15 de março de 2017

Fátima: Como se "impôs" à Igreja?

1 comentário:

Na Celebração do cinquentenário das aparições, a 13 de maio
de 1967, depois da missa o povo gritou ao papa Paulo VI que 
queria ver a Lúcia…
«Não foi a igreja que impôs Fátima, foi Fátima que se impôs à Igreja» Cardeal Cerejeira, em 1943

A Igreja não declara nem nunca declararia Fátima com a infalibilidade de um dogma. O que ali aconteceu ocorreu num âmbito intermédio entre o natural e o sobrenatural, portanto, como tudo em matéria de fé, não pode ser demonstrado de uma forma plenamente convincente ao pensamento racional, como também não pode ser demonstrado o contrário. A Igreja limita-se a declarar que o que aconteceu pode ser aceite com uma certeza razoável, e plausível; como aliás sempre acontece em matéria de fé. A fé nunca pode ser racional ou racionalizada, só pode ser e sempre tem de ser razoável.

Fátima fez um caminho longo e árduo até ser aceite pelas autoridades eclesiásticas e tolerada pelas autoridades civis. Um caminho onde certamente mais que uma vez interveio Deus para que não fosse ignorada. Sim Deus, pois os três pastorinhos não fazem apologia do seu testemunho e de alguma forma, pelo que se desprende dos interrogatórios aos quais foram submetidas, pouco lhes importa que acreditem ou não na sua palavra

Voz do povo voz de Deus
O povo continuava a afluir a Fátima às centenas de milhar: mesmo depois da morte de Francisco em 1919 e de Jacinta em 1920; apesar de ser ridicularizado nos jornais laicos, obstaculizados pelas autoridades civis, a ponto de dinamitarem a capela que ali tinha sido construída; em suma desde que Jacinta contou à sua mãe, as multidões juntavam-se às centenas de milhar.

Porque Jacinta não foi capaz de manter a aparição de 13 de maio em segredo nas restantes aparições, nos dias 13 de cada mês até à última no dia 13 de outubro, as crianças nunca mais estiveram sozinhas. No dia 13 de junho, estavam com elas cinquenta pessoas; em 13 de julho, de duas a três mil; no dia 13 de agosto, apesar dos videntes terem sido postos na prisão, 18.000 reuniram-se no lugar das aparições; nesse mesmo mês, os videntes viram a Senhora no dia 19, nos Valinhos, depois de serem libertadas da prisão. No dia 13 de setembro, era já uma multidão de 30.000 pessoas e no último, a 13 de outubro, cerca de 70.000 presenciaram o bem anunciado e esperado milagre, como a senhora tinha prometido a Lúcia três meses antes, no dia 13 de julho.

Não era só a fé que levava as pessoas a acorrerem em massa à Cova da Iria desde a segunda aparição, mas a participação na mesma aparição que começava sempre pelo rezar do terço liderado pela Lúcia. é certo que só os videntes viam a Nossa Senhora e entre eles, só a Lúcia falava com ela, mas o resto do povo também experimentava algo...

Todos são unânimes em dizer que ao meio dia solar de cada dia 13, incluído o 13 de Agosto em que as crianças estavam ausentes por terem sido detidas pelas autoridades, a luz do sol diminuía de intensidade, corria um ar fresco e uma pequena nuvem descia sobre a azinheira onde os pastorinhos diziam que a Nossa Senhora se pousava.

No decorrer das aparições viam a Lúcia em êxtase e ouviam-na a falar; em resposta às suas perguntas ouviam como um “zumbido de abelhas”. A Lúcia avisava sempre quando a visão terminava dizia que a Nossa Senhora se estava retirando para o Oriente desde onde sempre surgia.

Um dia a Jacinta cortou um raminho da azinheira onde a Nossa Senhora tinha pousado o Seu pé e todos os que o cheiraram deliciaram-se com um perfume desconhecido. Por fim o milagre do sol selou para o povo a autenticidade de Fátima que, desde então, é visitada às centenas de milhar e até milhões.

“Voz do povo voz de Deus”. - Quem defendeu e promoveu Fátima, impondo-a à Igreja perplexa e prevalecendo sobre as investidas insidiosas do republicanismo ateu, anticlerical e maçon, foi o povo simples, que ali começou a afluir aos milhares logo após a primeira aparição. Sem este, Fátima teria sido ignorada e esquecida. Uma vez mais se verifica o paradigma da Bíblia:  os ignorantes confundem os sábios. Mateus 11, 25

Aqueles que afirmam gratuitamente que foi a Igreja que criou Fátima, ignoram a documentação histórica que prova precisamente o contrário. Fátima só foi aprovada em 1930 depois de 13 longos anos de investigação. A relutância inicial da Igreja, em relação a Fátima é notória no testemunho do Pe. Lacerda diretor de um Jornal da época “O Mensageiro”, acerca do pároco de Fátima, em que afirma:

Como ultima nota elucidativa devo dizer que o pároco da Fátima, o meu amigo Pe. Manuel Marques Ferreira, se conservou sempre alheio a tudo, levando o seu proceder a nunca ter ido á Cova da Iria no dia das aparições. Só a muitos rogos lá foi no ultimo dia”.

Ainda acerca do pároco de Fátima, o Sr. Marto, o pai de Francisco e de Jacinta, e, ao contrário da mãe de Lúcia, o primeiro em acreditar na palavra dos seus filhos, refere que o Sr. Prior não acreditava e não deixava a gente acreditar. A incredulidade do pároco, explica e influencia a relutância da Sra. Maria Rosa, mãe da Lúcia, a admitir, quase até ao fim da vida, a graça que a Virgem concedeu à filha, amargando a vida desta.

Foi o povo que acorria à Cova da Iria aos milhares que manteve a chama de Fátima bem viva para obrigar as autoridades civis a respeita-la e as eclesiásticas a tomar uma posição favorável. O que aconteceu precisamente no dia 13 de maio de 1922, o dia em que D. José Alves Correia da Silva, bispo de Leiria, publica a “Provisão sobre os acontecimentos da Fátima”.

Nela resume os acontecimentos ocorridos em Fátima nos últimos anos, salientando precisamente a enorme adesão popular, apesar das perseguições das autoridades civis e do alheamento das autoridades religiosas, e nomeia uma Comissão, para estudar os acontecimentos extraordinários segundo as leis canónicas.

Apela, ainda, aos fiéis da sua e outras dioceses que “dêem conta de tudo quanto souberem quer a favor quer contra as aparições ou factos extraordinários que lhes digam respeito, e testifiquem especialmente se nelas houve ou há qualquer exploração, superstição, doutrinas ou cousas deprimentes para a nossa Santa Religião”. 

Como foram encaradas as aparições pelas autoridades
Não é verosímil que três crianças de tão tenra idade, (…) rudes e ignorantes, mintam e persistam na mentira durante tantos meses, posto que sejam obsidiadas com perguntas e interrogatórios (…) e ameaçadas pelo representante da autoridade eclesiástica e civil (…) Nenhum temor é capaz de demovê-las de afirmar que vêem Nossa Senhora (…) A naturalidade e franqueza com que se expressam, a simplicidade e candura com que se manifestam, a indiferença e desinteresse que mostram quanto ao facto de se lhes prestar ou não crédito. – Documentação critica de Fátima

Esta é a conclusão a que chega o Cónego Manuel Nunes Formigão, depois de inúmeros interrogatórios levados a cabo por ele, pelo Pároco de Aljustrel e Fátima, o Pe. Manuel Marques Ferreira, e outros clérigos. Todos eles muito críticos e até sarcásticos, mas nunca fizeram mal às crianças embora às vezes os interrogatórios levavam-nas à exaustão, especialmente no dia do milagre do sol, depois deste ter ocorrido.

Menos condescendentes, foram as autoridades civis quando chegaram ao extremo de as submeter à tortura psicológica.  Anunciaram aos pequenos que no quarto ao lado os aguardava uma caldeira de azeite a ferver-se não se retratassem. A primeira a ser interrogada foi a Jacinta, seguida do Francisco e da Lúcia. Um a um, os três entraram na câmara aterradora na certeza de que seriam fritos em azeite; o Francisco pensando que a sua querida irmã já estava morta, a Lúcia pensando que os seus queridos amigos e primos já estavam no Céu, como a Senhora tinha prometido que cedo os levaria.

A esta tortura há que juntar a pressão constante do povo; uns que ameaçavam outros que ridiculizavam outros ainda que lhes prometiam mundos e fundos se lhes revelassem o segredo. Era impossível que as crianças aguentassem tanto se não houvesse nada e que o que acontecia todos os meses no meio de tanta gente fosse apenas teatro. Abalados por todas as ameaças, os pais da Jacinta pensaram afastar as crianças de Fátima. Mas estes recusaram dizendo: ‟Se nos matam, não faz mal! Iremos mais rapidamente para o céu!”

Para o dia 13 de outubro esperavam-se grandes multidões, pois a Lúcia desde a aparição do dia 13 de julho disse que a Senhora ia fazer um milagre que para que todos acreditassem. Um dia antes, a pressão e a tensão era tanta nas famílias dos videntes que logo de manhã, a mãe da Lúcia sugeriu à filha que se fossem confessar pois iam-nos matar a todos se o milagre não se realizasse. 

Calmamente e cheia de convicção, a Lúcia consolou a mãe dizendo-lhe que se podiam ir confessar, se a mãe se quisesse, mas ela tinha certeza que a Senhora iria realizar o milagre pois não só tinha prometido como tinha renovado, a promessa nas aparições de agosto e setembro.

Sozinhas contra tudo e contra todos só a divina providência lhes valeu, pois também os seus familiares mais chegados, especialmente os de Lúcia, contribuíam para o seu sofrimento ao considerá-las mentirosas.

Estavam certamente dispostas a pagar com a suas vidas o testemunho que deram, porque não só proclamaram a mensagem da Nossa Senhora como elas mesmas a encarnaram nas suas vidas.  (… vão deitar-vos as mãos e perseguir-vos, (…) metendo-vos nas prisões; (…) assim, tereis ocasião de dar testemunho. (…) não vos deveis preocupar com a vossa defesa, porque Eu próprio vos darei palavras de sabedoria, a que não poderão resistir ou contradizer os vossos adversários (Lucas 21, 12-19).

Os que dizem que Fátima foi inventada pela Igreja, não têm documentos para comprovar as suas calúnias e não leram de certo a documentação crítica de Fátima que descreve:

Por um lado, os estratagemas seguidos pela autoridade civil, para desacreditar e calar as crianças e impedi-las a elas e ao povo de acorrer ao lugar da Cova da Iria. Por outro o processo rigoroso que foi seguido pela autoridade eclesiástica, que para além dos interrogatórios do pároco e do Cónego, constou de uma comissão que instaurou um inquérito canónico oficial para averiguar a veracidade das aparições. Finalmente, a 13 de outubro de 1930, 13 anos depois, com o conhecimento e aprovação do Papa Pio XI, o Bispo D. José Correia da Silva anunciou os resultados do inquérito numa carta pastoral:

(…) invocando humildemente o Espírito Divino e colocando-nos sob a proteção da Santíssima Virgem, e depois de ouvida a opinião dos nossos Reverendos Conselheiros, declaramos dignas de crédito as visões dos pastorinhos na Cova da Iria, freguesia de Fátima, desta diocese, de 13 de maio a 13 de outubro de 1917. Permitimos oficialmente o culto de Nossa Senhora de Fátima.

Fátima e os papas
A 5 de Maio de 1917, quando a 1º Grande Guerra ainda estava no seu apogeu, o Papa Bento XV, em carta dirigida ao Secretário de Estado Cardeal Gasparri, rogou com veemência o auxílio do Céu, por meio da Mãe de Deus:

“Encarregamos portanto a Vós, Senhor Cardeal, de fazer conhecer a todos os bispos do mundo o nosso ardente desejo que se recorra ao Coração de Jesus, Trono de graças, por meio de Maria (…) a piedosa e devota invocação e leve a Ela o angustioso grito das mães e esposas, o gemido dos meninos inocentes, o suspiro de todos os nobres corações; possa mover a Sua amável e muito benigna solicitude a obter para o mundo desvairado a aspirada paz, e possa lembrar depois aos séculos futuros a eficácia de Sua intercessão e a grandeza do benefício por Ela obtido a Seus filhos”.

Oito dias depois Nossa Senhora apareceu em Fátima, anunciando ao Papa e ao mundo o seu plano de paz. Um ano mais tarde o mesmo Papa, em carta dirigida aos bispos portugueses para restabelecer a diocese de Leiria, referiu-se às ocorrências de Fátima como "uma ajuda extraordinária da Mãe de Deus."

Pio XI, sucessor de Bento XV, ofereceu pessoalmente estampas da imagem de Nossa Senhora de Fátima a seminaristas.  Pio XII referiu-se a Fátima pela primeira vez em 1940, na encíclica Saeculo exeunte.   Em 1950 o Papa Pio XII disse mesmo ao Superior Geral dos Dominicanos: "Dizei aos vossos religiosos que o pensamento do Papa está contido na Mensagem da Fátima."

Em 1964, no fim do Concílio Vaticano II, o Papa Paulo VI ofereceu a Rosa de Ouro a Fátima, e encomendou toda a Igreja ao cuidado de Nossa Senhora de Fátima, ele mesmo visitou Fátima no quinquagésimo aniversário da primeira aparição. O Papa João Paulo II visitou Fátima três vezes – em 1982, 1991 e 2000. Na sua visita do ano 2000, beatificou os dois videntes falecidos, Jacinta e Francisco. Também fez universal a Festa de Nossa Senhora de Fátima, ordenando a sua inclusão no Missal Romano. Por fim o Papa Francisco pediu ao Patriarca de Lisboa que consagrasse o seu pontificado à virgem de Fátima, o que ocorreu a 13 de maio de 2013.
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de março de 2017

Fátima: Algo deve ter acontecido, Não nada

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Desde o principio, que, tanto a nível nacional como internacional, não lhe têm faltado inimigos a Fátima. Depois de investigar os factos e a mensagem de Fátima, ao ler os escritos dos seus detratores, verifiquei que as suas afirmações são tão fúteis como preconceituosas, e ignorantes da realidade e verdade dos factos. São tão mesquinhas, e tão fáceis de refutar as suas afirmações que nem me dou ao trabalho de o fazer. Prefiro gastar o meu tempo e energia com os factos e a mensagem; dando ao leitor elementos de sobra para refutar os detratores de Fátima caso os encontre.

Entre os inimigos de Fátima, há quem pense que tudo é invenção da Igreja daquele tempo; há quem se agarre às contradições das crianças submetidas a demasiados e extenuantes interrogatórios; e também há quem, desde dentro da Igreja, se alavanque nas incongruências teológicas da mensagem de Fátima para a refutar na sua totalidade.

Há ouro na areia do rio, mas nem toda a areia é ouro
Esta é a metáfora que uso quando quero explicar como a Bíblia contém a Palavra de Deus, sem ser Palavra de Deus, tudo o que nela está escrito. Assim como precisamos de peneirar a areia do rio para encontrar o ouro nela escondido, também precisamos de peneirar a Bíblia para encontrar nela a Palavra de Deus.

Quando fazemos passar a Bíblia: pela crítica literária, pela crítica histórica, pela exegese e muitas outras ciências como a arqueologia, a psicologia, a filosofia, podemos distinguir e colocar de lado o que são mitos, crenças, usos e costumes, história daquele tempo, a personalidade e carácter do autor, os seus preconceitos e, quando tudo isto é exposto e separado, encontramos o que é pura inspiração de Deus, ou seja, a ipssissima Dei verbum.

O critério que usamos para a Bíblia, como revelação pública de Deus, pode ser usado também para revelação privada de Fátima, sobretudo para as incongruências teológicas que a mensagem de Fátima possa conter, como por exemplo:

levai as almas todas para o céu, especialmente as que mais precisarem – É claro que, em português, esta terminação da oração não faz sentido, pois todos precisamos da salvação de Deus. Fora de Portugal, os católicos de outras línguas acrescentam: "especialmente as que mais precisarem da vossa misericórdia". Ou seja, os que mais afastados estão de Deus, os que mais na miséria estão,  mais da divina misericórdia precisam, que outros que não estão assim tão longe de Deus

Penitência e oração pela conversão dos pobres pecadores – Dá a entender que, quem faz penitência e reza pela conversão dos pecadores, não se inclui ele mesmo na categoria de pecador, ou seja, já não é pecador. Isto seria contrário à Palavra de Deus, que diz: Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós. 1ª João 1, 8

Mas, na verdade, os videntes reconheciam-se pecadores, e tiveram também o seu processo de conversão; por exemplo, depois das visões diziam “Já não podemos rezar o terço como rezávamos”: dizendo só Ave Maria Santa Maria, para terminar depressa; mais que isso, depois das visões, tudo faziam para não pecar, pois amavam tanto a Deus que temiam agravá-lo, ainda mais do que já estava agravado, por causa de outros pecadores.

“Houve algo, não nada”
Voltando aos tempos de estudante de teologia positivista, depois de ler todas as teorias sobre a ressurreição de Jesus, desde as mais ousadas às mais ilógicas e literais, como conta o Evangelho, agarrei-me a esta fórmula do então teólogo “best seller” Hans Kung. Para Kung, a ressurreição apanhou os apóstolos de surpresa, como as aparições os três pastorinhos.

É difícil, para quem quer que seja, não só para Kung, descrever que tipo de experiência os apóstolos tiveram, mas de certo “houve algo, não nada” afirma, veementemente, o teólogo. Do nada só Deus cria; os homens só criam a partir do já criado por Deus.

Algo teve que acontecer, para transformar uns discípulos amedrontados e covardes, os quais até já tinham regressado à vida que tinham antes de conhecer a Jesus, nuns evangelizadores destemidos e corajosos, como mostra o discurso de Pedro no livro dos Atos os Apóstolos 2, 14-36.

É certo que a experiência que os apóstolos tiveram de Jesus Ressuscitado, não tem, provavelmente, todo o realismo que vem descrito nos evangelhos; mas teve que ser real, de alguma forma; se assim não fosse, não seria descrita com tanto realismo, mas de uma forma tlavez mais mística.

O mesmo raciocínio invoco para as aparições da Virgem Maria às três crianças em Fátima. Algo deve ter acontecido, pois, pela sua tenra idade e a sua ignorância, não é possível que eles tivessem maquinado, tanto o evento, como o conteúdo da mensagem.

A mudança radical de vida que os apóstolos experimentaram, foi também experimentada por aquelas três crianças; também neste caso, algo de grandioso deve ter acontecido que posa explicar a mudança radical que as suas vidas sofreram. Não só exteriormente pelo facto de passarem a viver debaixo do olhar escrutinador dos habitantes do lugar, mas interiormente ao configurarem as suas vidas à mesma mensagem da Senhora experimentando assim uma verdadeira conversão.

Há detalhes do fenómeno Fátima que podem ter uma explicação meramente humana, tais como a visão do inferno, e as visões em forma de flashes da Nossa Senhora das Dores, São José e o menino Jesus, Cristo abençoando o povo e Nossa Senhora do Carmo; no entanto, os acontecimentos principais de Fátima, assim como a mensagem não é suscetível de ter uma explicação meramente humana ou natural. Algo de sobrenatural, fora do comum, e da experiencia de todos os dias, deve ter passado

Os videntes não sabiam nada do que acontecia fora do seu pequeno mundo, tanto a nível nacional como internacional; e, ainda que eles tivessem ouvido alguma coisa, não seriam capazes de entender ou conceptualizar o que quer que fosse que ouvissem; o nível de cultura era tão baixo que nem sabiam da existência de um país chamado Rússia; de facto, Lúcia pensava que se tratava de uma mulher de má vida que precisava de ser convertida.

Isto leva-nos a concluir que algo suficientemente objetivo e real deve ter acontecido; as experiências místicas nunca são coletivas, mas sim íntimas e individuais, e acontecem ao fim de um longo processo que envolve ascética e oração contemplativa.

Tal como nas aparições de Cristo Ressuscitado aos apóstolos, a visão do anjo em 1916 e da bem-aventurada Virgem Maria em 13 de maio de 1917 apanhou as três crianças de surpresa. No momento da primeira aparição de Maria, as crianças nem sequer estavam a rezar, mas sim a guardar o rebanho.

Quando viram um relâmpago, pensando que ia vir trovoada, correram para se abrigar; foi neste momento que elas se deram conta de algo incomum e inesperado; eis que uma senhora mais brilhante que o sol se apresentou diante deles, de pé, em cima de uma azinheira; e, como em todas as teofanias, tanto no Antigo como no Novo Testamento, a senhora disse-lhes para não terem medo dela, pois não lhes queria fazer mal.

Como aconteceu com os apóstolos, em Fátima deparamo-nos não com uma, ou duas, mas três testemunhas logo na primeira aparição; muitos mais estavam presentes nas aparições que se seguiram até à última, na qual umas 70.000 pessoas presenciaram "o milagre do sol", como a senhora tinha prometido aos pastorinhos.

Em todas as aparições, houve pessoas que testemunharam sentir e ver algo. Tanto os três videntes, como o resto das pessoas, presenciaram o mesmo fenómeno sobrenatural, cada um à sua maneira, mas o mesmo. Nem sequer os pequenos videntes experimentaram as aparições da mesma maneira: Francisco via a Senhora, mas não a ouvia; Jacinta via e ouvia; só Lúcia tinha com a Senhora uma comunicação completa, via, ouvia, falava e a Senhora respondia.
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de fevereiro de 2017

Fátima - Lourdes - Guadalupe

Sem comentários:
A Igreja aceita como verídicas e dignas de consideração estas três aparições de Maria. É provável que haja muitas mais, mas não me compete a mim julgar da sua autenticidade, pelo que me refiro aqui só a estas. Como alguém dizia, é preferível estar errado em comunidade que certo sozinho.

Para verdadeiramente entender Fátima, não podemos enquadra-la só no seu significado, nacional, internacional e teológico, mas também no contexto das anteriores aparições da Nossa Senhora em Guadalupe e Lourdes igualmente aprovadas pela Igreja.

Nestas três aparições em lugares e tempos diferentes, há semelhanças e diferenças. Vamos analisar primeiro, certificar-nos de que há razões para afirmar que houve teofania, que o que aconteceu em cada um dos lugares não tem uma explicação meramente humana, mas sim sobrenatural. Analisaremos a razão da visita de Nossa Senhora a estes lugares, e, por fim, a mensagem que veio trazer.

Maria – Embaixadora, enviada especial, porta voz
Antes de analisarmos cada uma das aparições, debrucemo-nos sobre a razão por detrás delas todas. Porque, de tempos a tempos, em diferentes lugares, visita Maria o seu povo? Seguindo o dito de Lutero “Solus Christus, sola Fide sola Scriptura”, sabemos que os protestantes só dão valor ao que está na Bíblia, descartando tudo o que não está; como podemos arrazoar as visitas de Maria com aqueles que assim pensam?

A visita de Maria à sua prima Isabel, Lucas 1, 39-45 – A nossa fé nunca se fundamentou na religião – esforço do homem em relacionar-se com um ser superior, Deus, buscando o seu beneplácito - mas sim numa revelação, ou seja, é Deus que vem até nós. “Não fostes vós que Me escolhestes; fui Eu que vos escolhi a vós… (João 15,16). Já na pré-história da nossa fé, no Judaísmo, Deus visita o Seu povo, e, tal como Maria nas bodas de Caná, se compadece dos que não têm vinho, Deus  compadece-se do seu povo escravo no Egipto e tira-o de lá.

Maria soube pelo anjo que a sua prima estava a precisar de ajuda e foi visitá-la. Desde aquele tempo, é ela que nos visita; é a ela que Deus envia, pois, ao partir para a casa do Pai, o Seu filho no-la deu como Mãe. Sendo a imagem da feminidade e maternidade de Deus, exerce estas caraterísticas de Deus de uma forma sacramental; atua em persona Deus.

Porque é Maria a enviada? Porque ela é carne da nossa carne; toda ela é humana, nascida, como nós, de um ato de amor humano com a diferença da sua imaculada conceição, por estar destinada a ser a mãe do filho de Deus feito homem e princípio de uma Nova Humanidade.

As bodas de Caná, João 2, 1-11 - Maria é a melhor embaixadora entre a Terra e o Céu. Representa a humanidade no Céu, porque é uma de nós inteiramente humana; representa também Deus na Terra porque foi concebida sem pecado original, ou seja, ela é o ser humano que Deus tinha intenção de criar, a Eva antes de pecar, a natureza humana ainda não adulterada pelo pecado.

Como embaixadora, enviada especial ou como porta voz de Deus e da humanidade, o seu cometido é referir a Deus os assuntos dos homens e aos homens os assuntos de Deus. A Deus ela refere as necessidades da humanidade como em Caná ao dizer, “Não têm vinho” acerca de Guadalupe ele provavelmente disse, a evangelização não progride; acerca de Lourdes ela pode ter dito, não têm saúde, e acerca de Fátima, de certo disse não têm paz. Aos homens, porém, diz em Caná, “Fazei tudo o que Ele vos disser”, em Guadalupe, mandou construir uma Igreja, em Lourdes, rezai o Terço eu sou a Imaculada Conceição, e em Fátima, oferecei-vos a Deus na penitência e na oração.

Guadalupe – Intervenção Missionária
No dia 9 de dezembro de 1531, dez anos depois da conquista da cidade de México pelos espanhóis, quando a paz já se tinha estabelecido entre os povos beligerantes, Maria apareceu a um índio de nome Juan Diego.

Provas da intervenção de Deus por intermédio de Maria
Como sempre e por prudência, as autoridades eclesiásticas manifestam, primeiro perplexidade e, no caso de Guadalupe, o Bispo, Frei Juan de Zumarraga, até exigiu uma prova. A Nossa Senhora aceitou o desafio e enviou Juan Diego com o manto cheio de rosas frescas e viçosas, fora da estação, pois era inverno; ao desenrolar o manto para as mostrar ao bispo, elas caíram ao chão e deixaram ver a imagem da Nossa Senhora de Guadalupe, a mesma que ainda hoje é venerada.

A tela em que a Nossa Senhora está impressa já foi analisada por inúmeros cientistas; estes não encontram explicação para muitos fenómenos. A forma como a pintura ou as tintas impregnaram o tecido é desconhecida, não há pinceladas. Não se entende como sem ter sido preparado, o tecido e a pintura se conservam.

Até aos nossos dias, a imagem não tem parado de nos surpreender; ultimamente foi descoberto que o olho da Nossa Senhora na tilma, contém a modo de fotografia, a imagem do que aconteceu historicamente; ou seja, dento da íris do olho da imagem, um fotógrafo descobriu, a imagem fotográfica na qual se vê o Índio a desenrolar o manto ante o bispo. A Nossa Senhora deixou-nos, não só uma imagem impressa da sua aparição, mas também a fotografia do momento em que a prova pedida pelo bispo foi produzida; uma mensagem que permaneceu escondida durante séculos para que pudesse ser produzida quando fosse descoberta a fotografia, e a fé na veracidade da visita de Maria vacilasse.

Razão da Visita
A Evangelização das Américas fazia-se com muito dificuldade. Os Maias, os Aztecas e os Incas eram povos orgulhosos da sua cultura e dos seus deuses; os seus templos e pirâmides demonstram uma civilização avançada para o tempo, por isso não iriam, de bom grado, aceitar uma religião estrangeira. A ideia de um Deus que se sacrifica pelo povo, ao contrário dos deuses deles, que exigiam sacrifícios humanos.

Por outro lado, a conquista da América tinha sido violenta, seguida de massacres que hoje seriam tidos como crimes contra a humanidade. Como iam estes povos indígenas aceitar a religião de quem os dominava e escravizava? A intervenção de Deus, por intermédio de Maria, foi providencial para o bom sucesso da Missão nas Américas.

"O Acontecimento Guadalupano - assinala o episcopado do México - significou o início da evangelização, com uma vitalidade que extravasou todas as expectativas. A mensagem de Cristo, por meio de Sua Mãe, tomou os elementos centrais da cultura indígena, purificou-os e deu-lhes o definitivo sentido de salvação." E o Papa completa: "É assim que Guadalupe e João Diego tomaram um profundo sentido eclesial e missionário, sendo um modelo de evangelização perfeitamente inculturada" (Missa de Canonização, 31/7/2002).

Mensagem
A palavra “Guadalupe” significa “aquela que esmaga a serpente”; uma referência ao deus Quetzalcoatl, ou serpente de pedra, ao qual os Aztecas costumavam oferecer sacrifícios humanos. Em 1487, devido à dedicação de um novo templo em Tenochtilan, cerca de 80.000 cativos foram imolados em sacrifícios numa só cerimónia que durou quatro dias. Maria esmagou o deus serpente Quetzalcoatl, e orientou os índios ao verdadeiro Deus, ao Deus da vida e não da morte. Ao Deus que se sacrifica, que se imola Ele mesmo pelo seu povo.

Se entendemos o aborto como os novos sacrifícios humanos ao deus do, egoísmo do prazer, das minhas conveniências, então a mensagem da Virgem de Guadalupe não ficou no seculo XVI, mas ainda hoje é atual.

Lourdes – Intervenção teológica
Em Lourdes, na França, Maria apareceu a uma menina de 14 anos chamada Bernardete Soubirous, oriunda de uma família extremamente pobre. A Virgem Maria apareceu 18 vezes, tendo a primeira sido o dia 11 de fevereiro de 1858, e a última a 16 de julho de 1858.

Provas da intervenção de Deus por intermédio de Maria
O regato de água que se formou, quando a Senhora na nona aparição, em 25 de fevereiro de 1858, ordenou a Bernardete que bebesse agua. Mas na gruta nunca tinha havido nenhuma nascente de água; ela começou a esgravatar a terra e a água começou a borbulhar e a sair. No dia seguinte, era já um pequeno regato.

Na decima sexta aparição a bonita Senhora identificou-se como sendo a Imaculada Conceição. Bernardete referiu esta notícia ao seu pároco, o qual concluiu que as aparições eram autenticas pois ele tinha a certeza que a menina desconhecia a proclamação do dogma da Imaculada Conceição pelo Papa Pio IX em 1854, quatro anos antes.

Na aparição número 17, a 7 de abril, inconscientemente, Bernardete colocou uma mão em cima da chama da vela enquanto continuava a rezar e a multidão gritava, horrorizada, enquanto as chamas envolviam a sua mão sem a queimar.

Bernardete morreu a 16 de abril de 1879; o seu corpo foi exumado em 22 de setembro de 1909 na presença de dois médicos e foi encontrado sem cheiro e incorrupto. As curas que se deram, durante o tempo das aparições e todos estes anos, dão testemunho de que em Lourdes, o Céu desceu à Terra, como em tempos de Jesus para, trazer saúde e salvação.

Razão da Visita
Parte importante da mensagem de Lourdes é a confirmação do Céu, no ano de 1858, do dogma da Imaculada Conceição, instituído pelo papa Pio IX quatro anos antes em 1854. Uma outra razão é comum com Fátima e outras aparições marianas, o binómio Penitência e Oração, duas realidades importantes que facilmente esquecemos na nossa vida cristã; pelo que Maria, aquela que diz “fazei tudo o que Ele vos disser”, nos recorda uma e outra vez, em Lourdes e em Fátima, que Jesus, o seu filho, nos mandou que abraçássemos a cruz, todos os dias, e que rezássemos para não ceder e cair nas tentações ou testes que a vida nos coloca.

Lourdes, desde o princípio, foi associada ao conceito de pureza, via da água da nascente milagrosa. Com efeito são muitos os que ali têm sido limpos das suas doenças. Comparando Lourdes com Fátima podíamos chegar à conclusão que Lourdes é o santuário dos milagres do corpo pelas muitas curas que ali têm acontecido, enquanto que Fátima é o santuário dos milagres da fé e da alma pelas muitas conversões que lhe são atribuídas.

Mensagem
A mensagem de Lourdes pode ser resumida a quatro palavras:
Pobreza -  Deus escolheu Bernardete por pertencer a uma família extremamente pobre em todos os sentidos da palavra. Deus nunca abandona os pobres; longe de ser imparcial, Deus está sempre do lado dos pobres contra aqueles que causam a sua pobreza.

Oração - A importância da oração, sobretudo o rosário; de facto, em algumas das aparições, a única coisa que a Senhora e Bernardete fazem é rezar.

Penitência – Oferecimento de sacrifícios pela conversão dos pecadores; algo contrario à nossa tendência a fugir do sacrifício e rejeitar a cruz que o mestre nos convida a abraçar.

Imaculada Conceição - Por fim, o fenómeno mais desconcertante e que deu credibilidade às mesmas aparições de Lourdes o facto de Nossa Senhora se ter apresentado a uma menina, sem qualquer instrução, escolar ou religiosa, como sendo a Imaculada Conceição, confirmando assim, o dogma proclamado quatro anos antes.

Fátima – Intervenção politica e não só…
Precedida das aparições do anjo, no ano anterior, Maria apareceu em Fátima, nos dias 13 de cada mês desde maio a outubro de 1917, entre as duas guerras mundiais, com uma mensagem e um plano de paz, para o século mais sangrento da História da humanidade, o século XX.

Se é que assim se pode chamar, Fátima é a mais completa das aparições; influenciou não só Portugal, mas o mundo inteiro, não só por algum tempo, mas todo o século XX, não só espiritualmente, mas também politica e socialmente. Há quem se atreva a dizer que não se pode falar da história do século XX sem falar de Fátima.

Provas da intervenção de Deus por intermedio de Maria
São muitas as provas da veracidade de Fátima. Maria escolheu três crianças que tinham por hábito não mentir em nenhuma circunstância, sem nenhuma exceção. Não conheciam, como nós, hoje, o conceito de mentira piedosa, que não prejudica ninguém e de alguma maneira defende a nossa privacidade. Esta, aliás, foi a razão pela qual o Sr. Marto, o pai de Jacinta e Francisco, acreditou nas aparições no momento em que delas tomou conhecimento pela sua filha Jacinta, pois sabia os seus filhos incapazes de uma mentira.

A vida dos pastorinhos mudou-se por completo depois das aparições, converteram-se e incarnaram a mensagem nas suas vidas, de tal forma, que nem precisavam de contar ou provar nada. Jacinta conhecia ao detalhe o que lhe iria acontecer, ela e o seu irmão sabiam que pronto iriam para o Céu e disso falavam sem a mínima lágrima ou tristeza; ao contrário, ansiavam por que chegasse o momento.

A partir da segunda, as outras aparições foram um evento publico, porém, a experiência varia de pessoa para pessoa a começar pelos videntes. Além de Lúcia que tinha uma comunicação plena com a Senhora, a Jacinta via e ouvia, Francisco só via, há testemunhas que dizem que no momento das aparições o sol brilhava com cores esquisitas, a temperatura descia e sobre a azinheira havia uma bruma, uns dizem uma nuvem outros nevoeiro e outros que era fumo.

Alem disto está o assim chamado milagre do sol presenciado por 70.000 entre as quais havia padres, médicos, professores universitários, jornalistas e até ateus. O fenómeno atmosférico é perfeitamente explicável, o que não é explicável é que a Lúcia tenha predito o dia e a hora em que iria acontecer, seis meses antes.

Do ponto de vista social e político, os pastorinhos profetizaram muito do que aconteceu no século XX: a Aurora boreal como sinal do início de uma guerra pior, a segunda grande guerra; o ateísmo militante da Rússia e a consagração deste país ao Imaculado Coração de Maria para que cesse este ateísmo militante que tanto fez sofrer os fiéis de muitos países. O princípio da União Soviética no mesmo ano das aparições e o seu fim a 8 de dezembro de 1991, o dia da Imaculada Conceição e a vitória de Maria; pois, como tinha dito, no fim “o meu Imaculado coração triunfará”.

Razão da Visita
A visita de Maria em Fátima pode não ter sido uma iniciativa unicamente divina. É um facto que o Papa Bento XV exortou a todos os cristãos que pedissem a intercessão de Maria para obter a “aspirada paz para o mundo desvairado”.

Maria apareceu a três crianças, tão só oito dias depois, com um programa para a paz, mas não só. O ateísmo militante era um problema bem mais difícil que as duas guerras mundiais e durou mais tempo. Hoje não é militante, mas continua a existir mais em forma de agnosticismo.

Fátima, por isso, tem para além do significado político um apelo à Nova Evangelização avant la lettre. A conversão dos pecadores, dos que vivem sem a luz da fé, é um tema central na mensagem de Fátima e talvez a razão principal da visita de Maria

Mensagem
Entre duas guerras mundiais, Maria propôs em Fátima, entre outras coisas, a “Penitência e a Oração” como meios para fazer frente, naquele tempo e ainda hoje, ao comunismo materialista e ateu, assim como ao capitalismo materialista e consumista e, portanto, não menos ateu.

O terceiro segredo, ou a terceira parte de um único segredo, foi revelado e na sua interpretação foi dito que Fátima é coisa do passado. Ficou intimamente e exclusivamente ligada ao seculo XX. Porém, a sua mensagem de penitência e oração é perene e atemporal. Neste sentido, Fátima é e será sempre um eco do Evangelho.

Por outro lado, o nome “Fátima” pode, em si mesmo, ainda encerrar um quarto segredo. Por ser um nome querido no mundo muçulmano e por ser Maria venerada pelos muçulmanos, poderia a Nossa Senhora de Fátima ainda ter uma palavra a dizer neste século dominado pelo fundamentalismo muçulmano e pela reação ao mesmo?
Pe. Jorge Amaro, IMC

15 de janeiro de 2017

Fátima: Revelação Privada, mas não para uso privado

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Revelação pública, privada ou qué?
A Igreja chama revelação pública à vinda de Cristo, filho de Deus ao mundo desde a sua encarnação no seio da Virgem Maria, a sua Vida, Palavra e Obra no meio de nós, a sua morte ressurreição, e ascensão aos Céus, e a vinda do Espirito Santo. Contraposta a esta, estão as revelações privadas, as aparições da Nossa Senhora em Guadalupe, Lourdes, Fátima, assim como as visões místicas dos santos ao longo de 2000 anos de cristianismo.

Se nos detemos um pouco a pensar, damo-nos conta de que nem a revelação pública é verdadeiramente pública, nem a privada é privada; ambas são ao mesmo tempo públicas e privadas. Toda revelação é pública, porque o destinatário dessa revelação, nunca é só, e exclusivamente, a pessoa, ou pessoas a quem a revelação é feita. Por outro lado, toda revelação é privada, porque não é nunca feita “urbi et orbe” para o publico em geral, mas sim em privado para uma pessoa ou grupo de pessoas. O que vos digo às escuras, dizei-o à luz do dia; e o que escutais ao ouvido, proclamai-o sobre os terraços. (Mateus 10, 27)

Perguntou-lhe Judas, não o Iscariotes: «Porque te hás-de manifestar a nós e não te manifestarás ao mundo?» Respondeu-lhe Jesus: «Se alguém me tem amor, há-de guardar a minha palavra; e o meu Pai o amará, e Nós viremos a Ele e n’Ele faremos morada. (João 14: 22-23)

Ele não foi visto por todo o povo, mas somente por nós, que somos as testemunhas que Deus já havia escolhido. Nós comemos e bebemos com ele depois que Deus o ressuscitou. (Actos 10, 41)

A revelação pública de Jesus de Nazaré, deu-se em privado ao círculo intimo dos que viviam com Ele desde a Galileia e os que O viram na sua glória depois da Ressurreição. Tal como Judas Tadeu, quando eu era pequeno achava que Jesus ressuscitado se deveria manifestar a todo o povo especialmente a Anás, Caifás, Herodes e Pilatos e a todos os que tinham gritado “crucifica-o”! Só mais tarde entendi o que Jesus responde a Judas. Só o amor e a fé podem levar ao conhecimento, à revelação de Cristo. Cristo revela-se só aos que O amam e n’Ele crêem.

Concluindo, a revelação dita pública foi privada, Jesus revelou a Sua identidade somente aos Seus discípulos. Os destinatários dessa revelação, porém, são a humanidade, os homens e mulheres de toda a língua raça, povo e lugar de todo os tempos.

A revelação privada de Fátima, da mesma forma que a de Cristo,  apesar de ter aspetos públicos desde o principio, pois as crianças depois da primeira aparição nunca mais estiveram sozinhas, era uma revelação privada pois só os três pastorinhos foram visitados pela Nossa Senhora; no entanto os destinatários da revelação era o mundo inteiro no século XX e se pensamos na devoção ao Imaculado Coração de Maria que a Lúcia ficara encarregada de propagar, era para todas as pessoas de todo tempo e lugar.

Revelações privadas como ecos do Evangelho
Se não houver profecia, o povo degenera, por isso, em todas as épocas, os homens foram instruídos por Deus sobre o que era necessário fazer de acordo com o que era oportuno para a salvação dos eleitos. – Sto. Tomás de Aquino 

«Desde o princípio do mundo, Nossa Senhora tem aparecido muitas vezes, de diversas maneiras ... E é o que vale ... Se o mundo está mau, se não se tivessem dado muitos casos assim, pior estava ... O poder de Deus é grande! Não sabemos o que é, mas alguma coisa será . . . Seja o que Deus quiser.
Ti. Marto

Desde a sua ignorância, o Sr. Marto, pai de Francisco e Jacinta e o primeiro crente nas aparições, diz praticamente o mesmo que o maior teólogo de todos os tempos, São Tomás de Aquino. O povo é esquecido, já nos tempos da Bíblia Deus suscitava profetas para corrigirem e reorientarem o povo para Deus desde uma situação histórica concreta.

Nos meus tempos de estudante de teologia dizíamos que o Céu já falou em Jesus Cristo Palavra eterna e encarnada para todos os tempos, pelo que não vai voltar a falar. Naqueles tempos entendíamos que o Céu se tinha fechado, não por três anos e meio, como nos tempos do profeta Elias, (Lucas 4,25) mas para sempre.

As aparições marianas assim como outras revelações privadas não são objeto da reflecção teológica, nem mesmo na disciplina chamada Mariologia. A Teologia olha para estas revelações com desdém e relega-as à piedade popular. Ainda bem que o Espirito nem sempre sopra por intermedio da jerarquia, porque sopra donde quer (João3, 8) e a voz do povo, que como diz o proverbio, é a voz de Deus, no caso de Fátima, esta impôs-se aos doutores da Igreja.

É certo que depois de Cristo nada de novo vai ser revelado que substitua o revelado em Cristo, mas algo necessita ser feito para que a revelação de Cristo não fique perdida no tempo. Esta é, aliás, a função do Espirito Santo, repetir ou adaptar a uma cultura ou situação específica, aplicar o Evangelho às idiossincrasias de cada tempo e lugar.

Neste sentido, as aparições e as visões são como um eco do Evangelho; surgem para relembrar algum aspeto, mais esquecido e menos vivido deste. Tal como as antenas de telemóvel que passam as nossas mensagens e a nossa voz de torre em torre até ao destinatário, ou as antenas repetidoras e aumentadoras de sinal de Televisão, as revelações privadas, aparições ou visões, prestam um serviço ao evangelho, para que este não se perca nem no tempo nem no espaço e desta maneira, um dia no futuro, possamos responder positivamente à pergunta enigmática que o Senhor nos deixou no evangelho de São Lucas: quando, porém, vier o Filho do homem, porventura achará fé na terra? (Lucas 18:8)


As aparições no contexto de uma Revelação mais abrangente
Quando muitos teólogos desconsideram as visões e aparições, chamando-as “privadas” e dando-lhes um valor secundário e opcional no sentido de que não as precisamos para a nossa salvação, Karl Rahner, sem dúvida o maior teólogo do século XX considera-as uma ampliação da Revelação no sentido de uma precisão e ou de uma clarificação do querer divino em ordem a uma ação precisa da Igreja ou a uma determinada situação histórica.

Desta forma, Rahner supera a diatribe da revelação Público/Privado e a sua mútua exclusão fundindo as duas numa única Revelação que se dá ao longo e ao largo da história da humanidade. Ao fim e ao cabo a Igreja é em si mesma Revelação ou reveladora em tanto em quanto é a atualização do Evangelho de Cristo aqui e agora.

As Palavras divinas crescem juntamente com quem as lê, dizia São Gregório Magno. A Revelação de Deus não é algo imutável, que ficou congelado no passado, é um processo contínuo e de alguma forma interativo. Esta interação não se dá só entre as Escrituras e quem as lê, mas também entre as escrituras e os processos e contextos históricos em que são lidas e encarnadas.

A função da Igreja no interior da história da humanidade, é fazer desta história uma história de salvação. Neste sentido a Igreja é fermento do Reino de Deus, um fermento vocacionado a levedar toda a massa - o mundo -  para que paulatinamente se vá transformando em Reino de Deus.

Como no mundo há evoluções e revoluções assim acontece no interior da Igreja; uma atividade ordinária e outra extraordinária; a ordinária tem que ver com a evolução gradual do mundo com vistas a tornar-se no Reino de Deus. A extraordinária ou revolucionária tem que ver com o profetismo, com a ação do Espírito Santo que sopra onde quer e quando quer.

Os profetas não são figuras só do passado velho testamento. Todo o batizado é batizado numa vocação comum de ser sacerdote, profeta e rei. Na vida real cada cristão desenvolve mais uma ou outra vocação. No Antigo Testamento os profetas eram catalisadores da vontade de Deus para uma época precisa.

Tanto naquele como neste tempo, o profeta é sempre o portador de uma mensagem concreta de Deus para um tempo concreto; o profeta não só proclama essa mensagem, mas também a encarna faz dela a sua vida. É neste sentido que devemos olhar para os videntes de Fátima Lúcia Jacinta e Francisco; os três, segundo as suas personalidades, encarnaram diferentes aspetos da mensagem de Fátima.

Revelação geral e revelação particular
Muitas vezes e de muitos modos falou Deus antigamente aos nossos pais, pelos Profetas.
Nestes dias, que são os últimos, falou-nos por seu Filho, a quem fez herdeiro de todas as coisas e pelo qual também criou o universo. Hebreus 1, 1-2

Revelação pública, é, portanto, a Palavra de Deus proferida e encarnada pela pessoa de Jesus de Nazaré. Esta Palavra apela à natureza humana que não se muda. O que era amor há dois mil anos será amor daqui a dez mil. Os valores, como o amor, verdade e justiça, sobre o qual a vida humana está ancorada, são atemporais, não mudam com o passar do tempo.

Se a natureza humana mudasse, Cristo teria de encarnar várias vezes na história para ser caminho, verdade e vida para os seres humanos de cada geração. Como a natureza humana não muda, no momento em que Lhe pareceu mais adequado, Deus encarnou na história dos homens uma só vez, ou, como se costuma dizer, de uma vez por todas. Neste sentido, o Céu falou e não voltará a falar. Todo aquele que se queira salvar, tanto nesta vida como na que há-de vir, tem de confrontar-se ou medir-se com Cristo, como modelo único de humanidade.

Seja membro de outra religião, ateu ou agnóstico, todo aquele que busca a felicidade e a autorrealização aqui e agora nesta vida e na próxima, tem de medir-se com Jesus de Nazaré, pois ele é o único modelo, o único paradigma humano para todos os que se esforçam para ser plenamente e autenticamente humanos.

Fátima, Lourdes, Guadalupe e muitas outras são revelações privadas; como tal, não são estritamente essenciais para a salvação do género humano, mas podem ser complementares. Para que assim seja, os elementos que elas contenham não podem ser contrários aos do Evangelho. Aliás, este mesmo é o critério principal para discernir sobre a veracidade e validade destas revelações.

Talvez não haja uma palavra ou conceito, para além do público/privado que faça justiça e defina com exatidão os dois tipos de revelação:

Publica, geral ou essencial - porque é para toda a gente de todo tempo e lugar e imprescindível para a salvação.

Privada, particular não essencial-  por ser, de alguma forma, restrita a um tempo, um lugar e a determinadas pessoas, e não ser imprescindível para a salvação do género humano
Pe. Jorge Amaro, IMC


1 de janeiro de 2017

FÁTIMA: O Extraordinário extraordinariamente

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Teologia positivista
A teologia que estudei nos anos 80, numa universidade Jesuíta, era marcadamente positivista e influenciou a minha maneira de entender a fé e atuação de Deus na História. Ainda hoje recordo algumas das máximas que me ficaram gravadas na mente e que em todo o momento funcionam como um metro padrão, para medir e avaliar as coisas de Deus de uma forma talvez demasiado racionalista, onde Fátima de certo nunca poderia encaixar.

A fé é um obséquio razoável – Assim define a fé o concílio Vaticano I. É certo que não pode ser racional, mas tem de ser humanamente credível e plausível, se não for assim não é fé, mas sim superstição. Se Deus nos criou como seres racionais, não nos pode pedir que sacrifiquemos a razão para acreditar n’Ele.

O extraordinário dentro do ordinário – O extraordinário não acontece extraordinariamente, ou seja, de uma forma deslumbrante e objetivamente patente aos olhos de todos, de forma a que a fé nem seja precisa. Ao contrário, o extraordinário acontece no interno do ordinário, de uma forma escondida, que só é perscrutável ou visível aos olhos da fé.

Deus não infringe as leis da Natureza - Se Deus cria as leis da Natureza, não vai ser Ele o primeiro a infringi-las. Nos meus tempos de estudante de teologia, com esta máxima, sancionávamos muitos dos milagres que Jesus fez no Evangelho e buscávamos explicações mais plausíveis; por exemplo, a multiplicação dos pães foi o milagre do partilhar, pois muitos tinham levado o seu farnel.

Deus não é intervencionista – Deus nem castiga nem premeia, não intervém na vida dos homens, deixa-os livres. Não é um bombeiro que vem apagar algum fogo; se intervém, fá-lo de uma forma discreta, misteriosa, por intermédio de pessoas n’Ele inspiradas, mas nunca diretamente.

Ressuscitou a doutrina não a pessoa – O cumulo da teologia positivista, podemos encontra-lo na teoria sobre a Ressurreição de Cristo do teólogo protestante Rudolf Bultmann.  Para ele o que ressuscita não é a pessoa de Jesus de Nazaré, mas sim o “kerigma”, ou seja, a sua doutrina, por esta ser verdadeiramente revolucionária. São Paulo responderia a este teólogo dizendo: se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé. (1 Coríntios 15:17)

Recordo também naqueles tempos a existência de uma certa esquizofrenia teológica; o Jesus histórico de Nazaré e o Cristo da fé, aquele em quem acreditamos, não eram a mesma pessoa. De facto, até eram estudados em duas disciplinas diferentes com dois professores diferentes. Jesus de Nazaré era estudado em Cristologia fundamental, e o Cristo da fé era estudado em Cristologia dogmática.

A todos los tontos se les aparece la Virgen” – Expressão espanhola que ouvi muitas vezes durante os meus anos de teologia na universidade de Madrid. É um facto que muitas das experiências sobrenaturais, que algumas pessoas alegam ter tido, não são mais que manifestações de doenças mentais, como a esquizofrenia. Daí que em Espanha exista esta expressão para descartar qualquer tipo de fenómeno paranormal.

“Não foi a Igreja que impôs Fátima, foi Fátima que se impôs à Igreja”
Já passaram vários anos desde que estudei teologia, a experiência e a vida levaram-me a matizar algumas destas posições. Há milagres que contradizem as leis da Natureza; é certo que foi Deus que criou essas leis, porém a sua atuação não é limitada por elas. Não faria sentido que Deus criasse as Suas próprias limitações, ou que pudesse ficar limitado por algo que Ele criou.

Até mesmo a ciência, já não olha para as leis da Natureza no quadro da física mecanicista de Newton. Para Newton, Natureza nas suas leis funcionava como um relógio de precisão. Depois de Einstein, a física quântica acabou com o determinismo das leis da Natureza que agora já não fixas, certas e absolutas; nas leis da Natureza, o princípio da incerteza de Heisenberg substitui a inflexível certeza em flutuante probabilidade.

Isso significa que as coisas podem realmente acontecer como sempre aconteceram, mas também há uma probabilidade de que elas não aconteçam como sempre aconteceram. O determinismo da física de Newton é substituído pelo acaso na física quântica.

Dentro do quadro mental da física de Newton, era muito difícil de entender os milagres, pois que sempre iriam contra as leis da Natureza; tudo muda quando conceptualizamos os milagres dentro do quadro mental da física quântica. Para a nova física, os milagres acontecem, e acontecem sem contradizer as leis da Natureza; só temos que mudar a nossa compreensão das mesmas leis.

Assim sendo, agora é fácil compreender como o extraordinário também pode, de facto, acontecer extraordinariamente. É neste enquadramento mental que podemos entender e aceitar razoavelmente o que aconteceu em Fátima, Lourdes, Guadalupe e num sem número de revelações privadas ao longo da História.

A frase acima citada foi dita pela primeira vez pelo Cardeal Cerejeira em 1943 e tem sido repetida por muitas pessoas, até por Papas. É provável que ela contenha a experiência, ou a mudança de posição, de muitas pessoas no que diz respeito à revelação de Fátima. Neste sentido, também a faço minha: Fátima impôs-se-me pela profundidade e significado da sua mensagem e pela candura, simplicidade e bondade dos videntes de tenra idade, Jacinta com apenas 7, a sua prima e íntima amiga Lúcia de 10 e o seu irmão Francisco com nove anos.

No meio de uma guerra generalizada na Europa, onde Portugal tragicamente também participou; no contexto social nacional de uma revolução republicana iluminista e ateia, cujo propósito era acabar com a Igreja e laicizar a sociedade, um raio de luz irrompe do céu.

O sobrenatural abre espaço no natural; o extraordinário acontece extraordinariamente para trazer vida e ânimo para o pequeno rebanho de cristãos, vítimas de lobos do racionalismo e do ateísmo, e confundir estes mesmos ateus, deixando-os perplexos e espantados, ante uma realidade que não podiam compreender, pois não cabia nas suas cabeças preconceituosas.

Os “ignorantes” confundem os sábios
«Eu Te bendigo, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos entendidos e as revelaste aos pequeninos. Mateus 11, 25

Tanto na mensagem, como nos videntes portadores da mensagem, Fátima segue o paradigma evangélico de revelar aos pobres e ignorantes aquilo que ainda hoje desconcerta muitos sábios teólogos, cujo racionalismo pretende limitar a ação de Deus.

E ainda o mesmo paradigma evangélico é seguido em relação à identidade dos portadores da mensagem de Fátima; pastores eram os primeiros a ver Deus feito homem em Belém, e pequenos pastores eram também Lúcia, Jacinta e Francisco.

Em verdade vos digo: se não voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no Reino do Céu. Mateus 18, 3 - Como os portadores da mensagem eram crianças, só os que são crianças, no sentido evangélico, a podem entender. Fátima só faz sentido ao coração simples e desarmado de preconceitos intelectuais.
Pe. Jorge Amaro, IMC


15 de dezembro de 2016

A Magia do Natal

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No tempo do grande rabino Israel Baal Shem-Tovvi quando os judeus estavam sob a ameaça de algum infortúnio, o rabino dirigia-se a um lugar secreto da floresta para meditar. Lá acendia uma fogueira, fazia uma oração especial e o milagre acontecia, o povo era salvo da catástrofe iminente.

Mais tarde, quando tocou ao seu sucessor a tarefa de interceder pelo povo, ia ao mesmo lugar secreto da floresta uma vez lá dirigia-se a Deus nestes termos: “Já não sei como acender o fogo, mas ainda posso recitar a oração”, mas mesmo assim o milagre acontecia.

Os anos foram passando até que um dia quando uma catástrofe estava para abater-se sobre o povo e tocava ao rabino Moshe-Lieb de Sasov realizar o ritual de libertação este disse para si mesmo: “Não sei como acender a fogueira nem a formula da oração, mas ainda conheço o lugar suponho que será suficiente para que o milagre se dê”, e assim foi, ao dirigir-se ao lugar secreto da floresta o milagre da libertação do povo aconteceu.

Passados muitos anos tocou ao rabino Israel de Rizhyn realizar o ritual de libertação do infortúnio. Sentado na sua poltrona, com a cabeça entre as mãos, dirigiu-se a Deus nestes termos, “Sou incapaz de acender o fogo, desconheço a oração e o lugar secreto onde iam os meus antecessores; o único que posso fazer é contar a história”; isto fez e o milagre também aconteceu.

Tradições natalícias
As tradições que se foram associando ao Natal, fazem desta festa a mais rica de todas do ponto de vista simbólico e também a mais popular na cultura ocidental. Cada uma destas tradições, por si só não engloba todo o sentido do Natal mas ajuda na sua explicação.

O Natal é o Pai Natal, venerável senhor idoso que não esconde a idade nem quer aparentar ser mais jovem, e que se desfaz em amabilidades dando presentes às crianças, acariciando-as e tomando-as ao colo. As suas vestes vermelhas não têm que ver com esse tal refrigerante castanho, como dizem as más-línguas, mas sim com as vestes vermelhas de um bispo; historicamente, o Pai Natal está associado com o Bispo São Nicolau de aí se chamar Santa Claus em Inglês; miticamente, representa a Deus Pai que nos dá o seu filho como presente.

Natal é a bênção Urbi et Orbe do Papa.O Natal são as inúmeras luzinhas intermitentes que enfeitam e iluminam as nossas cidades e aldeias; O Natal são as ruas e montras de todos os comércios adornadas para a ocasião que convidam os clientes a comprar prendas; o Natal são os presépios de tamanho natural nas nossas praças, mais pequenos nas nossas casas, que evocam a verdadeira história do Natal; o Natal é a árvore do Natal, pinheiro alpino cónico que aponta para o Céu, iluminado e enfeitado tanto em sítios estratégicos das nossas cidades e aldeias como dentro dos nossos lares.

O Natal é o frio que leva a acender a lareira onde origem de calor físico motivante de calor humano; o Natal é a noite escura que congrega todos os homens à luz de uma vela; o Natal é uma casa com janelas flamejantes de cálida luz amarela e fumo na chaminé, que contrasta com uma paisagem nocturna de neve branca e fria.

O Natal são os cartões de boas festas que recebíamos às dezenas e ficavam expostos até ao fim das festas, e que agora escasseiam; o Natal é uma família reunida e unida no amor e na harmonia à volta da mesa da consoada; o Natal é a ceia: as batatas cozidas com bacalhau e couves regadas com um luminoso azeite; é o polvo o peru inteiro dourado no meio da mesa; os doces típicos: as filhoses, as rabanadas, o bolo-rei…

O Natal é o sapatinho na lareira, a alegria dos pais que dão presentes e das crianças de olhos esbugalhados, abrindo-os freneticamente; o Natal é a grande fogueira que arde no adro da Igreja aquecendo os que esperam pela Missa do Galo; o Natal é o canto dos anjos “Gloria a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade” acompanhado pelas campainhas.

O Natal são as canções de Natal, a “noite Feliz” e demais cânticos apropriados, os “Christmas carols” em inglês, os “vilancicos” em Espanhol e as “Janeiras” em Português; o Natal é o beijar do menino Jesus; o Natal é a saudade dos Natais de outrora que nunca mais voltam; o Natal é a tristeza por não poder estar alegres quando estamos sós ou longe dos que amamos… O Natal é tudo isto e muito mais que isto…

“Jesus is the reason for the season”
A nossa sociedade há muito que vive esta quadra sem referencia à verdadeira historia do Natal, o que leva alguns cristãos a levantarem-se em cruzada contra aquilo que o Natal se tornou vociferando: “Jesus is the reason for the season” (Jesus é a verdadeira razão da festa).

É certo que já poucos conhecem a visitação do Anjo a Maria a encarnação do Criador na criatura e o Verbo Divino que se faz homem, Deus um de nós, Deus connosco para nos ensinar desde dentro da nossa natureza como se deve viver a vida humana. Já poucos sabem que o menino Deus de nome Jesus nasceu num curral de animais em Belém e foi depositado por Maria sua mãe numa manjedoura a servir de berço; os anjos cantavam Gloria a Deus e os mais pobres da região, os pastores, não cabiam em si de contentes e felizes.

Parafraseando o conto acima citado, a magia do Natal acontece todos os anos no tempo assinalado apesar do desconhecimento da verdadeira história. Como se estivesse nos nossos genes, o Natal, o seu espirito e magia é espoletado todos os anos pela chegada do Inverno.

A sua chegada tem o mesmo efeito que o pó das fadas nos contos populares; modifica os pensamentos, os sentimentos e as acções de todos. Em tempo de Natal fazer o bem parece o mais natural e todos têm mais força e motivação para evitar o mal. Nas grandes cidades diminui o crime, há tréguas nas guerras, o homem deixa por um tempo de ser lobo do seu congénere.

“Rainha por um dia”
O Natal é o sonho e a utopia de um mundo futuro mais justo mais pacifico e mais fraterno. A realidade do dia a dia está muito longe deste sonho, mas o dia de Natal parece que o sonho se realiza, e o milagre acontece.

Pode ser tal como “rainha por um dia”, mas é o suficiente para que não nos esqueçamos que o nosso objetivo é de facto que todos os dias sejam Natal como de certo simboliza e significa uma loja de Natal na cidade de Québec no Canadá aberta todos os dias do ano.

O Natal já não é o que era, nem será o que foi; independentemente do que quer que se torne , o seu espirito e a sua magia não se perderão, e teremos sempre Natal, nem que seja só um dia ao ano, pois já não podemos passar sem ele.
Pe. Jorge Amaro, IMC


1 de dezembro de 2016

O profeta Isaías - um cristão “avant la lettre”

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Moisés e Elias ao lado de Jesus no monte da Transfiguração simbolizam a Lei e os Profetas, uma forma sintética de referir-se aos livros que compõem o Antigo Testamento. Para os Judeus, como Moisés, o legislador do Monte Sinai ao qual são atribuídos os 5 livros do Pentateuco simboliza a Lei. Elias, que dizimou os profetas do deus Baal no Monte Carmelo, simboliza os profetas por estar considerado para os hebreus, o maior de todos os profetas; tão grande era Elias que nem experimentou a morte como o resto dos mortais, em vida foi arrebatado ao céu do qual se esperava que voltasse como percursor do messias para anunciar a sua vinda.

Diferente da perspetiva judaica, do ponto de vista do Cristianismo, e entendendo o Antigo Testamento como uma preparação para o Novo, o maior profeta é Isaías. Ao contrário de Elias que era tendenciosamente nacionalista e algo xenófobo, Isaías é universalista e está aberto a todos os povos e a todas as raças. Todos os anos no advento nos deleita com a sua visão idílica de uma sociedade aberta e inclusiva onde reina a paz e a harmonia entre todos apesar das suas diferenças:

Então o lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito; o novilho e o leão comerão juntos, e um menino os conduzirá. (Isaías 11, 6) Neste mundo renovado onde as espadas se transformam em arados e as lanças em foices, (Isaías 2,4) Jerusalém não é a capital de Israel mas do mundo pois é lá que o Senhor do Universo vai preparar para todos os povos um banquete de manjares deliciosos e vinhos generosos. (Isaías 25,6).

Cristo de facto no discurso inaugural da sua vida pública cita este mesmo profeta para dizer que a Palavra que Deus proferiu pela sua boca como promessa é hoje em Jesus cumprimento, Palavra encarnada facto. O espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu: enviou-me para levar a boa-nova aos que sofrem… (Isaías 61, 1-2; Lucas 4,16-22)

É Isaías que 300 anos antes de Cristo nos fala das circunstâncias do nascimento de Jesus apresentando-nos a sua visão do mistério da encarnação de Deus; uma virgem dará à luz um filho e o seu nome será Emanuel que significa Deus connosco. (Isaías 7, 14).

É também Isaías que nos antecipa a paixão do Senhor no seu canto sobre o servo de Javé e nos oferece também o sentido expiatório da paixão e morte do Senhor: Na verdade, ele tomou sobre si as nossas doenças, carregou as nossas dores. (…) Foi ferido por causa dos nossos crimes, esmagado por causa das nossas iniquidades. (…) Foi maltratado, mas humilhou-se e não abriu a boca, como um cordeiro que é levado ao matadouro (Isaías 53, 2-7).

Isaías faz no Antigo Testamento o que o autor da carta aos Hebreus faz no novo. Tal como, no Novo Testamento, o autor da carta aos hebreus procura demostrar que o Novo Testamento, a Nova Aliança, não é radicalmente diferente e oposta à Antiga, mas sim uma continuação desta e sobretudo a realização das promessas ali descritas. Assim Isaías com o seu universalismo personifica e preconiza, já no Antigo Testamento de uma forma utópica, o Reino de Deus que Cristo veio trazer à Terra; sobretudo intui já no seu tempo que a salvação é para todos os sem distinção de língua, povo ou nação.

Os dois são personalidades cerneiras para fazer a ponte entre os dois Testamentos. Isaías, desde o Antigo Testamento estende-se ao novo ligando-os detrás para a frente. Ao invés, o autor da carta aos Hebreus da frente para trás, visualizando o Velho como pré-história do Novo.

Como uma árvore que para crescer para cima e alongar os seus ramos precisa de crescer para baixo aprofundando as suas raízes, assim o autor da Carta aos Hebreus, desde o Novo Testamento aprofunda no Antigo para encontrar nele as promessas que agora vê cumpridas no Novo, os cabos soltos que agora são atados, a semente semeada que agora dá fruto, e de como toda a história da salvação estava orientada para a vinda de Cristo.

Como um velho agricultor que planta uma árvore da qual não irá comer fruto, assim foi o sonho utópico do Profeta Isaías acerca de um mundo que havia de vir no qual não houvesse nenhum “povo escolhido” pois se Deus é o Criador logo é também o Pai de todos; um mundo como um teto comum, uma cidade à qual todos chamam lar; uma mesa redonda como o mundo onde lobos e cordeiros partilham a mesma comida; um mundo que não encontra utilidade nas armas ou instrumentos de destruição e as transforma em utensílios de construção.

O autor da carta aos Hebreus é embaixador do Novo Testamento no Antigo porque tenta explicar e conceptualizar o Novo usando os mesmos conceitos teológicos do antigo; por outro lado, Isaías é o embaixador do Novo no Antigo porque apesar de viver no Antigo Testamento, tem uma mentalidade que sintoniza melhor com o Novo que com o Antigo Testamento. Assim sendo, podemos chamar Isaías um cristão “avant la lettre”, e ao autor da carta aos Hebreus um Judeu convertido.
Pe. Jorge Amaro, IMC