A fórmula da Vida humana
A minha paixão por simplificar as coisas, levou-me a pensar numa fórmula para a vida humana; usando o grego, por tradicionalmente ser a língua da ciência, achei que a vida humana era igual ao somatório de quatro diferentes elementos ou dimensões: Eros + Thanatos + Cronos + Logos.
Eros & Tânatos - Instinto de Vida e Instinto de Morte, afectividade e agressividade, são em linguagem freudiana o polo positivo e o polo negativo da energia humana;
Cronos - É a dimensão do tempo; somos um ser espácio temporal; ocupamos um espaço durante um tempo, que corresponde aos anos que nos são dados a viver;
Logos - Refere-se à autoconsciência que temos de que estamos vivos e possuímos uma liberdade, mais ou menos relativa, para fazermos o que quisermos com a vida. Os animais e as plantas são tempo e energia regulados pela natureza, como não sabem que existem também não têm poder sobre a sua existência. No exercício da nossa liberdade, Logos é a nossa opção fundamental, é o que decidimos fazer com a nossa vida; a quê e a quem vamos dedicar todos, e cada um, dos nossos dias.
A energia da vida humana
Eros & Tânatos, instinto de vida instinto e de morte, afectividade e agressividade, ying e yang, a força centrípeta e centrífuga, o amor e o ódio, polos positivo e negativo da electricidade ou energia com que fazemos tudo o que fazemos. Sem energia nada funciona, numa sociedade, o mesmo acontece connosco.
No ser humano todos os seus actos deveriam ser inspirados e decididos pelo Logos, pela razão; mas a verdade é que o instinto, de Eros & Tânatos, não só provê a energia para a realização de todos os actos, que a razão determina, como motiva, alimenta e orienta muitos outros que se subtraem ao poder da razão; apesar dos milhões de anos de evolução desde a animalidade, o nosso comportamento é mais movido pelo instinto do que gostaríamos de admitir.
Todos os actos humanos têm uma mistura de afectividade e agressividade, mesmo os mais polarizados, tanto na afectividade, como a educação, como na agressividade, como a guerra, há sempre um pouco do polo contrário; como há um pouco de feminidade num homem e um pouco de masculinidade numa mulher. É óbvio que a educação de um filho, pelos seus pais, tem mais de afectividade que de agressividade e no entanto uma educação só afectiva teria a tendência de ser paternalista. Na educação de uma criança a afectividade, os prémios e as caricias, devem ser doseadas com alguma agressividade, castigos e disciplina.
Sublimação
No seu livro, “O mal-estar da Civilização”, Freud defende que tanto a agressividade como a afectividade desbocadas, ou seja, abandonadas a si mesmas, têm um potencial destrutivo incomensurável; podem destruir o que ajudaram a construir. O ser humano abandonou a animalidade quando ganhou poder sobre estas duas forças, quando as conseguiu domesticar, quando lhes colocou rédeas para as aproveitar positivamente.
Desta forma, o Tabu do Incesto funcionou como o “cabresto” do Eros - afectividade – instinto de vida, proibindo as relações sexuais entre pessoas ligadas por laços de sangue. Sem esta proibição a consanguinidade acabaria com a raça humana. A regra “olho por olho, dente por dente” (que pertence ao código de leis mais antigo do mundo, o código Hamurabi) funcionou como o “cabresto” do Thanatos – agressividade - instinto de morte para limitar a natureza da violência que, de por si, deixada livre, tende a escalar e alastrar-se descontroladamente levando à destruição.
Sublimar significa desviar, substituir ou modificar a expressão natural de um impulso ou instinto para uma expressão que é socialmente e culturalmente aceitável e construtiva. O exemplo de uma energia destrutiva transformada numa energia construtiva é a transformação de um touro, de touradas, num boi que lavra a terra e puxa uma carroça.
Vistas as coisas sob este prisma, a civilização humana pode ser considerada como uma história da sublimação do Eros & Tânatos, ou seja o uso inteligente que a humanidade fez destas forças ou instintos básicos. Da mesma forma, a nossa própria história pessoal consiste também nos esforços para desviar o nosso afecto e agressão naturais de seu alvo natural e primordial, a fim de promover o cultivo dos valores humanos.
A Castidade como desvio de energia
Em consonância com essa forma de pensar, o voto religioso de castidade consiste em desviar a afeição natural do homem e da mulher do seu objecto primordial, casar e ter filhos, canalizando-a para uma finalidade mais cultural. Sacerdotes, religiosos e religiosas escolhem não ter esposas e maridos a fim de estabelecer uma fraternidade mais ampla; Optam por não reproduzir-se biologicamente, e ter filhos próprios, a fim de ampliar e estender a sua paternidade e maternidade para além dos laços de sangue.
O dar à luz uma criança, ou contribuir com material genético, faz de uma pessoa um progenitor, não, de per se, um pai e uma mãe verdadeiros. Há autênticos pais que não são progenitores e progenitores que não são pais autênticos. A verdadeira paternidade envolve a dedicação completa, o dom de si mesmo aos filhos, o acompanhamento contínuo e constante até eles se tornarem adultos, e a valentia de cortar o cordão umbilical e de lhes dar o seu espaço e liberdade, quando eventualmente se tornam adultos. A este respeito, ninguém negaria a maternidade de Madre Teresa, mesmo sabendo que ela nunca deu à luz.
Considerando o facto de que, ao longo da evolução, os laços familiares têm tido mais que ver com o instinto que com o puro afecto, podemos concluir que uma sociedade, em que a interacção social se baseie unicamente em relações de família, será sempre muito fragmentada e frágil. Uma irmandade e paternidade que se estende para além dos limites dos laços de sangue, pode ser um elo de união ou cimento entre famílias; mais concretamente, pode ajudar a resolver os conflitos que surgem entre famílias rivais e contribuir para a paz e bom entendimento entre todos, tal como a cartilagem entre os ossos permite um funcionamento das articulações, evitando que osso toque osso o qual causaria dor.
Recapitulando, o curso natural do impulso amoroso é a formação de uma família, onde as relações se baseiam nos laços de sangue. A castidade sublima, ou desvia, o mesmo impulso do seu fim natural para lhe dar um fim cultural - a fraternidade universal. O amor entre pessoas que não estão ligadas entre si, por laços de sangue, actua como elemento unificador da sociedade.
Marcuse chamou a isto, “erotismo difuso” e Freud chamou-lhe, “um impulso amoroso cortado (“castrado”) do seu objectivo primordial, e dá o exemplo de São Francisco de Assis como sendo o homem que melhor sublimou a sua energia de Eros; o homem que mais e melhor partido tirou dela ao universalizar o seu eros, o seu afecto irmanando-se com toda a criação, tratando tudo e todos como irmãos e irmãs: o irmão sol, a irmã Lua, até os seus antagónicos, o irmão lobo e a irmã morte.
Alguns diriam que este conceito de amor não é natural. Na verdade, não é porque transcende a natureza, mas, nesse mesmo sentido, toda a cultura humana se opõe à natureza. De facto o que é verdadeiramente natural no Homem não é o que é dado pela natureza, mas o que ele mesmo alcança através da sua mente criativa.
A Castidade é como uma barragem
O Amor dentro do voto de castidade pode ser comparado a uma barragem. A Natureza não cria barragens, os rios correm em vales entre montanhas, ou abrindo grandes sulcos em planaltos desertos, e a sua água volta ao mar de onde saiu sem nenhum aproveitamento. Com a construção de uma barragem, o nível de água sobe a ponto de poder irrigar os campos e transformar um deserto num oásis, criando e alimentando uma sociedade agrícola e rural; por outro lado pode também ser aproveitada para fazer energia eléctrica, criando e alimentando cidades industriais onde floresce a cultura urbana.
É claro que a barragem reprime, e comprime, a água impedindo o seu fluxo natural; por isso as suas paredes têm de ser fortes e côncavas. Por outro lado, feita nos limites do possível, a mais-valia e os benefícios que se obtém da força da motriz da água para produzir energia, e da sua canalização para a irrigação, justificam plenamente a sua represa ou repressão.
Tal como as paredes côncavas e fortes da barragem, a sublimação do Eros requer que a pessoa possua um caracter forte e robusto, para conter o impulso natural do Eros que se manifesta no desejo sexual e na paternidade natural, e poder assim canalizar a sua energia para uma paternidade e irmandade mais universal. O bem que se faz aos outros, no contexto desta paternidade e irmandade universal, ecoa em nós em forma de alegria; o ver que os outros estão melhores graças à nossa actuação, compensa largamente o esforço e o sacrifício envolvido no processo de sublimação.
Pe. Jorge Amaro, IMC
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