1 de fevereiro de 2019

3 Posições ante Deus: Teísmo - Ateísmo - Agnosticismo

Do ponto de vista histórico, a tríade teísmo / ateísmo / agnosticismo está cronologicamente alinhada de forma clara. A maior parte dos seres humanos foram teístas até ao século XIX.

Aparte de algumas ocorrências antes, foi neste século que surgiu o ateísmo e a crença de que, tal como vimos na passagem do animismo ao politeísmo, a ciência iria dominar cada vez mais realidades até deixar Deus e a religião sem chão e entre a espada e a parede.

Ou porque isto não aconteceu, ou tarda em acontecer, ou ainda como acreditamos nunca acontecerá, nasceu uma terceira atitude ante a questão da existência de Deus: o agnosticismo.

Contrariamente à pretensão de alguns, de que a ciência o ateísmo e o agnosticismo se pressupõem de tal forma que podem entender-se como sinónimos, ou seja, que um cientista ou é ateu ou agnóstico ou não é um bom cientista, aqui fica uma lista de cientistas antigos e contemporâneos que eram crentes sem deixar de ser bons ou até os melhores no seu ramo de ciência:

  • Nicolaus Copernicus (1473- 1543), fundador da mundovisão moderna
  • Johannes Kepler 1571-1630, astrónomo
  • Isaac Newton (1643- 1727) fundador da física teórica clássica
  • Carl Linnaeus (1707- 1778) fundador da botânica sistemática
  • Alessandro Volta (1745- 1827), descobriu as noções básicas da eletricidade
  • Andre-Marie Ampere (1775- 1836), fundador da eletrodinâmica, descobriu a lei fundamental da corrente elétrica
  • Augustin-Louis Cauchy (1789- 1857) insigne matemático no campo do calculo e da álgebra.
  • Carl-Friedrich Gauss (1777- 1855), um dos maiores matemáticos alemães
  • Justus von Liebig (1803- 1873), fundador da química orgânica contribuiu muito para a agricultura e biologia química.
  • Julius von Mayer (1814- 1878), cientista, naturalista conhecido pela descoberta da primeira lei da termodinâmica (Lei da Conservação da Energia)
  • Charles Darwin (1809- 1882), Teoria da evolução das espécies
  • Gregor Mendel (1822-1884) monge agostinho, fundador da genética
  • Thomas Edison (1847- 1931), o inventor mais fecundo, 1200 patentes
  • Guglielmo Marconi (1874- 1937), inventor da telegrafia sem fios, Prémio Nobel 1909
  • Albert Einstein (1879- 1955), física contemporânea (teoria da relatividade e Prémio Nobel 1921)
  • Max Planck (1858- 1947), fundador da física quântica, Prémio Nobel 1918
  • Erwin Schrödinger ( (1887- 1961), criador da mecânica ondulatória, Prémio Nobel 1933
  • Georges Lemaître (1894- 1966) padre jesuíta, astrónomo e físico criador da teoria do Big Bang para explicar a origem do Universo
  • Wernher Von Braun (1912- 1977), construtor germano - americano dos foguetes espaciais

Antes do ateísmo e do agnosticismo, a maior parte da população mundial era teísta e, depois do ateísmo e agnosticismo, a maior parte da população mundial continua a ser teísta, pelo que trataremos o teísmo como sendo o que era antes e sempre permanece depois das tormentas do ateísmo e do agnosticismo.

Ateísmo
Neste capítulo vou referir-me aos pais do ateísmo moderno, aqueles que dedicaram grande parte da sua vida e obra a negar a existência de Deus e a denegrir o papel da religião na sociedade e o comportamento religioso do indivíduo.

Ludwig Feuerbach – A religião como projeção do Homem (1804-1872)
Homo homini Deus est - O cristianismo fixou para si mesmo a meta de satisfazer os desejos inatingíveis do homem, mas, por essa mesma razão, ignorou os seus desejos atingíveis. Prometendo ao homem a vida eterna, privou-o da vida temporal, ensinando-o a confiar na ajuda de Deus, retirou-lhe a confiança nos seus próprios poderes; ao dar-lhe a fé numa vida melhor no céu, destruiu-lhe a fé numa vida melhor na terra e o esforço para alcançar essa mesma vida. O cristianismo deu ao homem o que a sua imaginação deseja, mas, por essa mesma razão, não lhe deu o que ele realmente deseja. Preleções sobre a essência da religião

Para Feuerbach a teologia é pura antropologia, pois não foi Deus que criou o Homem à sua imagem e semelhança, mas ao contrário, foi o Homem que criou a Deus à sua imagem e semelhança. Tudo o que se diz de Deus pertence ao homem, as imagens de Deus e tudo o que dele sabemos é antropomórficas. O Homem projeta, fora de si mesmo, num ser abstrato a que chama Deus, todas as suas aspirações, desejos e ideais. “Deus nada mais é do que o espírito humano projetado para o infinito.”

“O meu primeiro pensamento foi Deus, o meu segundo pensamento foi a razão, o meu terceiro e último pensamento foi o homem”.  Este brilhante filósofo começou a sua carreira como estudante de teologia, abandonando-a mais tarde para se tornar discípulo de Hegel. Feuerbach foi o primeiro grande ateu dos tempos modernos. Uma autêntica labareda de fogo, é o que o seu nome significa; na verdade, julgo que todos os que vieram depois dele pouco ou nada disseram de verdadeiramente novo, apenas repetiram as suas ideias basilares por outras palavras.

Por esta razão, Feuerbach é o grande inspirador e é o precursor de Karl Marx, no sentido em que é o primeiro a proclamar e lutar pela emancipação do homem da tutela da religião que o enfraquece e priva do seu próprio poder. Para Feuerbach “A moralidade que não visa a felicidade é uma palavra desprovida de significado.” E avisa-nos de que “sempre que a moralidade se baseia na teologia, sempre que o correto se torna dependente da autoridade divina, as coisas mais imorais, injustas e infames podem ser justificadas e impostas.”

Por brilhante que possa parecer, a crítica que Feuerbach faz à fé e à religião, não passa de um sofisma. A projeção do Homem fora de si nada diz sobre a existência ou não existência de Deus: este pode existir com projeção ou sem ela.

A projeção humana, precisamente porque é humana, tem mais a ver com a natureza humana que com a natureza de Deus. Assim Sendo, a projeção humana pode explicar por que o pensamento de Deus sempre existiu na mente de todos os homens em todos os tempos; mas não tem nada a dizer sobre a hipotética existência de Deus. Ao contrario, a persistência do pensamento de Deus na nossa mente, em si mesmo, é mais uma prova da existência de Deus que uma prova da sua não existência.

Se uma pessoa tem sede ou desejo de beber água é porque deve haver água; é mais lógico pensar que a água cria o desejo que pensar que o desejo cria a água; até porque cronologicamente na história do Universo, quando ainda estava longe a aparição do Homem, já havia água; portanto a água preexiste ao desejo de a beber. Estou certo que se não existisse a água também não existiria a sede.

Voltando à sequencia dos pensamentos de Feuerbach de Deus ao Homem, Infelizmente, Feuerbach não parou no terceiro pensamento, Deus razão homem. Depois de ter rebaixado e degradado Deus à categoria de pura conjetura humana, não parou aí e continuou com o seu quarto pensamento que foi o sensível, com o quinto que foi a natureza e com o sexto que foi a matéria, chegando estupidamente a afirmar “o homem é o que come”.

Ou seja, quando se degrada Deus acaba por degradar-se em consequência a criatura por Ele criada à sua imagem e semelhança. De acordo com o livro de Gênesis, Deus tirou-nos de matéria (argila) e constituiu-nos como pessoas à sua própria imagem e semelhança. Se negamos a existência de Deus como pessoa, também negamos a nossa existência como pessoas pois a Ele a devemos. Se nós não somos uma pessoa, então voltamos ao que éramos antes de Deus nos, ter criado, ou seja, matéria. Em conclusão, o que Feuerbach faz com o ser humano é uma involução darwinista...

Karl Marx – A religião como consolo alienante (1818-1883)
Filho de um judeu convertido ao cristianismo protestante, chegou mesmo a casar-se pela Igreja. Partiu do princípio de que “até aqui, os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras; o que importa é modificá-lo.” Marx foi um revolucionário. Na sua obra emblemática “O Capital”, ele analisou os podres do capitalismo e encontrou na religião um empecilho para o progresso, ou seja, para a evolução do capitalismo em direção ao socialismo e comunismo.

Marx concorda plenamente com Feuerbach: Deus é uma projeção do homem e a religião é então “o suspiro da criança desalentada, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma época sem espírito. Ela é o ópio do povo.” Para além de ser uma projeção, a religião é uma droga, um comportamento alienante, que nos impede de sermos nós mesmos, de tomarmos as rédeas do nosso destino, ou o leme do nosso barco, em conclusão constitui um entrave ao progresso.

O ateísmo de Marx, mais que filosófico, é económico e social. Marx não tem interesse algum na essência da religião, seja ela judaica ou cristã e, de facto, desconhece Cristo e os princípios sociais do cristianismo. O que lhe interessa é o papel que esta desempenha na sociedade. - Portanto o ateísmo de Marx pode dever-se ao tipo de religião praticada naquele tempo, que em si mesma poderia ter pouco a ver com o cristianismo de Cristo. De facto, a sociedade comunista sem classes do futuro poderia muito bem ser a Terra prometida dos judeus, o Reino de Deus de Jesus de Nazaré e dos cristãos.

O que em Feuerbach era só uma ideia filosófica, em Marx é um manifesto, uma ideia operativa. Porém é preciso salvaguardar que Marx acreditava firmemente que tanto o capitalismo como a religião cairiam por si sós sem ser preciso fazer nada como um fruto que amadurece e depois apodrece e cai da árvore. Porém, os seguidores das suas ideias entenderam que era preciso dar-lhes um empurrão e foi precisamente isso que Lenine, Estaline e Mao Tsé-Tung fizeram com o ateísmo militante que tantos milhões de pessoas matou, durante a maior parte do século XX. O pobre Marx, ao dar-se conta ainda em vida que havia tantos marxismos, tantas versões das suas teorias, chegou mesmo a declarar-se não marxista.

Sigmund Freud – (1856- 1939) - A religião como neurose obsessiva
Tal como o pai de Marx, o pai de Freud também era um cristão convertido do judaísmo. A este respeito chegou a dizer que sempre se tinha considerado alemão, até ao dia em que os judeus começaram a ser perseguidos. Já refugiado em Londres, considerava-se judeu.

Freud vê a religião como uma repressão dos instintos básicos do homem, sobretudo do sexual. Isto acontece porque a religião perverte os instintos naturais do ser humano, declara-os maus, impuros feios, sujos e animalescos e, como tal, devem ser reprimidos. A religião é também um código moral que culpa os indivíduos de sentirem e expressarem os seus instintos. - Este tema vai ser retomado por Nietzsche na sua contraposição moral dos escravos, ou seja, entre a moral judaico-cristã e a moral dos Senhores, por outras palavras, a ética natural.

Segundo Freud, esta repressão conduz inexoravelmente a uma neurose obsessiva: o corpo pede algo, a mente não lho dá, esta acaba por entrar em curto circuito e os fusíveis fundem-se. Tal como para Marx o socialismo e o comunismo seriam a solução para a alienação da religião, para Freud a psicanálise vai resolver a questão - removendo os traumas do passado, a pessoa reconcilia-se com ela mesma e com a sua verdadeira natureza.

Tal como acontecia com Marx, também Freud pouco sabia de religião, olhando mais o papel desta numa sociedade repressora e puritana. A sua teoria é mais que tudo uma reação a isto, como a de Marx era uma reação ao capitalismo desumano da época. Até este ponto, o único que tratou o assunto religioso do ponto de vista teórico foi Feuerbach na sua obra “A essência da religião”.

Friedrich Nietzsche -
Nietzsche critica o cristianismo, não tanto do ponto de vista teórico, mas na sua praxis, sobretudo na sua moral. Como já dissemos, entende que a moral cristã, a moral dos escravos, como lhe chama, foi usada ao longo dos séculos como meio para dominar. Os valores cristãos opõem-se aos valores naturais e à própria natureza humana. Um exemplo disto é a sexualidade. Como Freud já havia feito, Nietzsche acusa o cristianismo de a tornar impura, suja e feia.

Do ponto de vista teórico, sobre a existência de Deus, Nietzsche segue fundamentalmente os passos dos seus antecessores ateus. Para ele, a fé em Deus provém de um sentimento de impotência que o homem sente em relação a muitas realidades que o rodeiam.

Feuerbach era teólogo, Marx e Freud são filhos de pais convertidos ao cristianismo; os pais de Marx e de Nietzsche são pastores protestantes. Parece que o ateísmo é filho do teísmo ou é um teísmo ao avesso, ou seja, assemelham-se à dialética entre a matéria e à antimatéria no universo. O ateu vive insatisfeito pois nunca descansa, sempre lhe fica uma dúvida e duvida dos seus próprios pensamentos e conclusões. Por isso, continua a buscar mais provas que o levem a convencer-se plenamente de que Deus não existe e nunca fica totalmente convencido.

O teísta também duvida, mas é uma dúvida metódica que desemboca num “cogito ergo sum”. O teísta optou por acreditar e agora vive instalado na fé que dá sentido ao universo, ao mundo e à sua própria vida, enquanto que o ateu se instala no nada, no vazio e,  como a natureza tem horror ao vazio, o vazio da existência dói e atormenta e acaba por absorver o indivíduo. Talvez por esta razão, Nietzsche terminou louco. Outros optam por encher esse vazio por outras realidades às que religiosamente se dedicam, a busca do poder, o prazer a beleza o dinheiro. Muitos ateus são verdadeiramente politeístas mais que ateus.

Agnosticismo
O conceito e o termo agnosticismo, tal como se entende nos dias de hoje, foi cunhado por Thomas Huxley (1869) que defendia que a existência de Deus, o divino ou sobrenatural, nem é conhecido nem é conhecível. Huxley entende que pretender provar a existência de Deus é ofensivo para a razão mas, pior para ele, é tentar desmenti-la, pois o ateísmo tem a pretensão de ser racional e científico. Fundamentalmente, o agnosticismo defende que a mente humana é incapaz de fornecer razões racionais suficientes para justificar a crença de que Deus existe ou a crença de que Deus não existe.

O catecismo da igreja católica chama ao agnosticismo um indiferentismo, segundo o qual nada se pode saber de Deus…

Indiferentismo – É uma postura cómoda, é a negação do compromisso. Aplicada às áreas do saber, significa preguiça, negar o progresso, não investigar, não investir. Aplicada às relações pessoais e à relação com Deus, é uma delas, significa não se comprometer com nada nem com ninguém. E quem vive sem se comprometer com alguém ou com uma causa humana arrisca-se a chegar ao fim da vida sem nunca ter vivido.

Nada se pode saber de Deus – É esta uma postura radical e, portanto, falsa. Não se pode saber tudo, tal como não se pode saber tudo de nenhuma pessoa, nem de nós mesmos nem de nenhum ramo da ciência. Mistério não é só Deus, mas tudo o que nos rodeia, os outros e nós mesmos - tudo é mistério.

No caso de Deus, se acreditamos Nele como Criador do Universo, devemos compreender e aceitar que a nossa inteligência é um cisco em comparação com a sua, pelo que a infinitésima parte não pode logicamente conter o todo, já que conhecer é, de alguma forma, meter esse todo na minha mente. Por outro lado, sabemos que conhecer significa controlar, ter poder sobre a matéria conhecida. Ora este tipo de conhecimento não é possível com Deus: se pudéssemos conhecer a Deus totalmente, seriamos nós deuses. Portanto a criatura não pode conhecer totalmente o criador, nem dominar o criador.

Se é possível saber o suficiente sobre Deus para estabelecer com Ele uma relação de amor e, quando damos o passo da fé, vamos obtendo cada vez mais provas da sua existência e presença nas nossas vidas, em nós e fora de nós. A porta para Deus é a fé como doação de si, como amor; sem ela, não há acesso a Deus. A chave dessa porta é a opção; a fé como chave ou meio para chegar a Deus, é em si mesma um dom de Deus para todos os homens; os crentes usam esse dom e abrem a porta para Deus; os agnósticos atiram com a chave.

Ante uma existência de Deus que não é possível provar nem desmentir inequivocamente, cabe-nos decidir, ou seja, optar. Tanto o teísmo como o ateísmo são opções, o agnosticismo opta por não optar. Já vários agnósticos me disseram “Não consigo acreditar”. Em psicoterapia, quando alguém diz “Eu não consigo”, o terapeuta traduz por “Eu não quero”. Por exemplo, suponhamos que o paciente diz, “Eu não consigo deixar de fumar”; o terapeuta pergunta, - “Deixar de fumar é impossível?” ao que o paciente responde “Não, já outros deixaram”, e o terapeuta conclui “Tu não queres deixar de fumar, porque se quisesses verdadeiramente, deixavas, pois, como diz o povo, “Querer é poder”.

O mesmo pode ser dito do agnóstico ou ateu que diz “Não consigo acreditar”. Acreditar não é impossível: muitos acreditam, se não acreditas então é porque não queres acreditar ou porque essa atitude é mais conveniente para ti. Tenho encontrado muitos agnósticos que o são porque está na moda e porque estão cheios de preconceitos em relação à fé, à religião, à Igreja e aos que são religiosos.

Teísmo
Neste capítulo, apresentaremos argumentos filosóficos, tal como fizemos no anterior; os argumentos cosmológicos serão apresentados quando falarmos da tríade do Universo: tempo, matéria/energia e espaço.

As cinco vias de S. Tomás de Aquino (1225 - 1274)
Na primeira parte da “Suma Teológica”, nos capítulos segundo e terceiro, apresenta S. Tomás cinco provas a que ele chama “vias que demonstram que Deus existe”:

1ª Via do Movimento – Sabemos pelos sentidos que tudo o que neste mundo se move não contém em si a causa desse movimento, mas é movido por outro, e este outro ainda por outro… uma série infinita de causas é impossível, pelo que tem que haver um primeiro motor imóvel, ou seja, não movido por outro; esse motor primeiro é Deus.

2ª Via da Eficiência – No mundo não encontramos nenhuma coisa que seja causa de si mesma; para assim ser, cada coisa teria de ser anterior a si mesma, o que é impossível. Tudo no mundo se ordena numa sequência de causa-efeito; porém, esta sequência não pode ser levada ao infinito, já que seria a negação do princípio de causa-efeito. Alguém teve de dar o pontapé de saída, ou seja, uma causa primeira sem causa que é Deus.

3ª Via do Contingente e do Necessário - Observamos que existem seres contingentes que existem, mas poderiam não existir, por não ter em si mesmos, na sua essência, a razão da sua existência. Da possibilidade de não existir, fica a necessidade de outro ser que lhe cause a existência. Se, remontarmos ao infinito, chegaremos ao ser necessário, que tem em si a razão absoluta da sua existência. Contendo na sua própria essência a sua existência, seria absurdo não existir. Dessa forma, é necessário afirmar a existência de um ser necessário por si mesmo, e que é a causa e a necessidade de todos os outros: Deus.

4ª Via dos Graus de Perfeição - O nosso entendimento percebe que existe um grau de perfeição em todas as coisas. Esses graus estão presentes desde os objetos mais comuns até aos sentimentos mais obscuros ou nobres. Julgamos sobre tais graus de tais coisas, em comparação ou tendo como referência alguma coisa de grau máximo. Se, para cada coisa existente há um grau máximo, deve existir, portanto, um Ser que contém todos os atributos e coisas possíveis nos seus graus de perfeição ao máximo e que seria gerador de todas as coisas em grau de perfeição menor. Santo Tomás de Aquino diz que “se encontra nas coisas algo mais ou menos bom, mais ou menos verdadeiro, mais ou menos nobre etc. Ora, mais e menos dizem-se de coisas diversas, conforme elas se aproximam diferentemente daquilo que é, em si, o máximo”. Esse Ser é Deus.

5ª Via do Governo das Coisas/da Finalidade do Ser - Se considerarmos a ordem existente no universo, desde os componentes microscópicos existentes até os gigantescos astros do firmamento, a harmonia, a atividade e relação entre eles, facilmente chegamos à seguinte conclusão: houve uma inteligência que criou e ordenou tudo isso; caso contrário, seria absurdo dizer que isso é fruto do acaso. Esse ser inteligente é Deus.

Se Deus não existe, a vida humana carece de sentido
“(…) se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé (…) aqueles que morreram em Cristo, perderam-se. E se nós temos esperança em Cristo apenas para esta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens”. 1 Coríntios 15, 17-19

O enigma da existência humana está intimamente ligado à existência de Deus. Se Deus não existe, o homem, de alguma forma, também não existe como pessoa e a sua existência carece de sentido. Foram os mesmos filósofos que se sucederam à ideia da morte de Deus - Jean-Paul Sartre, Albert Camus e Søren Kierkegaard - que declararam que sem a existência de um ser superior, a vida é um absurdo. Para a vida ter sentido, é preciso haver critérios pelos quais viver, que não sejam de criação humana — princípios dos quais nós não somos a fonte e que de alguma forma têm autoridade sobre nós.

O inferno são os outros, diz Sartre – Como os soldados do sumo sacerdote, Deus foi feito prisioneiro por Feuerbach, julgado por Marx e Freud que, ironicamente, tal como Anás e Caifás também eram judeus, e condenado à morte e executado pelo Pilatos de Nietzsche. Ironia do destino, com a morte de Deus morreu também o homem, pois a vida deixou de ter sentido. Daí, os filósofos depois de Nietzsche serem os filósofos do absurdo e da náusea (Sartre) que causa, não tanto o cadáver de Deus, pois não tem corpo, mas sim o do Homem.

Mas depois de esclarecido que a existência do Homem está unida à existência de Deus, e embora Deus preexista e exista independentemente do homem, o Homem é a criatura para quem Deus existe. Só uma criatura consciente de si mesma pode chegar à consciência da existência de Deus. Tal com dissemos ao falar do animismo, foi a constatação da morte do nosso corpo físico que fez nascer o nosso eu espiritual; foi a constatação da morte, como um deixar de existir, que configurou o nosso existir como um ser. O existir é temporal, o ser é eterno - o desejo de eternidade, contraposto à realidade da nossa temporalidade, deu-nos a crença de que existe Deus, criador de tudo e de todos e da nossa sede de o conhecer.

Nova ironia do destino: agora o outro, o meu semelhante, como afirma Sartre, com quem vivia em harmonia em sociedade, tornou-se num inferno para mim, e só consigo sair deste inferno eliminando-o.

No máximo do absurdo, estes pensadores chegam a negar a natureza humana que é trinitária. Um ser humano não existe sozinho, mas coexiste com outros dois - o pai e a mãe: ou existem três ou não existe nenhum. Como podem os outros ser um inferno? É o amor ao próximo como a mim mesmo, que é o garante da igualdade, princípio fundamental da sociedade e do ser humano, como ser social e membro dela. Sem o amor ao próximo como a mim mesmo a vida em sociedade seria impossível e se esta é impossível também a vida individual cessa de existir. Se toda a gente pensasse como Sartre, este mundo seria verdadeiramente o inferno.

Por outro lado, é o, amar a Deus sobre todas as coisas e pessoas que me garante a liberdade, princípio fundamental em que se baseia a dignidade da pessoa humana. Sem liberdade, não há vida humana individual, não há pessoa humana. Só estamos livres das coisas e das pessoas quando damos o nosso coração a Deus, quando aceitamos um único senhorio: Ele. Quando não prestamos vassalagem a um único Deus que nos faz livres, acabamos por prestá-la a outras realidades humanas e mundanas: o poder, o prazer, a riqueza, a popularidade, a beleza física, fazendo-nos escravos dessas realidades e, portanto, adoradores de ídolos.

Se Deus não existe, tudo é permitido (Dostoievsky)
Se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigiam as sentinelas. Salmo 127,1

Os não crentes vivem descansados à custa dos crentes. É de facto Deus que guarda a cidade e não as sentinelas. Se Deus não existisse, não haveria sentinelas suficientes para guardar a riqueza dos ricos. Os não crentes têm a sorte de a maior parte da população mundial ser crente. Deus é o garante último do bem; sem Deus, o bem e o mal carecem de fundamentação.

Geralmente, os ateus e agnósticos costumam ser pessoas instruídas e até bem-educadas e pensam que, por eles o serem, os outros também são. Se um dia fosse possível demonstrar científica ou inequivocamente que Deus não existe, o caos, a anarquia, um autêntico pandemónio sem precedentes estabelecer-se-ia no mundo. Se toda a nossa esperança fosse dedicada a esta vida, este mundo não poderia certamente continuar como é.

Num mundo no qual 1% da humanidade tem hoje 54% da riqueza mundial e os restantes 99% detêm apenas 46% da riqueza, nenhuma polícia ou poderio militar conseguiria conter a raiva a nível mundial. Portanto, é mesmo Deus quem guarda a cidade pois, se Ele não a guardasse, em vão vigiariam as sentinelas.

Alguém disse que se Deus não existisse, teria de ser inventado. Se o justo e o injusto têm o mesmo fim, se duas coisas diferentes chegam à mesma conclusão, essas duas coisas são iguais entre si; se o bem e o mal, a justiça e a injustiça têm o mesmo destino, não há diferença entre uma e a outra.

É a vida eterna que dá sentido a esta vida temporal; pode parecer simplório, mas sem Céu para aqueles que optaram por Deus e viveram no amor, e sem Inferno para os que não optaram por Deus e viveram no ódio e no egoísmo, esta vida não teria sentido. É o Céu que representa os valores humanos e o inferno que representa os valores opostos.

Se Deus não existe, o injusto tem a última palavra. Se o que comete crimes e escapa impunemente à justiça dos homens, não só ficaria em vantagem sobre os outros como perante a falta de uma hipotética justiça divina, esta impunidade levá-lo-ia a ele e a outros a cometerem mais crimes.

Se Deus não existe, o homem não é superior ao resto dos seres vivos
Ó Senhor, nosso Deus, como é admirável o teu nome em toda a terra! Quando contemplo os céus, obra das tuas mãos, a Lua e as estrelas que Tu criaste: que é o homem para te lembrares dele, o filho do homem para com ele te preocupares? Quase fizeste dele um ser divino; de glória e de honra o coroaste. Deste-lhe domínio sobre as obras das tuas mãos, tudo submeteste a seus pés: rebanhos e gado, sem exceção, e até mesmo os animais bravios; as aves do céu e os peixes do mar (…) Salmo 8, 2, 4-10)

Como dizia Karl Marx, o ser humano é o momento em que a Natureza ganha consciência de si mesma. De todos os seres vivos, somos os únicos com capacidade para pensar e com algum domínio sobre o nosso destino e a nossa vida. Não faz sentido que o nosso destino seja o mesmo do piolho e da pulga: o nada. Se isto fosse assim, eu e muitos outros iguais a mim preferiríamos não ter nascido, a partilhar com o piolho, a barata e a pulga o mesmo destino: o nada.

Aqui se verifica o absurdo do ateísmo: não faz sentido que um Universo ordenado inteligentemente e tendo progredido até chegar à vida humana tivesse o mesmo destino que o resto dos seres vivos. Para que chegaríamos até aqui? Para termos maior consciência da nossa miséria e sofrermos mais que todos os seres vivos?

Precisamente no momento em que temos consciência de nós mesmos, da nossa existência e do poder relativo que temos sobre ela, também nos damos conta de que um dia morreremos, ou seja, de que um dia deixaremos de existir. Ao menos os animais, que também morrem, são poupados a este sofrimento. Não pensam, não sabem que existem e não sabem que hão de morrer. Por que motivo temos consciência? Para experimentarmos de forma masoquista o sofrimento, a dor, a angústia, a ansiedade perante a morte, a nossa condição miserável em relação aos outros seres vivos?

Os animais não têm nenhum poder sobre as suas próprias vidas: a Natureza colocou-lhes no sistema um “chip” o instinto que governa automaticamente as suas vidas. Os seres vivos viajam em piloto automático não podem enganar-se, nunca estão certos nem errados, ou melhor, estão sempre certos e sempre realizam a vocação para a qual foram criados. Ao contrário deles, os seres humanos têm algum poder sobre as suas vidas, podem transformá-las num céu ou num inferno, ao equivocar-se. Não seria melhor vivermos nós também em piloto automático, visto que todos temos o mesmo destino?

Para os animais, a Natureza é uma mãe pródiga, tudo lhes dá e até os veste. Ao sair do ventre das suas mães já têm tudo o que precisam para viver. O ser humano nasce como o mais vulnerável e desamparado de todos os seres vivos e leva muito tempo até chegar à idade adulta: anos a fio de educação, escola e universidade e depois, para sobreviver, tem de trabalhar grande parte do seu dia, para ganhar o pão com o suor do seu rosto, enquanto os nossos congéneres animais comem, dormem e se divertem. Para quê tudo isto? Não seria melhor a vida do animal, se tudo acaba em águas de bacalhau?

Se Deus não existe, a natureza do homem é enganosa
Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti.
Santo Agostinho

O ateísmo são conjeturas intelectuais, o agnosticismo é preguiça intelectual crónica, de uma pequena minoria de gente que vive instalada e aburguesada no consumismo de uma sociedade assente na abundância. A maioria da população mundial é crente e tem sido crente ao longo da sua História e em todas as culturas. O ateísmo ou agnosticismo, já que na prática são um só - ainda não constituiu nenhuma cultura ou civilização e, onde tentou fazê-lo, fracassou. Porquê?

A antropologia, ciência que estuda a natureza humana ao longo da História e em todas as culturas e civilizações, diz que o ser humano é naturalmente religioso. A conceção de Deus pode variar de tempo para tempo, de cultura para cultura.

Na evolução do Universo e das espécies neste planeta, o Homem é o momento em que a matéria se sublima em espírito. Assim sendo, é lógico pensar que este poder mental que temos agora, já existia antes. Por outro lado, só o ser humano chegou à autoconsciência: os outros animais que são tão ou mais antigos do que ele, nunca lá chegaram.

A evolução das espécies resultou num ser humano pensante que se opõe ou sobrepõe ao resto da Criação, tal como o polegar se opõe e sobrepõe ao resto dos dedos na mão. Se isto assim acontece é porque temos um destino diferente do resto dos seres vivos. O dedo grande do pé não se opõe aos outros e a sua função em pouco difere da dos outros dedos. Porém, na nossa mão, a função do polegar é uma das características que define e distingue o ser humano do resto dos animais. O ser humano é o polegar da Criação de Deus.

Só o Homem é um ser aberto ao infinito, anseia eternidade, tem sede de Deus. Se não houvesse água para saciar a sede, a nossa sede seria enganosa e absurda. Se há sede, tem de haver água. Todo o ser humano possui em si mesmo implicitamente o desejo de Deus, a sede de Deus, logo Deus existe para saciar essa sede.

O Universo é constituído por tempo, espaço e matéria. O Criador do Universo tem necessariamente que ser, em relação ao tempo, atemporal ou eterno; em relação ao espaço é, ao mesmo tempo transcendente e imanente, ou seja, está a cima e para além de tudo e de todos e ao mesmo tempo é o coração de cada coisa que existe; em relação à matéria, Deus é um ser espiritual e pessoal.

Conclusão
No meu entender, perante as razões para acreditar e a razões para não acreditar, a decisão de ser teísta, ateu ou agnóstico vai depender de fatores pessoais: educação na infância, estudos académicos, experiências pessoais marcantes ao longo da vida, etc… No meu apostolado, já muitas vezes dialeticamente em diálogo com ateus e agnósticos ofereci argumentos que os silenciaram e, mesmo assim, continuam a não acreditar, o que prova que esta é uma decisão bem mais profunda e para além da razão e que tem a ver com a vida que cada um viveu.

Partindo do pressuposto de que a existência de Deus como criador e pai da humanidade, que vela por cada um de nós, seus filhos, aqui e agora e depois da nossa morte, não pode ser provada nem desmentida científica ou filosoficamente, sempre haverá razões para acreditar e razões para não acreditar.

Por muito que os cientistas se empenhem em perscrutar os mistérios do Universo, com o intuito de alcançarem um maior conhecimento de como as coisas se processam e reduzir assim o campo da religião, nunca encontraram uma prova inequívoca que obrigue todos os seres humanos a acreditar ou não acreditar. A ciência estuda o “como” não o “porquê”. A ciência não tem método nem forma de saber o “porquê” nem o “para que” existe o mundo. As respostas a estas perguntas pertenceram sempre ao campo da fé e da religião.

Perante este estado da questão, as três posturas diante da existência de Deus equivalem a três decisões ou opções vitais. O ateu encontra as suas razões para não acreditar e fundamenta a sua opção nessas razões que satisfazem o seu intelecto.

O teísta encontra as suas razões para acreditar e fundamenta nelas a sua fé. A fé como a define o Concílio Vaticano I é um “obséquio razoável”, ou seja, não é irracional, nem racional, mas plausível e humanamente credível. Porém, como as razões que fazem a fé credível não são nem nunca podem ser irrefutáveis, há sempre na fé uma parte de obséquio, algo que o crente dá, algo no qual deposita a sua confiança e pelo qual dá um salto no escuro.

O ateu estuda a questão e encontra razões para não acreditar e decide não acreditar; o teísta estuda a questão encontra razões para acreditar e decide ou opta por acreditar. Quanto aos agnósticos, há vários tipos com pontos comuns e pontos divergentes. Os menos sérios não estudam a questão nem se colocam o problema, instalados que estão no mundo material. São materialistas no sentido em que só acreditam no que veem, e é acessível aos cinco sentidos.

Os mais sérios estudam a questão e acham que há 50% de razões para acreditar e 50% de razões para não acreditar. Por isso, não se decidem, não são teístas nem ateus, não são carne nem peixe. Em teoria, mantêm a questão em aberto, como se estivessem num cruzamento a vida inteira, sem decidir se viram à direta ou à esquerda, se vão em frente ou voltam para trás.

Na prática, a vida decide por eles e, de facto, vivem como se Deus não existisse tal como os ateus. Os agnósticos só o são se alguém lhes pergunta se acreditam ou não em Deus. De resto, na prática, são tão ateus como os ateus. Enfim acreditando na sua existência como acreditando na sua não existência, ou mesmo sendo indiferente, a posição e a opção que fazes em relação a Deus define a tua vida.
Pe. Jorge Amaro, IMC

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