecaram.   

Podemos entender como o povo ainda vive a sua fé com estes estereótipos ou categorias, mas que sacerdotes, bispos, cardeais e papas possuam ainda este imaginário, é triste. De alguma forma, os que acreditam na existência do demónio ou demónios são politeístas, já que, do modo como o demónio é descrito na sua essência e existência, é como se fosse o deus do mal. Os fiéis que caem, não uma nem duas vezes, nas ciladas destes espíritos, como sugere a oração, são, pelo menos nesse momento, adoradores do demónio e, portanto, politeístas.

O herói e o vilão em nós
Homo simul justus ed peccattor – santo, santo, santo é só Deus, nós sempre somos pecadores, pois algum grau de pecado está sempre presente em nós. Por isso somos fiéis e pecadores ao mesmo tempo. Se não estamos com Deus, não estamos com ninguém, pois não há ninguém para além d´Ele. Quem não recolhe comigo, dispersa, diz Jesus no evangelho (Lucas 12, 15-26)

Todo o santo já foi e ainda é pecador; todo o pecador pode ser santo. Existe no nosso interior um vilão e um herói, assim como um zé ninguém: tudo depende das opções que tomamos em cada momento da nossa vida. Os filmes antigos só mostravam as virtudes do herói e os defeitos do vilão. Na realidade, nem o herói tem só virtudes, nem o vilão tem só defeitos; a realidade desenha-se a preto e branco, mas entre estas duas cores primárias, há uma infinidade de tons de cinzento. Consequentemente, uns abeiram-se mais do preto, outros mais do branco.

De uma vida normal, sem problemas, não nasce um herói nem um vilão, mas muito provavelmente nascerá um neutro, um apático, um zé ninguém. Tanto o herói como o vilão tiveram um passado difícil e traumático. Vemos isso nos filmes, em especial nos desenhos animados: Bruce Wayne (Batman) viu morrer os seus pais assassinados. Peter Parker (Spiderman) causou, ainda que indiretamente a morte ao seu tio que o criara; Clark Kent (Super-homem) é órfão de um planeta onde todos os seus entes queridos foram destruídos.

Os filmes não revelam normalmente o passado dos vilões, para que não nos identifiquemos com eles. Mas também o vilão, tal como o herói, teve um passado traumático, no qual também foi vítima. O vilão utiliza o seu passado para justificar consciente ou inconscientemente as suas motivações e atos negativos. Sabemos que as vítimas de abusos sexuais se transformam, elas mesmas, em abusadores.

Portanto, tanto o herói como o vilão tiveram um passado de vítima e ambos passam o resto da sua vida vingando-se: o herói daqueles que cometem os crimes de que ele próprio foi vítima, encontrando prazer em repor a justiça, ajudar os desvalidos como ele um dia foi, sem que alguém o tivesse ajudado. O vilão é uma pessoa irrecuperável, uma vez que se vinga do mal que lhe fizeram nos inocentes de agora, ou seja, reproduz e perpetua continuamente a injustiça e o delito que sofreu.

No caso do herói, muitos filmes apresentam-no num  processo que começa por uma pessoa que a vítima conheceu, um mestre, um noviciado, um tempo de convalescença de ferimentos que faz com que a vítima se confronte com a sua dor, supere as ambições de vingança, o egoísmo e orgulho pessoal e a obrigue a sair de si mesma, vendo nos outros a dor que sofreu. É essa empatia adquirida que será o motor da sua vida de herói. Tomemos como exemplo Nelson Mandela: o tempo da prisão foi um tempo de deserto, de confronto consigo mesmo e com as atitudes de violência do tempo da juventude.

Neste sentido, o vilão é um herói irrecuperável, uma pessoa que não passou por este processo, ou que não teve a possibilidade de o fazer, ficou vítima toda a vida e vai reproduzir uma e outra vez no presente o crime sofrido no passado. Deste modo, pagará o justo pelo pecador, exatamente como aconteceu no seu caso, quando ele se transformou em vítima.

A maior parte de nós não se identifica totalmente com o herói nem com o vilão, mas com um meio termo: o anti-herói. Por isso, nos filmes modernos, é quase mais comum a figura do anti-herói com o qual mais gente se identifica que a figura do herói, que resulta entediante e inalcançável. Em tempos, o cinema exercia na sociedade uma função educativa e pedagógica de formação nos ideais humanos. Nos filmes de antigamente, quase não havia anti-heróis: os personagens eram heróis ou vilões.

Hoje, pelo contrário, os filmes quase não possuem heróis ou vilões, mas um sem número de variantes de anti-heróis para todos os gostos. São pessoas que se parecem connosco para nos dizerem subliminarmente que está bem o que fazemos; esquecemo-nos que “mal de muitos, consolo de tontos”, como diz o provérbio.

O filme já não é uma exortação a crescer como ser humano, a abraçar valores e ideais humanos, mas uma exortação a permanecer como somos. Esta é a razão do sucesso das séries e telenovelas, onde se espelha a vida do dia a dia, com personagens correntes, em nada diferentes de nós, e que confundem o ser com o dever ser. A ética desaparece, tudo está bem e é aceitável.

O mito da violência redentora
Quando o herói utiliza métodos violentos e menos convencionais, como por exemplo quando não confia no sistema judicial e faz justiça pelas próprias mãos, está a dizer-nos subliminarmente que a violência redime, que é justificada e que é a solução para repor a justiça ou resolver um problema. Na verdade, está a propagar um mito falso, pois a violência gera cada vez mais violência, ou seja, não resolve o problema e cria outros problemas.

Desde muito cedo que as crianças são doutrinadas neste sistema de domínio, por intermédio do culto e admiração pela figura do herói nos desenhos animados e depois em todos os filmes. A um herói invencível opõe-se um vilão aparentemente invencível também. As crianças, os jovens ou nós mesmos, identificamo-nos conscientemente com o herói. Neste caso, temos um bom conceito de nós mesmos. Mas inconscientemente também nos identificamos com o vilão, no qual projetamos a nossa ira reprimida, a nossa rebeldia e luxúria e desfrutamos da nossa maldade durante três quartos do filme em que o mau parece prevalecer.

Quando por fim, o bom acaba por prevalecer, depois de muito esforço e sofrimento, é como se no nosso íntimo conseguíssemos restabelecer a ordem sobre as nossas próprias maldades e maus instintos. Por isso gostamos tanto de ver filmes ou talvez necessitemos deles para manter a nossa agressividade sob controlo ou a um nível manejável. Este tipo de sublimação acontece também com o desporto: sempre é preferível que os grupos ou os países rivais se defrontem no estádio ou nos jogos olímpicos que no campo de batalha.

Os filmes funcionam então como uma catarse libertadora, pois a punição do vilão no cinema corresponde a uma autopunição das nossas tendências negativas. A salvação encontra-se na identificação com o herói, ficando assim justificado e reforçado o uso da violência e auto violência e a perpetuação do sistema de domínio.

Tal como nas antigas arenas romanas, onde os gladiadores lutavam entre si até à morte, onde os cristãos eram devorados pelas feras e tal como acontece, ainda hoje, nas arenas das touradas, a violência não é apenas um meio para obter a justiça e a paz: a nossa cultura tem feito dela um espetáculo agradável e gratificante.

HERÓI
O herói, no sentido mais clássico dos filmes antigos, costuma ser o protagonista da história, que procura alcançar objetivos nobres e de bem, através de meios justos e moralmente aceitáveis. Possui qualidades admiráveis num ser humano, como coragem, fé, determinação, perseverança e honra. E frequentemente sacrifica a própria vida para alcançar os seus objetivos, sobretudo quando estes têm a ver com pessoas que necessitam de ser salvas.

Os heróis na antiga Grécia eram semideuses, ou seja, eram filhos da união entre um deus e um ser humano. Por isso tinham características divinas, como Aquiles e os seus poderes sobre-humanos. Porém, também possuíam um calcanhar de Aquiles, ou seja, as suas vulnerabilidades que fazem com que nos pareçam mais terra-a-terra e mais suscetíveis e com que nos identifiquemos com eles.

O herói pode ser vulnerável, mas não tem defeitos, sobretudo defeitos morais. Ele é um puro altruísta, filantropo, amante da humanidade e, sobretudo, dos mais pobres, humildes, explorados e vitimizados, por quem está disposto a dar a vida. O herói pode também cometer erros, mas só porque pensava que estava a fazer uma coisa certa, ou seja, pode cometer erros de cálculo, erros acidentais.

Valores humanos em ação
O herói é um modelo de perfeição, encarna os valores humanos e aplica-os no seu dia a dia. Representa o nosso dever ser, na medida em que vive a natureza humana comum a todos da melhor maneira possível. É edificante ver os valores humanos a serem praticados por um personagem, seja na realidade, num filme ou num teatro.

Humildade – É a qualidade mais importante da pessoa humana, é a base de todas as virtudes. Quando existe humildade, muitas das outras virtudes podem existir; a não existência de humildade torna difícil a existência das demais virtudes. Ela é uma virtude e alicerce de virtudes.

A pessoa humilde assume a responsabilidade pelo erro e não busca bodes expiatórios para a sua culpa. O líder humilde dá o exemplo e não pede a ninguém que faça o que ele mesmo não está disposto a fazer. O líder humilde entende o poder como serviço.

Honra – É respeitar os teus superiores e merecer o respeito dos que estão sob o teu comando. É a reputação que conquistas junto daqueles a quem serves e dos que te servem a ti.

Coragem – A coragem não é a ausência do medo; o medo é próprio da natureza humana, só um tolo não o tem. A coragem é a força que vence o medo.

Compaixão – É ter misericórdia perante a miséria humana, é sentir a dor de quem a tem e procurar remediar o seu mal.

Fidelidade/Lealdade
- Permanecer fiel a si mesmo e aos outros quando estes enfrentam a adversidade.  Nunca desistir de alguém, não importa o quão difícil seja, pelo tempo que for preciso: essa é a verdadeira medida de qualquer grande relacionamento. Ser fiel à palavra dada, ao compromisso assumido, aconteça o que acontecer.

Honestidade – Ser pessoa de uma só palavra. Ser sincero em todo o momento, em todas as situações, sem subterfúgios, quando estamos sob observação e quando estamos sós. É evitar toda a tentação de corrupção, de dizer uma coisa e fazer outra, de ter duas caras. Ser honesto é ser fiel a si mesmo.

Prudência - Prudência é a capacidade de enfrentar a realidade de frente, sem permitir que a emoção ou o ego se intrometa, e fazer o que é melhor para todos.

Magnanimidade – É não abusar do poder, é perdoar e negar-se a si mesmo o direito de vingança segundo a lei de “olho por olho dente por dente”.

Bondade – Manifesta-se num simples sorriso, palmada nas costas, pequenas coisas que podem mudar a vida de uma pessoa. Para além dos gestos, também se manifesta em atos de caridade, conforme as circunstâncias e as necessidades dos outros.

Paciência – É saber esperar para que as coisas aconteçam; “Roma e Pavia não se fizeram num dia”, é dar tempo ao tempo, respeitar o tempo e o ritmo dos outros, assim como aceitá-los tal como são.

Generosidade – “Obras são amores e não boas razões”, diz o provérbio espanhol. “Palavras leva-as o vento”, as pessoas recordam mais o que fizeste por elas que o que disseste. Ser generoso é sair fora de si mesmo, é verdadeiramente amar o próximo como a ti mesmo, entendendo-o como tendo os mesmos direitos que tu.

Empatia – É a arte ou a capacidade de sentir como o outro sente, de ver a realidade como o outro a vê, de se imbuir na sua situação, de chorar com quem chora e de rir com quem ri. É saber comunicar ao outro que estamos com ele, sentimos com ele e com ele buscamos solução para o problema.

Cooperação – É trabalhar em equipa, é aceitar que os outros também têm ideias; é fracassar em grupo e ter êxito em grupo.

Assertividade – É o domínio da ira; é dizer o que tem de ser dito sem criticar nem atacar ninguém; é rejeitar o pecado sem rejeitar o pecador; é denunciar a injustiça sem acusar o injusto. É defender-se a si mesmo sem atacar o outro.

Integridade – A pessoa íntegra é uma pessoa que pauta a sua vida por valores humanos, aos quais presta vassalagem absoluta. A pessoa íntegra é inamovível nas suas convicções que são resultado da prática de todas as virtudes.

Conclusão - Em qualquer tempo e em qualquer lugar, em qualquer situação ou em qualquer circunstância, nesta ou naquela matéria, neste ou naquele facto histórico, o herói usou estas virtudes, estes valores humanos como couraça e espada e, por isso, é sempre bem-sucedido.

VILÃO
O vilão rompe a rotina, a harmonia, a paz, cria um conflito para o qual arrasta o herói. Se o herói é normalmente o protagonista da história, o vilão é o antagonista que contracena com ele. Também não olha a meios para alcançar os seus objetivos, que normalmente são mesquinhos, egoístas e giram à volta de valores temporais, do prazer, da riqueza, do luxo, do poder, da fama. Ao contrário do herói que se sacrifica pelos outros, o vilão sacrifica os outros pelo seu bem próprio.

Os contravalores do vilão
Os anti-valores do vilão são a antítese dos valores do herói. Quando os filmes tinham uma função educativa na sociedade, ou seja, quando eram histórias com mensagem e não uma nua e crua reprodução do que acontece no dia a dia, como são as telenovelas, as séries e muitos filmes da atualidade, a atuação do vilão, o seu objetivo, o seu comportamento, as suas obras e a consequência destas eram tão pedagógicos como a atuação do herói.

Se o herói nos dizia como tínhamos de nos comportar e provava a excelência desse comportamento no final feliz do filme, o vilão dizia-nos sub-repticiamente como não devíamos comportar-nos e provava-o na consequência das suas más obras, ou seja, no final infeliz para ele. Hoje, os filmes têm finais abertos e às vezes infelizes e deixam que sejamos nós, os espetadores, a tirar as nossas próprias conclusões. De certo modo, para o realizador do filme, qualquer que seja a conclusão, mensagem ou anti mensagem que tiremos do filme, tudo é aceitável para ele.

Orgulhoso, arrogante e fanfarrão - Demonstração ofensiva de superioridade ou autoimportância; orgulho arrogante. O vilão precisa de manifestar estas atitudes perante os outros para esconder o sentir-se insignificante em si mesmo, com o intuito de que os outros não descubram o que ele sabe de si mesmo. Alguém dizia acertadamente “quando vires um gigante diante de ti, certifica-te de que não é a sombra de um anão”. Só usa saltos altos quem não aceita e quer disfarçar a sua baixa estatura.

Egoísta – A pessoa egocêntrica pensa que o mundo gira à sua volta. O egoísta demonstra ser superior aos outros, pelo que os outros devem servi-lo. Dá-se uma importância que verdadeiramente não tem. Busca sempre o seu interesse, tirar partido dos outros e das situações, não pensa nas consequências que o seu comportamento pode ter para os outros ou como pode magoá-los, pois sofre de “miopia”, não vê bem à distância.

Dependente – Por causa do seu egoísmo, é dependente dos outros, precisa deles ao seu serviço, pois não consegue fazer as coisas por ele mesmo. É pessimista e desconfiado, pensa que os outros são como ele, por isso acha que o ataque é a melhor defesa. Os outros são seus inimigos à priori, razão pela qual vive sempre ansioso no confronto com os outros, não sendo livre e independente como o herói.

Desonesto – Em pecados cometidos e de omissão. Conta mentiras ou esconde a verdade, quando a diz é uma meia verdade, finge, faz-se de vítima. Oculta informações importantes e adiciona detalhes falsos a histórias e situações. Rouba, ludibria…

Enamorado do poder e do controlo – Não tem nenhum poder nem controlo sobre si mesmo, sobre a sua ira, as suas paixões e, por isso mesmo, quer ter poder e controlo sobre os outros. Exerce este poder e controlo sempre em proveito próprio, manipulando, chantageando, punindo, torturando, enganando, estendendo armadilhas e armando ciladas para os outros caírem.

Ressentido, vingativo, intolerante, violento – Não perdoa nunca e nem sequer tem o sentido da justiça de “olho por olho e dente por dente”, ou seja, paga na mesma moeda, quer sempre ficar por cima e por isso excede a violência que lhe foi feita, ou seja, tira os dois olhos a quem lhe tirou um.

Preconceituoso – Tem opiniões sobre tudo e sobre todos que nunca viram a luz da razão, ou seja, nunca foram analisadas à luz da razão. Os pretos são assim, os ciganos são assados, os ingleses são assim, as mulheres… tudo são opiniões sobre grupos de pessoas e sobre tudo em geral, guiando-se na vida por estes preconceitos e não pela razão nem pela realidade presente.

Racionaliza – Encontra uma justificação para tudo o que faz; neste sentido, facilmente se perdoa a si mesmo pelo ato mais cruel. Os outros nunca têm justificação para fazer o que fazem contra ele, mas pelo contrário, ele está sempre certo. É com os gatos que sempre caem de pé.

Invejoso – Por isso também é mexeriqueiro, fala mal dos outros, critica-os nas suas costas, nunca vê o bem em ninguém. Mas, no fundo, quer ter o que eles têm ou mesmo ser o que eles são.

Avarento – Guloso, é avarento excessivo em tudo o que faz e quer. Quer tudo de tudo e de todos: ser o centro das atenções, ter dinheiro, riqueza, luxo, gozar a vida, usufruir de todos os prazeres, sexo, droga, comida, bebida. A vida é para ser gozada, morra Marta morra farta.

Conclusão – Qualquer que seja o guião, no filme ou na vida, real o vilão exerce algum destes defeitos ou muitos deles sempre no intuito de vencer, de tirar o melhor partido dos outros e das situações, porque fundamentalmente ele acha-se o centro das atenções e o mundo está todo em dívida para com ele.

ANTI-HERÓI
 
Má reputação
Na minha aldeia sem pretensão
Tenho má reputação,
Faça o que faça é igual
Todos o consideram mal

Penso que a ninguém faço dano
Por querer viver fora do rebanho;

As pessoas não gostam que
Um tipo tenha a sua própria fé (bis)
Todos, todos me miram mal
Salvo os cegos é natural.

No dia da festa nacional
Fico na cama igual,
Pois a música militar
Nunca foi capaz de me levantar.
Neste mundo não há maior pecado
Que o de não seguir o abandeirado.

Se pela rua corre um ladrão
E o persegue um ricalhão
Ao ladrão passo-lhe uma rasteira
E esmago o ricalhão
Onde tinha eu a tola
Pois acabo de meter o pé na argola
 George Brassens
 

O morcego
A Águia, rainha das aves, e o Leão, rei dos bichos, estabeleceram uma trégua à guerra que travavam já havia algum tempo e reuniram-se um dia para decidir o que fazer com o morcego. A Águia denunciava o comportamento do morcego porque se juntava com as aves, quando estas eram vitoriosas, dizendo ser como elas, pois voava. O Leão fazia a mesma queixa, pois quando os bichos o acusavam de ser uma ave espia, ele dizia que era bicho pois não tinha bico, mas boca e dentes, não tinha penas, mas pelo. No fim tanto os mamíferos como as aves condenaram-no a viver sozinho e a voar só à noite.
Fábulas de Esopo

Os textos acima citados revelam algumas características do perfil do anti-herói, pessoa difícil de categorizar, ovelha negra do rebanho, com muito amor próprio e um certo egoísmo sem exagero. Não se mete com ninguém mais ai de quem lhe pise os calos! Oportunista, busca o próprio interesse com o mínimo esforço e sem grande prejuízo dos outros.

O anti-herói tem caraterísticas de herói, mas também tem traços comuns com o vilão: não encarna ideais como o herói, é um personagem normal e corrente, não é mau nem é bom. Não é altruísta como o herói, mas sim egoísta como o vilão, embora não desça tanto como este, nem suba tanto como aquele.

Uma das grandes diferenças em relação ao herói é que, enquanto para este os fins não justificam os meios que se utilizam para os atingir, por mais nobres que sejam, para o anti-herói os fins justificam os meios, por mais violentos e imorais que estes sejam. O anti-herói tem-se a si mesmo como pessoa realista, não idealista, busca soluções práticas a curto prazo, não acredita no sistema de justiça estatal que considera demasiado brando e não resolve os problemas.

Atua na lógica do olho por olho dente por dente. Por isso, costuma ser mais justiceiro que justo, igualando-se ou até mesmo superando o vilão no uso da violência que considera plenamente justificada. Egoísta e motivado mais pelo interesse próprio que pelo interesse comum, em caso de conflito, nunca sacrifica o interesse próprio, ao contrário do herói. Se coincidirem, muito bem; se não coincidirem, ele procura sempre puxar a brasa à sua sardinha. O anti-herói nunca coloca a sua própria vida em risco em prol dos outros, como o herói faz.

Entre o branco do herói e o preto do vilão há um sem número de matizes cinzentos que correspondem a múltiplas formas de ser anti-herói. Há exemplos para todos os gostos: anti-heróis, mas próximos dos heróis e outros mais próximos dos vilões.

Como exemplos de anti-heróis, temos o anão Tyrion da Guerra dos Tronos, com quem muitos se identificam; tem uma certa nobreza, mas, como se diz em português, é dos que só dá um chouriço a quem lhe der um porco; tudo tem sempre um preço, um “quid pro quo”. O anti-herói é sempre uma pessoa limitada: pode faltar-lhe sentimento, beleza física, inteligência, força de vontade, motivação, virtudes, qualidades que o herói possui em abundância.

Nos filmes e nas séries, o herói e o vilão são personagens tão simples e previsíveis que provocam algum desinteresse. A figura do anti-herói dos filmes de agora é bem mais complexa e difícil de prever em termos de reação e ação. Por vezes, a sua inclinação aproxima-se mais do vilão, outras vezes do herói, mas nunca encaixa cem por cento em nenhum dos dois.  

Os valores do anti-herói são uma mistura personalizada dos valores do herói e dos contravalores ou defeitos do vilão. Cada anti-herói tem a sua mistura própria, consoante a sua educação e as vicissitudes da sua vida. É sempre uma figura ambígua, complexa e misteriosa, difícil de definir porque tem traços tanto de herói como de anti-herói.

Para ilustrar este texto, escolhi a personagem de Batman, como herói, do Joker, como vilão, ao contracenar com Batman de uma maneira algo divertida, mas implacável nas suas ações. Finalmente, temos Jack Sparrow como anti-herói, com quem quase todos se identificam por representar ou ser o símbolo da “aurea mediocritas”, ou seja, da moderação em todos os sentidos: não tem uma fasquia muito alta quanto a ideais, nem muito baixa quando a defeitos.

Como já dissemos, a figura do multifacetado anti-herói é a que domina a indústria cinematográfica. Uma vez que reproduz no ecrã a vida simples do cidadão comum, é mais fácil para as pessoas identificarem-se com ele do que com o herói de factos extraordinários e virtudes inalcançáveis.

A fasquia foi rebaixada, os ideais de autossacrifício pelo outro são coisas de outras eras. As pessoas não querem ser úteis, mas sim felizes e ter uma boa vida. Se para isso for preciso prevaricar, prevaricam, se for preciso infringir a lei em todas as suas provisões, infringem e esperam não ser apanhadas. Num mundo onde a verdade e praticamente tudo é relativo, vale tudo; ninguém dá nada por nada, é o “salve-se quem puder” e como puder.

Conclusão: Para trás ficou o tempo dos heróis e dos vilões, quando os filmes tinham fins educativos. No mundo das “50 sombras de Grey” há muito mais que 50 perfis de anti-heróis

Pe. Jorge Amaro, IMC
















 

 

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