15 de junho de 2024

Cosmovisão Maia - Asteca - Inca

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Ninguém duvida atualmente que os seres humanos cruzaram a pé a distância entre a Sibéria e o atual Alasca por um estreito hoje submerso. Para a ciência genética foi há 20 000 anos, para os arqueólogos foi há 16 000 anos. Prova disto é o facto de os indígenas do continente americano pertencerem à etnia mongol, ou seja, terem traços asiáticos.

Há 16 000 a.C., o ser humano estava ainda no Paleolítico Superior, ou seja, ainda na Idade da Pedra, mais propriamente no Mesolítico ou Neolítico e ainda não conhecia os metais. Ao chegarem a novos lugares, sempre havia seres humanos que aí se fixavam e outros que continuavam viagem, em busca de melhores condições de vida. Desta maneira foram-se deslocando para o Sul, pois a Norte predominava o gelo.

Os asiáticos que se foram fixando na parte setentrional do continente americano nunca chegaram a criar uma civilização; viveram sempre na Pré-história, nunca conheceram uma cultura, pois a vida deles era lutar pela sobrevivência. Caçavam, pescavam e pouco mais, não cultivavam a terra, sobretudo não cultivavam cereais.

Como dissemos noutro texto, onde não houve cereais não houve civilização, pois são os cereais que proporcionam excedentes que podem ser facilmente armazenados por muito tempo, levando o ser humano a emancipar-se da natureza. Sem agricultura não há cultura, e o rei da agricultura é o cereal, pois é de todos os alimentos o mais completo, que dá mais energia e por mais tempo e que pode ser arrecadado também de uns anos para os outros.

As únicas civilizações antigas que surgiram no continente americano são as da América Central, onde o clima ameno, semelhante ao do Crescente Fértil, permitiu a prática da agricultura, sobretudo do milho, que está na base das civilizações Maia, Asteca e Inca que aqui nasceram.

Civilizações anteriores aos Maias
 Se considerarmos que a história começa com o aparecimento da escrita, a civilização Maia é a primeira do continente americano. Porém, se considerarmos para além da escrita outros elementos que denotam cultura, como o desenvolvimento agrícola, a construção de monumentos em pedra, então teremos que nos questionar se é conveniente colocar a escrita como a divisória entre Pré-história e História.

A civilização de Caral
Também conhecida como Caral-Supe ou Norte Chico, é considerada com a mais antiga das Américas. Floresceu entres os anos 3 000 – 2 500 a.C. na região centro-norte da costa do Peru. Data do Neolítico pré-cerâmico.

A total ausência de cerâmica e a presença de grandes estruturas, como templos e pirâmides, denota primeiro que era uma sociedade muito religiosa com um alto grau de tecnologia e organização social para solucionar os problemas da construção e dos elevados custos de materiais e energia. É quanto podemos deduzir, pois não desenvolveram nenhuma escrita, pelo que não nos disseram sequer por que construíram tão complexos monumentos.

Civilização Olmeca
A civilização Olmeca floresceu na costa do Golfo do México entre 1 200-4 00 a.C. Construiu as primeiras pirâmides de pedra do continente norte-americano, bem como os famosos monumentos de cabeças "com cara de bebé". Os olmecas eram governados por reis, construíram enormes pirâmides, domesticaram feijões e desenvolveram a escrita mais antiga das Américas. O povo Olmeca também domesticou a árvore do cacau e deu ao mundo o chocolate.

Arqueólogos e linguistas decifraram recentemente a escrita antiga dos Olmecas que designaram como Epi-Olmeca. Esta escrita está intimamente ligada à antiga escrita Maia que também foi decifrada recentemente e que pode muito bem ter origem nos hieróglifos dos olmecas. Eis um pequeno texto nesta língua:

Era uma vez um guerreiro chamado Senhor da Montanha das Colheitas. Ele vivia numa terra quente e húmida junto à curva de um rio que corria para outro rio que corria para o mar. Muitas foram as batalhas que travou e os rituais de sangue que suportou, pois, este guerreiro era o governante do povo junto à curva do rio.

CIVILIZAÇÃO MAIA (2 500 a.C. – 1 500 d.C.)
Os principais centros onde esta civilização floresceu são a Guatemala, o sul do México com alguns vestígios em El Salvador, Belize e Honduras.

Religião
Tudo o que existe, seja pedra, vegetal, animal ou humano tem uma origem comum, que é espiritual, transcendente ou essencial (Uk’u’x). Esta origem comum invisível é a nossa verdadeira Mãe Formadora, pura inteligência Natura e o nosso verdadeiro Pai Criador, pura Consciência e Vontade. Por isso, os Maias dizem que “tudo tem pai e mãe”. Nisso reside a sacralidade da essência da totalidade de coisas e criaturas no universo.

Observamos ainda alguns resquícios de animismo, pois para os Maias tudo tem vida: os vales e montanhas, os lagos e o mar, o que há no céu e o que há na terra. Reconhecendo o sagrado da vida em nós, faz-se simples e vívida a sacralidade do outro. Com esta origem comum e nesta vida que nos completa, se fundamenta este princípio da Cosmovisão Maia: tudo é sagrado, Loq’ em língua maia k’iche’ tem sentido de “sagrado”, expressão que guarda uma relação estreita com o amor, pois a raiz de “loq’oq’ej” é literalmente amar.

Quando se descobre a origem comum da existência e da vida, fica claro o vínculo entre todas as coisas e seres, o que se traduz na experiência de “sentir o sagrado” como puro amor e devoção, respeito e gratidão.

Eram politeístas, consideravam que os deuses habitavam num local chamado Tamoanchan. Os acontecimentos do mundo natural eram regidos por forças espirituais e pelo poder dos ancestrais. Além disso, pensava-se que os locais da natureza eram locais sagrados. As cavernas, por exemplo, eram vistas como portas para o mundo sobrenatural e eram lugares nos quais se realizava uma série de rituais. Os Maias acreditavam que o destino da humanidade era regido pelos deuses, por isso a religião estava presente em todas as atividades culturais do povo.

Os sacrifícios humanos eram importantes para manter os deuses satisfeitos e assim garantir o funcionamento e a harmonia do universo. Os sacrificados eram quase sempre os prisioneiros de guerra, havendo também quem se entregasse voluntariamente. A forma mais comum do ritual sacrificial era a decapitação e a retirada do coração enquanto este ainda pulsava.

Sociedade, cultura e política
Os Maias possuíam uma sociedade hierarquizada, isto é, dividida em grupos sociais muito bem definidos, cada qual com funções distintas. O grupo mais numeroso da sociedade era o dos camponeses, os responsáveis pela agricultura e pelo abastecimento da cidade. Cultivavam o milho, cereal considerado sagrado, o algodão, o cacau e o agave. O modo de produção era coletivo, o solo não era propriedade privada e teoricamente o Estado era o proprietário de todas as terras. Como vimos noutras sociedades antigas.

A elite era a responsável pela administração das cidades-estado e pelas funções religiosas. A autoridade máxima e topo da pirâmide social Maia era o rei de cada cidade, chamado de ajaw. Também aqui a autoridade e o poder eram exercidos em nome de um deus.

Os Maias viam o mundo como um local que funcionava de maneira cíclica, isto é, em ciclos de fases que se repetiriam para sempre. Dentro dessa visão, possuíam um sistema duplo de calendário em que um era composto por 365 dias (chamado Haab) e outro era composto por 260 (era chamado de Tzolkin).

Desenvolveram um sistema próprio de escrita, até hoje quase indecifrável, baseado na representação de objetos e ideias. Sabe-se que possuía alto grau de abstração. Nunca chegaram a um alfabeto e fixaram-se na representação pictórica da realidade, como aconteceu com os hieróglifos antigos do Egito e da China.

Como os sumérios, os Maias nunca formaram um império propriamente dito; eram cidades-estado independentes entre si, com a mesma cultura em comum, mas o poder não era centralizado num imperador, como acontecia no Egito e na China. Isto fez com que fossem facilmente conquistados pelos Astecas do Norte, que chegaram a formar um império pois tinham uma ideia de poder centralizado.

Declínio dos Maias
Quando os europeus chegaram à América Central encontraram as cidades Maias desabitadas no meio de florestas que, entretanto, tinham crescido, prova de que os maias já as tinham abandonado há algum tempo. Há quem pense que foram as guerras entres as cidades-estado que dizimaram a população; outros que foram doenças e ainda outros um desastre ecológico.

Segundo esta última teoria, o que mantinha esta cultura e sociedade era a construção maciça de templos e pirâmides que requeria muita cal. Quando a cal começou a faltar porque já não havia mais lenha para transformar a pedra calcária em cal, a hierarquia da sociedade Maia começou a desmoronar-se, pelo que o povo abandonou a vida urbana e, para subsistir, regressou aos seus campos.

CIVILIZAÇÃO INCA (1200-1532)
Muito provavelmente eram herdeiros da civilização de Caral, pelo facto de partilharem o mesmo território, o Peru, Equador, Bolívia, sul da Colômbia, todo o Chile e Norte da Argentina

Organização política
A mais alta autoridade era o rei ou inca, considerado o filho do Sol, que governava por direito divino. As posições mais altas na administração do Império eram ocupadas pelos familiares do Inca. Estes formavam uma nobreza que cuidava da complexa organização do Estado. Um exército poderoso, dirigido por generais da família real, era responsável pela expansão, conquista e controlo dos territórios conquistados.

Sob o domínio da nobreza estava o resto da população, agricultores e artesãos. Os camponeses foram organizados em comunidades de pessoas relacionadas chamadas ayllus, chefiadas por um curaca. O curaca distribuía o trabalho e os produtos e respondia às autoridades pela sua ayllu.

Cada grupo social tinha as suas obrigações específicas. As hierarquias estabeleciam as atividades a serem executadas por cada grupo, e até mesmo o vestuário que podia usar, assim como os produtos que podia consumir. Alguns materiais, como o ouro, a prata e certos têxteis, eram reservados para o Inca e só podiam ser utilizados por ele e por alguns dos seus familiares diretos. Faz-nos recordar a Idade Média da Europa.

A economia Inca baseava-se na produção agrícola. As terras pertenciam ao Estado que as repartia: um terço dedicava-se à produção para o Inca, outro para os sacerdotes e o terceiro para as ayllus.
Os Incas formaram um autêntico império coeso e centralizado; possuíam uma rede de estradas que permitia uma rápida comunicação entre todas as regiões. Os mensageiros, chamados chasquis, levavam comunicações entre diferentes pontos. Estas estradas tinham postes, chamados tambos, onde os viajantes podiam descansar e alimentar-se. Faz-nos recordar os Sátrapas do Império Persa.

Embora não tivessem escrita alfabética, tinham vários métodos de gravação e comunicação de informação visual. Entre eles estava o quipus, série de cordas de diferentes cores com nós, que permitia manter a contabilidade e manter a memória de algumas narrativas.

Religião
Tal como os Maias, os Incas entendiam que a Natureza à sua volta era sagrada. Consideravam sagrados muitos elementos da Natureza, pessoas, objetos, etc. que eram chamados huaca. Respeitavam as crenças dos povos que conquistavam, mas impunham o culto ao Sol, a sua principal divindade. Também veneravam o Pachamama (Mãe Terra), Viracocha, o criador do mundo e Illapa, o deus da trovoada e da tempestade.

O império Inca foi conquistado pelos espanhóis sob o comando de Francisco Pizarro em 1532, quando o imperador Atahualpa foi feito prisioneiro. Embora algumas bolsas de resistência tenham permanecido até 1572, nunca representaram uma ameaça para a nova ordem colonial.

CIVILIZAÇÃO ASTECA (1345-1521)
Povo aguerrido, inteligente e empreendedor, proveniente do Norte do México onde eram caçadores e recolectores, emigraram para o sul, estabelecendo-se no lago Texcoco, onde se encontra a atual cidade do México. Em pouco tempo drenaram o lago e fundaram a sua primeira cidade, Tenochtitlán, estabelecendo alianças com cidades vizinhas. Pouco a pouco foram-se assenhoreando de tudo e de todos à sua volta, pelo bom desempenho nas artes da guerra.

Organização política
A sua forma de governo era monárquica e eletiva, ou seja, não era hereditária: o imperador não passava o poder para o seu filho; o seu sucessor era eleito através de um Conselho Supremo, chamado Tlatocan, cujos representantes pertenciam à nobreza Asteca e era geralmente um membro deste conselho que ascendia ao trono.

Uma vez eleito, o imperador (Tlatoani) era considerado divino e, portanto, possuía poderes ilimitados sobre a sociedade Asteca. Sob o seu comando, havia toda uma rede burocrática, composta por sacerdotes, cobradores de impostos (tecutli) e inspetores comerciais.

Os Astecas formaram um império totalitário que era constituído por cidades-estado com governantes locais eleitos pelo mesmo conselho superior responsável pela eleição do Imperador. A sua responsabilidade era manter o controlo destas pequenas cidades para garantir com sucesso o domínio absoluto do império.

Religião
“Amor com amor se paga” diz-se em Asteca “sangue com sangue se paga”. Os deuses Astecas requeriam muito sangue de sacrifícios de animais e humanos para serem apaziguados. O sangue era o alimento primordial dos deuses que, se não fossem alimentados regularmente, dificultariam em muito a vida dos Astecas.

A maioria dos deuses que formava o panteão Asteca estava relacionada com o ciclo solar e, por sua vez, com todas as atividades agrícolas que dele dependiam. Entre os deuses mais importantes, devemos primeiro destacar Huitzilopochtli, deus da guerra, Tlaloc que era a deusa da chuva. A esta eram anualmente sacrificadas inúmeras crianças no cume das montanhas. Quanto mais estas crianças choravam, mais chuva cairia nesse ano. Outros deuses eram Quetzalcoatl, a serpente emplumada e Coatlicue, a deusa mãe.

Cultura, usos e costumes
A educação era obrigatória, as crianças Astecas iam às escolas para estudar, constituindo a educação militar uma parte do currículo. O povo Asteca era um povo guerreiro, tal como que os espartanos da Grécia: as crianças eram treinadas para a guerra desde tenra idade.

A sociedade Asteca era patriarcal e, por isso, a mulher ficava em casa a cuidar das tarefas domésticas, enquanto o homem tinha a seu cargo o trabalho e as relações comerciais e sociais. Os Astecas estavam intimamente ligados ao mundo espiritual e religioso, pelo que entre os seus costumes se destaca a prática de muitos rituais e orações.

Cada casa tinha um lugar reservado, considerado um pequeno santuário, onde cada família se recolhia em oração. Entre outras práticas de ascese espiritual, a prática do jejum era muito importante na vida dos Astecas. Era praticado pela grande maioria da população, inclusive pelos próprios imperadores.

Conquista do Império por Hernan Cortez
Montezuma foi o décimo primeiro e último imperador antes da chegada de Hernan Cortez e da conquista do Império Asteca que se encontrava no seu apogeu. Não aconteceu do pé para a mão, pois os Astecas eram aguerridos, estavam bem organizados e possuíam, é claro, superioridade numérica. Naquele tempo como hoje, a superioridade das armas é mais importante que a numérica e Cortez teve uma vitória relativamente fácil.

Esta conquista aconteceu apesar dos muitos avanços destas sociedades Maia, Inca e Asteca, sobretudo os Maias que possuíam conhecimentos bastante avançados de astronomia, de matemática e de arquitetura, e que desenvolveram uma escrita que só começou a ser decifrada no final do século XIX.

Os ricos sacerdotes idealizaram um sistema de numeração vigesimal que empregava o zero, e as suas noções de astronomia permitiram-lhes conceber um calendário de 365 dias e observar o céu a partir de pirâmides escalonadas.

Apesar destes avanços, estes três povos não tinham ainda chegado à Idade do Ferro, enquanto que os espanhóis, para além das armas de ferro, possuíam canhões, mosquetes e cavalos para serem mais rápidos. A conquista foi tristemente fácil.

Há uma inscrição no sopé de um monumento no centro da Cidade do México que reza assim: Na conquista não houve nem vencedores nem vencidos, foi apenas o doloroso nascimento da nação mestiça que é hoje o México. De facto, mais de 80%, da população do México é mestiça, ou seja, resultado da união ou cruzamento entres espanhóis, Astecas, Maias e outros indígenas. 

O mesmo não aconteceu na colonização da América do Norte, feita por povos também europeus, mas de outra índole. Aqui há poucos mestiços porque os indígenas não só foram vencidos como foram dizimados numa campanha de autêntica limpeza étnica que dura até aos nossos dias. Os poucos que escaparam vivem hoje paternalisticamente em reservas, onde não faltam as drogas e o álcool para que se dizimem a eles mesmos.

Conclusão: duas coisas aprendemos da visão do mundo dos povos Maia, Inca e Asteca: primeiro, que toda a Natureza está integrada, ordenada e interrelacionada. Segundo, que todos os elementos que existem na Natureza, ou seja, tudo no universo é animado e tem vida; cada ser complementa e completa os outros.

Pe. Jorge Amaro, IMC








1 de junho de 2024

Cosmovisão do Rio Amarelo

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Também chamado “Rio de tristeza”, o Rio Amarelo (Huang He) é um dos mais perigosos rios do mundo. Desde que há memória, já mudou de curso 26 vezes, produziu mais de 1 500 inundações e matou milhões de pessoas. Chama-se Amarelo porque as suas águas são sempre barrentas; ainda hoje, quando os chineses querem dizer nunca, dizem, “Quando as águas do Rio Amarelo correrem cristalinas”, coisa que nunca acontecerá.

O Rio Amarelo nasce no planalto do Tibete e atravessa o norte da China, de oeste a este, desaguando no Mar da China, no Oceano Pacífico. O potencial de destruição deste rio deve-se à imprevisibilidade das suas cheias, ao contrário do que acontecia com os rios Indo, Tigre, Eufrates e Nilo cujas inundações eram periodicamente esperadas e onde se desenvolveram as outras civilizações que estudámos.

Apesar da destruição que causou, a bacia hidrográfica deste rio foi o berço da civilização chinesa, a quarta civilização depois da Mesopotâmia, do Egito e do Vale do Indo. Pela arqueologia sabemos que o Homo Sapiens habitou esta zona desde o ano 6 000 a.C., no Neolítico, mas só começou a constituir civilização depois da criação da escrita, já na Idade do Bronze (1 600 a.C.–1 046 a.C.).

Os primeiros chineses, estabeleceram-se nas terras férteis do Rio Amarelo, compostas por um sedimento trazido e depositado pelas águas ao longo de milénios dos planaltos da China central e pelos ventos que vinham dos desertos a oeste. Nesta terra irrigada, os chineses cultivaram painço, hortaliças e frutas nativas, sobretudo ao longo do alto e médio curso do rio.

No setor baixo do Rio Amarelo, cultivavam arroz. Durante o terceiro milénio a.C., o excedente de produção favoreceu o estabelecimento de vilarejos permanentes e, em meados daquele milénio, havia quase uma sucessão contínua de povoados e vilas ao longo do rio, dando forma a um princípio de civilização.

Génese da civilização
A teoria clássica é de que a civilização chinesa do Rio Amarelo apareceu como que por geração espontânea, uma vez criadas as circunstâncias ideais, da mesma forma que surgiram a civilização suméria do Tigre e Eufrates, a egípcia do Nilo e a indiana do vale do Indo.

Embora esta seja uma perspetiva aceite de forma geral, tanto arqueólogos chineses como europeus e americanos defendem, por mais atualizados estudos feitos, que a civilização do Rio Amarelo foi importada tanto da Mesopotâmia como do Egito.

Era de esperar que China se defendesse ideologicamente afirmando que isto não é verdade, da mesma forma que certos arqueólogos contrapõem se calhar também ideologicamente com provas de que houve muitas influências do Crescente Fértil. A melhor forma de apurar a verdade seria descobrir a verdadeira idade da Rota da Seda, a famosa rota comercial que unia a Europa com a Asia..

Longe destas polémicas, com influências ou sem elas, a civilização do Rio Amarelo que deu lugar à cultura chinesa cresceu em total ou parcial isolamento relativamente às outras civilizações e a prova está não só no tipo de escrita, mas também em outras descobertas mais tardias que são autêntica e genuinamente chinesas.

Lenda da criação do mundo
Todas as culturas têm um mito de criação para explicar as suas origens. Na China, é a lenda de Pan Gu que, entre muitas outras, relata a seguinte história: no início, o cosmos era um gás que se solidificou numa colossal pedra. Desse ovo cósmico, nasceu uma criatura chamada Pan Gu, que viveu 18 mil anos, crescendo 3 metros por dia, e que ocupava o seu tempo picando a pedra até que se dividisse em duas partes:  uma tornou-se no céu (yang) e a outra tornou-se na terra (yin).

Quando Pan Gu completou o seu trabalho e morreu, a sua cabeça transformou-se em montanhas; a sua respiração tornou-se no vento e nas nuvens; a sua voz, no trovão; o seu olho esquerdo, no sol, e o seu olho direito, na lua. Os seus músculos e veias tornaram-se na matriz da terra, e a sua carne, no solo. O seu cabelo e barba viraram constelações, e a sua pele e pelos do corpo transformaram-se em plantas e árvores. Os seus dentes e ossos tornaram-se em metais, e o seu tutano tornou-se em pérolas e pedras preciosas. O seu corpo formou a chuva, e os piolhos sobre ele foram impregnados pelo éter e tornaram-se em seres humanos (Wong e Wu, 1936).

Os antigos chineses acreditavam que tudo no mundo tinha duas forças aparentemente opostas que existiam em relação uma com a outra. Chamaram a estas forças Yin e Yang. A qualidade das nossas vidas e o bem-estar geral do nosso mundo dependem de tendências opostas estarem em equilíbrio uma com a outra. Poderíamos estabelecer um paralelo entre o Yin/Yang da civilização chinesa com o Eros/Thanatos Instinto de vida, e Instinto de morte, agressão e afeição freudiano.

As forças "masculinas" foram definidas como Yang, simbolizadas pelo sol, e as forças "femininas" foram consideradas Yin e simbolizadas pela lua. Para manter o céu a funcionar sem problemas, o Rei na China antiga tinha o trabalho de manter o equilíbrio entre o sol e a lua; da sua saúde dependia também a saúde do povo.

Céu e Terra são o reflexo um do outro
O que acontece na Terra acontece no céu e vice-versa: é a ideia típica da cosmovisão de todos os povos antigos e também da cultura greco-romana. Os reis chineses e os seus astrónomos mediram, rastrearam e previram o comportamento dos corpos celestes porque acreditavam que o que acontecia nos céus estava intimamente ligado com o que acontecia na Terra.

Como todos os opostos de Yin-Yang, o Céu (masculino) e a Terra (feminino) refletiam-se mutuamente. Se houvesse uma perturbação nos Céus, a causa provavelmente estava na Terra. Da mesma forma, se algum dos corpos celestes se desviasse de lugar, o desequilíbrio de forças resultante causaria problemas na Terra.

Pensamento e medicina chinesa
O pensamento chinês baseia-se no princípio do conhecimento da natureza como caminho para atingir o estado de harmonia. A conceção de harmonia é inerente a diversas culturas antigas, traz em si a ideia do equilíbrio entre os diferentes aspetos do cosmos. Dentro desta visão holística, o homem é visto como parte integrante e inseparável deste todo e, além disso, como um microcosmo que contém em si processos semelhantes aos que ocorrem na natureza.

Citada no Livro das Mutações, em aproximadamente 700 a.C., a teoria do Yin Yang é a base da medicina chinesa. A energia Qi é considerada vital, a principal que dá origem ao céu, à terra e ao Yin-Yang, ou seja, a dualidade energética. O Yin é a energia que está relacionada com a insuficiência enquanto o Yang se relaciona com os excessos.

Acredita-se que as doenças são resultado do desequilíbrio entre Yin e Yang. Assim, as que se caracterizam como Yin são calmas, fracas, frias, húmidas, hipofuncionantes e crónicas. Já as que possuem características Yang são agitadas, fortes, quentes, secas, hiperfuncionantes e agudas. Após determinar se a pessoa é Yin ou Yang, é possível escolher os componentes que irão funcionar melhor na terapia que terá como principal objetivo ajustar a circulação do Qi pelo corpo.

Embora opostos, Yin e Yang são interdependentes, não podendo existir de forma isolada um do outro e estão em estado de constante mudança, de modo que, quando um é consumido, o outro aumenta. O consumo de Yin leva a um ganho de Yang e o consumo de Yang leva a um ganho de Yin.

Yin e Yang podem transformar-se um no outro. Essa transformação ocorre quando as condições adequadas se reúnem. Por exemplo, ao final do dia começa a noite e, do mesmo modo, uma estação sucede a outra, no ciclo das estações. No limite da fase Yin de um ciclo começa a fase Yang do mesmo.

Neste ponto, fica claro como o conhecimento se torna num instrumento de prevenção, e também como a medicina chinesa é, acima de tudo, uma medicina preventiva ao ajudar-nos a estar em conformidade não apenas com o nosso próprio ritmo, mas também com o ritmo do que nos cerca. A perceção dos padrões específicos de cada situação torna possível identificar tanto a origem quanto o provável desenvolvimento de uma patologia.

Sociedade patriarcal chinesa
Ao princípio masculino Yang eram atribuídas qualidades frequentemente interpretadas como superiores, ao passo que ao princípio feminino Yin eram atribuídas qualidades consideradas como inferiores. É fácil ver como esta cosmovisão antiga chinesa levou a uma sociedade patriarcal, com base nesta justificação antiga do baixo estatuto das mulheres na sociedade.

A preferência por rapazes refletia-se na família, que era uma instituição venerada na antiga sociedade chinesa. Esta preferência nos tempos modernos da política do filho único tem levado ao mascare de milhares de milhões de meninas, a tal ponto que hoje há mais homens que mulheres na China.

Os laços familiares eram sagrados e hierárquicos. Numa sociedade agrária, era o trabalho dos filhos que daria aos pais segurança na velhice. Como a propriedade da família passava para o filho mais velho, eram os meninos que asseguravam a continuidade familiar ao longo de gerações.

As filhas, por outro lado, eram consideradas meramente como bocas para alimentar que acabariam noutras famílias, normalmente à custa de um precioso dote. As raparigas eram tratadas como propriedade, compradas e vendidas entre famílias, ou mesmo intermediadas através de casamenteiras. Se uma esposa não conseguisse produzir um filho, era muitas vezes substituída ou despromovida pelo marido, que se casava com outras esposas até que a família tivesse o seu filho.

Não havia aqui nada de novo, o que vemos na sociedade chinesa vemos em todas as culturas e civilizações do globo, onde a mulher é ser humano de segunda categoria para ser explorada e submetida e cuja única função é a reprodutiva e pouco mais.

Cultura - língua - religião
A família tinha um lugar preponderante na antiga sociedade chinesa. O pai controlava a casa e tomava as decisões importantes. O respeito pelos anciãos era muito valorizado, e esperava-se que as crianças honrassem os seus pais. Os chineses também acreditavam na adoração dos seus antepassados: manter contentes o espírito destes membros da família mortos era crucial para obter boa sorte e evitar desastres.

A religião era politeísta. Os sacerdotes também aqui assumiam o papel de intermediários: falavam com estes deuses através do uso de ossos oráculos; escreviam perguntas para os deuses sobre os ossos do oráculo que eram depois queimados. O fogo causaria rachaduras nos ossos que eram então interpretadas pelos sacerdotes como respostas dos deuses às suas perguntas.

A escrita usada era semelhante à dos sumérios e egípcios: os chineses usavam pictogramas, ou desenhos simplificados de objetos ou conceitos.

Dinastias chinesas
Em todas as civilizações deste planeta o poder é sempre delegado: pelo povo nos seus líderes por um período de tempo até novas eleições ou delegado por Deus. A civilização chinesa não foi exceção neste sentido. O que é particular na civilização chinesa é que as dinastias não eram eternas como a Davídica de Israel e tantas outras na Europa e resto do mundo.

A antiga China era governada por uma linhagem de governantes de uma única família a que chamamos de dinastia. Porém, se o povo e os deuses não estivessem satisfeitos com a dinastia no poder, este passaria para outra família nobre, criando-se assim uma nova dinastia.

Este processo é chamado de ciclo dinástico e isso explicou a ascensão, declínio e substituição de muitas dinastias ao longo da história da Antiga China. Se um rei tivesse feito algo de errado, podia perder o mandato do Céu, o que significava perder o direito de governar. Isto porque o povo acreditava que todas as dinastias recebiam o direito de governar através da aprovação dos deuses.

De acordo com a tradicional lenda de nascimento da civilização chinesa, uma enorme inundação que durou meses teria coberto a região do Rio Amarelo. Mas um homem chamado Yu, conhecido também como Yu, o Grande, teria desenvolvido um sistema de drenagem que conseguiu restabelecer as áreas das margens do rio. Seria após esse episódio que Yu teria recebido um “chamado divino” para estabelecer então a Dinastia Xia.

Cronologia das dinastias chinesas
Dinastia Xia (2100 - 1600 a.C.) – Envolta na lenda acima descrita, há quem pense que não existiu.
Dinastia Shang (1600 - 1046 a.C.) – Pensa-se que a mais antiga forma de escrita seja desta geração.
Dinastia Zhou (1046 - 256 a.C.) – A mais longa de todas as dinastias chinesas; é comumente conhecida como o ápice da civilização antiga chinesa; a filosofia confucionista, por exemplo, teria sido desenvolvida durante este período, influenciando a China até hoje.
Dinastia Qin (221 - 207 a.C.) – São desta época os dois ex libris da cultura chinesa, a Grande Muralha e o exército de terracota recentemente descoberto.
Dinastia Han (206 a.C. - 220 d.C.) – Pensa-se ser deste tempo o estabelecimento da Rota da Seda, mas é bem provável que a origem desta rota seja pré-histórica. Ou seja, o caminho que o Homo Sapiens tomou desde o Crescente Fértil até aos confins da Ásia e da China. Seriam também desta dinastia o taoísmo e a chegada do budismo à China.
Período das Seis Dinastias (220 - 589 d.C.) – Expansão do budismo.
Dinastia Sui (581 - 618 d.C.) – De curta duração.
Dinastia Tang (618 - 906 d.C.) – Entre as invenções que surgiram durante a dinastia Tang, estariam o primeiro relógio mecânico do mundo, a bússola e a máquina de imprimir livros.
Período das Cinco Dinastias (907 - 960 d.C.) – Declínio e agitação política e social.
Dinastia Song (960 - 1279 d.C.) – Nova reunificação da China.
Dinastia Yuan (1279 - 1368 d.C.) – Abertura ao ocidente; são deste tempo as viagens de Marco Polo. Invenção da pólvora e da porcelana.
Dinastia Ming (1368 - 1644 d.C.) – Foi durante este período que foi construído o palácio imperial, a Cidade Proibida, em Pequim.
Dinastia Qing (1644 - 1912 d.C.) – Com a queda da dinastia Qing, em 1912, foi oficialmente fundada a República Popular da China.

Conclusão – O poderoso rio Amarelo, nascido da cadeia montanhosa mais alta do planeta, foi a origem de uma cosmovisão marcadamente diferente da ocidental que influenciou a vida e o pensamento do resto do norte asiático, em especial da Coreia e do Japão. 

Pe. Jorge Amaro, IMC