É frequente que nenhuma das partes reconheça que ofendeu e ambas se sintam ofendidas. É muito provável que a divergência na mesma atribuição da culpa se deva ao facto de que ambas as partes sejam ao mesmo tempo ofensores e ofendidos.
Para restabelecer a harmonia e a paz, os ofensores devem pedir perdão, os ofendidos devem perdoar. Quando uns e outros fazem o que se espera que façam, para restabelecer a comunicação, o conflito cessa, uma paz mais forte e duradoira é restabelecida entre ambas as partes que se sentem satisfeitas, ainda que inicialmente tivessem que contradizer e superar os seus instintos básicos e engolir o seu orgulho.
No entanto, na realidade muitas vezes não é isso o que acontece. Há ofensores que nunca pedem perdão e ofendidos que nunca perdoam.
É de esperar que Maomé vá à montanha
Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta. Mateus 5, 23-24
O evangelho acima citado pede aos agressores que reconheçam a sua culpa e peçam perdão. Mas se estes não o fazem, para evitar o imobilismo, a situação de impasse que se cria, o evangelho manda que seja o agredido a ir ter com o agressor. Situação que é descrita ao pormenor em Mateus 18, 15-18.
É das primeiras perguntas que Deus dirige ao homem na bíblia: “Onde está o teu irmão? (Génesis. 4, 9) à qual não posso responder, encolhendo os ombros e dizer que não sei, que não sou guardião do meu irmão, como disse Caim. Se buscamos amar o próximo como a nós mesmos, damo-nos conta de que de facto até somos guardiães dos nossos irmãos.
Quando nos colocamos diante de Deus, como o fiel do texto de Mateus, Deus atua como um espelho, e faz-nos ver quem somos, e como nos relacionamos com os nossos irmãos; é, portanto, impossível que ali não nos recordemos do mal que fizemos aos nossos irmãos. Se não damos ouvidos à voz da consciência, pedindo perdão ao nosso irmão, somos hipócritas; podemos rezar e fazer todo tipo de praticas religiosas, Deus volta-nos as costas, enquanto não nos reconciliarmos como o nosso irmão.
O segundo mandamento é o amor ao próximo, e como não podemos amar a Deus, que não vemos se não amamos o próximo que vemos, (1ª João 4,20), só quando amamos o próximo manifestamos e provamos que amamos a Deus; como sugere o capitulo 25 do evangelho de São Mateus, a Deus ama-se no próximo ou não se ama: Tudo o que fizeste a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizeste…
O juízo final como o descreve o evangelista, é sobre o mandamento do amor ao próximo e não sobre o mandamento do amor a Deus. É por tanto de certa forma um julgamento civil e não religioso. Com isto podemos concluir que toda a prática religiosa que não leve a um crescimento pessoal, a sermos melhores como pessoas, e a melhorar as nossas relações com os outros, é ópio e alienação.
Muitos Maomés não vão à montanha
Quando era pequeno gostava muito de brincar com o meu gato e ficava maravilhado pela sua agilidade; para pô-la à prova, agarrava-o pelas quatro patas e deixava-o cair de costas e qualquer que fosse a distância do solo, ele virava-se sempre e caía sobre as quatro patas.
Tal como o meu gato há muitos ofensores que caem sempre de pé. Nunca admitem que fizeram mal e procuram desculpabilizar-se a si mesmos. Racionalizam o seu comportamento; dizem que foi sem querer, que não foi por mal; por muito que a alguns custe admitir, onde há fumo há fogo; onde há ofendido houve ofensor, e nunca nenhuma ofensa se fez por bem nem para o bem do ofendido, mas todo o contrário.
O tempo tudo cura menos a velhice e a loucura - Também há quem se faça responsável e admita a culpa, mas no seu orgulho entendem que pedir desculpa é humilhar-se perante os outros e esperam que o tempo sare a ferida do agredido. A psicologia diz-nos que não é isso o que acontece. Quando pedimos perdão a ofensa é retirada; quando não o pedimos ela permanece no coração do ofendido e provavelmente vai juntar-se a outras anteriores, fazendo crescer o ressentimento e envenenando o relacionamento posterior.
Não pedir perdão é como uma ferida que aparentemente parece sarada porque logo fecha; no entanto por debaixo da pele, que a cobre, o tecido vai apodrecendo, criando pus e mudando de cor; quando menos se espera rebenta, criando uma situação pior que a inicial.
Muitas vezes ficamos admirados ante a desproporcionada irascibilidade e explosão de certas pessoas ante uma pequena ofensa, porque desconhecemos que essa pequena ofensa é só a última gota de água que encheu o depósito da resiliência e resistência anímica dessa mesma pessoa.
Se vos irardes, não pequeis; que o sol não se ponha sobre o vosso ressentimento, nem deis espaço algum ao diabo. Efésios 4, 26-27 – Como sugere São Paulo, o melhor é pedir sempre perdão por cada ofensa e nunca deixar passar a ocasião de o fazer para que não haja um acumular de culpas e de ressentimento.
Para certas pessoas o que torna difícil pedir perdão é a possibilidade de não o obter, assim como eventualidade de também ter que enfrentar a raiva e humilhação da pessoa a quem requeremos o perdão.
Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé
Se o teu irmão te ofender, vai ter com ele e repreende-o a sós. Se te escutar, terás ganhado o teu irmão. Se não te escutar, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda a questão fique resolvida pela palavra de duas ou três testemunhas. Mas se ele não lhes der ouvidos, comunica o caso à Igreja… Mateus 18, 15-18
Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé – Esta é a formulação do ditado popular que ouvimos muitas vezes nos mais variados contextos. Historicamente porem a formulação é ao contrário: Se a montanha não vem a Maomé, Maomé vai à montanha. A primeira aparição deste dito assim formulado é do capítulo 12, dos ensaios de Francis Bacon, publicado em 1625.
Talvez fazendo referencia a Marcos 11:23 se tiveres fé podes mover montanhas, Maomé fez com que as pessoas acreditassem que ele tinha poderes para chamar a si a colina do outro lado do vale para no alto dela rezar pelos observadores da sua lei. Uma e outra vez, Maomé chamou a si a colina, mas esta, evidentemente, não obedeceu e permaneceu hirta no seu lugar. Não se sentindo nem envergonhado, nem humilhado ante a desobediência da colina, disse Maomé airosamente, Se a montanha não vem a Maomé, Maomé vai à montanha.
Para evitar o imobilismo, a calma chicha, o mar dos sargaços das relações humanas, ou a guerra fria, o evangelho tem uma palavra a dizer aos ofensores e outra aos ofendidos, como acima vimos. Aos ofensores exorta-os a pedir perdão a quem ofenderam. Na eventualidade de que estes não o façam, não cumpram o seu dever, podemos e devemos perdoar-lhes no nosso íntimo, como Jesus no alto da cruz aos seus algozes.
Perdoar no nosso íntimo é insuficiente e não é pedagógico nem para nós ofendidos nem para os ofensores pois é um comportamento passivo. O ideal é um comportamento proactivo assertivo: ir ter com eles de bandeira branca içada como sugere o evangelho acima citado. Primeiro a sós, depois com outra pessoa de preferência um amigo seu, indo alargando gradualmente para mais pessoas, para dar mais força à nossa causa.
Voltando ao exemplo de Jesus, Ele perdoou os seus algozes no seu coração e não foi ter com eles porque estava atado a uma cruz; se tivesse tido liberdade de movimentos é exatamente isso que Ele faria. De facto, foi o que fez; quando levou uma bofetada do servo do sumo sacerdote confrontou-o assertivamente com o seu ato perguntando-lhe porque me bates?
Não vamos ter com quem nos ofendeu para o acusar, esse seria um comportamento agressivo e contraproducente pois ante uma acusação a tendência natural de todas as pessoas é defender-se. Na esperança de que o nosso agressor se faça responsável pelo seu acto e assim ele mesmo se acuse, tudo o que podemos e devemos fazer ante quem nos ofendeu, é assumir a responsabilidade das consequências do seu acto; ou seja relatar ao nosso agressor, não o mal que nos causou, mas o mal que sofremos.
Como sugere o evangelho, devemos portanto, ir ter com o nosso agressor e confrontá-lo não com o seu ato, mas com as consequências do mesmo; não com a sua violência, mas com a nossa dor. Esta fala do ato como mais eloquência que a nossa voz acusatória teria, e é infinitamente mais eficiente.
Gramaticalmente a assertividade usa a voz passiva, na esperança de que ante a nossa miséria, aquele que nos agrediu sinta misericórdia e peça nos peça perdão.
Pe. Jorge Amaro, IMC
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