15 de junho de 2015

A Castidade como atitude

Um jovem monge, olhando para um prado, maravilhosamente florido, disse ao seu mestre, “Como é difícil para nós monges a castidade; é como estar perante uma multidão de maravilhosas flores perfumadas, sem poder colher uma sequer... O homem casado que por ali passava, ao ouvir estas palavras observou, “Que diremos nós os casados? Colhemos uma flor, inebriámo-nos com o seu perfume, e agora temos um desejo fortíssimo para conhecer outras; não é acaso mais difícil a castidade para nós? Uma mulher ao escutar estas afirmações exclama, “Existe sofrimento maior que o não ser recolhida por quem verdadeiramente queríamos e quando queríamos? Deus ouvindo os três pensou, “Têm razão os três por isso mesmo prometi aos puros de coração de que veriam a minha cara.

A virgindade ou castidade, nem é inata, nem temporária, nem coisa só de padres e freiras. Os valores humanos, para serem valores e serem humanos, devem poder ser aplicáveis universalmente. Consideremos então que todos estão chamados a viver em castidade, embora a prática desta virtude por cada pessoa dependa da sua opção fundamental.

Sexualidade como liturgia do amor
Até há bem pouco tempo, a sexualidade era vista como algo impura e suja. O próprio acto conjugal, apesar de ser o único meio para a transmissão da vida, era visto como negativo. Depois de Sigmund Freud, começámos a olhar para a nossa sexualidade de uma forma mais positiva, superando até as dicotomias sujo-limpo, puro-impuro ao tratar-se de partes da nossa anatomia; desta forma, hoje, a grande maioria das pessoas conceptualiza o seu corpo como puro e limpo, na sua totalidade e em cada uma das suas partes.

Após ter sido dissociada de um hipotético lado sombrio da nossa natureza, a sexualidade começou também a ser entendida num sentido muito mais amplo para além do puramente genital. O ser humano não é só masculino ou feminino no seu corpo, mas também na sua mente, personalidade e carácter. Masculinidade e feminilidade são então duas formas diferentes e complementares de ser, estar, e expressar-se como indivíduo, e não apenas uma referência de género.

No contexto de um casal o ato conjugal é, e deve ser ante tudo, uma expressão de amor e só depois um meio para a procriação e nunca, como era entendido teologicamente, um remédio para a concupiscência. Na eventualidade do acto conjugal ser procreativo, os filhos são, e devem ser, frutos do amor e não do desejo, ou da concupiscência.

Como nem todos os actos conjugais estão naturalmente abertos à transmissão da vida, podemos concluir que, enquanto a procriação nem sempre sucede a todos e cada um dos actos conjugais, o amor deve sempre preceder e acompanhar todos e cada um destes actos.

Castidade para todos
Ao longo da história a castidade, entendida como abstinência, tem sido o atributo distintivo de, uns poucos, monges, padres e freiras. A mesma santidade entendida como sendo o ideal e o objectivo para todo cristão, com poucas excepções, estava somente ao alcance do citado grupo de pessoas, pois à partida considerava-se que estavam numa posição melhor para lá chegar. Os outros estavam vetados a ser candidatos à castidade e à santidade pelo simples facto de estarem casados

Os leigos casados eram encorajados a imitar o clero tanto quanto podiam, especialmente durante a Quaresma estendendo a abstinência e o jejum à prática sexual; alguns foram tão longe que chegaram a fazer o voto clerical de castidade, abstendo-se de qualquer forma de comportamento sexual para o resto das suas vidas, vivendo como irmãos e irmãs.

Como dissemos, para ser um valor universal, a castidade tem de ser aplicável universalmente a todo o ser humano, qualquer que seja a sua forma de ser e estar na vida. Como tal castidade, para a maior parte das pessoas, não pode significar abstinência de sexo pois esta é a forma de expressar amor e união entre os esposos.

Assim sendo, a castidade deve ser buscada mais nas atitudes que nos actos; todo o beijo, abraço e carícia pode ao mesmo tempo ser expressão de amor e de luxúria, tudo depende da intenção de quem os dá. Como tais, não há actos puros e actos impuros, limpos ou sujos em si mesmos; o amor ou a luxúria não se encontram no ato em si mas no actor e nas suas motivações.

Que há de mau no prazer?
Essa é a questão que muitos jovens adultos me fizeram no contexto do Sacramento da reconciliação. A minha resposta tem sido sempre, “O prazer não tem nada de mau com tal de que a obtenção do mesmo não seja o motivo principal de nenhum acto humano”. Por exemplo, apreciamos a nossa comida e criamos até um cem número de diferentes receitas para torná-la mais agradável, mas não comemos por prazer. O prazer não é, nem deve ser, a razão principal para comer.

O Prazer pode ser uma das razões pelas quais comemos, mas a primeira é a sobrevivência e a saúde. Aqueles que cedem ao prazer de comer depressa arruínam a sua saúde. Comemos com prazer, para ter saúde. Quando o prazer se torna uma motivação primordial, facilmente se cai na dinâmica do vício, actos obsessivos e repetitivos sobre os quais não se tem controlo.

O que dissemos sobre a relação comida – prazer - saúde pode aplicar-se à relação sexo – prazer -amor. O prazer degrada, vicia e instrumentaliza as pessoas, quando é a razão principal para a prática do acto sexual. O prazer pode, e deve acompanhar o acto sexual como o faz no acto de comer, mas é o amor que dignifica e dá valor ético ao sexo.

Como dizia Erich Fromm afirmar o prazer, para além da realidade, é equivalente a negá-lo. Qualquer prazer agradável ao longo da vida deve ser restrito dentro dos limites da natureza humana. Abusando do prazer, seja do tipo que seja, para além da condição e natureza humana, encurta a vida e por consequência também o prazer.

Castidade quer certamente dizer abstinência para alguns e às vezes para todos. No entanto, como valor universal ou virtude a ser proposta a todos, sejam casados, solteiros ou religiosos, a castidade refere-se não só à prática ou não prática do acto sexual genital, mas a toda a nossa vida e a todos os nossos actos, pensamentos e sentimentos; sendo a nossa sexualidade, masculina ou feminina, transversal e intrínseca ao nosso ser, não há pensamentos, sentimentos e acções que sejam assexuadas.

Tão casto é o religioso que por amor ao Reino se abstém de relações sexuais, como o casado que as tem com e por amor à sua esposa. Como atitude, a castidade tem mais que ver com a purificação do sexo, ou seja antepor o amor ao prazer, que com a ausência dele.

St. Agostinho, já no século IV, dava mais importância à atitude que ao acto quando dizia: "Ama et fac quod vis." Ama e faz o que queres. Amar como define Sto Tomás de Aquino, é querer o bem do outro pelo que quem ama, verdadeiramente, não pode não fazer o bem.
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 comentário:

  1. Mais um lindo momento que acabei de ler ,logo no começo fez-me lembrar de uma situação que presenciei ,o meu padrinho de crisma era um padre novo que infelizmente já faleceu devido a um cancro ,um dia convidou-me a mim e a mais duas pessoas a visitar o seminário de Caparide ,fomos até lá e passamos bons momentos lá de muita oração e reflexão ,num fim de semana de ordenação de padres no Mosteiro dos Jerónimos ,na viagem de comboio até ao Mosteiro a dialogar com os seminaristas mais velhos ,houve um rapaz que fez a seguinte pergunta ,porque escolheste esta vida de solidão ,ele respondeu ,"solidão apenas existe para quem faz da vida uma eterna escuridão "essa frase me acompanha até hoje ,um grande abraço Jorge .

    ResponderEliminar