1 de outubro de 2016

Perdoar e esquecer

Um Ex prisioneiro de um campo de concentração Nazi foi visitar a um amigo que com ele tinha partilhado tão penosa experiência. “Já perdoaste os Nazis tudo aquilo que nos fizeram?” Perguntou ao seu amigo. “Sim já” respondeu ele. Pois eu não e nunca os perdoarei ainda os odeio com toda a minha alma. Ao ouvir isto, o seu amigo disse-lhe aprazivelmente, “se é assim, ainda te têm prisioneiro”. 

Deus perdoa e esquece é como um computador com muita memória operativa sem disco duro para armazenar dados. Para Deus, que vive num eterno presente, o passado não tem valor. Mal e bem contribuíram para o que somos hoje que é o que a Deus interessa; as boas obras formaram o nosso bom caracter as más ações, se soubemos lidar com as suas consequências, deram-nos uma lição, pois na vida aprendemos mais dos nossos erros que dos nossos acertos.

“Águas passadas não movem moinhos”
Não perdoar é escolher ficar preso numa cela de amargura, cumprindo pena pelo crime de outra pessoa.  Mahatma Gandhi

Deus perdoa e esquece, passa página como costumamos dizer; a água não fica agarrada a nenhum lado corre, “moves on” como se diz em inglês. O que acontece com Deus e com a água que uma vez passada já não pode mover o moinho, não acontece connosco. De facto, muitos de nós, contra todas as leis da física, ficamos amarrados ao passado e vivemos a nossa historia circular e repetitivamente como um disco riscado. Desta forma o passado é contínua e obsessivamente projetado no presente, obrigando as pessoas das nossas relações do presente a representar e atuar os nossos monstros do passado, reagindo nós como reagimos naquele então.

Só perdoando as pessoas que nos magoaram no passado nos libertamos das amarras do ressentimento e outras emoções prejudiciais que andam à solta no nosso ser; como nós não as conseguimos controlar porque não as conhecemos, controlam-nos elas a nós, influenciando o nosso comportamento no presente. Só quando perdoamos a que nos emancipamos totalmente dos que nos ofenderam e lhes retiramos o poder que, no caso de não perdoarmos, ainda têm sobre nós.

Conta-se que no Céu Caim evitava a companhia de Abel até que um dia este não entendendo a razão do comportamento do seu irmão resolve confrontá-lo. Ouve lá porque é que foges de mim? Acaso não somos irmãos? Caim olhando-o cabisbaixo e envergonhado responde em tom de pergunta; tu não sabes o que aconteceu lá em baixo na terra entre mim e ti? Tenho uma vaga ideia, disse Abel; foste tu que me mataste a mim ou fui eu que te matei a ti?

Enquanto dura o remorso dura a culpa. Caim não se tinha perdoado ainda a si mesmo… Se Deus perdoa e esquece, passa página nós, pelo nosso bem e equilíbrio anímico, estamos chamados a fazer o mesmo, perdoar os outros e perdoarmo-nos a nós próprios. É certo que os factos não são totalmente esquecidos do ponto de vista cognitivo: mas, se verdadeiramente conseguirmos perdoar, estes são recordados de uma forma diferente, sem emoção; já não provocam stress ou ansiedade, ódio ou ressentimento no nosso coração pelo que verdadeiramente ficaram no passado e podem até ser mesmo esquecidos cognitivamente.

Pecado é dívida contraída
Anulou o documento que, com os seus decretos, era contra nós; aboliu-o inteiramente, e cravou-o na cruz. Colossenses 2, 14

“Perdona nuestras deudas asi como nosotros perdonamos a nuestro deudores” Assim rezavam os espanhóis o Pai Nosso há uns anos. Quando pecamos, contraímos uma dívida contra quem pecámos; as relações com essa pessoa, a ordem, o equilíbrio e a harmonia não ficam restabelecidas se a dívida não for paga. A ideia de satisfazer, compensar ou recompensar a quem lesámos vem do facto de nos sentirmos devedores para com essa pessoa. A palavra ofensa, que usamos em português é também agora a que usam os espanhóis para estar em sintonia com a América Latina, não confere o mesmo sentido.

Precisamos de olhar para o pecado como dívida contraída para entender o que São Paulo diz aos cristãos de Colosso. Fala-lhes de facto de uma factura que contem extensivamente e em detalhe os pecados da humanidade e os nossos próprios.  Essa factura que é um documento da nossa dívida, de por si fala contra nós, pois relata todo o mal que fizemos.

Em Cristo, Deus Pai aboliu ou anulou a fatura; no original grego São Paulo não usa o termo chiastrein que significa anular ao colocar um X em todo o corpo da factura. Não usa este termo porque mesmo depois de anularmos uma factura sempre a podemos ler e depois arrependermo-nos de termos perdoado a dívida. O termo que Paulo usa é exalaifein, que significa apagar.

Naquele tempo não havia papel, como há hoje; os papiros, e peles eram usados uma e outra vez por isso se escrevia com uma tinta que se apagava facilmente como até há bem pouco fazíamos com as nossas ardósias. Uma vez apagada a factura já não pode ser lida. Mas para que não restasse nenhum vestígio de tal factura Deus crucificou-a ou seja destruiu-a por completo, ou seja é como se tivesse sido queimada; já não pode ser lida não só porque foi apagada, mas porque já não existe.

Jesus de Nazaré pagou a fatura da nossa divida; ao assumir os nossos pecados e de alguma forma Ele incarnou a fatura da divida de toda a humanidade, e com a sua morte destruiu-a.

Subindo ao madeiro, Ele levou os nossos pecados no seu corpo, para que, mortos para o pecado, vivamos para a justiça: pelas suas chagas fostes curados. 1 Pedro 2, 24

Ao assumir os nossos pecados, Jesus de alguma forma encarnou, ou transformou-se na velha fatura que continha todos os pecados ou dividas da humanidade para com Deus; ao morrer na cruz destruiu-a para sempre. Se em Jesus Deus perdoa e esquece as nossas faltas também nós estamos chamados a perdoar e esquecer as ofensas dos outros e assim como o mal que nos fizemos a nós próprios.
Pe. Jorge Amaro. IMC




1 comentário:

  1. Lindo momento ,é sem dúvida um grande exercício saber perdoar ,não é fácil com certeza ,mas é muito melhor sentir-mo-nos libertos das amarras para que possamos viver em paz ,um grande abraço Jorge.

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