15 de janeiro de 2023

O Rosário, uma oração contemplativa

O rosário é, ao mesmo, tempo uma oração mariana e também centrada em Cristo – Cristo-Centrica – porque repetidamente invocamos Maria como Mãe de Deus e nossa Mãe e lhe pedimos que se junte a nós na nossa oração ao Pai, ao recitarmos o pai-nosso, e à Santíssima Trindade ao recitarmos a glória. Pedimos-Lhe que nos ajude a meditar e contemplar os mistérios da vida do Seu filho, nosso irmão mais velho e nosso Salvador, dos quais ela também faz parte.

Em Fátima, como nas demais aparições marianas, Maria não atrai nenhuma atenção para si mesma, mas exclusivamente para o Seu filho. O seu contentamento não lhe vem de a louvarmos, mas sim de louvarmos o seu filho. Como diz o provérbio, “Quem o meu filho beija, minha boca adoça”.

Enquanto ele assim falava, uma mulher levantou a voz do meio do povo e lhe disse: “Bem-aventurado o ventre que te trouxe, e os peitos que te amamentaram. Lucas 11, 2

Não se ama o filho sem se amar a mãe, por isso todo o amor dirigido ao filho indiretamente é dirigido à mãe. Assim como todo o louvor dado à mãe se dirige ao filho, como aconteceu com aquela mulher que, no meio da multidão, levantou a voz para dizer a Jesus, “Bem-aventurada aquela que Te deu à luz, e os seios que Te amamentaram!”

O rosário não é uma oração de Ação de Graças, nem uma oração de petição, nem sequer uma oração de lamentação como alguns salmos da Bíblia. O rosário, é fundamentalmente uma oração de meditação e contemplação. De facto, anunciamos e enunciamos cada Mistério dizendo “neste Mistério contemplamos…”

Conta-se que um dia alguém confessou ao Papa João XXIII a dificuldade de rezar o terço pois frequentemente se distraía na recitação maquinal e rotineira das ave-marias, ao que o papa respondeu, “para que serve o rosário se não para nos distrairmos?”

Ao ser uma oração contemplativa, a recitação repetitiva de ave-marias no rosário tem a mesma função dos mantras na espiritualidade budista: ocupam a mente, impedindo que esta salte de um pensamento para outro, permitindo e facilitando a contemplação dos Mistérios da vida do Senhor.

A ave-maria como mantra
Nos anos 60, esteve na moda a oração contemplativa, como hoje está a Lectio Divina. Importantes personagens da vida monástica, como Thomas Merton, viajaram ao Extremo Oriente, enquanto outros procuravam a partir de lá fazer a ponte entre as religiões orientais, como o budismo, e o cristianismo, como o jesuíta indiano Anthony de Mello.

A nível de técnicas para atingir a contemplação, podemos certamente aprender com o budismo. Porém, a contemplação sempre existiu na Igreja desde os padres do deserto, os monges beneditinos, os carmelitas, Teresa de Ávila e São João da Cruz, e até mesmo ao nível do clero diocesano de todos os tempos, como bem nos demonstra o Santo Cura de Ars.

Depois de dizerem um ao outro bonitas palavras e poesias, os enamorados ficam em silêncio longas horas, abraçados um ao outro, sem nada dizer, sem nada fazer. Em silêncio, contemplando uma bonita paisagem extasiados, ambos são exemplos de contemplação.

Na oração de contemplação não há palavras nem há pensamentos. Há um sentir no vazio da mente, um dar-se conta, um estar sumamente presente em si mesmo, centrado no próprio corpo, sem divagações da mente. Esta mente, que Sta. Teresa de Ávila chama a louca da casa, é como um macaco que vai de galho em galho.

À oração pelo silêncio, ao silêncio pela oração. É preciso tempo e muita prática para conseguir silenciar a mente. Consegue-se ao não consentir pensamentos no momento em que temos consciência deles; desta forma, pouco a pouco chegamos ao vazio da mente que chega a um grau elevado de autoconsciência. É neste momento que nos abrimos ao divino e experimentamos a sua presença. Deus intimior intimo meo. A contemplação de facto procura a união com Deus, a visão beatífica, o Céu na Terra.

Nos estados iniciais da contemplação, para silenciar a mente discursiva, imaginativa e fantasiosa, usam-se os mantras que são pequenas frases que se repetem continuamente para entreter a mente com algo e evitar que ela deambule de pensamento em pensamento. O peregrino russo chegava a repetir o seu mantra centenas de vezes ao dia para conseguir a oração contínua, sonho de todos os eremitas.

No Santíssimo Rosário, a oração da ave-maria repetida 50 vezes, 10 vezes por cada mistério, tem a finalidade de evitar que a mente se distraia da contemplação do mistério. A finalidade, portanto, não é colocar a nossa atenção em cada ave-maria e pai-nosso que rezamos, mas sim ocupar a mente com estas orações como se fossem mantras e saltar assim para a contemplação do divino.

Modo de rezar o rosário
Porque se trata de uma oração contemplativa, devemos enunciar cada mistério convidando os fiéis que connosco o rezam à contemplação desse Mistério; por exemplo, no primeiro Mistério Gozoso contemplamos a Anunciação do anjo à Santíssima Virgem. A palavra “contemplamos” no anúncio de cada Mistério é importante e deve ser sempre dita, nunca omitida nem subentendida precisamente por que o rosário é uma oração contemplativa; é a contemplação dos mistérios da nossa salvação das mãos de Maria, rezando com Maria como os discípulos do seu filho com ela rezaram na noite anterior a Pentecostes. Atos 1:12-14

Em cada dia da semana, meditamos em mistérios diferentes. Assim, segunda-feira e sábado meditamos nos Mistérios Gozosos; terça-feira e sexta-feira meditamos nos Mistérios Dolorosos, quarta-feira e domingo nos Mistérios Gloriosos, reservando a quinta-feira para os Mistérios Luminosos.

Há vários modos de rezar o terço, mas a maior parte das pessoas começa com o sinal da cruz, seguido do Credo, de um pai-nosso, de uma ave-maria e de uma glória. Terminadas estas orações introdutórias, anuncia-se o primeiro mistério seguido ou não por uma pequena meditação e secundado por uma dezena de ave-marias precedidas por um pai-nosso.

Depois da décima ave-maria de cada dezena, reza-se a glória, seguido por várias jaculatórias, dependendo do lugar e de quem reza, terminando-se com a oração que a Nossa Senhora em Fátima recomendou aos pastorinhos que rezassem depois de cada mistério: "Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as alminhas todas para o Céu, principalmente aquelas que mais precisarem"… (da vossa misericórdia).

No original da oração de Fátima, falta esta afirmação final (da vossa misericórdia), pelo que gramaticalmente se subentende, pois, todas as almas precisam do céu. Todos os países agregaram a expressão final no sentido de que os que estão mais afastados de Deus são os que mais precisam da sua misericórdia.

O inferno é morte eterna não fogo eterno, ou seja, tortura eterna. Deus criou-nos do nada para que fizéssemos alguma coisa com a nossa vida; os que nada fazem com ela, os que não usam os talentos recebidos de Deus em proveito dos irmãos para maior glória de Deus, regressam ao nada de onde foram tirados, pois a sua vida foi nada e muitos, de facto, até acreditam que vieram do nada e que regressam ao nada.

Por que aparece o inferno na Bíblia como tortura eterna? Porque naturalmente temos mais medo do sofrimento que da própria morte. O que morre já não sofre, dizemos, e o que está a ser torturado pede a morte por misericórdia. Tantas vezes o amigo gravemente ferido pede a morte ao outro amigo por clemência. O temor de Deus não é medo a Deus e não devemos escolher a Deus pelo medo do inferno. É esta uma pedagogia infantil na qual se educavam as crianças. Mas nem a crianças devem educar-se assim hoje; a razão deve ser a base de toda educação, não o medo irracional.

Porque esta oração de Fátima e a visão do inferno envolvia de facto o fogo, pelo simples facto de que os pastorinhos não conseguiam imaginá-lo de outra forma. Nossa Senhora fez-lhes ver o inferno tal como o entendiam, tal como o concebiam, até porque o nada não tem representação gráfica.

Quidquid recipitur ad modum recipientis recipitur – Esta máxima da filosofia escolástica pode explicar este ponto; aquele que recebe, recebe segundo a sua capacidade para entender. O mar tem muita água para dar, mas o meu balde é limitado na sua capacidade de receber; o mesmo se passa com a nossa mente. Os pastorinhos viram o inferno conforme a Bíblia o representa e conforme a capacidade que tinham para o entender.

Por fim, rezam-se três ave-marias pelas intenções do Santo Padre, para assim estarmos unidos a toda a cristandade nele representada, e termina-se com a salve rainha precedida ou não, segundo o tempo de que se dispõe, pela ladainha da Nossa Senhora.

O Pai-Nosso – O pai-nosso, que intercala cada Mistério, é muito mais do que uma simples oração que o Senhor nos ensinou para recitar ocasionalmente. Ela contém o mais importante do Evangelho de uma forma resumida; é, neste sentido, todo um Evangelho de bolso, pois contém o que devemos conhecer e praticar.

Como é composto por vários enunciados, sem relação uns com os outros, pode ser considerado como uma lista, como as listas de compras que fazemos para não nos esquecermos de nada. Esta lista diz respeito ao protocolo da nossa relação com Deus, ou seja, como deve estar estruturada a nossa oração; como devemos dirigir-nos a Deus, como louvá-Lo, o que devemos pedir, em que ordem, quando e como. Portanto, mais que uma oração, é fundamentalmente um guia prático de oração e vida.

A Ave-Maria – Divide-se em duas partes; a primeira é bíblica e é composta pelas saudações do Anjo Gabriel e da Sua prima Isabel; a segunda tem origem na fé da Igreja, não se sabe como nem quando nem onde começou a ser usada. Por isso, a ave-maria representa a perfeita união entre a Bíblia como Palavra de Deus e a Igreja como comunidade dos crentes.

Num movimento ascendente, a primeira parte, decalcada da Bíblia, é constituída por 5 escadas que sobem até Jesus. Num movimento descendente, a segunda parte é constituída também por 5 escadas que descem até à realidade humana, a nossa morte.

Não pode ser entendida pelos advogados de “sola fide sola scriptura solus christus”, pois nela se unem de uma forma harmoniosa a Escritura, a Palavra de Deus, descrita na primeira parte, com a Tradição, ou seja, a história da fé da comunidade cristã ao longo dos tempos, plasmada na segunda parte. “Jesus”, Alfa e Ómega, princípio e fim e centro da história é o cerne que une as duas partes.

Glória ao Pai – É a invocação de Deus como Uno e Trino. Uma só divindade em três pessoas diferentes unidas num triângulo de amor. É a solução à luz da dialética da filosofia grega entre o uno e o múltiplo. Esta oração também nos recorda que, feito à imagem e semelhança de Deus, o ser humano também é uno e trino: não existe nem subsiste fora da família.

Conclusão: Como na noite de Pentecostes, com os apóstolos, o rosário é rezar com Maria e deixarmo-nos levar pela sua mão na contemplação dos Mistérios da vida do seu filho.

Pe. Jorge Amaro, IMC









1 comentário:

  1. Belíssima publicação, muito elucidativa e nos faz meditar sempre que temos um terço na mão! Muito Obrigada e parabéns 💖

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