Depois de expor, em artigos anteriores, os votos de pobreza e castidade, completo o tripé sobre o qual assenta a vida religiosa reflectindo sobre o voto de obediência. O religioso está chamado a ser um farol, a guiar os seus semelhantes para o Céu vivendo, no aqui e agora, a mesma vida que se viverá no céu eternamente; está chamado a encarnar os valores do Reino e a guiar a humanidade nas relações: riqueza-desprendimento com a sua vivência do volto de pobreza; amor-sexo com a sua vivência do voto de castidade; e poder-liberdade-fidelidade com o voto de obediência.
Conhecer a verdade
Se permanecerdes fiéis à minha mensagem, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres. João 8 31-32
Administradores, não proprietários – Na Igreja é-nos dito que a vida não é nossa, que é um dom de Deus; nós não fizemos nada para a ter, nem fomos consultados se queríamos ou não viver. Na sua totalidade a vida é de facto um dom. Mas por quanto respeita à primeira parte desta vida, o tempo em que vivemos na terra, ela mais que dom é empréstimo. No livro do Genesis diz que Deus fez um boneco de barro e que lhe soprou nas narinas e que aquele começou a viver. Mas da mesma forma que sopra, retira esse sopro divino quando morremos.
Que a vida é um empréstimo está claro na parábola dos talentos. Todo o empréstimo deve render juros; a nossa vida tem que dar lucro; tem que ser produtiva; pode não ser reprodutiva, mas tem de ser produtiva. Temos de deixar neste mundo mais do que o que cá encontramos; temos de fazer a diferença, ser parte da solução e não parte do problema; que a nossa vida seja um contributo para a solução, para um mundo melhor, e não um contributo para a o problema, ou seja um mundo pior do que era antes de cá chegarmos. Como sugere a parábola dos talentos, temos de fazer algo com a nossa vida, não a podemos entregar tal qual a recebemos.
Todo o bom administrador tem os “livros” em dia pois não sabe nem o dia nem a hora em que, o patrão ou um fiscal do governo, pode vir inspeccionar as suas contas. Por isso devemos de fazer relatórios periódicos da nossa administração. Para isso a Igreja tem um sacramento, o sacramento da penitência; os que recorrem a este sacramento, prestam periodicamente contas das entradas e das saídas, e assim sabem se estão a crescer economicamente ou se estão a caminhar para a banca rota. É também um exercício de autocrítica, imprescindível para o crescimento como pessoa a todos os níveis.
Construtores, não arquitectos - Toda a pessoa que vem a este mundo vem com um projecto. Vem porque Deus assim o quis. As circunstâncias do seu nascimento não interessam: nem retiram nem acrescentam dignidade. Tão filho de Deus é o nascido por amor como o nascido por acidente, o nascido de prostituta, o nascido de uma noite de prazer e até o nascido de uma violação; toda a vida humana que vem a este mundo, desde a sua concepção até à morte natural, é viável e portanto inviolável.
Deus escreve direito por linhas tortas. Para os seus desígnios serve-se tanto do nossos bem como do nosso mal. Para Ele não há filhos ilegítimos nem de sangue azul; para todos é Pai; todos, iguais em dignidade, são herdeiros da vida eterna.
Assim como não se constrói nenhuma casa, nas nossas cidades e aldeias, antes de ser devidamente desenhada e projectada, nenhuma vida vem a este mundo sem que Deus tenha traçado para ela um projecto; sem que Ele tenha desenhado um plano.
Não fostes vós que me escolhestes; fui Eu que vos escolhi a vós e vos destinei a ir e a dar fruto, e fruto que permaneça Jo 15, 16 - Não somos portanto nós que desenhamos o nosso destino; estamos chamados a ser uma casa construída sobre a rocha, se ouvirmos a palavra, ou seja, se conhecermos o plano que diz respeito à nossa vida e o pusermos em prática, se o executarmos tal e qual ele está desenhado.
Como não somos proprietários da nossa vida também não somos os seus arquitectos, mas sim os seus pedreiros ou mestre-de-obras. O arquitecto de tudo e de todos, o criador é Deus; o desenho, o projecto, ou plano da nossa vida está com ele, para o conhecermos temos de o consultar periodicamente, à medida que vamos construindo a nossa vida, a nossa casa.
O construtor que não consulta o arquitecto periodicamente corre o risco de construir algo que não está de acordo com o projecto. Como é embaraçoso sempre que isto acontece nas nossas cidades, casas às quais não é dada a autorização para serem habitadas, chegando mesmo a ser destruídas, porque não foram edificadas em conformidade com o desenho: Pior embaraço é apresentar-se diante de Deus com uma vida vivida contra a sua vontade.
A consulta periódica, contínua e constante que o construtor deve fazer ao arquitecto chama-se oração. Jesus passava noites inteiras em oração para saber qual era a vontade de Deus a seu respeito. Outro tanto devemos fazer nós, pois é a sua vontade e não a nossa que devemos actuar. É Ele que nos chama, que nos dá a vocação e os talentos suficientes para que a nossa vida seja viável; numa profissão ou numa missão.
Como o construtor só pede as instruções para o alicerce, se está nos alicerces, e não para o telhado, pois ainda não chegou o tempo de o construir, a oração deve ser um processo contínuo e constante que acompanha a construção a par e passo. A visão da totalidade e do conjunto, o desenho assim como a maqueta do plano, só Deus a tem e só no fim a veremos e seremos confrontados com ela e por ela. Quem nunca reza, nunca sabe qual é o plano de Deus a seu respeito.
O verdadeiro discípulo de Cristo é um obediente, pois já o mestre era obediente ao Pai. Quem me ama cumpre os meus mandamentos; o discípulo é o que que ouve a palavra e a põe em prática. Permanecer fiéis à mensagem do mestre, significa portanto obedecer aos ditames dessa mensagem.
A verdade leva à liberdade, a liberdade leva à verdade
Dominar-se a si mesmo é o maior dos impérios…
Como pode alguém dizer-se livre se é governado pelos próprios prazeres? Sócrates
Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Jo 14, 6
Antes de nos podermos submeter a um projecto traçado por Deus e ser um contributo real para o mundo; antes de nos podermos entregar, de alma e de coração, a esse projecto pelo qual nos doamos a nós mesmos ao serviço de uma causa, temos de nos possuir: ninguém dá o que não tem, se não nos possuímos não nos podemos doar.
Para nos podermos possuir temos de submeter dentro de nós forças antagónicas, que não obedecem à nossa razão; temos de chegar a ser senhores de nós mesmos, vencendo a guerra civil que todo homem tem dentro de si.
Ao repreendermos um adolescente é frequente ouvirmos: “eu posso fazer o que quero com a minha vida”; muitas vezes os que assim dizem são, precisamente, os que menos poder têm para fazer com a própria vida o que querem. Não existe liberdade para… sem liberdade de… Não somos livres para fazer o que quer que seja se não nos possuímos interiormente; se não estamos livres de vícios, maus hábitos, manias e todo tipo de comportamentos repetitivos, obsessivos e excêntricos, que mais que a nossa inteligência, governam a nossa vida do dia-a-dia e a cada momento decidem o que fazer.
Um homem pode deixar que um mau hábito se assenhoreie dele, de tal forma que não consiga libertar-se. Pode deixar-se amarrar e dominar por um prazer, de tal forma que não tenha força para se soltar. Completamente escravizado pela auto-indulgência, uma pessoa pode chegar à esquizofrenia de, ao mesmo tempo, amar e odiar os seus maus hábitos. O que foi apanhado na rede, na teia do vício perdeu por completo o poder para fazer o que quer. Como diz Jesus ninguém que peca pode dizer que é livre.
A liberdade é para a alma o que o pão é para o corpo. Mas se a liberdade é um valor humano, como todos os outros valores, não é algo com o qual nascemos mas sim algo que vamos conquistando com esforço, sangue, suor e lágrimas.
Uma vida em Presente Prefeito
Assim, o que realizo, não o entendo; pois não é o que quero que pratico, mas o que eu odeio (…) Ora, se o que eu não quero é que faço, então já não sou eu que o realizo, mas o pecado que habita em mim. (…) Quero fazer o bem, mas é o mal que eu não quero, que acabo por fazer. Rom. 7:15-21
Para nos podermos possuir temos de nos conhecer. Em termos de gramática é uma ilusão pensar que a nossa vida decorre no Presente simples, quando 90% do nosso comportamento é influenciado pelo nosso passado. Na realidade, o tempo do verbo em que vivemos é o Presente Prefeito (que não existe em português e que se refere a uma acção que começou no passado e continua no presente).
Vivemos num presente que é frequentemente invadido pelos assuntos não resolvidos do nosso passado. Um passado do qual não somos conscientes, mas que continua a reproduzir-se no nosso presente quando, alheio à nossa vontade, alguma circunstância ou evento o acciona. Desta forma temos a impressão de que caminhamos por um terreno minado e que sem querer podemos accionar uma bomba, ou que funcionamos e nos comportamos em piloto automático.
Conhece-te a ti mesmo – A máxima socrática soa aqui em toda a sua exuberância. Só posso aspirar a ser livre, a possuir-me a mim mesmo para me poder doar se me conhecer. O que conheço de mim mesmo posso controlar, pois todo o conhecimento implica controlo; o que não conheço de mim mesmo controla-me, e alheio à minha vontade, faz-me viver preso a um piloto automático.
A nossa verdade, a nossa identidade, tem uma dimensão histórica, é algo que tem vindo a ser construído. Por isso, tal como as árvores que precisam de crescer para baixo, a fim de poderem crescer para cima, também nós, para podermos crescer como pessoas, temos de visitar o nosso passado.
Como a árvore estende as suas raízes em profundidade para encontrar alimento, assim nós devemos estender o nosso conhecimento, até ao princípio da nossa vida, a fim de compreender totalmente como chegamos a ser o que somos, e assim estar capacitados para nos tornarmos no que Deus nos chama a ser.
Depois de nos apropriamos do nosso passado, e sermos conscientes de tudo o que de bom e de mau fizemos ou nos aconteceu, devemos fugir à tentação de negar, o que quer que seja, e assumir e fazer-se responsáveis da nossa história.
…Conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres. Porque conhecemos a verdade do nosso passado, e dele nos fazemos responsáveis, temos agora poder para controlar a sua influência no nosso presente. Desta feita, já não andamos sobre um terreno minado, nem somos conduzidos na vida por um piloto automático; somos livres porque o nosso comportamento é directamente decidido pela nossa razão. Assim podemos agora dispor do nosso tempo e energias e comprometê-los numa causa da nossa escolha.
Pe. Jorge Amaro, IMC
Um momento cheio de ensinamentos que nos fazem pensar aquilo quem seremos ,que fazemos neste mundo ,que queremos ou procuramos nesta vida ,perguntas que nos fazem sentir tantas vezes impotentes perante a nossa pequenez e a grandeza da sua obra ,que sejamos a semente do fruto do amanhã ,um grande abraço
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