1 de maio de 2015

Amor sem sexo nem matrinónio

Nós, os errantes, sempre em busca do caminho mais solitário, não acabamos um dia onde o tivermos começado; e nenhum amanhecer nos encontra onde nos deixou o entardecer.
Khalil Gibran, O Profeta

O padrão dos filmes de cowboys
Nos meus tempos de criança, e de adolescente, gostava muito de ver filmes de cowboys na televisão. Hoje, pensando em retrospectiva, é claro para mim que esses filmes influenciaram, diria mesmo, forjaram de alguma forma o meu futuro. O que é que tem que ver um missionário com um cowboy herói (o bom ou artista dizíamos na altura referindo-nos ao protagonista)? Na verdade, não são assim tão diferentes; de facto têm em comum a mística que os move, a sede e o amor pela justiça e pela liberdade; só divergem na forma de actuar.

A maioria dos filmes de cowboys tem uma narrativa semelhante: No início do filme, ao som de uma música característica deste tipo de filmes, vemos o cowboy cavalgando em direcção a uma cidade. Ao chegar, rapidamente se dá conta de que algo de errado se passa naquela localidade. As ruas estão desertas e as poucas pessoas que se podem ver escondem-se atemorizadas, por detrás das suas janelas. Mesmo dando-se conta da sensação de terror, que paira no ar, o cowboy cavalga, e depois de atar o cavalo, caminha intrepidamente com a descontracção e autoconfiança que sempre o caracterizam em direcção à porta do Bar, que abre com um pontapé..

É lá que encontra os fora da lei (barrascos, como lhes chamávamos na altura) que depois de matarem o xerife, e quantos se lhes opuseram, incutiram o medo aos restantes. Enquanto pede um whisky, ao empregado de balcão, aproxima-se dele um dos bandidos para o desafiar; o whisky termina normalmente na cara do bandido e enquanto este leva a mão à pistola já o cowboy disparou sobre ele, apontando a arma aos restantes. Deste primeiro confronto ficou evidente que o nosso protagonista é um durão e, ao contrário do resto dos homens da cidade, não é facilmente intimidável.

Saindo do bar, com o mesmo à vontade com que entrou, encontra-se com as gentes da cidade para se inteirar da gravidade da situação. Inspira-lhes confiança, coragem e juntos divisam um plano e começam a trabalhar para a libertação da cidade. Muitas vezes ensina-lhe técnicas de autodefesa, que rapidamente aprendem, ganhando assim também confiança neles mesmos.

Como sempre tem que haver algum romance para despertar o interesse do público, os filmes de cowboys não são excepção. Enquanto duram os preparativos para a batalha final, uma mulher apaixona-se pelo nosso protagonista, dando assim início a um romance que se desdobra em simultâneo com o trabalho de libertação.

Eventualmente chega o dia tão esperado. Com a ajuda das pessoas da cidade, o cowboy derrota os bandidos. Aqui o padrão dos filmes de cowboys diverge um pouco; nuns quando as pessoas buscam o cowboy para lhe agradecer este já não se encontra, apenas se vê a sua silhueta cavalgando a galope contra a luz do pôr-do-sol ao som da música com que começou o filme; noutros o cowboy permanece só o tempo suficiente para se despedir daqueles a quem amou, e por quem arriscou a vida, por puro amor, pela verdade e pela justiça, sem buscar nada em troca. É certo que o povo lhe oferece, estabelecer-se ali, ser o seu Xerife, casar com a mulher etc…. Até à data não conheço nenhum filme de cowboys que acabe como os contos: “casaram-se, tiveram muitos filhos e foram muito felizes”.

São-lhe oferecidos poder, dinheiro e amor…. Que mais pode desejar uma pessoa humana debaixo do sol? Mesmo assim ele recusa e não fica, porque a justiça, a verdade e a paz, com quem ele está comprometido, e por quem ele arrisca a vida pedem-lhe que se mantenha livre… Se ele aceitasse e permanecesse na cidade, outras cidades não seriam libertadas.

Abraço aberto
Como o cowboy, o missionário ama universalmente. O mundo inteiro é a sua pátria e a humanidade a sua casa. Tem fome de Justiça e sede de paz. Por elas, e para elas, vive cada momento da sua vida e está sempre pronto a sacrifica-la, toda, em cada um desses momentos.

Ao longo de toda a sua vida, o missionário esforça-se para amar a todos, por igual, sem exclusivismos e em liberdade. O seu objectivo não é pertencer a uma pessoa, mas ser um com todos. Na sociedade de hoje, que coloca tanta ênfase no sexo e onde masculinidade se tornou sinónimo de desempenho sexual, um missionário, tal como Jesus no seu tempo, encarna uma maneira não-erótica de amar. Num mundo onde tantos procuram sexo sem amor, os missionários esforçam-se por amar sem sexo.

Um abraço fechado inclui algumas pessoas, mas exclui todas as outras. O missionário não fecha os braços sobre ninguém em particular, o qual não quer dizer que ame menos intensamente. Como uma mãe com vários filhos, no aqui e agora da sua vida, o missionário ama com toda a intensidade a pessoa que tem à sua frente, sem esgotar nela o seu amor, porque o amor nunca se esgota.

Embora a sociedade de hoje tenda a colocar o instinto sexual ao mesmo nível que outras necessidades físicas individuais, tais como comer e beber, a verdade, que poucos querem admitir, é que, à diferença destas apetências que são intrínsecas ao indivíduo em função dele mesmo, a apetência sexual, também intrínseca ao individuo, não se realiza em função dele mas em função da espécie. A relação sexual não é tanto uma necessidade dos seres humanos, como indivíduos, mas uma necessidade da raça humana para sobreviver.

Em função do indivíduo a prática do sexo é completamente inócua, nem tira nem acrescenta nada à pessoa que o pratica ou não pratica. Portanto, o indivíduo não precisa da realização do acto sexual para preservar, afirmar, ou aumentar a sua masculinidade ou feminilidade. Os homens e as mulheres tanto se distinguem como se complementam em todas as áreas de sua masculinidade e feminilidade, não só nos órgãos genitais.

O amor pode existir e subsistir, e faz sentido, sem sexo pois há uma infinidade de situações amorosas onde o sexo não se aplica, não entra nem deve entrar; ao contrário, o sexo sem amor não deve existir, não faz sentido, pois transforma a pessoa num objecto de prazer instrumentalizando-a e degradando-a, mesmo no caso do sexo consentido entre adultos onde ambos são sujeito e objecto.

Amar é, como diz Sto. Tomás de Aquino, querer o bem do outro. Por isso diz o provérbio espanhol “obras son amores y no buenas razones” o amor manifesta-se nas obras tal como a fé. Contrariamente ao que diz o dito popular: praticar sexo não é “fazer amor”, pois o amor manifesta-se nas obras, cresce ou decresce com e por elas.

Longe de ser a única, o acto sexual é tão só uma das muitas formas de dizer: “Eu amo-te”; e não aplica, nem é lícito, nem moral em muitas formas de amar. Mas, mesmo nas situações amorosas em que é correcta e adequada a expressão sexual, esta, por si só, nem tira nem acrescenta nada ao amor, apenas expressa ou não expressa o amor que existe ou não existe.

A necessidade é amar e ser amado
"All you need is love" costumavam cantar os Beatles nos anos 60. De facto, depois das necessidades básicas que não inclui o sexo, amar e ser amado é a única necessidade e condição sem a qual a vida humana nem existe nem subiste. Nenhuma pessoa jamais atingirá maturidade plena, como ser humano, se não for amado incondicionalmente durante a infância e amar incondicionalmente como adulto.

Quem em adulto busca ser amado, mais que amar, comporta-se afectivamente como uma criança. E como a sociedade não tolera que adultos se comportem como crianças, buscará ser amado de forma enviesada, com enganos, manipulações e jogos psicológicos; é disso que tratam as telenovelas. Quem é maduro afectivamente pode passar sem ser amado; não pode passar sem amar. Jesus na sua vida terrena, buscando sempre amar e servir os mais pobres e desfavorecidos, não buscava ser amado, mas também não repelia o amor que lhe devotavam.

Amor universal, paternidade universal
Todo o homem, e toda a mulher, têm uma vocação natural para serem pai e mãe. O missionário está chamado a realizá-la, não de uma forma biológica ou física, mas de uma forma psicológica e espiritual. Mesmo para os que são pais, em sentido biológico, o mais importante não é o escasso tempo do processo da concepção, mas os longos anos do processo educativo.

O missionário não é pai trazendo mais filhos ao mundo mas contribuindo para a educação e humanização dos que já cá estão. Do missionário pode-se dizer, como se disse de Jesus: Passou pelo mundo fazendo o bem…
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 comentário:

  1. Bom dia caro amigo Jorge nada como começar esta manhã ler tão belo momento ,amar é certamente doar-se ao outro por inteiro ,não por um momento de prazer isso será uma paixão fugaz que nada acrescenta na vida ,pois obter satisfação na insistência do sexo torna impossível o amor ,talvez seja hoje moda nesta sociedade quebrada de valores ir ficando tornou o ser humano demasiado bana.Neste mundo o missionário têm um papel fundamental nesta sociedade ,sair do seu "mundo" e partir ao encontro do outro que necessita ,é de facto um amor muito grande ,uma riqueza que não tem preço e você certamente sabe muito mais que eu ,pois você vive-o intensamente ,um grande abraço Emanuel.

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