15 de março de 2019

3 Entidades na família humana: Pai - Mãe - Filho/a

Mito do Andrógino
No banquete de Platão, Aristófanes levanta-se para fazer o seu discurso sobre a natureza do amor, para explicar porque os amantes experimentam a plenitude quando encontram a sua amada. - Aristófanes explica que, no princípio, Zeus criou o ser andrógino, algo assim como um homem e uma mulher unidos pelas costas num só ser.

Na sua plenitude e felicidade, andrógino cresceu insolente e recusou-se a honrar e venerar os deuses e até tentou atacá-los na sua morada nas montanhas. Zeus, um pouco por inveja da sua felicidade e também por vingança, castigou Andrógino e dividiu-o em dois, seguindo a velha ideia “Divide ed impera”, divide e vencerás. Assim nasce a palavra “sexo”, que tem a mesma raiz que “secção”, “seita”, parte de um todo.

Para Aristófanes, passamos a vida à procura da parte que nos amputaram, porque sem ela a vida não tem sentido, é deprimente. Com ela, sentimo-nos completos, voltamos à plenitude e perfeição. O amor é, portanto, a força que faz gravitar o varão e a mulher à volta um do outro, até voltarem a encontrar-se e fundir-se no ser que antes foram.

Amor é o que se sente pela parte amputada quando a encontramos e estabelecemos afetiva e efetivamente a unidade primordial. Em português, as pessoas falam do seu esposo ou esposa como a sua cara metade ou a outra metade da laranja.

Dizem que Aristófanes é o pai do amor romântico e também do amor platónico, o tal amor no qual e pelo qual os amantes gravitam à volta um do outro sem nunca se fundirem num só, como seria o seu desejo consciente ou inconsciente.

O mito bíblico da criação do varão e da mulher
“Façamos o ser humano à nossa imagem, à nossa semelhança, para que domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos e sobre todos os répteis que rastejam pela terra.” Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher. Génesis 1, 26-27

O Senhor Deus disse: “Não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele. (…) Então, o Senhor Deus fez cair sobre o homem um sono profundo; e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma das suas costelas, cujo lugar preencheu de carne. Da costela que retirara do homem, o Senhor Deus fez a mulher e conduziu-a até ao homem. 

Então, o homem exclamou: «Esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne da minha carne. Chamar-se-á mulher, visto ter sido tirada do homem!” Por esse motivo, o homem deixará o pai e a mãe, para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne. Génesis 2, 18, 21-24

Os judeus arranjaram dois relatos mitológicos para explicar o que os gregos explicam num só. Primeiro, que o homem e a mulher são iguais entre si em dignidade, são duas versões do mesmo ser humano e nenhuma destas versões é superior ou inferior à outra. Segundo, que os dois no fundo são um só, que já foram um só e que agora tendem a ser um só.

Temos a tendência de pensar que Deus no princípio criou o varão e dele tirou a mulher, mas não é isso que a Bíblia diz. Deus, no princípio, criou o ser humano, o Homem com letra maiúscula que em grego é Antropos e em latim Homo. Deste ser humano, Deus tirou a mulher e o que restou foi: Vis vírus, que em português dá “varão”, a verdadeira palavra que designa um ser humano do sexo masculino.

Quando fala do matrimónio é interessante notar que Jesus, quase como os gregos, cita o primeiro e não o segundo relato da criação do ser humano dizendo: desde o princípio da criação, Deus fê-los homem e mulher (Marcos 10, 6), pois estava mais interessado em vincar a igualdade entre o homem e a mulher, coisa que não existia naquele tempo nem nos séculos seguintes até aos nossos dias.

Depois, vai buscar a segunda parte do segundo relato do livro do Génesis para fundamentar o matrimónio: Por esse motivo, o homem deixará o pai e a mãe, para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne. (Marcos 10, 8)

A Grécia inventou o amor romântico e a tendência a buscar a nossa verdadeira cara metade, o amor perfeito, o perfeito homem, a perfeita mulher, e Israel inventou a instituição matrimonial e o casamento arranjado pelas famílias, sem amor entre as partes, com o único intuito da procriação e de estabelecer alianças entre povos para evitar guerras.

Quando um equivale a três
O amante bateu à porta da sua amada. “Quem é?”, perguntou ela de dentro. “Sou eu”, disse o amante. “Vai-te embora, nesta casa não cabemos tu e eu”. O amante rejeitado vagueou pelo deserto, meditando meses a fio, considerando e reconsiderando as palavras da amada. Por fim, voltou a bater à porta. “-Quem és?”. “-Sou tu”, respondeu desta vez o amante. E a porta imediatamente se abriu de par em par.

Este Deus que é uma comunidade de amor criou o homem à sua imagem e semelhança, pelo que também o ser humano é uno e trino, estando chamado a ser uma comunidade de amor; à Trindade de Deus corresponde uma trindade humana.

A pessoa humana é livre, autónoma, indivisível e independente e, no entanto, não se explica por si mesma, precisa de outras duas pessoas: o seu pai e a sua mãe, com as quais forma um triângulo. Pai, mãe, filho(a) são as únicas categorias de vida humana; todo o ser humano pertence sempre a duas delas.

Um homem não é pai sem ter uma esposa e um filho(a); uma mulher não é mãe sem ter um marido e um filho(a), todo o ser humano é filho(a) de um pai e de uma mãe; não existem mães solteiras. A Trindade consiste em que um indivíduo não existe sozinho, mas coexiste com outros dois; a existência de um implica sempre a existência de outros dois com os quais tem laços afetivos, formando um triângulo de amor.

A união que sentimos com os nossos pais é tão intensa, tão forte, que eles são parte de nós e nós parte deles. Quando nos faltam, mesmo sendo na velhice, quando já dependem mais eles de nós que nós deles, parece que o mundo desaba sobre nós. “Partir, c'est mourir un peu / C'est mourir à ce qu'on aime”, diz com razão o poema francês. Quando eles partem, nós morremos um pouco e nunca mais seremos os mesmos.

Consola-nos a possibilidade de construir outro triângulo e de sermos pais também nós, mas nunca recuperamos totalmente do embate que sofremos com a sua morte. O luto pelos pais será sempre um luto incompleto; recordo a minha mãe, já velhinha, que ao pensar na sua, ficava com lágrimas nos olhos… 

Porque o Homem é uno e trino, o ser humano é um todo em si mesmo, mas ao mesmo tempo parte de um outro todo: a sua família. A vida humana é sempre uma vida triangular: fora do triângulo não há vida humana. Quando um filho(a) abandona o triângulo da sua família com outro indivíduo do sexo oposto, forma um outro triângulo. A relação entre todos estes triângulos forma o tecido social, a família, o clã, a tribo, o povo e a nação.

Mas, desde o princípio da criação, Deus fê-los homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher, e serão os dois um só. Portanto, já não são dois, mas um só. Marcos 10, 6-8

Um matrimónio católico, para ser válido, deve ser “ratum et consummatum”, retificado na Igreja onde o sacerdote, citando o Evangelho, declara os dois uma só carne, e consumado na intimidade do ato conjugal ou sexual, onde os dois se compenetram numa só carne. E no preciso momento em que os dois são um, são três: dessa união, surge um novo ser, pelo que o ser humano é Uno e Trino.

Seja pai seja mãe ou filho/filha cada um destes indivíduos pressupõe a existência dos outros dois. Os seres humanos não existem por si sós coexistem num elo trinitário de amor, tal como Deus.

Os seres humanos são intrinsecamente interdependentes
  • Génesis 1, 27 - Deus criou o ser humano à sua imagem, (…) Ele os criou homem e mulher. 
  • Génesis 2. 22 - Da costela que retirara do homem, o Senhor Deus fez a mulher 
A vantagem do mito andrógino sobre a criação de seres humanos por Deus, sobre o mito bíblico, é que numa única narração se afirma que nós somos ao mesmo tempo livres e interdependentes, um todo e uma parte. Ao contrário, a Bíblia diz primeiramente que somos livres e iguais em dignidade e só depois que somos interdependentes, e pertencemos um ao outro

A separação das duas verdades da natureza humana, em dois relatos diferentes, criou um problema. Ao longo do tempo, o segundo relato foi visto como machista e posto de lado e ao primeiro dado demasiado valor.

“Homem e mulher Ele os criou” soa como se os seres humanos existissem em duas modalidades diferentes completamente independentes e sem nenhuma relação entre si. Perde-se a intuição do mito grego que diz que num princípio os dois eram um por isso, mesmo divididos em duas metades eles têm a tendência a juntar-se novamente e como se pertencem mutuamente são interdependentes.

A cultura ocidental moderna, nascida da revolução francesa, é individualista pois coloca o valor da pessoa por cima do valor da Comunidade, a liberdade por cima da igualdade e fraternidade, a independência e autonomia por cima da interdependência. Existem demasiadas filosofias que exaltam o valor individual da pessoa humana como se pudesse existir sozinha.

Não existem filósofos e filosofias que apontem para a pessoa humana como sendo metade de um ser, incompleta, intrinsecamente indigente e interdependente no âmago de sua existência. Na verdade, só Deus é completo em si mesmo, e a completa, os seres humanos não existem em plenitude e autossuficiência, como ilhas; eles só existem em metades e têm de encontrar inteireza, fora de si, juntamente com outros seres humanos.

Em vez de referir-se a duas modalidades diferentes ou versões da existência humana como se pudessem existir por si só, varão/mulher deve referir-se a deficiência, indigência e deve ser para nós uma lembrança continua de que em nós mesmos, somos seres inacabados, insuficientes, imperfeitos, parciais, inacabados deficientes mutilados, só metade de um ser humano, não só a nível sexual mas a todos os níveis; somos interdependentes porque somos incompletos.

Completa humanidade completa e o sentido da inteireza só podem vir quando entramos num relacionamento íntimo com outro ser humano. Varão/mulher em vez de serem vistos como uma das duas versões ou modalidades nas quais o ser humano existe, deveriam ser vistos como que, neles mesmos por si sós não fazem sentido.

Entre os humanos a existência é coexistência, pelo que nos faríamos um favor se eliminássemos a palavra e o conceito de existência substituindo-o por coexistência, por como não há existência sem coexistência, nós não existimos, coexistimos.

Pensamento tridimensional
“Os filhos condicionaram a minha existência, desde que nasceram não voltei a pensar em termos individuais, faço parte de um trio inseparável”, diz Isabel Allende sobre a sua experiência familiar

Como já dissemos quando falámos da família divina, somos ao mesmo tempo um todo e uma parte. Cada uma das nossas células, mesmo sendo só uma infinitésima parte do nosso organismo, contém em si mesma por via do ADN a informação completa do nosso organismo. Foi com base neste princípio que a ovelha Dolly foi clonada. Isto é possível porque todas as nossas células são filhas do “matrimónio” entre duas metades de célula que aconteceu quando o nosso pai e a nossa mãe consumaram o matrimónio no ato conjugal.

A célula, sendo um ser vivo em si mesmo (a ameba é um ser unicelular), uma unidade, faz por outro lado parte do nosso corpo. A família, sendo uma unidade em si mesma, é uma célula de um clã; vários clãs formam uma tribo, várias tribos um povo, vários povos um país. Não há nenhum povo que não seja formado por outros povos. O ser simultaneamente, todo e parte, é inerente à natureza humana.

Porque não há vida humana fora da família, porque ao mesmo tempo somos um todo e uma parte, seres livres autónomos, indivíduos, mas também parte de uma família, de uma tribo, de um povo, de uma nação, sempre viveremos em tensão entre o individual e o comunitário. O nosso pensamento individual não pode ser individualista, mas deve ser tridimensional.

Frequentemente, quando celebro um matrimónio, digo ao noivo, “A partir de hoje, nunca mais vais beber uma cerveja sozinho”; ao que ele responde, “Mas a minha mulher não bebe…”, “Bebe sim”, digo eu, “E o teu filho bebe também. As consequências dos teus atos não vão recair só sobre ti, mas também sobre aqueles que a ti se encontram unidos triangularmente. E se as consequências dos teus atos também recaem sobre os outros, o teu pensamento deve ser tridimensional, ou seja, deves tê-los em conta e partilhar e tomar decisões em conjunto, mesmo sobre assuntos aparentemente individuais.”

Não posso ter a mentalidade de Frank Sinatra “I will do it my way”. Nem a da expressão francesa Chacun pour soi, ou da espanhola “Cada um sabe de si Dios sabe de todos”, ou da italiana “Fa per tre chi fa per se”. “Onde está o teu irmão?” pergunta Deus a Caim (Génesis 4, 3-13) - tenho que saber sempre onde está o meu irmão.

A comunicação não-violenta ensina-nos que há formas de satisfazer as nossas necessidades sem ser à custa ou em detrimento das necessidades dos outros e vice-versa. Ou todos ganham ou todos perdem, pois ninguém pode ser feliz à custa do outro. Alguém disse que um camelo é um cavalo desenhado por um grupo de pessoas.

É mais importante o processo que se segue que o resultado final. Tanto no mundo empresarial como nos negócios, saber trabalhar com os outros é muito importante porque leva a um maior bem-estar no trabalho e a uma maior produção.

Triângulo de amor ou triângulo das Bermudas
“Um pequeno passo individual e um grande salto para a humanidade” disse Neil Armstrong quando colocou o seu pé sobre a superfície lunar. O contrário também é verdade: somos todos uma família, um retrocesso individual é um retrocesso para a humanidade.          

Era uma vez dois ouriços que eram muito amigos um do outro. Era Verão e passavam o tempo a brincar. Entretanto chegou o Outono e começou a fazer frio e os ouriços deitavam-se debaixo das folhas para se abrigarem. Chegou o Inverno e as folhas não eram suficientes. Repararam então que os outros animais dormiam juntos, agarrados uns aos outros para se protegerem do frio. Acharam que era uma excelente ideia.

Porém, logo que tentaram fazê-lo, foi vê-los a correr cada um para o seu lado. Tinham-se picado um ao outro com os espinhos eriçados do seu corpo e atribuíam a culpa um ao outro... era necessário encontrar um modo de se acomodarem sem se ferirem. Noite após noite, foram-se acostumando um com ao outro. Com jeitinho, abaixavam os espinhos e deitavam-se lado a lado, entre mil cuidados, para não se ferirem.

Estamos chamados a entender-nos, não há plano B, não há alternativa, não há volta atrás. Na conquista do México, o espanhol Hernán Cortés mandou queimar as caravelas para não deixar nenhuma rota de fuga. Só restava aos seus soldados seguir em frente, se quisessem sobreviver. Um pouco desta mentalidade ser-nos-ia muito útil no Portugal de hoje, onde em cada 100 casais, 70 se divorciam.

Algum dia pra te ver/saltava trinta quintais/ hoje pra te não ver saltaria trinta ou mais – diz uma quadra popular… Lenda ou verdade, o triângulo das Bermudas é popularmente conhecido como sendo um lugar no golfo do México, onde se diz que desaparecem navios e aviões que por ali circulam. Quantos triângulos de amor se transformam em muito pouco tempo em triângulos das Bermudas, onde os indivíduos se perdem.

Pai
Poderás viver, então, do trabalho de tuas mãos, serás feliz e terás bem-estar. Salmo 127, 2

A sua ausência pode ser física, afetiva, cognitiva e espiritual. Esta carência priva os filhos de um modelo adequado de comportamento paterno. O aumento da atividade de trabalho da mulher fora de casa, não encontrou uma compensação adequada num maior compromisso do homem no âmbito doméstico. (Sínodo sobre a família 2016)

Na evolução das espécies, a figura paterna começa por não ter nenhum papel nos répteis e nos mamíferos, para começar a ter algum papel nos primatas. A figura do pai ausente é algo que ainda está nos genes da história da humanidade; o pai ausente de hoje é o mesmo pai inexistente nos primórdios da nossa evolução.

Ao contrário da mulher que se relaciona com o novo ser 9 meses antes de ele nascer, o pai está ausente deste processo, pois só colocou a semente e é sempre um pai adotivo, ausente. Sem poder sentir o mesmo que a mulher, o pai moderno acompanha passo a passo a gestação do seu filho, sente com o ouvido os seus primeiros pontapés e assiste ao parto.

É necessário que Ele cresça e que eu diminua. - João 3:30 – Parafraseando esta frase de João Batista, é necessário que a omnipresença da mãe na vida do filho diminua e aumente a presença do pai. Uma mãe galinha será uma péssima sogra que nunca cortou o cordão umbilical que se julga na posse do seu filho(a), que em vez de o empurrar para fora do ninho como fazem as andorinhas ao fim do verão com os seus filhotes, quer retê-lo e considera inimiga a nora ou o genro que lho(a) “rouba”. Os filhos não são dos pais, não foram eles que lhes deram a vida pois também já eles a receberam. Agora transmitem aos seus filhos, não dão, porque não são proprietários da vida.

Um pai ausente acaba por perder tanto a mulher como os filhos. Como a providência dos pais para com os seus filhos está assegurada pela lei, a mulher facilmente converte a ausência de facto em ausência de direito.

Para os filhos, é mais difícil ter este raciocínio, pois são sempre filhos. Um rapaz que cresce sem pai, cresce sem disciplina, sem modelo de identificação, vive confuso e perdido. A rapariga que cresce sem pai carece de uma experiência positiva com a primeira pessoa que conhece do sexo oposto. Em busca de um pai, namorará cedo demais e repetirá com muitos homens a relação que fracassou com o seu pai.

Mãe
Tua mulher será em teu lar como uma vinha fecunda. Salmo 127, 3
Uma presença mais assídua do pai, permite uma ausência mais prolongada da mãe e uma realização profissional da mesma, assim com um crescimento individual. O tempo da mulher submissa e caseira acabou e verdadeiramente já Jesus era contra os dois clichés que ao longo dos séculos escravizaram as mulheres:

A vocação da mulher é a maternidade
Naquele tempo, enquanto Jesus falava à multidão, uma mulher levantou a voz no meio da multidão e disse: «Feliz Aquela que Te trouxe no seu ventre e Te amamentou ao seu peito». Mas Jesus respondeu: «Mais felizes são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática». Lucas 11, 27-28

Jesus dá importância a este elogio e, mais importante que a maternidade física, considera que é a maternidade do discípulo, o ouvir e encarnar a palavra, coisa que Maria, sua mãe, fez tendo sido ela primeiro discípula e depois mãe. Ser mãe é algo temporário que fundamentalmente acaba quando os filhos estão criados e educados. Assim é entre os mamíferos e, de alguma forma, isto devia ser incorporado entre os humanos, pois é a ordem natural das coisas.

A mulher também está chamada a ser discípula, a realizar-se como tal, a seguir o Mestre como o fizeram os outros apóstolos varões. Ou seja, realizar-se profissionalmente. Há um lugar para ela na sociedade. Historicamente, a humanidade tem andado às voltas porque rema com um só remo, é ave que voa com uma só asa. Queremos mais mulheres nos governos e em todas as células do tecido social para o mundo ficar mais equilibrado.

O trabalho da mulher é o doméstico
“Senhor, não te preocupa que a minha irmã me deixe sozinha a servir? Diz-lhe, pois, que me venha ajudar.” O Senhor respondeu-lhe: «Marta, Marta, andas inquieta e perturbada com muitas coisas, mas uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada.” Lucas 10, 28-42

Maria aos pés do Senhor, ouvindo-O, estava numa atitude de discípulo. Jesus sobrepõe o ser discípulo ao trabalho doméstico; mais uma vez aqui a realização pessoal profissional da mulher não deve ser superada pelo trabalho doméstico.

É claro que alguém tem de o fazer e esse alguém são todos os membros de uma família: pai mãe e filhos. Cada um deve fazer o que cada um pode fazer. O mesmo se aplica aos filhos: se já podem varrer, limpar a casa, os pratos e fazer a cama devem fazê-lo. Os pais não estão a beneficiar-se a si mesmos nem os aos filhos quando os substituem nestas tarefas.

Filho(a)
Teus filhos em torno à tua mesa serão como brotos de oliveira. Salmo 127, 3

A partir do momento em que as duas metades de célula humana se unem e formam uma célula humana, forma-se algo que ninguém pode separar. A célula, como base da vida neste planeta, é indissolúvel. O átomo que é a base da matéria, pode ser separado, como de facto aconteceu, originando a energia atómica; mas a célula é inseparável, inviolável, está feita à prova de bala: podemos matá-la, mas não a dividi-la.

O aborto é crime, é uma ignomínia da humanidade. A espécie humana, que se julga tão racional, é a única entre todos os animais que mata os próprios filhos. Todos nós que hoje vivemos já fomos uma única célula e tivemos a sorte de ninguém intervir no crescimento e progresso da nossa vida até ao nascimento. O mesmo, não acontece com tantos seres humanos neste planeta que são chamados à vida, mas a quem esta lhe é tirada sem que tenham a oportunidade de a viverem como tiveram, os que os matam.

Por outro lado, é simplesmente lógico que a indissolubilidade da célula que precisa de 18 anos de amparo e proteção para vir a ser um autêntico ser humano, requeira a indissolubilidade do vínculo que lhe deu origem. O modelo de família humana só existe na espécie humana; não existe família entre os répteis, pois estes não têm infância, já nascem adultos. À medida que as espécies evoluem, a presença da família vai crescendo. Entre os mamíferos, existe um tempo em que a cria convive com a mãe e entre os primatas um tempo em que a cria convive com os pais.

O ser humano é o ser mais vulnerável à nascença e o que requer mais tempo de proteção até atingir a idade adulta. É por isso que existe a família humana. Se o ser humano nascesse adulto como os répteis, a família humana não existiria, os humanos copulariam como os répteis, mas não passariam tanto tempo juntos. Ante o divórcio, esquece-se isto que é fundamental: o bem dos filhos, a sua educação e proteção. Ao contraio as crianças são muitas vezes usadas como armas de arremesso e chantagem entre os cônjuges desavindos.

Os pais divorciados acreditam que vão ver-se livres um do outro, mas isso nunca acontece. Vão ter de lidar um com o outro para o resto das suas vidas, enquanto existir a criança a quem eles transmitiram a vida; e o mais natural será que isso aconteça por toda a sua vida. Será um encontro num cruzamento ou rotunda enquanto a criança for passar o fim de semana ou as férias com o pai ou a mãe, será a presença numa ocasião importante para esta, como uma festa de anos - o que quer que seja, a separação nunca existe verdadeiramente, pois a mesma criança fala do pai à mãe e da mãe ao pai.

Antigamente havia orfanatos, nasciam muitas crianças sem pai. Atualmente estes locais chamam-se lares e os utentes desses lares são crianças que têm pais, mas que são negligentes para com eles. Não há nenhuma instituição que possa substituir a família: quem não é amado incondicionalmente nunca amará incondicionalmente e quem não ama incondicionalmente nunca será verdadeiramente feliz, pois nunca atingirá a idade adulta. 

Nestes lares e em centros educativos, profissionais e em terapias sofisticadas, o Estado gasta, quase sem sucesso, milhões de euros enquanto que estas crianças só precisam do amor incondicional de uma mãe e de um pai, por mais ignorantes que estes sejam em educação. O amor incondicional de dois pais teria certamente mais sucesso que todos os profissionais da educação com as suas sofisticadas terapias.

Transmitir vida, até os animais conseguem fazer. Por isso hoje cada vez mais se distingue entre progenitores e pais; nem sempre os progenitores são os pais, nem sempre os pais são os progenitores. Dar à luz sem educar é como dar uma máquina a uma pessoa sem a ensinar a usá-la, sem lhe dar o livro de instruções: muito provavelmente ela vai arruinar a máquina. É isto que acontece quando se traz uma criança ao mundo sem a educar depois.

Não é invulgar encontrar bons profissionais que para além disso são pais e pensam que um filho ou uma filha é algo como um gato ou um cão e que basta que não lhe falte água e comida:

Um casal jovem, muito bem-sucedido profissionalmente, buscava numa loja uma boneca adequada para a sua filha. Mas parecia que não conseguiam encontrá-la, apesar de ser aquela a melhor loja de bonecas da região, onde se podia encontrar as mais sofisticadas que dizem Mamã e Papá e até fazem pipi.

Depois de terem analisado inúmeros exemplares e como ainda estavam indecisos, a assistente veio ter com eles e perguntou-lhes que tipo de boneca queriam para filha. “Olhe, nós somos duas pessoas muito ocupadas e passamos muito tempo fora de casa; gostaríamos de comprar à nossa filha uma boneca que a entretivesse de tal forma que não sentisse a nossa falta”. A assistente olhou para eles com um ar de desdém e disse abertamente “Desculpem, mas aqui nesta loja não vendemos pais”.

Até a amizade é trinitária
O amigo do meu amigo é meu amigo tambémProverbio português
O inimigo do meu inimigo é meu amigoProverbio inglês

Tanto o provérbio Português um sentido positivo como o inglês num sentido mais negativo e até traiçoeiro, ambos os provérbios implicam que até mesmo a amizade é de alguma forma trinitária; ou seja, nunca é uma relação que envolve apenas duas pessoas, mesmo quando ambos se tenham por o melhor amigo.

A amizade tem uma tendência inata à expansão vemos isto na sociedade quando um amigo pede a outro um favor, emprego ou posição social para outro amigo ou familiar. Certos empregos e posições sociais são muitas vezes conseguidos não por via de habilitações ou qualificações académicas ou competência, mas por amizades.
Pe. Jorge Amaro, IMC








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