15 de setembro de 2012

Acreditar depois de Sigmund Freud

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A religião e o sentimento religioso permeiam todas as esferas do pensamento e da vida humana. Karl Marx viu os efeitos da religião ou de uma certa religião na economia e na relação entre pobres e ricos. Freud vê a mesma religião desde uma outra perspetiva, a dos traumas sobretudo os de origem sexual.

Se para Marx a religião aliena o ser humano desde uma perspetivas sociologia e económica, para Freud a alienação atua a nível inconsciente e psíquico, a religião é neste sentido uma ideologia que impede o ser humano de ser livre, de ser ele mesmo, de aceitar a realidade e de se aceitar como tal.

Biografia de Sigmund Freud (1856- 1939)
Sigmund Schlomo Freud nasceu em Freiberg, na Morávia, então pertencente ao Império Austríaco, no dia 6 de maio de 1856. Filho de Jacob Freud, pequeno comerciante, e de Amalie Nathanson, de origem judaica, foi o primogênito de sete irmãos.

Tal como o pai de Marx, o pai de Freud também era um cristão convertido do judaísmo. A este respeito chegou a dizer que sempre se tinha considerado alemão, até ao dia em que os judeus começaram a ser perseguidos. Já refugiado em Londres, considerava-se judeu.

Aos quatro anos de idade, sua família mudou-se para Viena, onde os judeus tinham melhor aceitação social e melhores perspetivas econômicas. Na universidade de Viena se formou em medicina e mais tarde um mestrado em neuropatologia. Da neurologia passou para a psiquiatria e desta para a +psicologia ao estudar o inconsciente até se dedicar exclusivamente à psicanalise.

Durante dez anos, Freud trabalhou sozinho no desenvolvimento da psicanálise. Em 1906, a ele juntou-se Adler, Jung, Jones e Stekel, que em 1908 se reuniram no primeiro Congresso Internacional de Psicanálise, em Salzburg.

A religião como neurose obsessiva
Freud vê a religião como uma repressão dos instintos básicos do homem, sobretudo do sexual. Isto acontece porque a religião perverte os instintos naturais do ser humano, declara-os maus, impuros feios, sujos e animalescos e, como tal, devem ser reprimidos.

A religião é também um código moral que culpa os indivíduos de sentirem e expressarem os seus instintos. - Este tema vai ser retomado por Nietzsche na sua contraposição moral dos escravos, ou seja, entre a moral judaico-cristã e a moral dos Senhores, por outras palavras, a ética natural.

Segundo Freud, esta repressão conduz inexoravelmente a uma neurose obsessiva: o corpo pede algo, a mente não lho dá, esta acaba por entrar em curto-circuito e os fusíveis fundem-se. Tal como para Marx o socialismo e o comunismo seriam a solução para a alienação da religião, para Freud a psicanálise vai resolver a questão - removendo os traumas do passado, a pessoa reconcilia-se com ela mesma e com a sua verdadeira natureza.

Tal como acontecia com Marx, também Freud pouco sabia de religião, olhando mais o papel desta numa sociedade repressora e puritana. A sua teoria é mais que tudo uma reação ao puritanismo, como a de Marx era uma reação ao capitalismo desumano da época resultante da primeira revolução industrial na Inglaterra onde até crianças trabalhavam nas fábricas de sol a sol.  

Até agora, o único que tratou o assunto religioso do ponto de vista teórico foi Feuerbach na sua obra “A essência da religião”. Parafraseando o título desta obra, Marx e Freud trataram o assunto religioso desde o ponto de vista existencial, ou seja, de como a religião era uma arma dos ricos contra os pobres (Marx) ou uma repressão da natureza humana pela ideologia puritana para controlar os instintos básicos.

A religião como uma ilusão infantil
Para Freud o sentimento religioso é uma ilusão infantil, algo assim como acreditar no Pai natal. A maturidade humana acontece quando a criança abandona o Princípio do Prazer e abraça o Princípio da realidade. A religião mantém o ser humano numa eterna infantilidade porque é uma ilusão não é real.

Na sua obra “O futuro de uma ilusão”, Freud está convencido de que a religião nada mais é do que uma quimera que teve a sua função no mundo antigo, mas da qual agora nos devemos livrar para encontrar a verdade. À medida que a ciência avança, o futuro desta ilusão tornar-se-á cada vez mais incerto.

O seu amigo pastor protestante Pfister provavelmente tendo em mente Pascal responde a esta obra dizendo: Se a realidade se resume a uma visão materialista e aleatória da vida, que futuro podemos esperar? Ao contrário, se a este mundo gelado e materialista veio um Deus de sabedoria e amor podemos desejar a felicidade aqui e agora e esperar por um futuro risonho.

O burro tem esperança de poder a vir a trincar a cenoura; a esperança é o que o motiva a esperança é o que lhe dá uma razão de vida. É a esperança em poder vir a comer a cenoura que motiva o seu presente que o faz andar para o futuro. O presente de andar para alcançar a cenoura é motivado pela esperança de a alcançar. Sem essa esperança o presente não teria sentido.

Quem não tem futuro, quem não tem esperança anda a roda. Dá voltas sobre si mesmo e dessa forma atinge o aborrecimento de sempre o mesmo, o enjoo e a náusea da qual os filósofos do nada falam, Nietzsche e Sarte. Sem futuro, o presente é nauseabundo por mais prazenteiro que seja. Assim o experimentou Sartre, Nietzsche antes dele e Camus depois dele: “se vens do nada, não há Fé, se vais para o nada, não há Esperança o mais certo é que não haja Caridade pelo que a vida carece de sentido, é nauseabunda.

Não tem sentido a vida do ateu que afirma que vem nada e vai para o nada. O que vive instalado na pura mundanidade, vive num presente sem passado nem futuro como aconselham as filosofias e espiritualidades do extremo oriente como o Budismo. Só os animais não têm passado memoria histórica e futuro um objetivo para a vida. Os humanos só são humanos se vivem os três tempos, passado presente e futuro em harmonia.  

A Fé em Deus Pai abre-nos à Esperança que encontramos no Filho pela sua ressurreição e motiva um presente de Caridade, fazendo-nos ver a Cristo em cada irmão. E quem vê o Filho vê o Pai, como Jesus disse a Filipe. A Esperança é a filha unigénita da mãe Fé, como Cristo é Filho de Deus Pai e, tal como o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, assim a Caridade procede da Fé e da Esperança.

As três virtudes funcionam na nossa vida como um GPS: a Fé, conecta-nos com Deus, a nossa estrela orientadora ou satélite, dizendo-nos onde estamos e o que somos, ou seja, pecadores. A Esperança diz-nos para onde queremos ir e o que queremos ser, isto é, Santos. A Caridade é o único meio e roteiro para chegar à santidade.

Freud parece não saber que o sonho comanda a vida
Eles não sabem que o sonho /é uma constante da vida/tão concreta e definida/como outra coisa qualquer, /como esta pedra cinzenta/em que me sento e descanso, /como este ribeiro manso, /em serenos sobressaltos, /como estes pinheiros altos, /que em oiro se agitam, /como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.


Eles não sabem que o sonho/é vinho, é espuma, é fermento, /bichinho alacre e sedento, /de focinho pontiagudo, /que foça através de tudo/num perpétuo movimento. (…)

Eles não sabem, nem sonham, /que o sonho comanda a vida. /Que sempre que o homem sonha /o mundo pula e avança /como bola colorida /entre as mãos de uma criança.
António Gedeão

Como diz António Gedeão, no extrato da sua poesia acima citado, o sonho comanda a vida. A ilusão é sonho de facto em espanhola ilusão não tem sentido de quimera de imaginação de algo falso, mas sim sentido de sonho de sonhar com um futuro melhor e já no presente fazer por ele, ou seja, trabalhar para que esse sonho se torne realidade.

O ser humano não se coloca problemas que não tenham solução, se existe um problema é porque existe a solução para ele, porque o que não tem solução, como diz o povo, solucionado está. Da mesma forma o Homem não sonha com impossíveis, não sonharia com a água se a água não existisse.

A própria teoria da relatividade de Einstein foi um sonho, foi uma intuição. Neste sentido o sonho é a antessala da realidade. O sonho é uma utopia no sentido grego da palavra, algo que não é realidade agora, mas que pode ser e muitas vezes é no futuro.

O melhor está para vir
É provável que o Senhor tenha criado a esperança no mesmo dia em que criou a primavera. Bern Williams

Não caminhamos para o ocaso das nossas vidas, mas para a aurora da vida eterna. Por isso, por mais felizes que estejamos, o melhor está para vir; por mais sofrimento que tenhamos, decrépitos, limitados, enfermos e velhos, o melhor está sempre para vir, não é aqui nas circunstâncias e vicissitudes do aqui e agora que colocamos a nossa confiança, pois sabemos que não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a futura (Hebreus 13,14)

Conta-se que uma paroquiada, mulher de muita fé e esperança na vida eterna, padecia de uma doença incurável pela qual lhe restava pouco tempo de vida. Preparou o seu funeral de tal forma que fosse para todos uma lição sobre a fé e a esperança que a animava. No caixão entre os dedos das suas mãos em vez de estar o Rosário, empunhavam uma faca e um garfo.

O sacerdote explicou ao povo que estava estupefacto pela sua ousadia e disse que ela durante os anos da sua vida não perdeu um jantar de gala da paroquia e que sempre que ia a devolver o prato como talher lhe diziam fique com o garfo e com a faca porque o melhor está para vir.

A morte, portanto, não é o fim, mas a passagem para o melhor que está para vir. Isso motiva a vida do cristão por mais doloroso e limitado que seja o seu presente.

Conclusão – Freud diz que a religião é uma ilusão infantil, como acreditar no Pai Natal… Mas o Pai Natal em que as crianças acreditam existe mesmo… é a imagem de Deus Pai que tanto amou o mundo que enviou o Seu Filho e foi Natal.

Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de setembro de 2012

Acreditar depois de Karl Marx

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"Até aqui, os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras; o que importa é modificá-lo."Karl Marx

Karl Marx é mais sociólogo e economista do que filósofo. Embora continue a reflexão filosófica ateísta, aceita as ideias de Feuerbach e procura aplicá-las nos campos da economia e sociologia na sua crítica ao capitalismo. Como ele próprio afirma, não está interessado em teorias que não tenham uma aplicação prática com o intuito de mudar o mundo.

Está interessado em compreender qual tem sido o desempenho da religião ao longo do tempo, para que tem servido e a quem tem servido. Descobre que tem sido um instrumento de opressão usado pelas classes dominantes contra os mais pobres. Esta é uma visão simplista, que até o próprio Marx deve ter reconhecido, mas é a que melhor serve a sua teoria. Ou seja, o materialismo dialético ao serviço do materialismo histórico.

Biografia de Karl Marx (1818-1883)
Karl Marx nasceu em 1818 na cidade de Tréveris, então território da Prússia, no seio de uma família de classe alta alemã. O seu pai foi um bem-sucedido advogado e conselheiro de governo. Aos dezassete anos, Marx ingressou no curso de Direito na Universidade de Bonn, seguindo os passos do pai.

No entanto, o jovem universitário envolveu-se em festas e numa vida boémia. Para interromper esse estilo de vida, Heinrich Marx, seu pai, transferiu-o para a Universidade de Berlim. Lá, o contestatário e desafiador Marx descobriu a Filosofia, área em que se licenciaria.

Aos 23 anos, Marx defendeu a sua tese em Filosofia, obtendo o título de doutor, o que lhe permitiu ingressar na carreira académica. Contudo, devido às suas críticas ao governo prussiano, foi impedido de lecionar em universidades, obrigando-o a trabalhar como jornalista.

As posições radicais de Marx levaram a que fosse expulso de vários territórios prussianos, alemães e franceses, sendo definitivamente expulso de Colónia, na Alemanha, em 1848. Já na Inglaterra, nesse mesmo ano, publicou o "Manifesto Comunista" em conjunto com Engels. Desde 1843 até ao fim da sua vida, Marx sobreviveu das heranças, da ajuda de Friedrich Engels e de artigos que escrevia ocasionalmente para jornais. Foi em Londres que escreveu a sua obra mais importante: "O Capital".

A Religião como Ópio do Povo

Filho de um judeu convertido ao cristianismo protestante, Marx chegou a casar-se pela Igreja. No entanto, foi um revolucionário. Na sua obra emblemática, “O Capital”, analisou os males do capitalismo e viu na religião um obstáculo ao progresso, ou seja, à evolução do capitalismo em direção ao socialismo e comunismo.

Marx concorda plenamente com Feuerbach: Deus é uma projeção do homem, e a religião é então “o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma época sem espírito. Ela é o ópio do povo.” Além de ser uma projeção, a religião é uma droga, um comportamento alienante que nos impede de sermos nós mesmos, de tomarmos as rédeas do nosso destino ou o leme do nosso barco. Em conclusão, constitui um entrave ao progresso.

O ateísmo de Marx é mais económico e social do que filosófico. Ele não tem interesse na essência da religião, seja ela judaica ou cristã, e de facto desconhece Cristo e os princípios sociais do cristianismo.

O que lhe interessa é o papel que a religião desempenha na sociedade. Portanto, o ateísmo de Marx pode dever-se ao tipo de religião praticada naquela época, que em si mesma poderia ter pouco a ver com o cristianismo de Cristo. De facto, a sociedade comunista sem classes do futuro poderia muito bem ser a Terra Prometida dos judeus, o Reino de Deus de Jesus de Nazaré e dos cristãos.

O que em Feuerbach era apenas uma ideia filosófica, em Marx é um manifesto, uma ideia operativa. No entanto, é preciso ressalvar que Marx acreditava firmemente que tanto o capitalismo quanto a religião cairiam por si só, sem necessidade de intervenção, como um fruto que amadurece, apodrece e cai da árvore.

Contudo, os seus seguidores entenderam que era preciso dar-lhes um empurrão, e foi precisamente isso que Lenine, Estaline e Mao Tsé-Tung fizeram com o ateísmo militante, que resultou na morte de milhões de pessoas durante a maior parte do século XX. O pobre Marx, ao perceber ainda em vida que havia tantas versões das suas teorias, chegou mesmo a declarar-se não marxista.

Escuta, Marx
A Marx, eu diria que até agora foram mais os religiosos que trouxeram benefícios à humanidade do que os ateus, que trouxeram gulags, ditaduras e perseguições religiosas, resultando na morte de cerca de 30 milhões de pessoas durante o século passado. A religião pode ser vivida como ópio do povo quando desligada da vida e da realidade social; porém, ópio do povo, na sua essência, não é.

Como dizia Karl Marx, o ser humano é o momento em que a Natureza ganha consciência de si mesma. De todos os seres vivos, somos os únicos com capacidade para pensar e com algum domínio sobre o nosso destino e a nossa vida. Não faz sentido que o nosso destino seja o mesmo do piolho e da pulga: o nada. Se assim fosse, eu e muitos outros preferiríamos não ter nascido, a partilhar com o piolho, a barata e a pulga o mesmo destino: o nada.

Aqui se verifica o absurdo do ateísmo: não faz sentido que um Universo ordenado inteligentemente, que progrediu até à vida humana, tenha o mesmo destino que o resto dos seres vivos. Para que teríamos chegado até aqui? Para termos maior consciência da nossa miséria e sofrermos mais que todos os seres vivos?

Precisamente no momento em que temos consciência de nós mesmos, da nossa existência e do poder relativo que temos sobre ela, também nos damos conta de que um dia morreremos, ou seja, de que um dia deixaremos de existir. Ao menos os animais, que também morrem, são poupados a este sofrimento. Não pensam, não sabem que existem e não sabem que hão de morrer.

Por que motivo temos consciência? Para experimentarmos de forma masoquista o sofrimento, a dor, a angústia e a ansiedade perante a morte, a nossa condição miserável em relação aos outros seres vivos?

Os animais não têm nenhum poder sobre as suas próprias vidas: a Natureza colocou-lhes no sistema um “chip”, o instinto, que governa automaticamente as suas vidas. Os seres vivos viajam em piloto automático; não podem enganar-se, nunca estão certos nem errados, ou melhor, estão sempre certos, sempre realizam a vocação para a qual foram criados. Ao contrário deles, os seres humanos têm algum poder sobre as suas vidas e podem transformá-las num céu ou num inferno ao se equivocarem. Não seria melhor vivermos também nós em piloto automático, visto que todos temos o mesmo destino?

Para os animais, a Natureza é uma mãe pródiga, que tudo lhes dá e até os veste. Ao sair do ventre das suas mães, já têm tudo o que precisam para viver. O ser humano nasce como o mais vulnerável e desamparado de todos os seres vivos e leva muito tempo até atingir a idade adulta: anos de educação, escola e universidade, e depois, para sobreviver, tem de trabalhar grande parte do dia para ganhar o pão com o suor do seu rosto, enquanto os nossos congéneres animais comem, dormem e se divertem. Para quê tudo isto? Não seria melhor a vida do animal se tudo acabasse em águas de bacalhau?

Conclusão
Embora certo tipo de religião possa tornar-se alienante, a religião de Jesus, longe de ser ópio, é o fermento de um mundo mais fraterno, baseado na igualdade e na justiça.o isto? Não seria melhor a vida do animal se tudo acabasse em águas de bacalhau?

Pe. Jorge Amaro, IMC