15 de junho de 2015

Castidadde como segunda inocência

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Há eunucos que nasceram assim do seio materno, há os que se tornaram eunucos, pela interferência dos homens, e há aqueles que se fizeram eunucos a si mesmos, por amor do Reino do Céu. Quem puder compreender, compreenda. Mateus 19, 12

"Ainda sou virgem!", "Já não sou virgem!"
Pelo tom de voz e o enfase utilizados quando um/a jovem afirma: “Ainda sou virgem”, ou “Já não sou virgem” descobrimos de imediato a forma como conceptualiza e vive a sua sexualidade. Seja com tristeza ou com orgulho como de facto são ditas estas duas expressões, ambas denotam vários mal entendidos com respeito à sexualidade e a virgindade.

O primeiro acto sexual marca fisicamente, psicologicamente e até culturalmente uma mulher de uma forma diferente de um homem:
Fisicamente – A mulher perde o hímen, pelo que deixa de ser fisicamente, ou tecnicamente virgem; o homem nada perde e nada ganha neste aspecto.

Psicologicamente – Para ambos, o acto pode ter sido positivo, se foi vivido no contexto de amor, ou negativo, se foi buscado só por prazer, e até traumático, se foi induzido por violência.

Culturalmente – A cultura patriarcal, ainda dominante em todo o mundo, olha para o primeiro acto sexual de uma forma inócua ou até positiva no caso do varão, negativa e até estigmatizante no caso da mulher.

Para muitas pessoas, a virgindade ou castidade é algo que é tão permanente como um castelo de areia, à espera de render-se às ondas do casamento, 'defendido' até à realização deste ou simplesmente para evitar problemas. Com o casamento, o castelo deixa de existir e portanto não precisa de ser defendido.

A virgindade, como sinónimo de castidade, é um valor e uma virtude tanto para varões como para mulheres, e é vivida por ambos de igual forma; não é portanto física, nem algo que se possui à nascença e logo se perde para nunca se voltar a ter. Os valores e virtudes que nos caracterizam e dão forma e sentido à nossa vida não são inatos, nem se possuem naturalmente, pelo contrário, são o resultado de uma rigorosa disciplina e esforço pessoais com a ajuda da graça de Deus.

Sigmund Freud provou que a castidade, pureza ou virgindade, da criança é um mito; longe de viver num estado de pureza, o bebé vive num habitat de luxúria, sem censura, com formas muito subtis de auto-satisfação sexual. É só pelo quarto, quinto e sexto ano de vida que, através da educação, a criança aprende a estar em conformidade e a viver dentro de certas normas de decência.

A partir desse momento, até a idade de 12, a 'castidade' parece ser a morada natural das crianças. Com o início da puberdade, pouco a pouco, a natureza parece voltar em força e reivindicar os seus direitos.

Escravos da liberdade sexual
Com os estudos de Freud, Wilhelm Reich e outros de finais do século XIX e a revolução sexual dos anos sessenta, em pouco tempo passamos de uma visão negativa, puritana e maniqueia, da sexualidade a uma visão da sexualidade livre de todo e qualquer constrangimento moral. A sociedade actual prostituiu o sexo, entendendo-o como um bem de consumo e usando-o subliminarmente na publicidade do que quer que seja; desta forma conseguiu desligá-lo da reprodução, do amor e até da responsabilidade, fazendo passar a ideia de que fazer sexo é como beber um copo de água. Nem o risco da sida, e outras doenças sexualmente transmissíveis dos anos oitenta, conseguiu parar esta tendência liberal permissiva.

A sociedade está de tal maneira erotizada e permissiva que a todos resulta difícil ser casto, e muito mais àqueles adolescentes e jovens que estão despertando para as vicissitudes do desejo sexual, ou 'libido', como Freud lhe chamou. A primeira experiencia sexual é cada vez mais cedo e muitos, apesar de fisicamente estarem preparados para ela, não o estão psicologicamente, moralmente e espiritualmente.

Os resultados estão à vista de todos: um grau de promiscuidade elevado que leva tanto ao rompimento dos vínculos existentes, 51% de divórcios no nosso país, como ao optar por viver juntos, em vez de casar.

São cada vez menos os que conseguem passar da pureza e inocência da infância à castidade adulta e madura sem passar por experiências sexuais negativas, traumatizantes e estigmatizantes; são cada vez mais são os que aprendem com os erros cometidos, tal como o filho pródigo da parábola de Jesus. Estes têm uma experiencia semelhante à de Adão e Eva, expulsos do paraíso, da inocência por desobediência. No entanto, o poder salvador de Jesus a todos consegue uma segunda oportunidade, uma segunda inocência.

De prostituta a virgem
Em verdade vos digo: Se não voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no Reino do Céu. Mateus 18, 2

Há valores e virtudes que as crianças têm naturalmente e que nós adultos, por preceito de Jesus, estamos chamados a adquirir para entrar no reino dos Ceus; para que isso aconteça, de alguma forma, temos de nascer de novo, como Jesus aconselhava a Nicodemos. Quando Jesus diz bem-aventurados os pobres, não se refere aos que nascerem e vivem pobremente, devido às suas condições económicas e financeiras, mas sim aos que podendo ser ricos decidiram ser pobres; ou seja trocaram a riqueza material pela riqueza espiritual.

O mesmo sucede com o valor da inocência, virgindade, ou castidade pelo Reino dos Céus; não se trata da inocência ou virgindade inata, em virtude da ignorância e falta de experiencia num tempo em que as hormonas sexuais testosterona e a progesterona não estavam no seu auge de produção; trata-se de uma virtude adquirida pela graça de Deus, pela oração e pelo esforço diário.

O filho pródigo e Maria Madalena aprendem o que é o 'amor verdadeiro' depois de terem experimentado algo que parecia ser amor, mas não era. Depois de conhecer a Cristo, aquela a quem alguns estudiosos se referiam com sendo prostituta, torna-se uma virgem por ter seguido o mestre. Da mesma forma o filho pródigo, só entende o que é o amor e liberdade verdadeiros depois de ter abusado, de ambos estes valores, e ter sofrido as consequências.

Os virgens e as virgens pelo reino dos Ceus são os que, qualquer que seja o seu passado, escolhem prescindir da expressão física do amor, que leva à constituição de uma pequena família humana, para se colocar ao serviço da grande família humana. Escolhem ser e viver como Jesus, o seu mestre e o seu Senhor, que também foi virgem para dedicar ao Reino dos Céus o melhor de si mesmo, todo o seu ser, o seu tempo e as suas energias.
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de junho de 2015

Castidade como sublimação de energia

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A fórmula da Vida humana
A minha paixão por simplificar as coisas, levou-me a pensar numa fórmula para a vida humana; usando o grego, por tradicionalmente ser a língua da ciência, achei que a vida humana era igual ao somatório de quatro diferentes elementos ou dimensões: Eros + Thanatos + Cronos + Logos.

Eros & Tânatos - Instinto de Vida e Instinto de Morte, afectividade e agressividade, são em linguagem freudiana o polo positivo e o polo negativo da energia humana;

Cronos - É a dimensão do tempo; somos um ser espácio temporal; ocupamos um espaço durante um tempo, que corresponde aos anos que nos são dados a viver;

Logos - Refere-se à autoconsciência que temos de que estamos vivos e possuímos uma liberdade, mais ou menos relativa, para fazermos o que quisermos com a vida. Os animais e as plantas são tempo e energia regulados pela natureza, como não sabem que existem também não têm poder sobre a sua existência. No exercício da nossa liberdade, Logos é a nossa opção fundamental, é o que decidimos fazer com a nossa vida; a quê e a quem vamos dedicar todos, e cada um, dos nossos dias.

A energia da vida humana
Eros & Tânatos, instinto de vida instinto e de morte, afectividade e agressividade, ying e yang, a força centrípeta e centrífuga, o amor e o ódio, polos positivo e negativo da electricidade ou energia com que fazemos tudo o que fazemos. Sem energia nada funciona, numa sociedade, o mesmo acontece connosco.

No ser humano todos os seus actos deveriam ser inspirados e decididos pelo Logos, pela razão; mas a verdade é que o instinto, de Eros & Tânatos, não só provê a energia para a realização de todos os actos, que a razão determina, como motiva, alimenta e orienta muitos outros que se subtraem ao poder da razão; apesar dos milhões de anos de evolução desde a animalidade, o nosso comportamento é mais movido pelo instinto do que gostaríamos de admitir.

Todos os actos humanos têm uma mistura de afectividade e agressividade, mesmo os mais polarizados, tanto na afectividade, como a educação, como na agressividade, como a guerra, há sempre um pouco do polo contrário; como há um pouco de feminidade num homem e um pouco de masculinidade numa mulher. É óbvio que a educação de um filho, pelos seus pais, tem mais de afectividade que de agressividade e no entanto uma educação só afectiva teria a tendência de ser paternalista. Na educação de uma criança a afectividade, os prémios e as caricias, devem ser doseadas com alguma agressividade, castigos e disciplina.

Sublimação
No seu livro, “O mal-estar da Civilização”, Freud defende que tanto a agressividade como a afectividade desbocadas, ou seja, abandonadas a si mesmas, têm um potencial destrutivo incomensurável; podem destruir o que ajudaram a construir. O ser humano abandonou a animalidade quando ganhou poder sobre estas duas forças, quando as conseguiu domesticar, quando lhes colocou rédeas para as aproveitar positivamente.

Desta forma, o Tabu do Incesto funcionou como o “cabresto” do Eros - afectividade – instinto de vida, proibindo as relações sexuais entre pessoas ligadas por laços de sangue. Sem esta proibição a consanguinidade acabaria com a raça humana. A regra “olho por olho, dente por dente” (que pertence ao código de leis mais antigo do mundo, o código Hamurabi) funcionou como o “cabresto” do Thanatos – agressividade - instinto de morte para limitar a natureza da violência que, de por si, deixada livre, tende a escalar e alastrar-se descontroladamente levando à destruição.

Sublimar significa desviar, substituir ou modificar a expressão natural de um impulso ou instinto para uma expressão que é socialmente e culturalmente aceitável e construtiva. O exemplo de uma energia destrutiva transformada numa energia construtiva é a transformação de um touro, de touradas, num boi que lavra a terra e puxa uma carroça.

Vistas as coisas sob este prisma, a civilização humana pode ser considerada como uma história da sublimação do Eros & Tânatos, ou seja o uso inteligente que a humanidade fez destas forças ou instintos básicos. Da mesma forma, a nossa própria história pessoal consiste também nos esforços para desviar o nosso afecto e agressão naturais de seu alvo natural e primordial, a fim de promover o cultivo dos valores humanos.

A Castidade como desvio de energia
Em consonância com essa forma de pensar, o voto religioso de castidade consiste em desviar a afeição natural do homem e da mulher do seu objecto primordial, casar e ter filhos, canalizando-a para uma finalidade mais cultural. Sacerdotes, religiosos e religiosas escolhem não ter esposas e maridos a fim de estabelecer uma fraternidade mais ampla; Optam por não reproduzir-se biologicamente, e ter filhos próprios, a fim de ampliar e estender a sua paternidade e maternidade para além dos laços de sangue.

O dar à luz uma criança, ou contribuir com material genético, faz de uma pessoa um progenitor, não, de per se, um pai e uma mãe verdadeiros. Há autênticos pais que não são progenitores e progenitores que não são pais autênticos. A verdadeira paternidade envolve a dedicação completa, o dom de si mesmo aos filhos, o acompanhamento contínuo e constante até eles se tornarem adultos, e a valentia de cortar o cordão umbilical e de lhes dar o seu espaço e liberdade, quando eventualmente se tornam adultos. A este respeito, ninguém negaria a maternidade de Madre Teresa, mesmo sabendo que ela nunca deu à luz.

Considerando o facto de que, ao longo da evolução, os laços familiares têm tido mais que ver com o instinto que com o puro afecto, podemos concluir que uma sociedade, em que a interacção social se baseie unicamente em relações de família, será sempre muito fragmentada e frágil. Uma irmandade e paternidade que se estende para além dos limites dos laços de sangue, pode ser um elo de união ou cimento entre famílias; mais concretamente, pode ajudar a resolver os conflitos que surgem entre famílias rivais e contribuir para a paz e bom entendimento entre todos, tal como a cartilagem entre os ossos permite um funcionamento das articulações, evitando que osso toque osso o qual causaria dor.

Recapitulando, o curso natural do impulso amoroso é a formação de uma família, onde as relações se baseiam nos laços de sangue. A castidade sublima, ou desvia, o mesmo impulso do seu fim natural para lhe dar um fim cultural - a fraternidade universal. O amor entre pessoas que não estão ligadas entre si, por laços de sangue, actua como elemento unificador da sociedade.

Marcuse chamou a isto, “erotismo difuso” e Freud chamou-lhe, “um impulso amoroso cortado (“castrado”) do seu objectivo primordial, e dá o exemplo de São Francisco de Assis como sendo o homem que melhor sublimou a sua energia de Eros; o homem que mais e melhor partido tirou dela ao universalizar o seu eros, o seu afecto irmanando-se com toda a criação, tratando tudo e todos como irmãos e irmãs: o irmão sol, a irmã Lua, até os seus antagónicos, o irmão lobo e a irmã morte.

Alguns diriam que este conceito de amor não é natural. Na verdade, não é porque transcende a natureza, mas, nesse mesmo sentido, toda a cultura humana se opõe à natureza. De facto o que é verdadeiramente natural no Homem não é o que é dado pela natureza, mas o que ele mesmo alcança através da sua mente criativa.

A Castidade é como uma barragem
O Amor dentro do voto de castidade pode ser comparado a uma barragem. A Natureza não cria barragens, os rios correm em vales entre montanhas, ou abrindo grandes sulcos em planaltos desertos, e a sua água volta ao mar de onde saiu sem nenhum aproveitamento. Com a construção de uma barragem, o nível de água sobe a ponto de poder irrigar os campos e transformar um deserto num oásis, criando e alimentando uma sociedade agrícola e rural; por outro lado pode também ser aproveitada para fazer energia eléctrica, criando e alimentando cidades industriais onde floresce a cultura urbana.

É claro que a barragem reprime, e comprime, a água impedindo o seu fluxo natural; por isso as suas paredes têm de ser fortes e côncavas. Por outro lado, feita nos limites do possível, a mais-valia e os benefícios que se obtém da força da motriz da água para produzir energia, e da sua canalização para a irrigação, justificam plenamente a sua represa ou repressão.

Tal como as paredes côncavas e fortes da barragem, a sublimação do Eros requer que a pessoa possua um caracter forte e robusto, para conter o impulso natural do Eros que se manifesta no desejo sexual e na paternidade natural, e poder assim canalizar a sua energia para uma paternidade e irmandade mais universal. O bem que se faz aos outros, no contexto desta paternidade e irmandade universal, ecoa em nós em forma de alegria; o ver que os outros estão melhores graças à nossa actuação, compensa largamente o esforço e o sacrifício envolvido no processo de sublimação.
Pe. Jorge Amaro, IMC