15 de fevereiro de 2015

Possuidores ou Possuídos?


O clero secular, embora não fazendo explicitamente um voto em matéria de castidade e de obediência, está chamado a viver estas duas virtudes, tal como nós. A pobreza é o voto que mais caracteriza o religioso e sobre o qual o clero regular nada promete.

O religioso vive em comunidade, por isso a ordem pode até ser rica mas o frade é pobre, pois nem tem acesso nem uso dessa riqueza. Os sacerdotes seculares vivem sós, uns até mais pobres que os religiosos mas outros amassam grandes fortunas, causando desavenças entre os sobrinhos que as vão herdar, será ou não por isso que se diz: “A quem Deus não dá filhos, dá o diabo sobrinhos”

Primum vivere, deinde philosophari
Alguns, ocupados em altas filosofias, esquecem-se de que têm que trabalhar para conseguir o necessário para a sua subsistência. A estes recorda São Paulo quem não quer trabalhar que não coma. (2 Ts 3, 10). É o trabalho que gera a riqueza que nos permite manter as funções vitais, ou seja estar vivos.

Na verdade, quem quiser salvar a sua vida, há-de perdê-la; mas, quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, há-de salvá-la. Marcos 8, 35. Viver e estar vivos são uma e a mesma coisa para os animais, não assim para os humanos. É certo que para viver é preciso estar vivo, mas o sentido e objectivo da vida humana não é manter-se vivo, não é reter a vida; pelo contrário, é perder, é dar a vida, é desviver-se, entregar-se a uma causa, usar todo o tempo e energias de que é composta a nossa vida por um ideal, um sonho, uma ambição. A vida não é portanto um valor absoluto mas relativo; valor absoluto é a razão pela qual eu vivo.

Os bens materiais, portanto, nada tem que ver com a vida mas sim só com o estar vivos, com o manter as funções vitais. Quem dedica a sua vida a amassar riquezas está a dedicar a sua a vida a manter a vida pelo que pode até chegar a ter o necessário para manter as funções vitais de duas e mais vidas mas só vai ter uma e essa uma gasta estupidamente sem sentido.

Psicanalise do possuir
Quando lemos contos populares que falam sobre dinheiro transformado em fezes, e vice-versa – de acordo com Freud – é apenas uma referência de como o conceito de “posse”, de dinheiro ou qualquer outro bem, se originou no nosso psiquismo.

Na fase narcisista do desenvolvimento, as fezes têm muita importância para a criança, pela simples razão de que as fezes saem de – ou se originam – no seu próprio corpo. Isto reflecte o elevado apreço, ou estima, que a criança tem para si mesma. A mãe reforça esta "atitude", quando se preocupa com a criança, nos momentos em que esta está com prisão de ventre e é incapaz de defecar. Quando, finalmente, a criança tem um movimento intestinal, a criança mostra e exibe com orgulho as suas fezes à sua mãe, e esta fica muito contente.

De acordo com Freud, quando perde as suas "altamente valorizadas" fezes, a criança sente que perdeu algo, e que este algo, lhe pertence e deveria estar dentro do seu corpo, mas que agora está fora dele; a criança também se dá conta de que por muito que quisesse, não pode voltar a colocar as fezes dentro de si. Ao não poder fazer voltar a si as fezes, a criança declara “suas” que essencialmente ou simbolicamente significa que as quer voltar a incorporar em si mesma.

Como dissemos, do ponto de vista da psicanálise, o amor pelos bens materiais está enraizado na fase narcisista, ou anal, do desenvolvimento de uma criança. Nesta fase, o egocentrismo é predominante na criança, ainda não desenvolveu a capacidade de sentir afecto pelos outros, nem possui ainda qualquer capacidade de amor ou de ódio, pois são realidades que pertencem à fase seguinte, a fase genital.

Possuidores ou possuídos?
Se as vossas riquezas crescerem, não lhes entregueis o coração. Salmo 62, 11
Porque, onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração. Lucas 12, 34

Infelizmente o jovem rico, do evangelho de Mateus (19:16-23), decidiu ficar com as riquezas quando Jesus o confrontou e lhe deu a escolher entre riqueza material e riqueza espiritual. Diz o evangelho que ele ficou triste ante a sua própria opção; as riquezas podem dar prazer mas não alegria e o prazer é quase sempre seguido pela tristeza.

O jovem rico recusou seguir o mestre porque ante a perspectiva de perder as riquezas, a sua falsa segurança paralisou-o. Seguir o mestre foi o que o moveu ir ter com Jesus, ele queria seguir o mestre mas não podia; e não podia porque possuía muitas riquezas, mas sim porque era possuído por elas pelo que não era livre, não se possuía a si mesmo nem era senhor do seu destino. O que aconteceu ao jovem rico, e acontece a todos os que dão o seu coração às riquezas, é como vender a alma ao diabo.

Onde está o teu tesouro aí está o teu coração adverte o evangelho. Por isso quando damos o coração às riquezas, vendemos a alma ao diabo; a partir desse momento só possuímos do ponto de vista contabilístico porque do ponto de vista psicológico e espiritual nós somos possuídos.

Se o objecto de amor são bens materiais então uma estranha simbiose acontece, entre a pessoa e os bens matérias que ama. Define-se simbiose como sendo uma relação de mútua beneficio e dependência entre dois seres vivos. Há uma troca ou partilha entre os dois: os bens materiais partilham a sua matéria, pelo qual a pessoa que os ama materializa-se; a pessoa partilha o seu espirito, pelo qual os bens matérias espiritualizam-se. O sujeito que antes dizia que possuía passa a ser possuído. Não é o jovem rico que possui os bens materiais, são os bens materiais que possuem o jovem rico.

 Porque o dinheiro é um bom escravo, mas um mau mestre, aquele que é seduzido pela riqueza, perde a sua liberdade. Na realidade, é a riqueza que passa a "comandar" a sua vida e não ele mesmo. Quando o único objectivo da vida é possuir, e o possuir só serve para manter as funções vitais, a pessoa vive para estar viva, ou seja vegeta.
Pe. Jorge Amaro, IMC

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