1 de janeiro de 2018

CNV - A linguagem da paz

Um dos logotipos da CNV
Eu vim para que tenham vida e a tenham abundantemente. João 10, 10

Ano Novo, vida nova” – Fazendo jus ao provérbio, vou escrever, este ano, sobre uma nova forma de viver que quero progressivamente adotar à medida que investigo e escrevo sobre ela. Não me custa admitir que esta é, provavelmente, a razão principal pela qual decidi escolher este tema para o blogue de 2018. 

Investigo e escrevo sobre este assunto, para me convencer a mim mesmo de que, até agora, vivi de uma forma errada, pelo que este ano será para mim o noviciado nesta outra forma alternativa de viver. Se, com estas letras, alguém mais chegar à mesma conclusão que eu, tanto melhor. Como dizia Mahatma Gandhi: “Se não encarnarmos, ou não nos tornarmos na mudança que queremos ver no mundo, nunca no mundo haverá mudança”. 

O tema chama-se CNV (Comunicação Não-Violenta) mais conhecido em inglês por NVC, (Non-Violent Communication) - Tomei conhecimento desta técnica num curso de Bíblia que fiz em Jerusalém, e rapidamente me dei conta do potencial que esta teoria tem para transformar a vida das pessoas, da sociedade e do mundo.

No entender do seu fundador, Marshall Rosenberg, CNV não é somente uma forma de comunicar, nem se refere apenas à não-violência. Mais que uma simples teoria ou técnica, CNV é toda uma nova filosofia de vida e uma nova língua, que tem como base uma nova cosmovisão ou forma de ver, pensar e sentir a vida e tudo o que a ela se refere.

Marshall Rosenberg, judeu norte-americano, formou-se em Psicologia Clínica e, ao iniciar a sua carreira de psicoterapeuta, rapidamente deu conta de que a Análise e a Psicanálise e o Diagnóstico da ira ou de outros problemas psicológicos que as pessoas lhe apresentavam não levavam à mudança que ele e as pessoas desejavam. Rosenberg percebeu que o problema era mais sistémico do que individual, e que a solução do mesmo deveria, também, ser sistémica.

A comunicação não-violenta pretende ser uma forma alternativa de comunicação, uma linguagem nova para enfrentar o problema da violência individual e social, e criar uma nova civilização, um mundo novo - O reino de Deus em termos cristãos. A linguagem que temos vindo a utilizar desde o começo da civilização humana é violenta, porque nós somos violentos, não por natureza, mas por educação. Somos violentos, porque nascemos, crescemos e somos educados numa sociedade cujas estruturas e instituições sociais assentam numa cosmovisão e numa cultura violentas.

O sucesso do uso de técnicas de CNV em psicoterapia catapultou Rosenberg para fazer workshops e, assim, atingir mais gente. Desde então, o fundador de CNV tem viajado por todo o mundo, ensinando e levando as pessoas a falar esta nova língua, sobretudo em zonas de conflito. O sucesso tem sido enorme. Todas as pessoas que entram em contacto com CNV dão-se conta de que têm vivido no erro, e sorriem esperançadamente ante a possibilidade de viver de uma forma mais plena, mais genuína e mais feliz.

Como somos chamados a viver
Como eleitos de Deus, santos e amados, revesti-vos, pois, de sentimentos de compaixão, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se alguém tiver razão de queixa contra outro. Tal como o Senhor vos perdoou, fazei-o vós também. Colossenses 3, 12-13

Rosenberg, ao dar-se conta de que lidava com um assunto global, sentiu surgir no seu interior uma pergunta: como somos chamados a viver? Atendendo a que esta pergunta não podia ser respondida no âmbito da psicologia, recorreu às religiões. Em todas elas encontrou a palavra compaixão; somos chamados a viver compassivamente connosco mesmos e com os outros.

Na tradição Judaico-Cristã, a compaixão que Deus tem do seu povo é incondicional (Isaías 54, 10). Para Jesus, é um sentimento natural a Sua compaixão pelas pessoas com quem se cruzava na Sua vida; assim, Jesus sentiu compaixão pelas multidões que andavam como ovelhas sem pastor (Mateus 9, 35-38). Sentiu compaixão pelos dois cegos à beira da estrada da vida sem poderem participar nela plenamente (Mateus 20, 29-34).

Os conceitos e as ferramentas de comunicação não-violenta são projetados para nos ajudar a pensar, ouvir e falar de forma a despertar a compaixão e a generosidade dentro de nós mesmos e para com os outros. A comunicação não-violenta ajuda-nos a interagir uns com os outros de forma a sentirmo-nos mais vivos, genuínos e solidários.

A forma de pensar e as técnicas necessárias para viver compassivamente são muito diferentes daquelas nas quais fomos educados ao longo dos séculos.

Como temos vivido
Longe de comunicarmos compassivamente connosco mesmos e com os outros, sem nos apercebermos, a nossa linguagem é ofensiva e violenta: fere, causa e alimenta conflitos. A linguagem que a maior parte dos seres humanos usa é uma linguagem estática, baseada no uso e no abuso de um verbo estático, como o verbo “ser”, usado para julgar, interpretar, diagnosticar, classificar e rotular as pessoas com as quais se relaciona. Temos o mau hábito de apontar defeitos às pessoas, dizendo-lhes qual é o seu problema e dando-lhes conselhos sobre como deveriam comportar-se.

Desde tempos imemoráveis, nós, seres humanos, usamos uma linguagem que promove o conflito interno e externo, a guerra fria ou aberta, a agressividade passiva ou explosiva e assim vivemos num mundo de explorados e exploradores, mestres e escravos, dominados e dominadores - nem uns, nem outros são felizes. Não vive em paz quem promove nem quem sofre a guerra; como diz o povo, “Quem vai à guerra dá e leva”.

Fomos educados em estruturas de poder nas quais alguns se julgam superiores aos outros, arrebatando para si a prerrogativa do bem e do mal, do certo e do errado, do justo ou injusto, adequado ou inadequado. Bons são os que se submetem e obedecem às regras por eles impostas; maus são, os insubmissos e os que se rebelam. A justiça deste mundo é retributiva; os bons, os que obedecem, são premiados e os maus, os que desobedecem, são castigados. A CNV confronta e expõe a falácia da linguagem e dos comportamentos que estão subjacentes a esta cosmovisão.

Uma linguagem que avalia e rotula
São raras as vezes em que observamos e referimos o observado sem opinar, avaliar e julgar o que observamos. A nossa cultura abusa em demasia do verbo “ser”, pois estamos viciados em rotular e encaixilhar tudo o que observamos. Porque um matou um cão, já todos o chamam mata-cães e, assim sucessivamente, colocamos etiquetas em tudo e todos os que observamos: fulano é egoísta, preguiçoso, vaidoso, cruel, mentiroso…

O uso e abuso do verbo “ser” amarra as pessoas a uma identidade estática, impede-as de crescer, de mudar, de serem elas mesmas. Com o tempo, os nossos olhos enevoam-se com as cataratas dos preconceitos que nos vão cegando, pouco a pouco, para a realidade tal como ela é, acabamos por ver apenas o que queremos ver, e ouvir apenas o que queremos ouvir.

Uma linguagem que nega responsabilidade e capacidade de escolha
O uso e abuso, com os outros e connosco mesmos, de expressões como: “Eu tenho de fazer isto ou aquilo” quer goste ou quer não goste; “É meu dever fazer tal coisa…” retira-nos a liberdade e faz de nós escravos de um dever, de algo que não é da nossa escolha.

A negação ou abdicação da nossa capacidade de escolha e de decisão, tem como consequência imediata, a negação de responsabilidade pelos atos praticados. Como não é da nossa escolha, não respondemos nem nos sentimos responsáveis pelo que fazemos.

Ao abrigo deste constructo mental se assassinaram milhões de judeus nas câmaras de gás durante a Segunda Guerra Mundial; os que os mataram defenderam-se em tribunal, dizendo que apenas obedeciam a ordens - desta forma se dessensibilizavam da crueldade que era preciso ter para fazerem o que fizeram. Hoje, usamos a mesma técnica quando dizemos: são ordens superiores, é a regra, é a constituição, é a política da empresa.

Uma linguagem coerciva que intimida com castigos
Uma linguagem coerciva que intimida com castigos
As pessoas que são obrigadas a fazerem o que quer que seja por medo de serem castigadas, por vergonha ou por sentimentos de culpa sentem-se constrangidas, ao dar-se conta de que alguém as pode castigar e fazer sofrer, se não fazem o que lhes é ordenado.

Os que foram obrigados a determinado tipo de tarefa, podem até realizá-la bem, mas o custo a pagar, tanto pelo que obedeceu, sentindo-se coagido, como pelo que ordenou, intimidando com castigos, é muito alto, porque a violência só pode gerar violência. Por esta via nunca se chega ao dar e receber compassivamente.

Uma linguagem que seduz com prémios
O mesmo pode ser dito quando a tarefa a realizar, está motivada por um prémio que ansiamos e prevemos receber. Também neste caso, o motivo não é a compaixão, a alegria de contribuir para o bem dos outros. Fazer algo para receber um prémio não provém daquela energia que tem por objetivo enriquecer a nossa vida e a dos outros.

Quem faz para receber, deixa de fazer, se deixar de receber; ao passo que, “quem corre por gosto, não cansa”. Tão violentas são as tarefas motivadas por prémios como as motivadas por castigos; como nem umas nem outras são voluntárias, ou seja, por livre opção, não enriquecem a vida nem de quem as ordena nem de quem as executa; ao contrário empobrece a vida de ambos pois estabelecem relações humanas de desigualdade que, por sua vez, geram ainda mais violência.

Viver compassivamente
A linguagem é a interação entre palavras e conceitos; a inteligência é a interação entre neurónios. Ao longo de milhões de anos de evolução da humanidade, a linguagem e a inteligência evoluíram paralelamente. É impensável a inteligência sem a linguagem e a linguagem sem a inteligência; mesmo assim, não é a questão do ovo e da galinha. O bebé aprende a falar e com esta aprendizagem é, ao mesmo tempo, educado; a educação não seria possível sem o uso da linguagem.

Poderíamos equacionar mudar de vida e depois, e só depois, aprender uma nova linguagem que se adequasse a essa nova forma de viver; mas tal como o bebé é educado ao mesmo tempo que aprende a falar, convertamo-nos, ou seja, assimilemos a nova cosmovisão e a nova forma de viver, ao adotar e usar connosco próprios e com os outros, a nova língua que lhe subjaze.

Aprendamos e adotemos a linguagem da não violência que o resto virá por acréscimo. Foi disso que Rosenberg se deu conta, pelo que abandonou a psicoterapia e começou a fazer workshops de cidade em cidade, ensinando esta nova língua. Todos os que a aprenderam viram os seus problemas resolvidos sem os resolverem e experimentaram uma “metanoia” - mudança de mentalidade - seguida de uma mudança de vida e entendimento dessa mesma a vida, sem necessidade de nenhuma psicoterapia baseada na análise ou na psicanálise.

Subjacente a toda a ação humana, estão as necessidades que todas as pessoas buscam satisfazer; a compreensão e o reconhecimento destas necessidades pode levar à criação de uma base compartilhada para uma maior conexão e cooperação entre indivíduos e assim contribuir de forma, definitiva e mais global para a paz.
Pe. Jorge Amaro, IMC

5 comentários:

  1. Maravilhosa partilha ,desejo-lhe um 2018 muito abençoado ,um abraço amigo Jorge

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  2. ...o convite está feito...
    "Somos chamados a viver compassivamente connosco mesmos e com os outros"
    O mundo será melhor se eu,tu,nós decidirmos ser melhores.
    Obrigada Pe.Jorge pelo seu empenho em nos ajudar a refletir sobre um tema tão oportuno....aguardando o próximo...até lá vamos saboreando o primeiro.
    BOM ANO.

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  3. Depois de ler,reler e refletir neste tema,sinto-me no dever de o partilhar contodos aqueles que me rodeiam.
    Mais uma vez Pe Jorge obrigada por me ajudar a viver mais ao jeito de Jesus.

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  4. Depois de ler,reler e refletir neste tema,sinto-me no dever de o partilhar contodos aqueles que me rodeiam.
    Mais uma vez Pe Jorge obrigada por me ajudar a viver mais ao jeito de Jesus.

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