1 de fevereiro de 2014

Praxe académica um "Bullying" permitido


As árvores puseram-se a caminho para ungirem um rei para si próprias. Disseram, então, à oliveira: 'Reina sobre nós.' Disse-lhes a oliveira: 'Irei eu renunciar ao meu óleo, com que se honram os deuses e os homens, para me agitar por cima das árvores?' As árvores disseram, depois, à figueira: 'Vem tu, então, reinar sobre nós.' Disse-lhes a figueira: 'Irei eu renunciar à minha doçura e aos meus bons frutos, para me agitar sobre as árvores?' Disseram, então, as árvores à videira: 'Vem tu reinar sobre nós.' Disse-lhes a videira: 'Irei eu renunciar ao meu mosto, que alegra os deuses e os homens, para me agitar sobre as árvores?' Então, todas as árvores disseram ao espinheiro: 'Vem tu, reina tu sobre nós.' Disse o espinheiro às árvores: 'Se é de boa mente que me ungis rei sobre vós, vinde, abrigai-vos à minha sombra; mas, se não é assim, sairá do espinheiro um fogo que há-de devorar os cedros do Líbano!' Juízes 9, 8-15

O lado bom da praxe
A saída da escola secundaria e a entrada na Universidade é um marco na vida do jovem de hoje. As praxes, de alguma forma, são com um rito de passagem da adolescência para a juventude e idade adulta, da escola secundária para a Universidade. É também a celebração de uma vitória, o ter conseguido entrar numa faculdade, e o culminar de muitos anos de esforço para conseguir a média exigida. Muitos tentam mas nem todos o conseguem, por isso vestir o traje preto de estudante de universidade tem o seu garbo e é todo um distintivo de sucesso. Legalização

As praxes ajudam a integração, criam uma identificação com a universidade, com o curso, com os colegas, cria laços de amizade e cria uma comunidade. A praxe pode transformar a massa informe, da multidão de alunos de uma universidade, na familiaridade de um lar académico ao que os alunos se tinham habituado na sua escola secundaria.

As praxes constam de jogos ou rituais ridículos e parvos que fazem rir o próprio, a comissão dos que praxam e a grande assistência: seguir uma pessoa como se fossemos a sua sombra; buscar coisas com a boca num pote cheio de farinha; fazer uma declaração de amor, matar uma formiga com gritos, cortar a relva com um corta-unhas etc…

Assim sendo, e se assim sempre fosse, as praxes seriam positivas pois funcionariam como “icebreakers”, dinâmicas de conhecimento, comunicação, afirmação, confiança, cooperação para intimidar os mais tímidos a sair da casca e integrar-se no grupo. Tudo isto envolto em clima de festa, riso, comédia e farra.

A institucionalização do “bullying”
Há uns anos a esta parte a prática da praxe, supostamente ainda cumprindo com a tradição e a razão para a qual foi criada, tem vindo a descambar. Em muitos casos já não é um divertimento inocente, mas uma brincadeira de mau gosto, um atentado contra a dignidade, decência e integridade moral e física dos jovens que a ela se submetem. Facilmente se recorre à humilhação, ao insulto, à violência, ao álcool e ao sexo. Tem havido estudantes traumatizados, física e psiquicamente, com mazelas para o resto da vida e até algumas mortes, pelo que já não podemos considera-las praxes mas crimes.

Uma caloira conta que foi insultada durante horas, coberta de excrementos e obrigada a ficar assim até ficarem secos; um caloiro foi suspenso pelos pés de cabeça para baixo no alto de uma ponte; outros foram obrigados a beber copos de bar em bar até cairem para o lado.

Ante esta perspectiva uma caloira, inteligentíssima com média de dezanove, no dia anterior a entrada na universidade teve um ataque de pânico ante o prospecto da praxe que a aguardava; tiveram que vir os pais da sua terra natal, para a acalmar, e teve que haver uma intercessão do namorado na comissão das praxes para serem lenientes com ela.

Uma actividade completamente desbocada, arbitraria e desbalizada, que não se limita a um espaço, nem a um tempo, nem se regula por umas normas, praticada pelos piores alunos da universidade sobre jovens vulneráveis por serem novos e quererem integrar-se, só pode dar problemas.

Há vários elementos que levaram a este desvio e que seria bom que o ministério da educação, reitores e professores tivessem em conta para que a praxe volte a ser o que era e deixe de ser o que se tornou: limite ilimitado

  • Já raramente são praticadas no campus, e durante o dia mas sim muitas vezes à noite e fora dele. Reitores e professores podem ver nisto uma vantagem mas a falta, de toda e qualquer, supervisão só pode levar ao abuso.
  • Já não é só no primeiro dia de aulas, mas estendem-se por toda a semana, por varias semanas, todos o ano e frequentemente todos os anos do curso tendo já acontecido até depois do curso.
  • A “peer pressure”, e o medo a ser ostracizado, é tal que os jovens caloiros estão dispostos a submeter-se a tudo com o objetivo de se integrarem bem; isto coloca-os num posição muito vulnerável, susceptíveis de serem abusados.
  • O secretismo e o silêncio que envolve estas práticas são de tipo mafioso, e onde há máfia há impunidade
  • Não se entende como um ritual de passagem para a idade adulta possa constar de uma submissão acrítica a uma autoridade tão frouxa como é o Dux.
  • Se a praxe é as boas vindas à universidade, teria lógica que praxasse o aluno mais brilhante mas a realidade é que é todo o contrário; quem praxa, o Dux é o mais imbecil, o que tem mais matriculas. O que se instalou existencialmente na universidade; o que quer ser sempre estudante como diz o fado; um Peterpan que não quer crescer para continuar a viver parasitariamente à custa do suor dos seus pais e dos impostos dos contribuintes. Assim se premeia o insucesso a preguiça e a irresponsabilidade. Um antigo dux da Lusófona disse em entrevista à TVI que era  sempre convidado a todos os actos públicos da universidade, a todas as festas e farras, chegava a ser mais conhecido e mais popular que o reitor.
  • A não existência de quaisquer regras ou normas faz depender estas práticas do critério e da arbitrariedade do Dux e demais membros da comissão que praxa. A falta de carácter e de maturidade psicológica pode levar estes senhores a projectar, sobre os caloiros cheios de esperança, o ressentimento do seu insucesso escolar e existencial em forma de vingança, endurecendo as praxes. “Se queres conhecer o vilão mete-lhe a vara na mão” O Dux, ou Duce como se chamava o ditador Mussolini, é a pessoa menos indicada para fazer praxes.
Pe. Jorge Amaro, IMC


1 comentário:

  1. Gostei muito de ler este texto cheio de reflexão ,tenho acompanhado todo o desenrolar da tragedia e fiquei chocado quando vi na RTP1 uma reportagem sobre praxes que revolta qualquer ser humano ,foi repugnante ver e fazer tanta asneira onde os novatos são ferozmente levados a praticarem coisas tao absurdas que em nada tem de exemplar posteriormente para a vida académica .Culpados todos são desde professores que parecem lavar as mãos como alunos que tentam parecer normal uma anormalidade .Enfim penso que seja tudo fruto talvez de uma sociedade decadente sem lei nem ordem de quem de direito nada faz para travar tais brutalidades ,um grande abraço e peço desculpa pela falta de tempo mas e sempre um enorme prazer ler o que escreve Jorge um abraço

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