15 de dezembro de 2013

O Embuçado


(…) E nesse salão dourado / de ambiente nobre e sério / para ouvir cantar o fado / ia sempre um embuçado / personagem de mistério

Mas certa noite houve alguém / que lhe disse erguendo a fala: / -"Embuçado, nota bem, / que hoje não fique ninguém / embuçado nesta sala!"

E ante a admiração geral / descobriu-se o embuçado / era el-rei de Portugal, / houve beija-mão real / e depois cantou-se o fado. / João Ferreira Rosa, O Embuçado

A vida numa gaiola de ouro
A curiosa história, à qual alude este fado clássico, pode não ter nunca acontecido em Portugal, mas nada impede que possa ter acontecido, e voltar a acontecer, em qualquer tempo ou lugar. Isto porque coloca em evidência uma verdade incontornável; dizem que os poderosos em geral: reis, imperadores, presidentes ou papas, são as pessoas mais bem informadas, e de certa forma é verdade, mas também o contrário pode acontecer. A informação que lhes chega não é nem de primeira, nem de segunda, nem de terceira mão; frequentemente a notícia passou por várias pessoas e, como “quem conta um conto acrescenta um ponto”, já chega ao destinatário demasiado filtrada e/ou carregada de conotações e interpretações, que a colocam cada vez mais longe da verdade e da realidade; por vezes, a informação, pode mesmo não chegar ao destinatário porque foi retida por alguém, que segundo o seu critério, a achou irrelevante

Muitas vezes os círculos concêntricos de pessoas, que rodeiam um governante ou qualquer pessoa importante, são autênticas muralhas, que a impedem de ter uma visão clara e objectiva do mundo que a rodeia e dos problemas que é chamada a resolver. A título de anedota: alguém definia segredo pontifício como sendo aquilo que todos sabem, menos o papa. Frequentemente aqueles, considerados poderosos, vivem numa gaiola de ouro e têm menos liberdade que nós… Um dos que tradicionalmente vive em Gaiola de ouro, com liberdade de movimentos bastante reduzida, é a figura do Papa. Contrariando este facto e em linha com o Embuçado, a guarda suíça, encarregada da segurança do papa,  confirma que o papa Francisco" já se aventurou à noite, vestido como um padre normal, para se encontrar com os sem-abrigo de Roma."

Mediadores
Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e por meio de quem fez o mundo. Este Filho, que é resplendor da sua glória e imagem fiel da sua substância. Hebreus 1, 1-3

Durante muito tempo, “isolado” no céu, também Deus tinha o seu círculo de intermediários e mensageiros, que toldavam as mensagens de Deus, ao seu povo, com a sua personalidade, preconceitos e ideias próprias, pelo que Deus se encontrava impossibilitado de comunicar-se plenamente com a humanidade. Com efeito,  “Traductor, tradictor” diz um proverbio latino; um tradutor ou intérprete é sempre um traidor, pois no acto da tradução deixa trespassar a sua idiossincrasia.

No Natal o invisível faz-se visível
A Bíblia diz-nos que Deus é espírito. O Espírito é imaterial e portanto é invisível e incomensurável aos nossos sentidos. Nós somos seres espácio-temporais, Deus vive na eternidade, um Reino completamente diferente do nosso. Não vemos as ondas da rádio, da TV e do telemóvel, e precisamos de dispositivos adequados para as captar; como Deus é espírito, só o nosso espírito está preparado para o captar.

Sendo de condição divina, (…) esvaziou-se a si mesmo, (…) tornando-se semelhante aos homens. Filipenses 2,6-7. Num determinado momento da história da humanidade, decidiu Deus despir-se da sua divindade e vestir-se, ou disfarçar-se, de ser humano. “Cansado” de mandar recados, decidiu, Ele mesmo, visitar e viver no meio de nós. Desde dentro da nossa natureza humana, totalmente assumida por Ele, mostrou-nos pela sua palavra, o seu comportamento e a sua acção como é, e deve viver, o homem.

Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. João 1,11. Jesus, Deus feito homem, nasceu em Belém numa manjedoura, cresceu e foi educado humildemente numa aldeia de periferia, Nazaré, foi aprendiz de carpinteiro e dotado de uma aparência física sem relevância. De acordo com a nossa expectativa natural, Deus deveria ter vindo em glória e cheio de poder, com milhares de anjos, flanqueando-o em ambos os lados. A voz dele deveria ter sido como um trovão. O Seu rosto deveria ter sido brilhante como o sol.

Eis porque foi difícil reconhecê-lo como Deus para as pessoas daquele tempo; eles não entendiam que Deus tinha que vir de forma humilde, para ser nosso amigo e nosso irmão, para nos falar de tu a tu, desde dentro da nossa natureza e condição humana. Como naturalmente o esperaríamos, um dia ele virá pela segunda vez, em plena glória como o rei dos reis, para julgar e fechar a história humana da qual Ele é Alfa e Omega.
Pe. Jorge Amaro, IMC

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